Capítulo com a participação especial de Stella Lombardi, personagem da excelente Débora Mestre
Capitulo 12 - Aparando as arestas - POV Mariana
CAPÍTULO 12 - Aparando as arestas - POV Mariana
Do dia que fui presa não lembro de muita coisa, algumas partes se confundem em minha cabeça, acho mesmo que deletei alguns detalhes importantes, foi como se tudo tivesse embaralhado dentro de mim, diz a psicóloga que é normal, de mais concreto lembro do abraço fraterno que dei em Patrícia e do nosso adeus, não temos como continuar uma na vida da outra, os anos e os estragos que fiz estão enraizados em suas memórias e coração, eu entendo, não dá mesmo para fingir que nada aconteceu, sabe como é?, ela me perdoou, mas, estar perto seria o mesmo que abrir uma casquinha de ferida, preferimos deixar tudo como está, escondido lá dentro do baú de memórias afetivas e seguimos, sabe quando falamos para alguém, quem sabe um dia, mas, no fundo a gente sabe que esse dia jamais vai chegar?, é o que sinto, o meu "sinto muito, me perdoe", não vai apagar o meu passado, e esse não pode ser modificado, de bom eu sei que posso apenas transformar o meu presente, e vou dizer... isso já é muito.
Apesar dos crimes que cometi não fiquei presa de fato, aliás, passei "apenas" três dias inesquecíveis em uma sela da delegacia e pode ter certeza, foi mais que suficiente, não tem nada pior do que ter a liberdade restrita, fora isso, passei um aperto grande, juro que pensei que a qualquer hora fosse virar a "marmita" de umas das presas, elas me olhavam de um jeito tão lascivo que eu sentia que um nó estava se formando em minhas tripas, o pior é que não teve como não trazer a memória as tantas mulheres que machuquei e tratei como objeto, me arrependo, e caso eu as encontre nessas andanças da vida, eu deixo o meu sincero pedido de perdão registrado.
Segundo meu advogado, eu tive sorte, como a Lei de crimes ambientais não prioriza prisões e tem como objetivo principal a reparação de danos a natureza e não a punição mais severa dos responsáveis pelo delito, eu paguei uma multa que me custou a fazenda, fora que como parte da pena tive que prestar serviço voluntário de um ano em uma ONG de animais a serem adotados, estou amando e pretendo continuar ajudando depois que a pena terminar. Ah, em falar em animais, todos os que estavam na fazenda foram levados a uma reserva, e eu poderei seguir minha vida, com algumas marcas, mas, de consciência mais tranquila.
Atualmente estou trabalhando com Amanda, aquela veterinária que tive um casinho por algum tempo, então, depois que ela parou de trabalhar para mim, conseguiu realizar seu grande sonho, abrindo uma clínica especializada em animais de pequeno porte, estou muito animada com o trabalho, fiz alguns cursos e em breve vou começar Medicina Veterinária, quero devolver aos animais tudo o que tirei deles, nem que seja fazendo benefícios a outros.
Por falar em Amanda, em uma noite qualquer ela apareceu no meu apartamento, queria perguntar se eu aceitava ser sócia da clínica, lógico que ela também veio atrás de um pouco de prazer, aceitei a proposta de negócio, mas, a noite de sex* eu recusei prontamente, aleguei que estava me guardando pois queria encontrar a pessoa certa, queria fazer amor com a eleita do meu coração, ela riu, mas, ao perceber que estava falando sério disse que faria de tudo para um dia se tornasse essa pessoa, a verdade é que nessa altura do campeonato estou me sentindo um bebê desengonçado em relação a essas situações, quando vejo uma mulher olhando pra mim como um dia também olhei para elas, me sinto muito mal, eu perco o rumo, dá até para imaginar minha versão antiga perguntando a nova se estou de sacanagem, eu responderia...de jeito algum, estou falando seríssimo, eu perdi todo meu feelings com mulheres, se isso é engraçado ou bom?, já não sei.
Já era tarde na noite e enquanto ouvia uns mantras, hábito que adquiri com minha psicóloga, tomava um chá de camomila esperando que Fandangos desse suas três voltas olímpicas em torno da sala inteira, como ele sempre faz antes de dormir, e fiquei lembrando de Stella, eu gostaria de dizer que ficamos juntas, que ela descobriu nesses quatro dias que todos os seus sinos internos badalam por mim e que da mesma forma, tem uma coleção de borboletas que povoam em seu estômago com a minha assinatura, mas, não, não foi isso que aconteceu, no dia que sai da delegacia, ela foi me buscar, me deu um abraço, pagou os honorários da advogada e uma parte da multa que restava, com muito carinho entregou Fandangos e um enorme saco de ração, petiscos, brinquedos e uma cama, eu esperava que ela me dissesse algo mais, no entanto, diante da minha ansiedade, ela apenas sorriu, disse que amava a Sam, e o pior, havia muita verdade no seu olhar, infelizmente, ela realmente amava a antropóloga, só não precisava dizer que estavam pensando em casar e em breve iam se mudar, vão passar um ano fora, acho que a Samantha vai fazer um pôs doc e ela vai junto, e quer saber?, tudo bem, que seja feliz, a gente não pode realizar todos os sonhos, eu só queria que não estivesse doendo tanto, mas, não há nada que o tempo não cure.
Outra ferida que não passa, é a morte do meu irmão, como fui a "raspinha do tacho", Ian era praticamente o meu pai, mesmo sendo possessivo e estranho, era ele quem cuidava de mim sempre que meus pais viajavam para trabalhar, o que era sempre, aliás, já os perdoei, as coisas são como são, eles dentro do pensamento meio oblíquo que tinham faziam o melhor que podiam, acho que de certa forma, eles pensavam que estavam fazendo o melhor. Eu soube pelo meu advogado que infelizmente o fim de Ian não poderia ser diferente, ele ia atirar em uma das policiais, mas, a Delegada Nicolle foi muito mais rápida, chorei e lamentei sua morte, mas, tento lembrar apenas das coisas boas, e sempre temos algo a contar, não é?.
E é para rever tudo isso que estou aqui, e tenho me saído muito bem, acordei cedo, espreguiçando suavemente o meu corpo, estou há três dias em Pernambuco e resolvi caminhar na beira da praia, tirei essa semana para renovar minhas energias, estou em uma pousadinha simpática aqui na Praia dos Carneiros, um pequeno paraíso pernambucano, lugar maravilhoso onde posso refletir sobre a minha vida, aqui acordo cedo, passeio olhando o mar, faço alguns exercícios e a noite vou a um restaurante comer um peixinho frito, as vezes um camarão, neste mesmo restaurante tem uma gostosa música ao vivo e fico até mais tarde conversando com os donos, um casal de conterrâneos gaúchos que resolveram recomeçar a vida por aqui, e assim, vou levando, consegui tirar do meu cardápio a carne vermelha, claro, que não estou fazendo apologia e nem criticando quem come carne, é só uma condição, não estava me sentindo confortável comendo, foi uma escolha racional, resolvi que não queria mais comer e sigo sem fazê-lo, claro, ainda dá vontade de cair de boca em um churrasco, mas, meu amor pelos animais é tão mais forte que me faz superar qualquer desejo.
No final da tarde deitei para dormir um pouco e acordei com Maria Clara e Gustavo me convidando para sair, eu confesso que queria ficar um pouco mais na cama curtindo aquela preguiça gostosa, ouvindo o barulho suave das ondas do mar e me embalando entre os lençóis, mas, achei que seria muito antipático não tirar algumas horas para estar na agradável companhia daquele casal tão educado. Tomei um banho rápido e coloquei uma calça jogging na cor mostarda e uma batinha curta branca bordada com arabescos e uma sapatilha, me arrumei e fiquei esperando os dois, fomos a um local com música ao vivo, cercado por inúmeros coqueiros de frente a uma praia paradisíaca, este lugar onde ficamos pertence a "Pontal dos Carneiros Beach Bungalows", um complexo de bangalôs incríveis frequentado obviamente por pessoas descoladas.
- Então Mariana, quantos dias ainda tem por aqui? - Perguntou Maria Clara.
- Infelizmente fico até domingo apenas, precisaria ficar bem mais, tenho só mais três dias, foram rápidos, mas, me ajudaram muito, vou levar esse lugar no coração...
- Você está em um processo de cura querida, não se cobre tanto.
Olhei assustada para ela, nunca tinha dito nada sobre mim, muito menos sobre o meu passado, será que ela sabia?, o que será que era ela, Médium? Cigana? Vidente?, tantas coisas passavam em minha cabeça, olhei assustada, para logo depois pensar que estava viajando, ora, podia simplesmente não ser nada, apenas uma impressão, é horrível quando se carrega uma culpa, parece que tem um estigma o tempo todo apitando em você, fora que a consciência anda junto com medo de errar, parece que esses dois inimigos estão no teu encalço esperando um vacilo para te cobrar, o pior é que muitas vezes sinto como se o meu passado a qualquer hora fosse voltar a bater em minha porta.
- Mari?, Mariana? - Maria Clara me clamou, enquanto isso, Gustavo pediu licença e foi conversar com uns amigos na mesa da frete.
- Oi?.
- Mas, não me olhe assim, além do restaurante, eu sou terapeuta holística, acho que aprendi com o passar do tempo a perceber as pessoas e seus processos, eu reconheci no teu olhar e até nos gestos o medo que tem de ter contato com as pessoas, eu já vi esse mesmo olhar em muitas que passaram em meu pequeno espaço, quero te propor um convite, amanhã te pego na pousada e você vai passar o dia comigo, tenho muitos atendimentos e vou adorar ter alguém para me ajudar, a cura do outro nos ajuda a curar a gente, mas, acho que você já descobriu isso, não sei porquê.
Não falei nada, mas, concordei em passar o dia na companhia de Maria Clara ajudando no que fosse possível, estávamos conversando quando vi de longe uma mulher se aproximando, estava com uma bata ocre estampada até a altura dos joelhos, ela tinha a pele dourada de sol, seus cabelos eram castanhos e cacheados com algumas fios aloirados e brilhantes olhos negros, quando sorriu foi como se um grande sol houvesse me iluminado, ela apenas me cumprimentou com a cabeça e abraçou Maria Clara.
- Nossa, a quanto tempo não vejo você, que saudade senti, visse?...
- Liane, não sabia que estava por aqui, quando chegou de viagem?, senta, fica à vontade afinal o bangalô é seu mesmo, deixa te apresentar, essa é Mariana, uma amiga minha e de Gustavo.
- Cheguei há uma semana Clarinha...como vai Mariana?.
Liane sorriu para mim, puxou uma cadeira e sentou, dela emanava um cheiro gostoso, uma mistura amadeirada misturada com baunilha.
Maria Clara sorriu e perguntou:
- Então, como está o coração?.
- Em processo de cura...você sabe, não foi fácil, nunca será fácil...
- Li, posso contar para a Mari?, ela está voando, coitadinha...
Liane falou um "pode" com um volume mínimo de voz, enquanto eu fiquei observando atentamente as duas e pedi um "muvuca", uma batida não alcoólica, feita com frutas vermelhas e água de coco.
- Mari, vou te contar um resumo, Flávia, a namorada de Liane despareceu aos 29 anos, após sair do trabalho para almoçar, sumiu sem deixar vestígios, há pouco mais de dois anos, até hoje não se tem nenhuma pista, nada que explique...
Liane buscou ar, me olhou com seus profundos olhos negros e continuou.
- Sabe Mariana, todas as manhãs acordo com a mesma dúvida, será que ela está viva depois de tanto tempo?, as vezes acho que não, as vezes creio que sim, sei que frequentemente me paira uma nuvem sobre o que aconteceu, é tudo tão confuso, é como se eu estivesse presa em uma teia, envolta em um turbilhão de hipóteses de tudo o que pode ter acontecido...um dia quando achei que não ia suportar a dor, deixei meu sócio cuidando dos bangalôs e fui a Índia, queria uma cura para esse coração que está muito cansado, na verdade eu continuei a minha vida, sabe?, mas, esta dúvida é cruel demais, ter uma namorada desaparecida é muito pior do que ter uma morta... o meu coração, ele...ele está sempre apertado, cheio de dúvidas e saudades, mas, eu dentro do possível aceitei...acho que já descobri que...eu...eu vou ter que viver com essa dor o resto dos meus dias, na verdade, não tenho certeza se essa história vai ser elucidada ou não, a verdade é que tem dias que consigo conviver bem com o que sinto, outros não...
Algumas lágrimas desceram em meu rosto com o seu relato, eu tratei de enxuga-las rapidamente, e enquanto isso Liane me olhava, e dentro do seu silêncio escutei tantas coisas, de repente desabei em um choro convulsivo, ela ficou tão sensibilizada quando desatei a chorar, que deve ter sentido pena de me deixar chorar sozinha e chorou junto, gaguejei tentando me explicar e por fim cobri o rosto com as mãos quando ela puxou sua cadeira pra perto da minha e me abraçou, e chorei no colo dela como se fosse minha amiga de anos, parado um pouco o ápice da emoção, Maria Clara chamou Gustavo e ficamos dentro desse abraço coletivo por muito tempo.
Depois do abraço me despedi de Maria Clara e Gustavo e aceitei a carona de Liane até a pousada.
- Quer entrar um pouco? - Perguntei ressabiada.
Liane respondeu que sim e entramos, coloquei minha bolsa em cima da mesa, pedi que sentasse e perguntei se ela aceitava beber ou comer alguma coisa, ela pediu água e a servi, colocando um pouco de água para mim, e sabe como é, no estado de total carência, a aproximação de alguém desperta sentimentos confusos e variados, e foi assim que ela me puxou pela cintura e me beijou, eu tentei me soltar, mas, ela foi firme, e deixei que acontecesse, parece que senti um start, isso fazia parte do nosso processo de cura, o meu e o dela, e me deixei beijar, e foi nesse longo beijo que ficamos o resto dos meus dias, foi Liane também que me levou até o "Aeroporto Internacional dos Guararapes" em Recife.
- Se eu te agradecer Mari, vai te parecer muito estranho?.
- Claro que não, eu também preciso agradecer, você me libertou do medo que eu tinha, agora sei que estou preparada para o amor, se ele vier e me encontrar, que seja legítimo.
- Você também me libertou, sei que ainda não é a hora certa, você sabe, a...minha namorada, ela ainda está aqui e se...
- Não precisa explicar Li, nós já sabíamos que nós...bom, sabemos que hoje encerramos aqui a nossa história, e sei que sempre estaremos na vida uma da outra, não como namoradas, ficantes, mas, como amigas.
Selamos aquele dias maravilhosos com um abraço, entrei na aeronave correndo, foi quando ouvi o meu nome sendo chamado pelo comandante.
- Sra. Mariana Trasi.
Sai correndo para saber o que tinha acontecido, o comandante me olhava irritado e com os braços cruzados.
- A senhora está no avião errado, este está a caminho de Fortaleza, não de Salvador, pode voltar e verá a indicação para a aeronave certa.
Agradeci e entrei esbaforida no avião, pedi desculpas a tripulação e corri para sentar em minha poltrona, como ela estava ocupada por uma criança adormecida no colo da mãe, a comissária de bordo me levou até a primeira classe, pediu que aguardasse, enquanto conversava com uma ruiva que estava sentada, vi que a mulher de beleza cinematográfica olhou em minha direção, balançando a cabeça em concordância, pedi licença e sentei ao seu lado.
- Olá, como vai?.
- Tudo bem, prazer, Stella Lombardi. - Ela sorriu mostrando os dentes alinhados em um sorriso tranquilo de Monalisa.
- Prazer, Mariana...
E fui o resto do caminho inteiro tentando escapar da conversa fiada da ruiva, lógico que ela tentava demonstrar uma leveza que obviamente não tinha e não foi preciso mais do que cinco minutos para compreende-la bem, ó... jamais subestime uma sobrevivente.
Fim do capítulo
Comentar este capítulo:
Anny Grazielly
Em: 09/03/2021
Aiaiaiai... adoro Carneiros.... eh um lugar fantástico....
e Mari... que evolução!!!! Simplesmente amei... e assa Stella do avião?!?! Interessante!!!
florakferraro
Em: 06/12/2020
É como a Gaby falou foi um processo de mudança, não gostava dela e agora estou fã, ela está se esforçando para ser melhor.
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brinamiranda Autora da história
Em: 17/08/2020
Mariana só não me disse com quem termina essa história rsrsrs
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Gabi2020
Em: 16/08/2020
Olá!
Mariana... Mariana... Queria odiá-la, mas não consigo... Ai ai ... Esse processo de mudança , essa transformação... Estou aqui torcendo por ela.
Stella Lombardi? Humm... Ai ai ... Stellinha!
Beijos
Resposta do autor:
Oi Gabi,
Pois é, a Mariana mudou bastante, já começo a receber uns e-mails elogiando e torcendo para o seu final feliz, acho que ela merece um Happy End, né?, vamos ver quem vai ser a sua eleita...Stella Lombardi SUA LINDA....veio enfeitar meu livrinho...ahhhhh o charme das Stellinha's estão com tudo hahahhaah
bjsssss
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