Araci

* * *

...

--Quase três o quê, Nina? Anos? Meses?

--Moraram juntos por quase 3 dias. - Falou rindo da minha cara de espanto.

--Só isso? Mas por quê? O que houve? - Perguntei incrédula.

--Parece que ele era casado, mentiu para mulher dizendo que viajava a negócios, alguma coisa assim. Nunca soube ao certo o que diabos ele fez, nem o real motivo de ter se aproximado da aldeia. Ele deu uma quantia em dinheiro para Tia Araci não falar que a filha era dele, fingir que nunca haviam se visto. Com esse dinheiro Tia construiu essa casa e disse que deu o que restou para igreja que começou a frequentar na época. No entanto, também não sei ao certo o que houve.. os detalhes.. nem se tudo isso é verdade, Tia Araci não falava muito sobre.

--Esse homem é no mínimo um baita filho da ... Aposto que foi por tudo isso que Dona Araci se isolou aqui e colocou na cabeça da Yaya uma imagem ruim dos "Juruás", né?

--Isso mesmo. Espertinha você, hein. E muito fofo você chamando a Yaya de Yaya, seus olhinhos até brilham. --Zombou Nina, mostrei língua para ela.

--.. O que houve com a mãe dela?.. A Dona Araci?

--No níver de doze anos da Yaya, Tia Araci foi até a cidade comprar um presente. Quando voltou estava toda machucada, mas não quis procurar ajuda. Fez Yaya jurar que jamais contaria de quem é filha nem aonde mora para nenhum Juruá.
Tia Araci teve que ir até a cidade de novo cerca de uma semana depois e sumiu. Eu e Raoní fomos até polícia, nada. Contratamos um detetive, nada. Até que recebemos uma ligação anônima dizendo que se o caso dela fosse divulgado nas mídias as chances seriam maiores. Achamos bem estranho e complicado, mas estávamos desesperados. Graças a um conhecido jornalista conseguimos. Um dia depois que passou a foto na tv, Tia Araci foi encontrada: desacordada, espancada e violentada no meio de um matagal lá em São Paulo, depois de dias desaparecida.

--Que horror, Nina. Como ela foi parar lá? E Yaya como reagiu?

--Ninguém sabe como a Tia Araci foi parar em São Paulo. Depois de um mês em coma respirando com ajuda dos aparelhos, alguém entrou no hospital e "terminou o que começou", desligando os aparelhos. Até hoje ninguém foi preso e o caso foi simplesmente arquivado. --Nina contava extremamente emocionada, eu já chorava igual criança: --Yaya se fechou para todos, nunca mais foi a mesma, quase não sorri e quando acontece não é como antes. Nós nos apegamos muito mais depois de tudo isso, pois morei aqui com ela por 2 anos. - Esboçou um sorrisinho amarelo.

--Ainda bem que ela tem você. Então tu voltou para aldeia depois disso?

--Não. Sai da aldeia com 18 anos e vim morar aqui com elas por quase 1 ano. Fui fazendo curso na cidade, arrumei um emprego e.. longa história! - Olhava aflita para chuva que caia intensamente.

--Será que ela realmente está bem, Nina? Já escureceu e ainda não voltou.

--Ela deve ter se escondido da chuva. - Tentou me animar.

--Espero que seja isso. Mas me conta sua história assim nos distraimos e logo ela chega! Tu fez curso, arrumou emprego e saiu daqui?

--Quando terminei o curso me efetivaram no trabalho. Fui transferida para uma filial em São Paulo, fizeram uma proposta paravtrabalhar lá por alguns meses e se eu me saísse bem me mandariam para a sede da empresa que é em Madri .

--A Espanha é linda! Tinha que idade quando foi? Deve ter aproveitado muito a noite na Espanha, né.. - Falei tentando descontrair um pouco.

--Aproveitei em São Paulo mesmo, conheci meu marido antes de ir para Madri. -- Sorriu.

--Sério? Se conheceram em alguma boate?

--Na empresa mesmo. - Falou fazendo mistério.

--Seu colega de trabalho?

--Que nada. Era meu chefe. - Soltou o riso. --Foi tesão a primeira vista, depois de um tempo que o amor surgiu. Embora muitos não acreditem, pois eu tinha acabado de fazer 23 e ele com 48 anos, mas muito fogoso e gostoso. - Não resisti, acabei rindo da cara de safada que ela fez. --É sério. Assim que mudei para Madri, namoramos um tempo, logo noivamos e planejávamos nos casar dali três meses, no meu aniversário. Dias depois do noivado, me ligaram avisando que a Tia Araci havia desaparecido. Voltei na hora, direto pra cá.

--E seu noivo? Te deixou?

--Meu querido Alonzo me apoiou esse tempo todo, nos ajudaria no que precisássemos. Me pediu para voltar para ele quando Yaya estivesse bem. Ele esperaria. --Falou serena.

--Ainda bem que ele é compreensivo. Mas, e aí? O que houve? - Indaguei ansiosa por saber o desfecho.

--No aniversário de 14 anos, Raíra pediu de presente a minha felicidade. Conversou comigo, disse para eu viver a minha vida, seguir de onde havia parado por ela. Que eu já tinha feito muito e ainda me fez uma surpresa. Uns dias antes.. - Nina foi interrompida por um estrondo vindo da parte de baixo da casa.

--Que diabos foi isso? --Falamos juntas

--Vamos ver! --Descemos apressadas, Mari nem se mexeu.

. . .

Fim do capítulo