"Obscuridade"
Contradictio
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“Obscuridade”
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“Existe um mito antigo, narrado pelos sábios e anciãos indígenas da tribo dos "xeroxeis". Conta-se a história de dois lobos; um bom e o outro mal, ambos ligados á uma única alma. O bom é feroz, forte, astuto e usa todo o seu poder para proteger a alcatéia, ele é capaz de perdoar á seus algozes e malfeitores, age com altruísmo, honestidade, gratidão, compaixão e preserva a esperança, mesmo nos momentos mais aterradores. Tal qual á este, há outro que ataca com a mesma vitalidade e voracidade, todavia é guiado por diretrizes totalmente antagônicas ás do primeiro. Raiva, ódio, rancor, solidão, mentira, inveja e culpa. Este é o lobo cruel e mau.
O cerne do mito resumiu-se a pequena contrariedade entre extremos opostos e sendo tão distintos, eles não podem conviver em harmonia, pois sempre estarão em uma contraventora guerra incansável pelo controle da alma á qual estão unificados, contudo, ao fim de cada peleja, o mais forte sairá vencedor e o mais fraco será subjugado.
Segundo os sábios, o mais forte sempre será o que for mais bem alimentado. ”
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O disco movia-se tão rápido, mas, ao mesmo tempo, parecia estar em um ritmo tão lento que os dois pares de olhos azuis escuro conseguiam ver com nítida perfeição a agulha fina deslizar pelo mar escuro do vinil. A melodia, dona de uma beleza macabra, cirandava por todo o ambiente pouco iluminado e quase vazio, se não fosse pelo homem imóvel misturado aos moveis de madeira.
Sua morbidez parecia ser intocável e a apatia em sua face arrogante, inabalável. Os cabelos negros, agora com alguns fios brancos, perfeitamente alinhados á barba rala e paletó impecável – Um verdadeiro aristocrata. O anel de ouro no dedo grosso enrolava-se com firmeza á um pequeno copo de cristal, mas o homem não se deu ao trabalho de carregá-lo até os lábios retorcidos, sua atenção estava presa ao vinil antigo, no canto do escritório. Todavia, como uma tempestade de verão, os azuis escuros foram convocados para a porta. Ele não se deus ao trabalho de registrar que era o dono dos sapatos marrons – “Couro importado, talvez! – julgou ele em completa falta de interesse.
- Onde está? – a voz rouca trovejou e os azuis voltaram para o vinil.
- A maleta foi destruída, Pai, como o senhor mandou! – exclamou o outro e aproximou-se mais da mesa.
- Ótimo! – murmurou, mas não demonstrou satisfação.
- É só isso que vai dizer? – indagou-o contrariado e profundamente magoado, afinal ele quase havia morrido para arrematar aquela porcaria da fortaleza dos sicilianos e era assim que seu pai o agradeceria?!
- O que quer que eu diga garoto? – rosnou – Quer que eu elogie sua incompetência, em?! – agora o rouco parecia mais com á um estrondoso rugido – Ela ainda está viva, seu merd*! – Sentencia e agora o cristal voava em direção ao piso lustroso.
O corpo magro retesou por completo ao banco em que estava e os olhos cor de mel arregalaram em sobressalto.
- E-Eu não tenho cu-cupa, pai... – engoliu em seco o mais novo – Tinha alguém lá!- defendeu-se o loiro.
- Não. Importa!- urrou contrariado – Eu te dei uma ordem e você falhou, Vithor... – o maxilar duro comprimido e as esferas verdes cintilando ardor em sua direção, fizeram com que o menor se removesse á poltrona e o pavor corresse por suas veias – Acho que eu escolhi o filho errado para estar ao meu lado!- destilou, sem qualquer piedade ou arrependimento, mesmo quando os olhos do filho foram inundados por uma dor tão covarde e profunda, que seria capaz de dilacerar qualquer alma – Vá e acabe com a Capo e qualquer um dos malditos italianos! – demandou, agora e tom mais neutro e controlado.
- Claro, senhor Castiel! – Vithor concorda, mesmo que a ironia estivesse dançando em seus olhos, e caminha para a porta.
- Filho? – O pai deteve-o – Sabe que faço isso por você e pela nossa família, não sabe?! – perguntou Pedro, mas não obteve resposta – Se sou duro com você é por que quero que seja forte... – um suspiro, carregado de uma emoção controvérsia surgiu dos lábios retorcidos - O poder tem um preço, Vithor, e você precisa estar preparado para assumir tudo isso um dia! – completou.
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“- Está feito? - Perguntou a voz do outro lado da linha. E Katherine jamais estaria pronta para aquele momento.”
[...]
O ecoar da voz grave e autoritária reverberava em sua mente, como em loop infernal, várias e várias vezes. Impregnada ao cérebro, como um acusador incansável, apontando-a á cada segundo seu maior equivoco, seu mais profundo engano, revelando em total destaque a sua incapacidade e impotência.
“Não é real, não é real!” – repetia incansável em seu mantra, mas aqui estava a sua mente traidora, confrontando-a com a verdade... “Seu herói perdeu a capa!”
Quando se cria uma narrativa fanática sobre algo ou alguém, eleva-se o objeto de admiração á níveis inimagináveis, reproduzindo heróis inumanos e que, por parâmetros lógicos, sua existência á patamares tão elevados se torna inconcebível.
O goz*do nisso tudo é que o ser humano precisa de “heróis” para se espelhar, basta olhar para admiração que um filho tem por seu pai ou mãe. Contudo, com a chegada da maturidade, os heróis perdem a capa, a ética – tão super estimada – enfraquece, dando lugar as inúmeras hipocrisias que cercania os limiares da vida humana, passa-se então ao entendimento que os heróis verdadeiros não são como os dos desenhos animados. Os heróis de verdade sangram, fazem escolhas questionáveis e fracassam e é ai, nesse momento transitório, que a dor acontece e se revela como devastadora e insensível.
Com a maturidade vem a consciência de que a realidade é feia e destorcida, não existe o preto no branco como nos ensinaram desde sempre, há uma escala tonal e uma infinita possibilidade de cores que fazem a vida acontecer e enxergar as fantasias de crianças serem pisoteada pela realidade é doloroso, portanto amadurecer dói.
Dizem que a verdade dói, entretanto, essa dor dura um momento e depois passa. Contrapondo-se a “dolorosa verdade” há também a dor da mentira, essa faz doer sempre que a recordação do engano renasce e rasteja como víbora até a mente, envenenando todo o consciente humano, sem pesares, sem constrangimentos. Todavia, sendo verossímil ou falaciosa, a dor estará presente e pode levar á caminhos tortuosos e obscuros.
“Traída pelo próprio sangue, por alguém que deveria protegê-la e jamais abandonar!”
O primeiro dia foi marcado pela negação. Ao segundo fora a vez da dúvida e uma enxurrada de possíveis explicação ou justificavas – que não soavam boas, nem de longe – vieram ao terceiro dia.
Quatro dias longe de casa ou das pessoas que amava, sem uma misera ligação, começava á dar vazão á um sentimento escuro e solitário, mas ela chutava-o para o fundo mais inabitável de seu subconsciente. Uma semana teve cabo.
Ela não havia se alimentado direito ou se quer seria aceitável dizer que dormira – Já que toda as vezes que os azuis escuros eram sobre postos pelas pálpebras Ele estava lá, risada grotesca, olhos idênticos aos seus - cortantes como raios e trovões á mar aberto, então ela acordava no colchão duro daquele hotel de beira de estrada, suada, ofegando, apavorada.
Os azuis escuros secaram completamente, depois os nós os dedos, doloridos, pareciam amortecer a desalento em si, todavia era por poucos minutos e lá estava ela outra vez, socando o saco de Box sem parar até não ser mais capaz de flexionar os dedos ou a mão. E ela se odiou por amá-lo um dia e odiou ainda mais por admirá-lo, mas o que realmente deixava os motivos anteriores perto de significarem nada era a traição.
Emanuella se viu perdida em suas próprias lamurias e culpas, primeiro por confiar cegamente nele, depois por não ser capaz de perceber quem ele era, mas foi apenas no sétimo dia, daquela maldita semana, que a jovem sentiu o ódio mais profundo já experienciado por si em todos os seus quase tinta anos.
A vingança apareceu mordaz, irreverente e cega pela dor, essa veio para empurrá-la de uma vez por todas á um lugar escuro de onde Katherine lutara muito para se afastar, todavia foi miseravelmente arrastada para ele e foi na madrugada escura e chuvosa daquele dia que ela jurou á si mesma, custasse o que fosse...
“Pedro Castiel seria um homem morto!”
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O toque delicado contra a madeira foi suficiente para capturarem a atenção da mulher recostada em total conforto, ou o mais confortável que a atual circunstância permitira, e o que as avelãs atentas e inflexíveis encontraram não deixou de surpreendê-la.
- Doutora Muller... – mesmo fragilizada e tremula, aquela voz era capaz de provocar ondas de calafrios á loira –... Que surpresa encontrá-la aqui! – acomodou-se melhor ao travesseiro que servia de sustentação para o tronco magro.
-Está em meu hospital, Senhora Martinelli... – a pequena sutileza no tom cadenciado não impediu a mais velha de captar o sarcasmo na afirmação -... É natural que me encontrem aqui! - –Iara completa, aproximando-se do prontuário ao pé da maca.
- Certamente, doutora, perdoe-me pela ignorância! – diz a morena com as orbes fincadas á mulher de jaleco branco e postura arredia.
Imersa em uma silenciosa, mas altamente perspicaz avaliação e mesmo que os verdes estivessem centrados ao prontuário médico, enroscado á seus dedos ansiosos, Muller podia sentir a inquisição da outra sobre si.
- Seus resultados estão progredindo rapidamente, Senhora Martinelli... – começou a doutora – Seja lá o que doutor Campos tenha feito, parece estar fazendo efeitos milagrosos em seu organismo! – as esmeraldas vagaram até a face marcada pela beleza e aristocracia. Embora sua Kath fosse mais parecida fisicamente com o pai, aquela arrogância e poder que carregava nos olhos, certamente foram herdados da mãe - Um verdadeiro milagre, não acha?! – sugeriu, com uma das sobrancelhas claras arqueadas em desafio.
- Está tentando dizer algo, querida? – Merida, devolvendo a firmeza refletida dos verdes aos seus castanhos, propõe-se a entrar no jogo.
- Não, imagine! – negou, contorcendo a face em uma careta sarcástica e um sorriso sem vestígio de humor –... Estou apenas observando um fato curioso! – Iara diz aproximando-se um pouco mais do leito e abandonando a prancheta, deu início á um exame rotineiro – Sabe o que mais parece irrevogavelmente curioso, Senhora Martinelli? – retórica, seguiu – Os resultados dos seus exames desapareceram, sumiram misteriosamente do sistema do hospital e o doutor Campos, um dos oncologistas mais respeitados que trabalha para mim, pela primeira vez em anos, resolveu pedir férias... – uma ruga teatral surgiu á testa dourada como marca enfática – E olha que da última vez o Rh precisou ameaçar afastar o homem, caso não aceitasse um pequeno período de descanso! – revelou, mas dos lábios rosados pareciam saltar farpas e mais farpas de desconfiança - Isso sim é uma verdadeira incógnita, não acha?! – propôs sagaz.
- Talvez ele seja bipolar, querida... – um sorriso jocoso brilhou aos lábios fartos e tonificados por um rubro natural – Ou quem sabe o homem tenha chegado ao conhecimento de como a família é importante e que não vale a pena trocá-la pelos negócios! – sugeriu distante e imparcial, todavia os olhos carregavam um brilho de pura identificação, como se agora, Merida Martinelli, estivesse falando de si mesma e não palpitando sobre o motivo hipotético que levaria um completo estranho a fazer ou não algo.
- A senhora deveria fazer o mesmo, não acha?! – alfinetou, lançando mão do estetoscópio sobre o pescoço alongado –... Talvez devesse colocar suas filhas, por uma única vez, acima de sua vingança! - Iara estava prestes a entrar em campo perigoso e mesmo diante da face da italiana mais velha, marcada pelo humor ácido de momentos atrás, começando a ganhar uma rigidez inexpressiva, ela não temeu, estava obstinada e as emoções pareciam falar mais alto do que realmente deveriam.
- Você é só uma criança, doutora... – revidou Merida – Não poderia compreender, mesmo se quisesse! – confrontou.
- Tem certeza que sou eu quem não pode, Martinelli? – indagou-a com as esmeradas profundas presas as avelãs enigmáticas, mas a resposta aguardada pela loira jamais viria – Você não sabe, não é mesmo!? – um riso afogado pela desprezo escapou dos lábios torcidos da loira – Nunca vai entender o que uma mãe é capaz de fazer para proteger seis filhos... – destilou entre dentes – Ela está em algum lugar por ai e você ao menos se deu ao trabalho de fingir que se importa! – Iara dispara á dizer e logo o choque tomou conta do rosto fino e duro da maior.
- Como é? – a confusão se espalhou no tom fraco da mulher.
- Veja a bela mãe que é... -os verdes, agora úmidos, crepitavam entre a pena e a satisfação – Sua filha não telefona ou aparece á uma semana, isso depois de vir até aqui e matar o maldito homem que foi enviado para tirar sua vida patética e medíocre! – engoliu uma onda dolorosa pressionando sua garganta – E sabe o que é engraçado? – indagou – Kath pode fingir não se importar com você, mas basta olhar no fundo dos olhos dela para perceber que, embora você seja uma completa filha puta e assassina, ela te ama e sente culpa por ser abandonada pela própria mãe! - os verdes ardidos flagraram uma pequena e lotaria lágrima nas avelãs - Os filhos são assim, não importa a deformidade dos pais, sempre seremos seus heróis, até em nossos piores momentos... – as mãos pequenas se apressaram em esconder as recentes lágrimas – Eles são as partes mais bonitas e honestas de nós! – e com um suspiro libertador, Muller retesou os ombros– Mas você nunca quis isso, não é mesmo, senhora Martinelli!- pigarreou, voltando ao seu habitual tom calmo e condescendente.
- Já basta, por favor! – um sussurrar suplicante, abafado interrompeu as palavras cortantes – Você não sabe nada sobre mim ou a história das minhas filhas... – Bem, isso era (no mínimo) surpreendente para Iara, Merida estava chorando.
Desde o dia em que fora contado a ela que Merida Martinelli foi a executora de sua mãe á mando do próprio amante – seu pai, tragicamente – Iara odiou-a com todas as suas forças. A dama ferro havia tirado muito, mas do que poderia expressar, de si. Ela matou sua mãe e isso estava fora de qualquer chance de passividade ou explicações concebíveis.
Entretanto nem tudo é o que parece ser e talvez, mais tarde, a jovem Muller viesse a se arrepender lastimavelmente por dar ouvidos á sua dor e lamento.
- Sim, eu sei... – continua tomada pelo rancor – Sei que a senhora abandonou suas filhas no passado e continua a abandoná-las! – acusou, tomada por uma profunda angústia.
- Agora eu consigo ver por que minha filha te escolheu... – sorriu abertamente, mas Iara continuou impenetrável – Você é tão sagaz quanto ingênua, doutora Muller e isso me parece uma combinação virtuosa, entretanto muito perigosa também! – silabou a matriarca impassível, sem demonstrar a reviravolta e ansiedade em sua mente.
- Você não me conhece, senhora Martinelli! – devolveu.
-Justo! – concordou.
Uma ultima troca de olhares preencheu o vazio provocado pelo peso do silêncio na sala.
- Eu estou aqui para avisá-la que deve para de fazer seus “truques” no meu hospital, caso contrário, nem se minha esposa implorar, você continuará sob os cuidados dessa instituição! – Pontua suas intenções e começa a se afastar da italiana.
- Acrescente “petulância” aos adjetivos anteriores, querida... – sugere em puro despeito e sarcasmo, lá estava a Capo que todos conheciam – Uh... – um sorriso misterioso reluziu nos lábios ressecados - Mas esse, de fato, é uma característica que se estende á todas as Lazzari’s! - observou enigmática.
Iara não podia crer que se prestara aquele papel, tudo em seu corpo grita que aquela mulher era o perigo em pessoa e que, quanto mais longe se mantivesse, mais saudável seria para si e sua família.
Contudo, ali estava a assassina da sua mãe e Iara se enganou achando que conseguiria alguma resposta ou alívio para sua alma atormentada quando olhasse no fundo daqueles olhos gélidos e sem qualquer resquício de humanidade.
- Não ouse falar dela, não ouse pensar no nome dela! – cuspiu entre dentes, segurando todo o ódio que sentia por Merida – Você é uma mulher podre e sem coração! –Iara em grito quase assustador.
- Sua adorável e perfeita mãe... –Merida destilando rancor e fúria – Acha que ela foi melhor que eu, Doutora? – rosnou, aproximando-se perigosamente do rosto rubro de Muller estacada diante do seu leito.
- Cala a essa boca imunda! – Urrou e anunciando o estopim para seu alto controle, desferiu um golpe forte contra a Capo.
Iara mal podia crer no que acabara de fazer - “Pelos deuses!” – a doutora Muller acabava de estapear uma de suas pacientes e o mais agravante, ela acabara de estapear a mãe de sua esposa.
Tomada pelo constrangimento e extrema repulsa por seus atos impensados, ou melhor, guiados pelo ódio, uma Muller transtornada correu em direção á saída o mais rápido que pode.
***
Os pés pequenos, envoltos em pantufas cor de vinho, corriam com pressas até alcançar a escadaria de madeira. Os passos afoitos cessaram quando encontrou seu destino.
- Oh, Filho de uma mãe boa... – Tudo indica que ela estava sendo generosa na escolha de seu vocabulário - Não precisa derrubar a porcaria da porta, anjo!- esbraveja escancarando a porta, sem ao menos saber quem era a alma desesperada, quase “arrancando-a” nas mãos.
- Melannie? – a “alma desesperada” e nada delicada ao manifestar sua presença, indagou cheia de surpresas e ela não saberia dizer se era boa ou ruim.
-J-July? – as avelãs se arregalaram e um leve rubor pintou as bochechas morenas da Italiana que mal conseguia condenar sua dicção – O- que... v-você... Aqui?! – Mel merecia aos créditos por tentar, mesmo fracassando miseravelmente, mas quem pode culpá-la? A ruiva sempre fora uma bela deusa grega e agora naquelas calças Jens apertadas á coxa e uma jaqueta vermelha por cima de uma camiseta tão fina e decotada quanto d’Angelis gostaria... era complicado manter a congruência no raciocínio.
- Bom dia para você também, Senhorita d’Angelis! – a ruiva irônica, sem tirar os amendoados zombeteiros e brilhantes da figura, ainda em uma minúscula camisola de ceda e um fino hobby (todos na cor vinho) sobre o corpo curvilíneo, estática á porta. Seria cômico se Salvatore não estivesse prestes a se preocupar com a proporção do vermelho se intensificando no rosto fino e delicado.
- Oh, C-claro... –a italiana, balançando a cabeça e as madeixas negras revoltosas na tentativa de recobrar o controle do seu cérebro fritado – Bom dia, Salvatore! – sorriu genuinamente, mas ela nem percebeu que seus olhos brilhavam tanto quanto o sol daquela manhã.
- É... – pigarreou, abandonando o transe e os efeitos que a morena tinha sobre e si, na verdade July optou por seguir ignorando-os – Eu peço desculpas por acordá-la uma hora dessas, mas eu estava procurando minha prima! – Juliana informou, concentrando-se para focar sua atenção nos olhos de Melannie ao invés de prorrogar sua “discreta” inspeção.
- Uh... – Melannie, tentando esconder a breve decepção e isso não passou despercebido pela visitante – B-bem, creio que esteja na casa de Iara. Ela esteve aqui ontem pela manhã, mas não voltou para dormir! – esclareceu, agitando o Hobby sobre o tronco e abraçando o mesmo em seguida.
- Merda Manu! – teceu um processo silencioso com um suspiro longo – Tem certeza que ela não esteve aqui durante a noite? – insistiu a ruiva, demonstrando preocupação.
D’Angelis não era desatenta e, embora seus hormônios aparentassem estarem de volta á puberdade, ela conseguia compreender com maestria as nuances apresentadas.
- Ela está encrencada, não é?! –Não foi uma pergunta e careta enrugando o rosto da ruiva confirmavam suas suspeitas, Salvatore não veio até o palacete para uma visita e sim á trabalho
- Muito! – suspirou lamentosa.
- Ok, entre!- Melannie diz, cedendo passagem para a agente.
***
Diana andava de um lado á outra da sala bem iluminada e decoração sofisticada, os passos ansiosos não combinariam nem um pouco com a experiente mulher, não em um dia comum e corriqueiro para a italiana, contudo hoje parecia ser um dia distinto aos outros.
“Há quem diga ser amor, outros especuladores garantem ser um casamento por interesse e conveniências entre a jovem Lazzari e o solteiro mais cobiçado do momento, Augustos Muller. A tradicional e aristocrata família Muller vem sofrendo como a queda nas ações do império que á gerações esteve em primeiro lugar no ranking nacional de empresas no ramo hospitalar mais bem sucedida!”
Dizia a manchete da reportagem, em letras grandes e garrafais.
“- Empresário Augustos Muller refuta boatos de possível falência! –a ancora – Em entrevista o médico diz:
- Como uma família tradicionalmente bilionária quebraria da noite para o dia?!- o homem á tela sorria presunçoso – Isso não passa de especulação financeira, minha cara! – conclui.”
Uma pressão contra o peito gritava deliberadamente que algo estava errado, muito errado.
“Médica morre em acidente de carro, deixando dois filhos pequenos e o esposo.”
- Isso não faz o menor sentido... – rosnou empertigada, lançando uma pequena pasta ao lado no notebook sobre a mesa de centro– Essa merd* está muito errada! – continuou á murmura, enquanto os azuis concentravam-se á tela adiante.
“As investigações concluíram que sim, os Muller’s vinham enfrentando uma crise financeira avaliada entre milhões de dólares, mas com a união dos Lazzari’s e Muller’s um novo investidor surgiu. Bilhões foram aplicados na rede de “hospitais Muller” e com isso o império voltou a crescer.
A cláusula matrimonial dizia que, em caso de separação ou morte, todo o capital adquirido do dia do casamento em diante, seria legalmente dos Lazzari’s e os herdeiros, isso inclui metade de toda a fortuna Muller.”
Os azuis corriam apressados pela lauda e quanto mais d’Angelis lia os documentos, menos a história de assassinato parecia viável ou vantajoso para Augustos. Ele perderia mais de cinqüenta por cento de tudo que tinha, caso a esposa viesse a falecer e tudo seria herdado pelos filhos e o grande detalhe é que toda a herança deveria ser administrada pelos avôs maternos até que os herdeiros atingissem a idade de vinte e cinco anos.
- Fanculo (porr*)! – esbravejou, atirando as costas contra o sofá.
Um suspiro tomado de pesar escapou das narinas finas, enquanto os dedos foram para o pulso esquerdo, encontrando seu subterfúgio – uma pequena pulseira de prata, com pingente faltando – Ela recordava-se, como se fosse hoje, o dia em que ganhara o adorno, mas havia ficado tão surpresa e em seguida sem constrangida, pois não tinha nada para ofertar á seu presenteador, que rapidamente arrancou a corrente do pescoço (herança de seu papá), pendurou o pequeno pingente da pulseira á ele e entregou á ela.
“ - Para se recordar de mim todas as vezes que se sentir só, (minha bela dama) ... – os azuis claros e intensos foram de encontro aos verdes úmidos – Quel segno sarà il mio amore per te (Esse será o sinal do meu amor por ti)! - conclui Diana, assim que a prata fria encaixa-se ao pescoço pálido da loira.”
- la mia bella signora... – sussurrou presa em suas lembranças.
- Non mi piace vederti piangere (Eu não gosto de te ver chora)... – o tom pesaroso soou e Diana não precisava olhar para saber á quem ele pertencia.
- Divertente dirlo (Engaçado dizer isso)... - diz ela, levando os dedos esbranquiçados á face cansada, maculada pela saudade dolorosa - Dal momento che hai una grande parte di colpa su tutto questo (Já que você tem uma grande parte da culpa por tudo isso)! – murmurou, engolindo com dificuldade.
- Mi dispiace, mia sorella (Eu sinto muito, minha irmã)... – a voz tremula denunciava a veracidade dos sentimentos - Spero che un giorno tu possa perdonarmi (Espero que um dia possa me perdoar)! – mas não havia qualquer esperança nela de que um dia isso acontecesse. Talvez elas nunca voltassem a ser como antes e silencio da maior apenas reafirmava-lhe essa certeza.
- O que faz aqui, Merida?– indagou, desvencilhando-se da fragilidade de minutos á trás – Não deveria ter saído do hospital! – observo com rigidez e frieza.
Essa foi a vez da mais velha suspirar, um suspiro agonizante e sôfrego que revelava mais do que a mulher gostaria e á passos lentos – auxiliados por uma muleta negra, com a cabeça de um dragão adornando o ápice do cabo – invadiu o capo de visão da irmã.
- Onde ela está, Diana? – os azuis, agora nas avelãs cansadas, traçaram uma breve a análise e uma constatação lhe ocorreu; não foi uma pergunta e d’Angelis poderia jurar que era uma suplica, mesclada ao desespero e remorso.
- Eu não sei do que esta falando, Merida! – mentiu, ela sabia perfeitamente á quem a outra se referia.
- Não faça outra vez... – rogou e embora não fosse a intenção, a acusação contida nas entrelinhas cravou profundamente á outra – Não consigo passar por isso de novo! – exclamou Merida, sentindo os olhos lacrimarem.
- E-Eu... – Diana começa, mas as palavras pareciam correr de si.
Os azuis claros assistiram a “irmã” acomodar-se, dificultosamente, na poltrona á diante. Ela parecia outra mulher, na verdade Merida Martinelli, parecia uma mulher acabada, alguém que cansou de lutar, de tentar. Um guerreiro feroz, que foi quebrado incansáveis vezes e em todas reagiu á altura, mas agora tudo o que mais almejava era o fim... Rendição.
- Vinte e seis anos... – Merida iniciou, com as avelãs distantes – Eu procurei por elas, dia e noite, em busca incansável, extenuante... – pausou por um tempo, como se estivesse diante de uma tela de cinema, mas o filme era sua própria vida – Não houve um dia que eu não sonhasse acordada, imaginando como elas seriam... – engoliu em seco – A cor dos olhos, o formato do rosto... – sorriu com amarga tristeza, enquanto uma lagrima quente escapava-lhe sem permissão – Eu sempre quis que elas tivessem os olhos dele, mas que herdassem minha petulância e rebeldia... Céus?! Eu não fazia idéia da dor de cabeça que elas me trariam por conta disso! – uma gargalhada, seguida de uma fungada preencheu o ambiente.
- Posso assegurar que seu desejo foi atendido, ambas são teimosas e equiparam-se a mulas!- Diana acompanhou-a nostálgica.
- De fato... – concordou com um sorriso frouxo, mas esse logo começou a se desfazer e perdeu-se por inteiro em meio o amargor – Quando eu vinha ao Brasil á negócios, andava pelas ruas buscando, esperançosa, implorando por uma milagrosa feitura... – suspirou – Bastava uma jovem de cabelos escuros e pele clara entrar no campo de visão para o meu coração estúpido disparar, rogando em desespero para que fosse uma delas – melancólica, estagnou em as própria fala, buscando calar a dolorosa emoção á garganta - Mas nuca era! – lamentou-se, desviando sua atenção para a muleta cativa entre os dedos gelados, era demasiadamente impensável olhar a outra agora – Você se quer deu-me cinco minutos com elas, antes... – pontua, sentindo-se mortificada – Não tive o privilégio olhar para o rostinho das minhas filhas quando nasceram... – suspirou contida – E Isso me matou dia após dia! – a mágoa borrava cada palavra – O mais goz*do em toda essa história, Diana, é que elas sempre estiveram de baixo do meu nariz e eu jamais suspeitei, até que em uma noite o delegado Tiago Muller resolveu aparecer á minha porta, dizendo que sabia onde elas estavam e que, se eu o ajudasse a prender o assassino da mãe, ele me daria o que eu mais almejei em toda minha vida! – conclui.
- Como assim? – indagou Diana tomada pela confusão – O que está dizendo?- exasperou-se - Você quem a matou! – soprou o óbvio.
- Nem tudo é o que parece, sorella (irmã)! –ponderou enigmática e distante.
- O que isso significa, Merida?– interrogou-a com a crescente pressão em se peito.
- É claro que não sabe, d’Angelis... – exaltou-se em um rosnado revoltoso – Ao que me consta você não sabia e continua não sabendo de muita coisa e por isso tirou minhas filhas de mim, entregou-as ao monstro que tentou matá-las, antes mesmo que nascessem, achando que estivesse dentro dos seus direito fazer tal coisa! - o reverberar furiosos da voz firme causou tremor ás entranhas da de olhos azuis.
- C-como? – rogou assustada, ansiosa para que Merida desmentisse o que acabava de dizer, pois se fosse realmente verdade a culpa em seus ombros a sufocaria sem piedade ou reverencia.
A gargalhada seca e sem vida preencheu os ouvidos de Diana, carregando para o fundo de sua mente a ironia e o sarcasmo no olhar da outra.
- Sabe o que acontece quando você se recusa a seguir ordens de um ditador, d’Angelis? – retórica, indagou em tom cadenciado – Você morre, não importa o que ou quem seja, você apenas deixa de respirar e ninguém nunca saberá, pois seu corpo será encontrado em uma vala qualquer, como um lixo descartável! – rosnou angustiada, como um animal feroz, porém ferido – Você deu a Pedro a coisa mais preciosa que eu poderia ter e ele não hesitou em tomá-las de mim para me puni... – observou – E ele vai continuar machucado-as até não sobrar nada de mim! - agora as avelãs estavam vidradas as esferas confusas da maior.
- Merida, eu não fazia idéia... – Diana apressa em dizer e rapidamente se levanta do sofá, seguindo até Martinelli – Se eu soubesse, eu jamais...
- Não importa... – devolve seca – O que está feito, está feito!- pontua reconhecendo o arrependimento crescente nos azuis úmidos e derrotados – Eu só preciso saber onde, Emanuella, está e não me venha dizer que não o sabe, pois sei que a última ligação feita por ela, antes que o sinal evaporasse, foi para o seu celular! - pontua com firmeza, retesando o tronco e a postura.
Sugando uma lufada de ar, Diana afastou-se da morena até alcançar a pequena adega.
- Ela foi atrás dele... – despejou sem rodeios e uma careta pintou a face dura quando o líquido copo escorreu para a garganta – E antes que me pergunte, eu jamais poderia impedi-la. Ela tem toda a sua teimosia e a estupidez também! – solveu o licor cortante, mas não tanto quanto a verdade dispensada sobre si.
- Céus, Diana... - o frio correu pela espinha de Merda – Ele vai matá-la, por que é isso que ele faz com quem não pode controlar, ele destrói! – falou apavorada, enfiando os dedos longos no meio da cascata de castanhos longos – Precisamos encontrar Katherine e Melannie, agora! – exasperou-se, levantado com urgência.
- Vamos! – concordou alarmada e mais que depressa correu para a porta no encalço da mais velha.
***
- Essa não é a Kath... – bufou negando – Olha esse cabelo platinado e esse jeito manco de andar?! – Melannie continua negando, mesmo que o vídeo de gravação no celular em suas mãos dissesse o contrário – Nada haver com minha irmã, agente! – pontua com um a careta exagerada.
- Olha... – A ruiva diz sem paciência, tomando o celular das mãos da morena – Um dos assassinos mais procurados pela INTERPOL morreu em solo brasileiro e minha chefa está louca para pega o assassino e adivinha só, d’Angelis... – abriu os braços, estancando diante da italiana - Tem uma gravação nas câmeras de segurança, onde mostram minha prima, MORTA, saída do quarto do maldito minutos depois da hora da morte! – resumiu a situação – Você acha que essa história de cabelo platinado e manquejada vai convencê-la de que esses olhos azuis escuros e essa cara pálida não são da Emanuella, em?! – indagou exasperada, mostrando o rosto nítido da prima na pequena tela pausada.
- Ok! – afirmou, desistindo da negação – Mas também não precisa hiperventilar, Salvatore! – zombou Melannie diante da ruiva com o rosto mais vermelho que o próprio pimentão.
- É agente Salvatore pra você, senhorita d’Angelis... – devolveu seca – E eu nem sei por que me dei ao trabalho de vir aqui antes de mostrar isso para a delegada Aragão! – rosnou desapontada – Afinal da ultima vez que nos vimos eu acabei com uma bala prosa no meu peito, em um quarto de hospital vazio!
Talvez a conversa estivesse tomando outros caminhos, caminhos estes que Salvatore gostaria de evitar e Melannie não estava pronta para trilhar, contudo havia uma sombra de magoa nos olhos amendoados, mágoa que não despeitava ao episódio com a prima, mas sim ao depois. A ruiva não gostaria de dizer, jamais admitiria, mas quando acordou no hospital á algumas semanas e não encontrou o par de olhos que mais ansiava, sentiu-se traída e abandonada. Tudo bem, talvez não passasse de infantilidade da sua parte, contudo ela não conseguia sentir algo diferente daquilo.
- Olha, Salvatore, eu sei que você está chateada, ok?! – Melannie diz, ignorando completamente a questão real, era mais fácil focar em outras questões.
- Eu não estou chateada, Melannie! – um grito contido escapou dos lábios da ruiva causando um sobre salto nas avelãs.
- Imagine se estivesse... – Ela realmente não tinha a intenção de irritar a ruiva ainda mais, contudo o sussurro escapuliu dos lábios rubros.
- Que se foda! – July negou, afastando-se para a porta – Vocês têm 48 horas para darem um jeito nessa porr* de bagunça... – intimou com as amêndoas frias e distantes – Depois eu terei que apresentar as provas aos meus supridores!- sentenciou por fim e tudo que restou na ante-sala do palacete foi o ecoar da batida brusca da madeira por onde a agente passou.
- Porr*!- urrou Melannie, tentando dissipar toda a sua frustração.
***
O ponteiro do relógio se aproximava da meia noite. O restaurante havia encerrado o expediente, assim com os funcionários e subalternos. Contudo, esgueirando-se pelos corredores, quanto mais se caminhava para o interior, embrenhado-se pela escadaria rústica que daria acesso ao subterrâneo, a melodia típica se tornava mais consistente e reconhecível.
O cômodo era iluminado por algumas laminarias presas as paredes de tijolo artesanal, assim como o bar, recheado pelos vinhos e whiskys da mais alta qualidade, ornando perfeitamente com o cheiro forte de charuto mascado e a fumaça que dançava pelo ar.
Na mesa de centro há três homens; um deles com um bigode enorme, quase não podia se ver a boca, o outro com a cara amarrada e collant branco sob a jaqueta marrom, aproveitava para desfrutar da vodca em seu copo. O terceiro, engravatado, cativava o charuto aos lábios retorcidos, enquanto inspecionava com sagacidade a meia dúzia de cartas do baralho em sua mão.
- Coraggio amico (Anda longo, homem)! – rosnou o dono do “bigodão”, impaciente pelo suspense do adversário.
- Stai zitto, vecchio stronzo (Cala a boca, velho imbecil)! – O engravatado devolveu a gentileza, com uma lufada de fumaça para o ar.
- Figlio di puttana... – Murmurou o homem de bigode com uma tosse incomoda, ao sentir a fumaça ser lançada contra sua face.
- Como é? – O engravatado atira as cartas contra a mesa, guiando os olhos castanhos fulminantes para o Italiano barrigudo - Com quem caralh*s acha que está falando, seu “Minchione ”? – a voz grava trovejou, assim como a cadeira de madeira contra o chão pela força o impulso tomado pelo homem para ficar sobre os pés – Responda! – gritou outra vez, tomando o outro pelo colarinho e empurrando sua arma contra a bochecha farta do outro.
- E-Eu Sin-sinto mui-to, n-não...
O cintilar do disparo não partiu que ele continuasse, mas a surpresa maior foi identificar que o disparo não tivera sua origem na arma contra a bochecha do homem e sim no andar superior. Depois do primeiro veio o segundo e depois uma rajada de metralhadoras automáticas e semi-automática, seguida de passos apressados e alguns gemidos e gritou suplicante.
- Senhor? – Pela primeira vez, desde que a noite iniciou, o careca em jaqueta de couro resolvera se manifestar.
- Mais que porr* é essa, agora?! – rosnou o chefe, largando o colarinho do cativo com força. – Você... – apontou rapidamente com a mãos que segurava a arma para um homem parado á porta que dava acesso a escada – Vá ver o que está acontecendo, Dai (vai)! – ordenou e como fiel soldada o escudeiro distanciou-se á passos indecisos e temerosos.
Os minutos se passaram em lentidão para os três, mas finalmente os disparos cessaram o que trouxe uma onda de alivio para os homens, contudo, a sensação não perdurou muito.
O barulho na escada revelou o corpo do fiel escudeiro, com um ferimento á testa, totalmente sem vida e a ansiedade nos três só fazia crescer, assim como o pavor quando os ouvidos atentos captaram o assovio lento e macabro dando vida á uma “Tontarela napolitana” perturbadora, capaz de fazer os pelos de suas nucas arrepiarem-se em expectativa
Os olhos atentos e dilatados, focados á escadaria, capturaram um par de coturnos de couro escuro e à medida que o tinir da sola contra chão se aproximava os assovios ficavam mais intensos.
- Mas... - E quando as orbes castanhas alcançaram o largo, enroupado á uma jaqueta de couro surrada, a voz falhou, a respiração dificultosa acelera e a garganta seca.
A face tomada pela palidez macabra se contorce em um sorriso psicótico e os azuis frigidos e gélidos, mesclados á algumas machas carmesim (certamente um sangue que não lhe pertencia), encontram o engravatado estático na outra extremidade do cômodo.
- Então é aqui que os traidores se escondem, Gonzáles? – indagou-o com o rouco bailando ao mais puro sarcasmo - Nossa... – assoviou, girando no próprio eixo para “apreciar” cuidadosamente cada pequeno detalhe da arquitetura rústica – É um belo esconderijo, devo admitir! – o sorriso seco e sem vida brilhou ainda mais, contudo morreu no instante seguinte – As armas... – indicou-as com as sobrancelhas negras – Todas á mesa! – ordenou.
Sem tardar em atender ao “pedido”, três armas estavam sobre a mesa (Ao que parece os sicilianos gostavam em demasia do acessório – “item obrigatório”).
- Como achou esse lugar, Emanuella? – Gonzáles, ajeitando cuidadosamente a abotoadura ao punho da camisa – E melhor ainda... – encarou-a com firmeza, quando encontrou os azuis escuros arrogantes sobre si, e – Como passou pelos meus homes? – questiona-a.
A gargalhada funesta irrompeu pelo ambiente, misturando-se a penumbra e a fumaça, carregou uma confusa e sóbria interrogação para os homens. O cenho bruto franzido denotava a impaciência do CONSIGLIERI siciliano, diante da jovem mulher, totalmente relaxada e fria como o próprio diabo- O líquido rubro espalhado pela pele esbranquiçada do rosto compenetrado, escorria pelo ombro e braço relaxados ao lado do corpo, enroupado pelo couro escuro da jaqueta, até desembocar na mão pálida e correr livremente pelo metal prateado entre os dedos longos e naturalmente gelados, indo de encontro ao chão escuro- De fato, o humor frigido nos olhos de Castiel era compreensível, pois a resposta á pergunta de Gonzáles estava estampada, para ali, bem diante de homem.
- Para o conselheiro da Capo... – os lábios avermelhados se entortaram na sugestão de um sorriso - Estás meio lerdo, meu caro! – Completou a mulher de cabelos platinados, com uma piscadela intransigente.
- Madre di Dio... – sussurrou boquiaberto, diante da figura assombrosa.
- Receio que nem mesmo ela poderá salvá-lo agora! – sugeriu em um rouco duro e impassível – Agora senta aí, pois teremos uma pequena conversa... – aproximou-se da mesa de centro – De uma mulher morta para um quase defunto! – sorriu maléfica, sentando-se ereta e com os azuis escuros, em um quase preto, colados as orbes castanhas.
- PER FAVORE, MISS, NON HO NIENTE A CHE FARE CON QUELLO (POR FAVOR, SENHORITA, NÃO TENHO NADA A VER COM ISSO)... – um murmuro quase rogador insurgiu do homem estático - Ti prego di lasciarmi andare, Capo (Por favor, deixe-me ir, chefe)... – os lábios finos tremulavam atrás do bigode castanho - Per favore! – insistiu como se sua vida dependesse de uma única palavra da sombria mulher e bem, realmente dependia.
- Vai! – sentenciou o rouco seco para completo e mais puro alívio do homem que não se privou de correr para a escada, mas antes que pudesse seguir - Ma se ti vedrò di nuovo (Mas se eu voltar a vê-lo)... - o coração apressado, parou por alguns minutos - Sarà per l'ultima volta (será a ultima vez)! – advertiu-o, mas os azuis nunca se afastaram dos castanhos de Gonzáles.
Katherine Emanuella mal terminou seu discurso, quando os movimentos atrapalhados ao seu lado conquistaram a atenção do engravatado adiante de si e com um segundo de tempo a cadeira vazia no lado esquerdo á mesa estava no chão e o brutamontes de collant, que outrora ali estava, desaparecia como fumaça pela penumbra da escadaria.
-Traditore (Traidor)... – rosnou Gonzáles, negando com a cabeça quando teve consciência de que fora abandonado pelos únicos homens que lhe restara com vida.
- “Traíra que trai traidor tem dez anos de perdão!” – recitou Castiel, cheia de sarcasmo.
- Merida mandou o cachorrinho bastardo atrás de mim? – Indagou, cuspindo fúria de entre os lábios.
Os azuis escuros flutuaram pelo silêncio do ambiente, carregando toda a voracidade da obscuridade que prevalecia em seu interior para fora e, em um movimento bruto e furtivo, o nariz do homem estava colado á madeira da mesa, provocando um estrondoso e dolorido urrar.
- Você quebrou, puta!!! – exclamou ainda aturdido pela velocidade do movimento, comprimindo p nariz torto e achatado com as mãos.
- O negócio é o seguinte, seu merd*... – Castiel iniciou, inclinando o tronco em direção do homem, até que o mesmo pudesse sentir o calor de seu hálito – Você vai me dizer por que roubou a porr* da maleta do cofre da Merida e o que estão tentando esconder! – rosnou, tomando um cuidado especial de usar seu tom mais rude – E antes que pense em negar... – suspirou, afastando-se do homem que agradeceu e engoliu em seco, contudo seu alivio não durou muito – Veremos se a sorte estará ao seu favor!– voltando á cadeira, começou a retirar as cinco balas do tambor do revolver, atirando-as sobre a mesa, e quando restou apenas uma, o estalo áspero indicava que o jogo tivera seu início– Primeira tentativa!- descansou a empunhadura sobre a madeira fria e aguardou com os azuis atentos á o homem.
- Eu não... – O tom esgarçado foi interrompido pelo “Clikc” do revolver colado á testa suada e morena.
- Restaram quatro! – Avisou Katherine, virando o copo de vodca de uma só vez, mas ela nem se quer sentiu o ardor chegar até o estômago. Sendo fiel aos fatos, ela parecia não sentir nada além de uma fúria impassível que consumia toda a sua vitalidade e em troca retribuía com a mais assombrosa e maléfica das personalidades.
Gonzáles respirava com dificuldade, pois a adrenalina corria feito um cavalo selvagem dentro de suas veias.
- Você só pode ter pedido o juízo, sua Filha da puta... – as veias na fronte e pescoço saltavam na pele rígida, enquanto o moreno espumava em ódio – Conviver com a lunática de merd* da Merida deve ter fritado esses miolos de bastarda rejeitada! – Exclamou, externando sua revolta venenosa, todavia, se o plano fosse desestabilizar a jovem, não teve grande sucesso, pois os olhos frios de Emanuella jamais pestanejaram. Ou talvez tenha sido cedo de mais para tal afirmação, já quem em um milésimo de segundo o a face contorcida do homem estava outra vez indo em direção á “pobre” mesa.
- Olha, eu estou pouco me fodendo para você, seu merd*... – rosnou Emanuella, comprimindo o maxilar na vã tentativa de manter seu lado racional no controle em detrimento ao nebuloso e inconseqüente emocional que só desejava descarregar toda a frustração e raiva que crescera em seu interior na última semana – Eu posso te matar agora e depois vou atrás do puto do Vithor... – a surpresa brilhou nos castanhos escuros á menção do outro – Ah, sim... – sorriu irônica – Merida me mandoueu vigiá-lo nos últimos meses e qual não foi minha surpresa ao ver quem era seus novos “amiguinhos”! – esclareceu – Mas o que importa na atual circunstância é que eu não preciso de você para ter o que eu quero... – cuspiu, contorcendo o rosto em uma careta de nojo e desprezo - Você é, basicamente, o meio mais fácil para alcançar o um fim e se não me der o que eu quero agora, juro por todos os deuses que terei o maior prazer em enfiar uma bala nessa merd* de cabeça! – termina a ameaça, colando o cano frio a testa do homem outra vez, mas dessa vez a pressão intensa contra a pele sebosa e os músculos da mão tensionados denotavam a Gonzáles que a tênue força de vontade da jovem em se controlar estava próxima de ter fim.
- Foi e-ele... – falou assustado, temendo pela sua vida e a visível instabilidade nos azuis – Ele quem mandou invadir o cofre e pegar a maleta...
- Ele quem? – gritou, empurrando a arma com mais força.
- O seu i-irmão, Fo-foi ele! – desatou a dizer, comprimindo os olhos em pavor ao sentir o tambor do revolver girar em mais um disparo falso na famosa “roleta russa”.
- Não menti para mim, seu merd*! – alertou e o ranger dos dentes um no outro causavam calafrios ao homem.
- O Che-chefe, foi e-le que mandou o Félix atrás da sua mãe... – aquela altura do campeonato, não teria mais valor algum para a sua vida continuara a negar – E-la sa-be de alguma coisa que pode arru-i-inar as coisas!- o homem parecia se debater sob a mira da arma, já que não parava de tremer
- QUEM.É.O.PUTO.CHEFE? – rangeu silaba por silaba, mesmo que toda a sua mente e seu corpo gritassem a resposta.
O ar que entrava em seus pulmões parecia pesado e sufocante, a dor nos músculos retesados crescia e a pressão do sangue entrando no cérebro era esmagadora.
- O papai das bastardas! – Soltou de uma só vez e ele esperava que a revelação abalasse seu algoz, dando-lhe brecha para encontra uma fuga, mas ela precisava de mais. A confirmação brilhante nos azuis escuros, quase negros, diziam a ele que não foi forte o suficiente – Sabe o “policialzinho” enxerido? – indagou Gonzáles e satisfação cresceu quando as sobrancelhas negras se curvaram em interrogação – Oh não... – sorriu maléfico – Ele enfiou o nariz a onde não deveria, foi por isso que o Chefe o matou! - Os olhos castanhos assistiram com prazer quando o corpo rígido cambaleou para trás, derrubando a cadeira ao chão, e os azuis vagaram desolados e sem rumo para um lugar qualquer. “XEQUE MATE!” pensou ele – E isso não parou por aí... – gargalhou como se estivesse assistindo a mais genial das comédias – Foi o seu querido papai que mandou atirarem em você, “docinho”. No começo ele achou que poderia te controlar e te usar contra a vagabunda da sua mamãe, mas não... – negou – Você tinha que ter herdado a petulância daquela maldita puta e sair por aí desafiando a tudo e todos por causa da “ragazza” e da “doutorazinha”. Foi nesse momento que ele percebeu que o melhor seria te matar e foi então que ele deu a ordem, acertando dois coelhos como um só cajado, por que, eu vou te dizer... – outra gargalhada – Merida chorou feito um bebê quando soube da sua morte, eu nunca havia visto a mulher naquele estado...
E Gonzáles continuou falando, falando e falando, contudo a partir de então Emanuella não consegui mais compreendê-lo. Os azuis turvos flagravam os lábios se moverem em lentidão, hora contorcia em um sorriso macabro, hora entortavam-se em deleite, mas tudo que ela conseguia ouvir era o latejar tinindo em sua mente, como se o corpo flutuasse pela sala e afasta-se cada vez mais de sua consciência.
“-Foi o seu querido papai que mandou atirarem em você, “docinho!”
Foi tudo o que seu cérebro pode absorver, antes de entrar em completo choque.
“Foi o seu querido papai que mandou atirarem...”
Não era um fato isolado, dentre tantos os que marcaram sua existência patética. Isso foi pior do que estar em cativeiro, como um buraco no peito, longe da família, com frio e sede. Foi pior que ver o amor da sua vida partir. Foi devastadoramente pior á ter que escolher entre a vida da sua irmã em detrimento a da parceira, foi pior que assistir o melhor amigo morrer em seus braços. Foi pior...
- Sabe o que é melhor, “docinho”?! – gargalhou ruidosamente, diante do estado de catatonia da jovem, literalmente, paralisada - Quando seu pai souber que ainda está viva, ele mesmo cuidará de te enviar para o inferno, do lugar que você jamais deveria ter saído... – González, sabia que Emanuella já não se atentava aos seus movimentos e essa foi a oportunidade perfeita para que alcançasse sua arma sobre a mesa – Espero que você e a puta que matou o verdadeiro Capo, meu adorado primo, queimem pela eternidade! – espumou o homem e os braços longos forma na direção da face pálida e olhos azuis perdidos – Adeus, meu “docinho”... - Em seguida dois disparos selariam o fim de uma vida.
Entre a penumbra e as distorções sombrias do cômodo, o cano prateado do revolver reluzia aos nós dos dedos esbranquiçados, mas totalmente flagelados pelos estigmas da batalha que travara e perdera. O os olhos escuros e sem vida, carregavam a grandeza do lado vencedor e hoje, quem vencera a guerra foi o a veracidade e devastação, o ódio e a mágoa. Com dois disparos - sim ela havia mentido para ele, eram duas balas na “roleta russa” que decidiria sua sorte – o corpo pesado, marcado pelas marcas da vida sombra que escolhera para si, jazia tombado ao chão, sem qualquer resquício de vida. Ele se quer tivera tempo de sentir a vida se esvaindo, ele não teve tempo para temer.
- Eu não sou seu “docinho”! – balbuciou mecanicamente, Emanuella, e com um movimento sem pressa ou vitalidade partiu, deixando um rastro de horror e morte para trás.
A partir daquele dia, ela jamais fora a mesma...
Fim do capítulo
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NayGomez
Em: 29/07/2020
Mano se a Manu nao for subistituir a Merida como a nova capo isso nao terá mais graça. Enfim no final das contas a Meridaa Sempre fora a Vitima rsrs, eu sou apaixonada nessa mulé gente haha, to chocada que foi a Diana que tirou as Filhas da Merida dela o.o Mel quando descobrir vai ficar arrazada, finalmente merida vai ter as filhas dela só nao entendi o pq da merida mandar a Kath matar a Mel aquela vez se ela Ama por dimais as Filhas ?! Diana foi vaca heim . Pedro Castiel quem diria kkkkkk Kath ta só o ódio esse cara ta fudido kkkkkkk morte pra ele é pouco. Mais voltando na Minha maravilhosa Merida Por favor nao matem ela ok essa mulher merece ser feliz no final de tudo . Entao arruma alguma mulher pra ela, pode ser a delegada kkkkk magina a Merida com a Delegada kkkkkkk . Enfim obg por mais um cap e vê se nao demora a postar sinto falta dos seus conto.
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HelOliveira
Em: 29/07/2020
Que tenso, mas a história está maravilhosa...
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