Sentimento?
Sentimento ?
* * *
...
--Como assim? - Perguntei confusa.
--A Yaya gosta de você! Vai dizer que não notou?
--Tu só pode ter enlouquecido, né. - Falei rindo, mas querendo que fosse verdade. --Ela me odeia, Nina! Até tentou esconder, mas não conseguiu. Além de quase não ter falado comigo e quando falou foi grossa. O bom é que eu também não fui com a cara dela. Claro que sou agradecida por ela ter salvado minha vida. Mas jamais seremos amigas, né.. rs- Completei com uma mentira, tentando disfarçar certa tristeza, sorri e olhei para Nina que me olhava diferente. (Não entendi o que significado daquele olhar). Até ela dar o mesmo sorriso 'vitorioso' que deu para Raíra antes dela sair para a mata.
--Yaya está confusa, não entendi o que está sentindo, Mika. Sempre teve uma imagem ruim dos juruás e acha que é errado uma mulher gostar de outra assim, ainda mais essa outra sendo branca e n..
--Ai, está vendo! Ela me odeia mesmo. Não que eu me importe, mas aposto que ela só me salvou e foi procurar o avião para conseguir alguma recompensa financeira. É uma mesquinha, preconceituosa, arrogante, igual meu pai e Henry. - Falei sem parar, tentando transformar a frustração em raiva.
--Micaella, você não sabe nada sobre a Yaya, não a conhece o bast.. -Nina permanecia com expressão e voz calma. Eu não. A interrompi novamente.
--Sei o suficiente sobre ela, conheço bem esses tipos! - Falei aumentando o tom. --Ela é uma selvagem, interesseira, preconceituosa, grossa.. - Eu disse sem conseguir conter algumas lágrimas, pois já tinha me apegado a "marrentinha" e nem tinha certeza do que eu estava falando só tentava criar adjetivos para tentar não gostar dela e continuei falando já que Nina só me olhava com uma expressão estranha: --A odeio também. Aquele bicho do mato ignorante, fria, fútil e... muito.. linda. Quer dizer.. leiga. Droga! - Ela me abraçou, Mari me olhava assustada da porta.
--Calma. Você nem deixou eu terminar de falar! Quis se entregar primeiro, né? Não tem como conhecer a Yaya em apenas algumas horas de contato. Nem ela nem ninguém, acho. - Disse me fazendo cafuné, enquanto Mari se aproximava.
--Que foi Tia? A perna tá doeno muito? Mamãe brigou com você? - Disse ainda com a cara assustada (Acho que pelos meus berros e choro), olhou com cara de brava para Nina. --Mamãe, não briga com a tia Mika, ela tá dodói!
--Sua mãe não estava brigando comigo, meu Anjo. - Abaxei, dei um beijo na testa dela que sorriu e me pediu colo, mas Nina que a pegou.
* * * *
Resolvemos ir ao riacho nos banhar antes do almoço. (É aqui não tem água encanada nem eletricidade. #fimdomundo).
Foi bem divertido, confesso. Até que o lugar é bonito, tenho que admitir. Algumas cachoeiras, mini cachoeiras ou quedas d'água, enfim.. Pegamos água para beber, fazer comida, lavar o rosto em uma das pequenas cachoeiras que ficavam mais para dentro da mata. Eu poderia me acostumar com aquilo. (Mentira.)
O tempo começou a fechar de repente, então, voltamos para "casa" que olhando de fora dava pra ver o porquê das curvas nela. Árvores. Desviando de árvores.
* * * *
--Vou fazer uma comidinha "rápida" para nós. Uma janta.
--Como assim? Ainda nem almoçamos.
--Mas já passa das 15:00h até ficar tudo pronto será umas 16:30h. Será um almojanta. - Disse com um sorriso sereno.
--E como tu vai fazer comida sem fogão nem microondas? -- Perguntei olhando ao redor.
--Fogão a lenha, ué. Agora vocês duas vão comer alguma fruta até a comida ficar pronta.
--Depois eu posso brincar no quarto da Dinda?
--Pode sim, mas não mexe na..
--Já sei, mamãe. Não vou mexe, não quero que a dinda fique tiste de novo. - Disse Mari pegando uma fruta e subindo para o quarto.
--Posso te ajudar?
--Claro. Você é boa na cozinha?
--Ah.. eu sei fazer várias coisas. - Respondi ocultando alguns pequenos fatos.
--Sério? Tipo o quê? - Desconfiou.
--Sei fazer.. Ovo mexido, cozido, miojo, salsicha, nuggets, leite com achocolatado e, arrisco até fazer uns sanduiches.. u.u
--Nossa! Verdadeira chef! - Debochou. --Hoje só me faz companhia, ok? O bom é que para agradar Yaya não é necessário saber muito na cozinha.
--O que tu quer dizer com isso? Pra que vou querer agradá-la?- Desconversei.
--Vai continuar fingindo depois daquela cena.
--Bah, mas só falei o que achava. Pelo que tu me disse ela é uma preconceituosa, além de ser bem ogra..
-E muito linda, né? - Me interrompeu rindo. --Você me entendeu mal, Mika. Ou melhor não me deixou terminar o que tinha para falar. Rum. Bom, nós índios chamamos vocês de Juruás que significa "homens brancos" no caso, quem não é índio. Mas você é mulher então falei "mulher branca". Você leva tudo ao pé da letra também, eu hein! - Falou com certo tom de enfado.
--Agora entendi. Mas.. ela.. ela não gosta de mim? Digo, Raíra só gosta de índios? Índias?
--Yaya foi ensinada desde pequena que Juruás não são pessoas boas, Mika. Com os constantes ataques aos índios e a floresta ela ficou ainda mais convicta nisso, apesar de sentir o contrário, ela segue o que foi ensinada.
--Em quem ensinou isso a ela?
--Tia Araci surtou após alguns.. acontecimentos. Foi ensinando Yaya a ser totalmente contra os Juruás. Se tornou outra pessoa depois da gravidez de Yaya.
--Que absurdo! Por quê diabos ela fez isso? E como foi que você ficou sabendo? Ela te contou? - Indaguei curiosa.
--Eu me lembro. Tia Araci cuidou de mim até meus 15/14 anos, que foi quando engravidou e foi expulsa da aldeia. Difícil esquecer.
--Sério? Mas por quê? E.. quantos anos Raíra tem? - Perguntei porque Nina não parece ser mais velha que eu, tenho 28 e Raíra não parece ter apenas 14/15 anos (com aquele corpo, impossível).
--A mãe da Yaya se envolveu/engravidou de um Juruá que havia se perdido por essas bandas e foi abrigado por algumas semanas lá na tribo. Quando Cacique descobriu o ocorrido mandou ambos embora após castigá-los. Tia Araci era casada com um bom índio da tribo. Yaya vai fazer 19, em breve.
--Ela é bem nova. - Nem dei muita atenção ao relato, só na idade de Raíra. Bem nova, não acham? Nina tem 34 anos, mas não aparenta.
* * * *
--Será que ela vai ficar bem? - Uma forte tempestade começou a cair. Ficamos ainda mais preocupadas com Raíra.
--Vai sim! Yaya é muito esperta e madura apesar da pouca idade. - Falou tirando as panelas do fogo. --Está pronto! - Foi chamar a Mari que apesar de ser bem novinha já gostava de se servir e comer sozinha.
Eu não parava de pensar em Raíra. Será que ela estaria bem mesmo? Por que ela tem que ser tão mais nova? -- Geralmente fico com mulheres da minha faixa etária, mais velhas.(Mas quem disse que vou ficar com ela? Quer dizer quem disse que Raíra vai me querer?). --Divagava mexendo minhas mãos.
--Desencana, Avatí! - Falou Nina me chamando igual 'minha' índia (que na verdade é mestiça.. cabocla, na verdade. E não é minha, mas poderia ser) me chama, mas o que será que quer dizer? --Yaya está ótima! Idade são apenas números, Mika. - Falou sorrindo. Como se lesse meus pensamentos. --Avatí é tipo 'loira'. --Completou.
--Continua a história que contava, por favor! - Sorri curiosa para saber tudo sobre Raíra.
--Ok. Mas primeiro vou colocar Mari para dormir um pouco lá no quarto da Yaya. Já volto! - Falou assim que terminamos.
* * * *
Fui até a sala, fiquei olhando pelo janelão a chuva que ficava cada vez mais forte. Escorria muita água pelas paredes e os raios e trovões parecia que eram dentro da casa. Ficava cada vez mais escuro (fiquei com medo) e subi para o quarto. Mari já dormia tranquilamente no canto da cama onde dormi esses dias. Nina fumava (algo com cheiro diferente) próxima a uma janela do outro lado do quarto.
--Como ela consegue dormir? - Perguntei me sentando encostada na cabeceira da cama.
--Estava cansada e não tem medo de tempestades quando está nesse quarto, por isso a trouxe para dormir aqui. Yaya conversa bastante com ela aqui . "Nesse quarto não tem que ter medo, é abençoado pelos deuses, o que seu povo acredita e minha mãe acreditava também." Só essas palavras já acalmam Mari quando vindas da Yaya.
--Elas devem ter uma conexão bem forte. Índios acreditam em vários deuses?
--E como têm. Nossa tribo acredita sim, mas tem Tupã também, o Deus dos deuses.
--Também acreditas nisso?
--Eu não desacredito. Acho sei que todos temos que acreditar em Algo maior que nós, sabe? Eu tenho fé em Deus, Tupã, Alá e/ou Buda. Não importa o nome que chamam, eu simplesmente tenho fé em Algo maior, entende? E você é religiosa?
--Achei interessante seu modo de pensar. Eu sou católica não-praticante.. Para de enrolar, continua contando aquela história vai, por favorzinho!
--Ok, ok. Hum.. Depois de expulsos da aldeia, os pais de Yaya moraram juntos por quase três longos.. - Parou fazendo suspense.
. . .
Fim do capítulo
E você é religiosa?
Continua..
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