Alice

Esse era meu terceiro ano na escola Dom Alfredo e podia dizer com exatidão quem era quem ali. Assim que entrei em minha sala ao lado das minhas amigas, passei meus olhos com certa lentidão pelas pessoas que estavam ali e notei que eram exatamente os mesmo alunos do ano passado, a não ser pelo meu irmão que acabou sendo o único aluno "novo" por ali, se assim posso dizer, já que ele conhecia todo mundo da escola.

Pedro era popular, sempre foi. Fazia parte do time de futebol do colégio, participava dos campeonatos, usava sempre roupas da moda e só namorava as meninas mais populares dali. Por onde ele passava atraía todos os olhares pra si. Apesar dessa "fama" toda, ele não era como o imbecil do seu amigo Vitor. Pedro levava em consideração os sentimentos das pessoas, pelo menos era o que eu achava.

Procurando um lugar pra me sentar, notei que quase todas as carteiras já estavam ocupadas e infelizmente meu irmão e sua turma já tinham tomado o fundão todo.Não me restou outro lugar a não ser o meio da sala, que pra mim era o pior lugar de todos. Odiava não ter o apoio da parede para encostar e poder divagar em paz. Fernanda e Marcela se sentaram ao meu lado, e assim como eu também odiaram seus novos lugares.

Outra coisa ruim do meu colégio, era o fato de que o lugar que você se sentasse no seu primeiro dia, seria seu lugar o restante do ano. A não ser que algum professor te trocasse de lugar, o que raramente acontecia. A primeira e a segunda aula foram de geografia. Odeio essa matéria tanto quanto odeio as outras. Pra ser bem sincera nem prestei atenção no que meu professor falava. Ele já conhecia nossa turma toda e por isso pulou as apresentações e sem nenhum pingo de dó, encheu a lousa de lição.

Desanimada, não fiz muita questão de me concentrar na matéria, preferi ficar no meu mundo como sempre, coloquei meus fones novamente e mais uma vez viajei através da música. Estava tão distraída deitada sobre meus braços, que nem percebi que a sala toda estava olhando pra mim e rindo. Senti os dedos da Nanda nos meus braços, na tentativa de chamar minha atenção.

Levantei a cabeça, olhei ao meu redor e depois pra frente. Fiquei surpresa ao ver que o professor Omar já havia ido embora. Na minha frente agora estava uma mulher que eu não conhecia. Será que é alguma professora nova?

- Tira o fone por favor. - Não ouvi o que ela disse, mas entendi pelo fato dela fazer sinal com as mãos pra mim.

- Desculpa.

- Acho que você perdeu boa parte do que eu disse - novamente a sala toda riu - Mas tudo bem, eu repito pra você. Eu sou Helena Ribeiro, sou sua nova professora de Matemática.

Eu não queria, juro que não queria, mas foi impossível me controlar e não revirar os olhos ao ouvir a matéria que ela daria. Eu odeio matemática, odeio números, odeio contas, na verdade eu odeio essa escola.

- Falei algo que não gostou? - me perguntou.

- Ainda pergunta.

- Oi?

- Nada, esquece. - respondi dando de ombros. Nesse momento o silêncio reinava ali. Afinal de contas, era o primeiro dia de aula e eu já estava batendo de frente com um professor, não que isso fosse novidade, minha fama não era mesmo das melhores por ali.

- Qual seu nome por favor?

- Alice.

- Olha Alice, sei que minha matéria não agrada a todos, sei também que ela pode patecer complicada,mas gostaria muito que não me visse como sua inimiga. Muito pelo contrário - passou os olhos pela sala - Quero que saibam que eu estarei aqui pra ajudá-los. Não há nada que eu ame mais do que ensinar,e é isso que quero fazer aqui. Dar meu melhor á vocês e receber em troca o melhor de cada um.

Fiquei em silêncio. Nunca ouvi nenhum professor me responder assim. Sei que por essa ser uma escola moderna e particular, certas coisas eram toleradas, mas a falta de educação de um aluno com o professor nunca foi permitido alí. Geralmente eu passava metade do ano letivo na diretoria ou cumprindo serviços na escola como punição exatamente por isso.

Não era a toa que os professores não gostavam muito de mim. A única coisa boa de tudo isso, era poder ver a cara deles na hora em que minhas notas saíam. Apesar de parecer aérea nas aulas, eu sempre conseguia entender bem a matéria e tirar boas notas. Acho que é por isso que minha mãe ainda tinha esperanças de que eu mudasse meu comportamento. Já tinha perdido as contas de quantas vezes tinha escutado ela dizer que só dou dor de cabeça e desgosto pra família.

Vendo que eu fiquei quieta, a nova professora continuou a falar. Estava sem graça por ter sido mal educada com ela, que ao contrário de mim não me tratou com desagrado. Olhei para trás e notei que Pedro me olhava com uma cara de interrogação ao mesmo tempo que através de gestos me questionava o motivo de eu ter me calado. Aposto que todos estavam estranhando o fato de eu ter baixado a guarda pra um professor, ainda mais uma professora nova.

Sua aula passou em um piscar de olhos, acho que o jeito que ela levou a conversa comigo me fez querer prestar atenção no que mais ela diria. No fundo até gostei de ouvir ela contar um pouco sobre sua vida, do quanto ama lecionar, e quando dei por mim o sinal para intervalo já havia tocado.

O burburinho logo se alastrou por todos o cantos. Marcela e Fernanda já estavam a postos ao meu lado pra que juntas fossemos até a cantina comprar nossos lanches. Assim que passei pela porta, decidi inventar uma desculpa qualquer e voltar.

- Meninas, vão indo. Esqueci meu celular na bolsa.

Nem deixei elas responderem e rapidamente voltei pra minha sala. Assim que cheguei, notei que a professora Helena ainda estava em sua mesa, guardando suas coisas. Ela estava de costas pra mim e aproveitei pra reparar um pouco mais nela. Estatura mediana assim como a minha, pela branca, cabelos lisos e ruivos um pouco abaixo dos ombros e os olhos incrivelmente azuis. Não podia negar que ela era muito bonita, e com toda certeza muito educada também.

Tomei coragem pra fazer algo que talvez nunca tenha feito antes na minha vida, me desculpar. Aproveitei que estávamos somente nos duas alí.

- Professora Helena não é? - falei tímida.

Ela guardou algo em sua bolsa e se virou pra mim.

- Oi - ela parecia surpresa em me ver ali - Sim,Helena. E você é Alice não é?

- Sim - sorri sem graça.

- Não sou muito boa com nomes - se justificou colocando a bolsa nos ombros.

Sorri

- Eu só queria, é.... bom eu queria, é que...

Ela sorriu e levantou as sobrancelhas.

- Respira fundo - brincou

- Desculpa, é que eu não sou muito boa com as palavras, mas eu queria me desculpar com você.

- Se desculpar pelo quê?

- Bom, eu fui meio grossa com você hoje sem nenhum motivo.

- Ah, não se preocupe. Nem percebi, sério - segurou minha mão sorrindo, e não sei porque me senti estranha. Imediatamente cortei nosso contato.

- Desculpa, eu preciso ir. - me virei feito uma criança assustada e sai as pressas dalí.    

Fim do capítulo