Parte III
Dizem que boas ações geram boas consequências. Mas foi furando o isolamento (à época já perto do fim, porém, ainda em vigência) que Júlia descobriu, finalmente, o sobrenome de Isolda. Estava momentaneamente distraída, num almoço de família, quando aquela sonoridade (Isolda Souza Takeshi) lhe brindou os ouvidos. O pai que lembrou. E nem estavam falando a respeito, na ocasião.
Para Júlia, virou um passatempo até que sério, nas tardes trancafiada, vasculhar as redes sociais atrás de alguma pista daquela mulher. Era difícil, os vestígios de Isolda eram escassos, quase inexistiam. Pode procurar: não existe. Fica desafiador até para quem é bom na arte de stalkear (palavra gringa que já virou até verbo).
“Por que essa fixação?”, queriam saber. Júlia sabia de muita coisa, era uma pessoa estudada, vivia com a cara enfiada nos livros, mas ainda assim não tinha respostas para tudo. E virou quase uma obsessão, mesmo. Era questão de honra encontrar Isolda, ou alguém da família que levasse até ela. Precisava, porque... sim!
É fácil encontrar motivações quando se vive uma pandemia.
E Júlia tinha o dom de postergar suas atividades, tinha uma preguiça que às vezes mal cabia nela. Era a rainha da procrastinação. Era perita em investir seu tempo em atividades fúteis. No fim do dia, quando preenchia o aplicativo de humor com as atividades desempenhadas (há quase mil dias seguidos), tinha até dificuldade em se lembrar do que tinha feito. Era comum não fazer muita coisa ao longo de um dia.
Como se não tivesse mais nada para fazer, depois de um tempo constatou, a contragosto, que nem todos estão nas redes sociais, ou na internet, de alguma forma. E alguns não estão porque morreram (parece trágico, mas é uma realidade. Pessoas morrem, ué).
Seus pensamentos, sempre terminativos, rumaram para aqueles lados. Claro, ela sempre pensava o pior de tudo, principalmente para si mesma, por que seria diferente desta vez? Conhecia gente que tinha morrido; conhecia muitos que ainda estavam vivos (e eram a maioria). Então se convenceu de que provavelmente Isolda só era reservada, vivia à moda antiga. Esta também era uma possibilidade.
Fez algumas pesquisas, com algumas variações, e encontrou quase todas as pessoas (Úrsula, Esther, Alexia, a mãe). Foram dias de busca (nessas horas a gente vira detetive) e não encontrou nada além de uma única fotografia – com Isolda no canto, quase borrada. Estava viva, afinal. Aparentemente era uma pessoa tímida. Ou Júlia que era estúpida: custou a perceber que, na verdade, nunca via a mulher nas fotos porque ela era sempre a fotógrafa. Reconheceu um logo em várias fotografias da família nipo-brasileira.
Pessoas tendem a ser mais reservadas do que empresas e... “enviada”. Mandou uma mensagem na página da agência de Isolda e nem pensou. “Oi, lembra de mim? A gente brincava quando era criança”. Depois ficou pensando se deveria ter enviado uma foto daquela época para facilitar a identificação e quando ia se levantar viu que a mensagem foi lida. E estava sendo respondida.
Marcaram um café com bolo, na tarde seguinte. Ia ser dali dois dias, mas Isolda questionou, um pouco seca, “por que não amanhã?”. Não moravam próximas, mas não era longe. Dava para se verem. Por mensagem, pouco falaram. No fim, Isolda aparentava ser realmente tímida e reservada. Ou só estava fazendo a #misteriosah
Júlia jamais saberia, mas Isolda fez sua ficha corrida. Ela, sim, era boa em investigações.
Na manhã daquele dia Júlia quase esqueceu do compromisso. Mas se lembrou a tempo de limpar a casa e lavar a louça, que já a aguardava há quase uma semana (morava sozinha e se impressionava com sua capacidade em sujar panelas, mesmo quando quase não comia). Passou pano, tirou pó, acendeu incensos, trocou o sal grosso de trás da porta e dos cantos do quarto. No banho também deu aquela geral.
Se depilou como há muito não fazia – no zero; no talo. Não gostava, sempre se coçava depois, mas percebia que, em geral, é como as mulheres apreciam (ela, não. Júlia, na verdade, gostava de pelos, principalmente aqueles que são bem macios e dá vontade de ficar passando a mão uma tarde inteira, enquanto assiste Netflix).
Aproveitou o ensejo e se masturbou no chuveirinho. Se encurralou no cantinho do box, levantou uma das pernas, só um pouquinho, e contraiu-se enquanto direcionava o jato, certeiro, bem no clit*ris. Era um gozo breve, quase artificial, mas suficiente para conter o fogo que ela sentia naquelas partes.
Não tinha a menor ideia de como seria aquele “bolo com café”. Na dúvida, era válido estar preparada (“goz*da”, no caso, mesmo que à base de chuveirinho!). Tinha horror de se imaginar goz*ndo rápido em companhia de alguma dama, por afobação, por ansiedade.
Marcaram às 15h. O interfone tocou às 15h05. O cachorro latiu até às 15h07, quando ela apareceu no corredor, depois que a porta do elevador se abriu e o seu cheiro se derramou junto dela. Usava salto, vestido e carregava um bolo. Tirou a máscara (acessório de muita gente, mesmo depois do fim da covid) quando entrou na sala, e revelou um sorriso ali embaixo. Deu um beijinho nela segurando o bolo com uma mão e, com a outra, puxou-a de levinho pela cintura (quase só tocando, mas deixando ali algum recado, com a rigidez das pontas dos dedos).
Júlia se sentiu boba, à princípio. Não tinha nem penteado o cabelo (que estava todo raspado, exceto a franja. Ela só lembrava disso quando sentia a água do chuveiro fazer cosquinha na careca). Estava em casa, bem à vontade, nem colocou sutiã e tinha calçado a pantufa porque seu chinelo arrebentou na faxina. A regata deixava à mostra algumas de suas tatuagens, coloridas. Notou que, assim como com ela própria, aquela era uma versão “espichada” de Isolda. Quase não tinha mudado, mas era muito diferente. Era uma mulher, agora, afinal.
Dela vibrava uma tensão, sexual. Esquisita, mas prazerosa.
Isolda se sentou no cantinho do sofá. Tirou a sandália e cruzou as pernas. Parecia a Branca de Neve. Tinha um perfume forte, um pouco incômodo, à princípio, mas que fazia formigar a parte de baixo da barriga de Júlia. Como se houvesse um elástico ali dentro, entre vagin* e umbigo. Algo nesse caminho se contraía e relaxava, toda hora, involuntariamente. E a deixava molhada. Assim, de graça. Ou Isolda é quem emanava algo que entrava na sua cueca e provocava esses estalos que a faziam jorrar. Era capaz.
O bolo era de churros, enjoativo, e o café, forte, ficou ruim por causa do gosto doce na boca. Mas Júlia não movia nem um músculo. Não desviava o olhar de Isolda, que contava histórias um pouco íntimas demais para alguém sem tanta intimidade. Com potencial de ser tantas coisas, Isolda era uma mulher casada que não fazia sex* com o marido, e tinha o traído recentemente com um vizinho (marido de sua amiga). Era uma safada, sem vergonha! Olhava para Júlia com uma quase cobiça. Parecia estar com fome (de pele). Deixava a moça constrangida.
Não que Júlia fosse puritana, ou dotada de muito senso de justiça ao ponto de recusar uma foda por causa de uma aliança no dedo, mas se sentia meio mal por isso. Era muito empata, se colocava no lugar da pessoa traída e aí ficava meio travada. Mas também era humana, e Branca de Neve era muito bonita, e Júlia percebeu que Isolda também tinha o toque muito macio, quando sua mão roçou de leve a lateral de seu rosto, fazendo-a fechar os olhos um pouquinho e soltar o ar mais devagar, como num suspiro. Era um gesto gentil, mas a atiçava como brasa dentro dela.
Fim do capítulo
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