** Capítulos contêm violência, caso seja sensível a temática, por favor, não leia!**
Acusadores
Contradictio
“Acusadores”
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“O passado te persegue porque o único lugar em que ele pode estar é a sua mente”
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- A senhora está tentando me dizer que a Merida... – apontou para a mulher sobre a cama do leito – Essa Merida, a “Putanna Fascista” que... Olha só que engraçado?! – gesticulou euforicamente com as mãos – É a capo sanguinária, a mesma a mulher cujo tentou roubar seu marido de merd... - esse desabafo, para além de sincero, teria que ficar para mais tarde, já que o breve tapa em sua nuca desnuda denotava que estava sendo “fiel” em demasia aos seus sentimentos pelo finado -... Ai, Kath! – reclamou Melannie com um bico enorme nos lábios vermelhos.
- Respeito! – sussurrou, reaprendendo-a pelo canto dos azuis.
- Só por que está na frente da sogrinha... – resmunga, observando a “senhora” loira, aparentemente sem qualquer interesse ou paciência, parada diante das duas “crianças” –... Que é belíssima á propósito, Signora (senhora)! – lançou uma piscadela para Angeline e as avelãs voltaram para uma irmã com as orbes quase saltando das orbitas em descrença – Olha, Kath, vou te dizer... – sorriu debochada para o constrangimento da outra – Daqui uns bons anos a doutora Muller/Gostosona ficará ainda mais...
Pela primeira vez naquela madrugada, desde que Melannie despertou de seu “sono” gritando algo parecido com “signora selvaggia” – Katherine prometeu que obrigaria a gêmea ir visitar Salvatore, depois que descobrisse porque sua, aparentemente, sogra morta estaria fazendo como uma seringa diante do corpo desfalecido da genitora – Angeline Muller pronunciou-se.
- Hum... – pigarreou em total desconforto – Será que as “jovenzinhas”... – escarneceu – Poderiam parar de tecer comentários totalmente inapropriados sobre a aparência da minha filha, depois da terceira idade, por gentileza?! – sorriu debochada e Emanuella capturou as covinhas de sua esposa nas bochechas delicadas e sardentas da suposta matriarca.
- C-claro, Senhora Lazzari! – Katherine tenta articular tomada por um inexplicável nervosismo.
“Ora, Castiel... pare de tremer, Mulher!” – Repreendeu-se, acertando a postura ao passo que alinhava a blusa de botão, jeans claro, sobre a camisa e retornava a arma para o cós da calça.
-Nervosa maninha?- o riso abafado, e nada discreto, de d’Angelis não escaparam dos azuis escuros e cerrados da outra.
A sagacidade parecia ser algo de família, já que Melannie não pode deixar de notar o embaraço da irmã diante da mãe de sua esposa, ou seja, sua recém descoberta sogra.
- Certo... – outra vez, Angeline retoma – Preciso dar isso à mãe de vocês, está ficando sem tempo e caso não o faça, o corpo dela entrará em colapso nas próximas horas! – diagnosticou e caminhou para a mulher desacordada.
Os passos da matriarca Lazzari causaram uma pequena movimentação nas gêmeas, haja vista que tomada pela desconfiança, Melannie sussurrava á uma Emanuella temerosa e relutante que impedisse a recém chegada, “Doutora de araque” – segundo a própria italiana -, de injetar algo desconhecido para elas na corrente sanguínea de Merida. A jovem Castiel, contudo, recusava-se terminantemente a apontar uma arma para a “suposta” sogra – “Iara me mata se eu fizer isso!” – entretanto, em um ponto sua irmã estava certa, elas não sabiam o que tinha na seringa e aquela mulher poderia ser uma farsante, Diana alertou-as para um possível ataque á Capo Martinelli.
- Droga... – murmurou Katherine desviando os azuis da irmã e vencida pela consciência, quando um ponto vermelho pintou o leite pálido do pulso braquial de Merida, ela gritou com rouco inseguro – Para ai, senhora Muller! – uma careta contorceu o rosto duro da platinada.
- Você ainda não nos disse como está viva depois de Merida explodi seu carro, se é que você é realmente quem diz ser! – Dessa vez foi d’Angelis.
Com um suspiro longo, Angeline largou a seringa e mirou as gêmeas, pareadas uma ao lado da outra, diante da saída.
A suposta, Senhora Muller, preparava-se para narrar a longa e triste história que cruzou seu caminhos ao de uma, até então, acompanhante de luxo muito ambiciosa, quando foi irreverentemente cortada.
- Paradas ai! – A voz grossa e gélida ordenou e logo frio correu da nuca ao final da espinha das irmãs.
- Porr*! – uníssonas as irmãs Martinelli lamentaram o fato de ter um “ferro gelado” colado á pele do pescoço.
- A velhota ai também! – o homem rosnou, acompanhando os passos traiçoeiros da loira.
- Ele não ganha tapa na cabeça, né, Kath! – resmungou em falsa indignação - Ipocrisia ès cancro (Hipocrisia é um câncer)! – completou emburrada, ganhando um olhar enfezado da irmã.
- Mãos ao ato suas putas! – urrou, empurrando-as um pouco mais para o interior do quarto.
Acontece que a conversa paralela das irmãs foi o suficiente para causar, ao recém chegado, uma pequena distração e bastou alguns segundos para o disparo acontecer.
Dois corpos ao chão e dois urrou de dor...
- Sua vaca velha! – gritou o homem recém chegado, agora rolando ao cão com uma bala crava ao quadríceps.
- Sogra má... – esse era o murmúrio da Castiel, apoiada em um dos joelhos e uma das mãos pálidas um pouco abaixo do fêmur – Muito má! – reforçou como uma careta de dor, focando os azuis na pequena quantidade de liquido rubro extravasando pelo jeans da calça.
- Sinto muito, minha mira é péssima! – desculpou- se, os verdes dos olhos saltando das orbitas e o braço esquerdo em riste, com uma pequena pistola empunhada na direção da porta.
Melannie, ainda em catatonia profunda, olhava da irmã ao chão para a Senhora armada sem dizer qualquer palavra.
- Se um dia eu disser que vou casa, per favo ré, interne-me! – rogou com a respiração tão rápida quanto gostaria.
***
Os olhos grandes, que na maior parte de sua íris carregavam um verde cristalino, quebrado pela intervenção de pequenos feixes de um castanho tão doce e claro quanto o mel, corria vagarosamente, quase que perdidos, pelo quarto bem mobiliado.
Não se pode negar, alguns traços genéticos são impossíveis de se perderem nas inúmeras gerações e misturas artísticas da natureza na concepção de um novo ser, aquela miscelânea de dois tons era uma prova contundente para a teoria.
Ao menos é o que a loira mais velha constatou, ali, parada como uma sombra, sem ao menos respirar, tomada pelo pavor de que, á qualquer movimento brusco, a pequena mulher adiante correria e se esconderia de si mais uma vez.
As grandes esferas verdes poderiam até ser idênticas a sua, herança de sua doce e falecida mãe, Angeline Muller, mas o brilho curioso e até a prepotência habitual... Bem, essas eram características inatas a um grande homem que um dia tivera sorte de chamar de irmão, para ser justa, era por isso de Kath se deu tão bem com Tiago, ambos carregavam esse mesmo brilho irreverente nos olhos. Iara poderia até entender o porquê de Tandara se ligou tão rapidamente a Katherine, as duas eram como lobas solitárias, assim como seu doce irmão e para, além disso, Castiel era tão próxima a Tiago quanto a loira jamais foi.
No fundo, Muller, sempre cultivou um pequeno ciúme da relação da esposa com o Muller mais velho. Não um ciúme um ciúme comandado pela paixão avassaladora que sentiu logo de cara pela jovem Castiel, mas um ciúme fraternal, pois eles se entendiam de uma forma que apenas irmãos poderiam se ligar. A essa ligação, Iara, atribuía o apego imediato da garota Lazzari e a repulsa veemente da jovem a sua pessoa quando Katherine apresentou-as como tia e sobrinha.
Muller esteve fora por tantos anos, não que tenha sido por sua livre e espontânea vontade, contudo, fato é, ela esteve distante de tudo e todos que amava, isso se aplica ao irmão. No dia do funeral de Tiago Muller, foi a primeira vez, em pouco menos de oito anos, que o vira e foi devastador a concepção de que jamais o veria outra vez.
Contudo a vida pareceu-lhe generosa e cá estava um pequeno pedaço de seu irmão, perambulando inocentemente pelo quarto de sua casa.
“Céus...” – suspirou a mais velha, sem saber definir a pequena revolta de sentidos em seu peito o que só piorou quando as esferas idênticas as suas notaram a face corada e sem jeito por ser pega no flagra.
- É... – a loira inicia, seguido de um pigarreio – Eu... – tentou, entretanto as palavras correram de si sobe o olhar atento da pequena mulher sobre si.
Um novo suspiro resignado e o cair dos ombros sedentos, expostos na regata clara, de Iara anunciaram desistência quando a de cabelos castanhos claros deu-lhe as costas e afastou-se para a pequena varanda, cerrando os braços sobre o peito ao sentir a brisa fia do inverno paulista eriçar os pequenos pelos do braço, como um sinal claro de que não estava aberta para qualquer dialogo ou aproximação.
- Era aqui, não era? –a médica preparava-se para voltar pelo corredor de onde viera minutos antes, quando a voz fina e cansada da sobrinha lhe detém – Era aqui que ele dormia... – talvez fosse mais uma constatação á uma pergunta efetiva e Iara sabia disso.
- Sim... – responde-a, sem maiores rodeios – Tiago ficava hora nessa varada! – uma sombra de sorriso pincela os lábios rosados da loira, que se aproximou com cautela até se emparelhar á outra.
- O que aconteceu com eles? – outra indagação e mesmo que não olhasse para a loira, podia sentir a pequena relutância no que tangia ao assusto.
- Sua mãe foi o amor da vida do meu irmão... – ela iniciou com um sorriso triste por conhecer o desfecho daquela narrativa – Pelo que Tiago dizia, eles pretendiam se casar, mesmo com a relutância de nosso pai! – negou com a cabeça, remoendo a arrogância e a estupidez de um homem que não poupou de seus caprichos a própria família – Pelo que me foi dito, Tiago escondeu o quanto pode a gravidez de Augusto, mas... – engoliu em seco – Enfim, nós nuca fomos bons em esconder nada do doutor Muller, desde criança ele dava um jeito destruir qualquer sinal de privacidade ou segredos que tínhamos e dessa vez não foi diferente! – Completa, voltando de suas inúmeras lembranças ao sentir a brisa fria contra os ombros dourados.
- É por causa dele que nunca conheci meus pais... – constatou a jovem Lazzari, sentindo as bochechas arderem com as lágrimas grossas. Só agora ela notou que chorava – Ele matou minha mãe... – rosnou em amargura, sem olhar para a Tia, era humanamente impossível para Tandara mirá-la – Ele tirou tudo de mim, ele matou tudo de bom que eu poderia ter... - o tom singelo e calmo desapareceu, dando lugar ao ruidoso ódio -... E por culpa dele... – guiou as orbes verdes para as da maior e ao contrário do que Iara vira antes, toda a doçura e curiosidade se converteu em puro desprezo e raiva – É por culpa do seu maldito pai, doutora Muller e por isso que eu vou odiá-la, assim como esse maldito sobrenome, pelo resto da minha vida! – urrou tão alto quanto pode e correu quarto a fora, sem saber que acabara de esmagar um pouco mais o coração, já tão pesado pelas culpas acumuladas, de Iara.
Ao que parece o universo ainda não estava satisfeito com todas as “peripécias” daquela manhã, pois o “furacão” Lazzari mal havia passado e o telefone toca...
“Hospital geral”
Denunciou o cursor do pequeno retângulo, resgatado habilmente do bolso traseiro.
- Dra. Muller... – a loira, limpando o rastro de algumas lágrimas traiçoeiras com as costas da mão -... Oh meu deu?! – quedou-se de imediato, a preocupação tomou conta das feições delicada – E por que não me notificaram antes? – bufou, demonstrado todo seu nervosismo e desagrado – Ok, ok... Estou a caminho! – encerra a chamada, sem ao menos despedir-se, e corre ás pressas para garagem, juntando chaves, bolsa e documentos pelo caminho.
***
- Então agente... – franziu o cenho para o distintivo em sua mão, aparentemente era inconcebível a idéia de que a mulher parada adiante era uma integrante do alto escalão da policia italiana e a mesma, convenientemente, estava “passando” pelos corredores do “Hospital Geral” quando “baleou” um assassino procurado pela INTERPOL á anos, ainda mais esse agente sendo Melannie d’Angelis, dona de tal espontaneidade e delicadeza (observação do policial) – Tem certeza que não havia mais ninguém no quaro, quando a senhorita... – pigarreou e voltou a ler o formulário em suas mãos – Abre aspas: Atirou no delinqüente, depois de um combate corpo á corpo violento? – indagou, ganhando um sorriso inocente por parte da de olhos cor de avelã.
- Não deixe de dizer que ele queria injetar uma substância desconhecida em uma das magnatas mais ricas e influentes do meu pais... – seria impossível não notar as sutilezas do sarcasmo em cada silaba que saltava dos lábios vermelhos – E também deve colocar ai que você e sua policia só compareceram ao local da ocorrência quarenta minutos após serem acionados, creio que os advogados da minha embaixada irão amar! – o sorriso vitorioso cresceu ainda mais quando o pobre policial estalou as grandes esferas negras para a mulher, sabendo que havia sido pego no flagra, resolveu encerrar suas interrogações e fazer como foi “pedido”.
- Certamente Senhorita d’Angelis, em nome da policia peço desculpas pelo incômodo e teremos o maior prazer em encerrar o caso! – confirma, retirando-se.
- Vattene Scemo... (cai fora retardado) – murmurou Melannie enfezada, acompanhando os passos acelerados do policial para a porta automática – Ai está ela... – Gritou a morena quando a loira passou correndo pela entrada e rumou em sua direção – Graças a deus... Se demorasse mais alguns minutos ela teria um choque hipovolêmico! – sussurrou para a loira, guiando-a pelos corredores até o ambulatório do andar inferior.
- É tão grave assim? – indagou a médica ofegante pelos passos largos e apressados - Céus, vocês não conseguem ficar algumas horas sem se meter em alguma merd*! – rosnou desacreditada diante do silêncio da maior – O que? – indaga ao ouvir a gargalhada estrangulada na garganta de Melannie.
- Nada... – negou jocosa, recebendo o olhar cortante nos verdes – É que eu nunca tinha escutado a “doutora certinha” xingando antes! – zombou d’Angelis matreiro.
- Vai a m...
- Olha só... – sorriu debochada, interrompendo o próximo insulto de uma Iara, literalmente, vermelha como um vulcão prestes a entrar em combustão – Chegamos! – apontou para a porta, esperançosa por se safar da pequena mulher irritada adiante.
- Conveniente, não?! – Iara diz, rolando os verdes em orbita e girando a maçaneta.
- Ei, eu... – não houve muito tempo para réplicas.
- Vasa! – exclamou e sem dar espaço para a mulher lhe acompanhar, cerra a porta á poucos centímetros do nariz empinado da jovem.
“Uma das características irritantes nas mulheres Martinelli!” – Conjeturou a loira tragando o ar com gula.
- Melannie? – a tom rouco veio baixo e abafado – É você? – indagou esgueirando-se pelas prateleiras do ambulatório.
- Sou eu... – A loira esclarece, sem qualquer resquício da doçura que lhe era tão habitual e característica.
Alguns objetos se chocando da prateleira ao chão, depois, uma Katherine “manca” das pernas e como uma mancha enorme de sangue no tronco esquerdo invade o campo de visão da médica.
- E-Eu sinto muito... - pelas feições nada boas da esposa, Manu conclui que entrara em “maus lençóis” – Não queria trazer mais problemas para o seu hospital, só que...
- Cala a boca e senta, Castiel! – cortou-a, aproximando-se da esposa sem desviar os verdes para os azuis apreensivos.
Com passos mancos e uma careta, que denotava muito abertamente, seu estado dolorido, Emanuella senta-se á maca e como solicitado não ousou sequer respirar enquanto a loira tentava examinar o ferimento.
- Pegou de raspão, então não precisaremos de cirurgia... – constatou e mantinha o plano de ignorar terminantemente a maior – Alguns pontos e uma bolsa de sangue já serão suficiente, agente! – pontua abrindo a pequena maleta sacada de sua bolsa.
Pela primeira vez, desde que se reencontraram, o silencio parecia carregar uma tonelada de desconforto, junto a uma sufocante onda de agressividade passiva.
- Iara, eu... – suspirou cansada e tomada pelo desanimo, em partes pela ultimo episodio, mas a grande maioria pela frieza da mulher direcionada a si – Eu juro q não queria cria problemas para você e o “hospital Muller”, eu só queria que Merida... Ai! – reclamou sentindo a fisgada da agulha contra a pele.
- Essa mulher ia te matar, ela nos seqüestrou... – replicou largando os aparatos médico sobre a bandeja metálica com mais força do que o necessário – Ela tentou me matar, caso você não tivesse aparecido, não sei se minha filha teria uma das mães agora! – pontua Iara, sentindo as mãos tremulas e a respiração ofegante.
- Você disse que não teria problemas se Diana a internasse aqui... – devolveu a de olhos azuis, exasperada – Você quem se ofereceu para isso, Iara, eu não te obriguei a nada! – rosnou sem se importar se quem passasse pelo corredor as ouviria ou não.
- ELA MATOU A MINHA MÃE! – o grito finalmente rasgou a garganta, dando voz ao pensamento doloroso que assombrava a mente de Muller desde que soubera que a mãe da mulher que amava, era a mesma que assassinara a sua adorável mãe e á mandado do próprio pai, pelo menos essa era a história que Diana contou-as.
Emanuella sentiu-se enrijecer diante dos tremores que aquele desabafo causara em suas entranhas, por dois motivos simples: Iara parecia destruída diante da contestação, as lágrimas grossas e as esferas verdes, avermelhadas pela irritação e agitação das mágoas extravasastes, não sonegavam esse fato. Segundo e indizivelmente pior: Iara parecia destruída e Katherine não poderia dizer – Exigência feita por parte do mais “alto escalão”, a própria “finada” - a ela que não havia motivos para tamanha dor, já que, ao que parece, Angelina Lazzari Muller estava bem viva e “amiguinha/Médica pessoal” da mulher cujo sangue infame - ou não tão infame assim, ela mesma estava perdida e sem compreensões simplistas para o sentimento destinado a sua genitora – corria em suas veias.
Os ombros largos da platinada sedem á desistência, assim como os azuis escuros focados á porcelana branca no chão – era impossível para a ex-policial mirar os verdes da esposa - e uma contestação simples serviu para esmagar o coração da maior.
Elas estavam se machucado, outra vez. Diretamente ou indiretamente, não importa. A questão era que estavam ferindo uma à outra e isso não parecia promissor para nenhuma delas, na verdade era desgastante e Kath temia não poder reparar os estragos que sua presença imputava á loira, talvez fossem ainda piores que os que fizera em sua ausência.
- E-eu... – uma dor irreverente se instala na garganta de Castiel, tornando o rouco ainda mais grave pelas palavras que viriam á seguir – Se você acha que... – engoliu em seco e com um suspirou, buscou forças para direcionar os azuis aos verdes de Iara -... Diante de tudo que vivemos, desde que nos conhecemos, e tudo que superamos para estarmos juntas, como uma família... – “ou pelo menos algo parecido com isso!” divaga lamentosa –... Não podem transpor as origens do meu sangue, então eu... – uma lágrima solitária correu sem qualquer inibição pala pele pálida – Eu me afasto se quiser assim! – soltou de uma vez, desviando-se da dureza dos verdes sobre si.
Os antigos costumam dizer que o silêncio fala e isso parece uma controvérsia estúpida, caso nunca tenha presenciado o peso desse falar, mas naquele momento, o silêncio parecia gritar a decisão sufocante de Iara e essa foi uma das piores constatações para Manu.
Mesmo com dores e um ferimento semi-suturado, a maior esforçou-se para sair da maca, apanhar a blusa jeans clara, maculada agora pelo carmesim de seu sangue, e caminhar lentamente em direção a porta, passando pelo corpo inerte de uma Muller cabisbaixa.
- Diz a Manu que passo para pegá-la à noite... – murmurou Emanuella antes de sair mancando pelo corredor.
“É claro, Iara, sua estúpida... o cinema em família para comemorar o aniversário da filha de vocês!” – prendeu-se a loira, cerrando os olhos com força diante da estupidez que estava prestes a fazer.
A verdade é que não importava á quem pertencia as cargas genéticas que as constituíam, o que de fato importava era a os sacrifícios e renuncias que ambas faziam pelo amor que sentiam uma pela outra, pela família que construíram. E a mínima constatação de ausência de Katherine, nos pequenos segundos transcorridos, foram suficientes para fazerem os pés pequenos correrem afoitos para longe da sala e apressarem-se ainda mais ao avista o corpo pálido e manco quase ao pé da saída.
- Katherine Emanuella Castiel... - rosnou quando a alcançou com os verdes cravados nas costas da maior – Você não ouse, jamais, cogitar a idéia de nos deixar outra vez... – continuou ofegante – E o mais importante... – tomou-a pelo cotovelo e girou-a para si, até encontrar aquelas orbes que tanto amava, de um azul tão vivido e intenso quanto à dona – Eu jamais me cansarei de lutar pelo amor que sinto por você, não importa quantas outras barreiras teremos que aprender a superar... - os veres estavam rasos, tomados pela profundidade das verdades que saltavam dos lábios rosados á apenas míseros centímetros dos avermelhados semi-abertos – Eu te amo! – sussurrou para os azuis colados em seus lábios.
- Eu também... – devolveu a maior enlaçando a cintura fina nos braços e dando início a um beijo lento e carregado de sentimentos – Amoré mio... – completou quando o ar faltou, descansando a testa pálida á dourada.
- Vem, preciso tapar esse buraco... – sorriu, sinalizando o local do ferimento – Você e sua família parecem ter um imã para problemas desse tipo, céus... – revirou os verdes nas orbitas quando a gargalhada rouca invadiu seu cérebro – Olha, eu quase morro do coração todas as vezes que meu telefone toca, tentando advinha qual parte da minha esposa vou ter de costurar! – resmungou com a enorme carranca, bem acompanhada por bico emburrado.
- Prometo que serei mais cuidadosa, doutora! – Emanuella com um sorriso torto e uma piscadela sensual.
- Droga... – negou Iara inconformada com a reação de seu corpo traidor ao galanteio da esposa - Parece que ludibriar as pessoas como sorrisos sexy também é um pré- requisito para ser uma “Martinelli”! – murmurou para si.
- Como? – indagou Kath franzindo as sobrancelhas negras e jogando as madeixas platinadas e revoltadas para longe dos olhos.
- Nada Katherine! – exasperou-se, mordendo a ponta dos lábios para o olhar inquisitivo e azuis inocentes sobre si.
Tudo bem, talvez fosse seu período fértil falando mais alto ou Castiel estava empenhada em seduzi-la. De toda a forma, aquele não seria o local mais apropriado para dizer a espora que estava totalmente excitada com uma simples piscadela e por ver o pescoço pálido desnudo, assim como os braços fortes cruzados sobre os seios fartos e macios...
“Deus?! Que inconstância é esse, mulher?” – suspirou a loira, acompanhando a mulher á frente, refazendo o caminho para o ambulatório – “Que tipo de médica é você, que fica excitada enquanto sua esposa ainda tem um buraco de bala na perna? Uma perna muito rígida e definida á propósito...” – sorriu marota.
- Pelos deuses, Muller! – repreendeu-se chacoalhando a cabeça de um lado ao outro e voltou a caminha.
***
- Quer dizer que esse é o refugio da Capo Martinelli quando ela está no Brasil? – indagou a loira com os verdes atentos e perscrutadores pela ante-sala do palacete – Modesto como ela! – escarneceu em sarcasmo.
- Mamma (mãe) disse que Merida sempre gostou de “causar” em grande estilo! – parafraseou a d’Angelis mais nova, jocosa.
Não era a intenção, mas a menção á sua “Mamma” causou uma pequena euforia no conteúdo gastrointestinal da Matriarca Lazzari e isso não passou da perspicácia em forma de avelãs, cravado ás costas da mulher.
- C-como... – Tentou, mas o medo matou as palavras nos lábios rosados, agora crispados.
- Isso muda muita coisa, sabe... – Melannie retomou, diante do desconforto da outra – O fato da Capo ter salvado você! – pontua.
- Apenas uma conveniência para ela, na época! – Esclarece seca, retomando o caminho para a janela que proporcionava a vista de um enorme jardim.
- Então por que não a deixou morrer? - indagou o obvio, pois desde o primeiro instante percebeu que a relação entre a mãe biológica e Angeline (agora, sem sobra de dúvidas, já que a morena vasculhou todo o banco de dados da policia brasileira – invadindo os servidores, obviamente – para constatar que aquela linda senhora sardenta era a verdadeira Dra. Angeline Lazzari Muller, falecida em um horrível “acidente” de carro) não era a mais fraternal ou se quer neutra, a mais velha parecia nutrir um desprezo enorme pela outra.
- Pelo mesmo motivo que sua mãe me poupou! – respondeu com um suspiro cansado.
- Que seria? – Melannie, sem compreender bem as palavras da mais velha, indaga.
- Diana... – murmurou, levando o verde mel para morena – Diana jamais me perdoaria se eu pudesse salvar Merida e não o fizesse... – um sorriso nasal interrompeu o a surpresa na face morena – Por incrível que pareça, ela ainda a ama sua Mãe como se ainda fossem duas garotinha em um orfanato, protegendo uma á outra do mundo! – constatou em um lamentoso silencio, não pelo amor de ambas as irmãs, mas por todas as circunstâncias que transcorreu em sua vida para que Angeline tivesse conhecimento da veracidade de suas palavras.
Anos antes, Lazzari estava escondida em sítio que herdou de uma tataravó, mas, ao que ficou bem claro, Augustos não á fizera sofrer e humilhara suficientemente em vida, ele precisava fazer isso na morte também e quando a loira menos esperou, suas finanças e heranças bilionárias eram agora heranças bilionárias do traste do ex- marido. Seria o fim da linha para si, contudo lá estava a arrogante e ex- prostituta de nariz empinado, amante do seu esposo e outros milhares de esposos, na verdade, agora, ela era a Capo Siciliana, vulgo “dama de ferro”, oferecendo “Exílio” para si na adorada mãe Itália, sua terra de nascimento, e em troca, Muller, deveria fabricar medicações que tratassem uma doença raríssima em total sigilo, afinal uma Capo perto da morte e sem herdeiros desestabilizaria o poder da temida “dama de ferro” e isso Merida Martinelli não permitiria em hipótese alguma.
- Eu nunca entendi por que a Mamma não teve uma namorada ou namorado... – Melannie, distante dos pensamentos da mais velha – Ela dizia que o amor já havia a encontrado uma vez e que, na vida, os que o encontram uma vez foram afortunados, mas que devem aproveitar a chance, pois ela é única! – revelou, assistindo algumas poucas lágrimas macularem as pequenas sardas na pele clara.
- Não pode dizer a ela que estou viva! – Angelina exclama em tom cortante e gélido.
- Mas...
- Não pode, Ragazza (garota)! – sentenciou por fim.
***
- Sabe que não acredito nessa história, não é?! – esticou a interrogarão até uma das sobrancelhas arqueadas – Isso parece uma história de Melannie quando era pega em uma briga na escola e eu tinha que ir á uma reunião com o diretor do colégio! – Diana diz, investigando minuciosamente a outra.
- Eu disse que era uma história de meda, Mel... – rosnou baixinho, negando com a cabeça.
- Perdão?! – Diana.
- N-ão... – gaguejou embaraçada, mas logo se recompôs – Eu disse que Melannie tem uma mira horrível, já que me atingiu antes de acertar o alvo! – jogou a de olhos azuis escuros.
- Claro... – sorriu, ainda desconfiada – Mas e Merida, a doutora Muller passou aqui mais cedo e disse que ela apresentou uma melhora significativa, mesmo não havendo explicações técnicas para o fato! – mudou o rumo da conversa, caminhando para o leito da irmã, agora sem sonda ou tubos de ventilação.
- Parece até um milagre! – Pontua tentando manter o sarcasmo longe da sua retórica, mas parece ter fracassado, já que os azuis de italiana grudaram nos seus com uma interrogação palpável.
“Pegou pesado, amada!” – prendeu-se Castiel.
- E quanto ao tal “executor”... – d’Angelis resolveu ignorar e focar no importante – Já falou com ele, sabe quem o enviou?
- Bom, sobre isso... – Kath, constrangida, leva as mãos ao pescoço, como se precisasse coçá-lo ou ocupá-las de alguma forma – Eu meio que não posso colocar minha cara pelos corredores do hospital, sem mais nem menos. Katherine Castiel é uma mulher legalmente morta no Brasil e eu não gostaria de arriscar tanto, ainda mais aqui! – explicou.
- Tudo bem, eu entendo... – diz levantando-se e apanhando seu sobretudo social do encosto da poltrona ao lado da cama da irmã – Eu mesma faço isso se quiser! – sugere.
- Não! – Katherine nega em um quase grito – Não precisa se preocupar, já Melannie estará aqui e cuidará de tudo! – pontua mais tranqüila.
- Certo... – Diana concorda, medindo a mais jovem com cenho franzido – Tenho certeza que sim! – acenou afastando-se, mas antes de sair ainda completou – Espero que saiba o que está fazendo, Castiel, se acha a Máfia e a Capo impiedosa e porque ainda não conhece o verdadeiro Perigo! – Completa enigmática.
- Eu odeio charadas, senhora d’Angelis! – Exclama Katherine.
- E eu idem, ragazza... – responde-a – Mas infelizmente é tudo o que temos! – constatou, aprumando o cachecol – Encontre a maleta! – alertou-a outra vez, relembrando o esforço de Merida para mencionar a maleta.
***
- Você não fez isso, Katherine... - a loira mal podia crer na cena acompanhada pelos verdes – Deus... Ela fez! – negou com a cabeça ao passo que esfregava a testa com a ponta dos dedos.
- Ah, mamãe... –a de cabelos platinados diz enquanto se aproximava, com um pequeno bico nos lábios – Não seja uma controladora rabugenta! – Protestou com uma ruga na testa e falsa desaprovação, arrastando o pequeno corpinho, emparelhado ao seu, pelas mãozinhas rechonchudas, ao passo que Manu literalmente era engolida pela enorme pelúcia, na tentativa vã de carregá-la sem atropelar as próprias perninhas no processo.
- É mamãe... – acompanhou a sua mamma com um biquinho vermelho e chantagista - Não seja uma... – Angel, quase sufocada em meio ao mar de “pelos” felpudos -... “Contadora” “baranguenta”! – afirmou com a cabeça, causando uma pequena revoltas á madeixas negras.
- O que? – Iara inda sobre saltada, diante do verdadeiro significado da pronuncia “errada” nas palavras da filha – Katherine Emanuella... – rosnou para a maior e na hora o riso debochado e despreocupado fugiu da face dura e pálida – Você controle sua filha, isso é coisa que se ensine á uma criança, Senhora Castiel?! – rosnou a mais velha, tentando conter a gargalhada no fundo da garganta diante da careta apavorada da esposa.
- E-E-Eu... –começou mesmo seu cérebro sendo incapaz de formular uma oração simples, mas não houve espaços para uma nova tentativa pois logo, mãe e filha caíram em gargalhadas.
- Eu disse, mamãe... – Emanuella é quem resolve interromper o momento – Eu avise que a mamma tem medo da “senhola”! – esclareceu para a interrogação em pessoa de queixo caído ao seu lado.
- Realmente baby girl! – completa a loira sem se agüentar e ceder á uma nova onda de risos.
-Que dizer que as duas mocinhas estão de complô para cima da minha pessoa? – indagou Kath, cerrando o cenho e comprimindo o maxilar. A tentativa era colocar a sua melhor carranca no rosto, mesmo sabendo que diante das duas mulheres de sua vida era uma tarefa impossível.
- Siiiimmmm! – o gritinho infantil cortou o corredor iluminado do shopping, atraindo a atenção de alguns transeuntes.
- Touché, meu anjo! – Iara confirmou com uma piscadela humorada e arrematando a pequena Angel nos braços, largou o urso sobre os cuidados da esposa.
Para cunho de curiosidade, Angeline deu um show, digno de uma criança determina, quando os olinhos azuis pousaram no enorme unicórnio de pelúcia e ao que parece, mesmo com a negativa da loira, a menina sabia onde investir suas lágrimas... Pensou-se que Katherine cederia aos “encantos” da pequena? “Na mosca”! A jovem mãe passou pelas réplicas da esposa para agradar a filha com aquele “bicho” – palavras de Iara – enorme.
- Ei... – reclamou Castiel quando as patas rosa encontraram seu rosto – Por que eu tenho que levar isso? - anunciou a injustiça.
- Por que você que resolveu comprar ou preciso lembrá-la disso, meu amorzinho?!- replicou Iara sínica.
- Em? – um novo protesto seguiu quando a loira girou sobre os calcanhares e retomou os passos – Qual é “bolinho”, você deveria carregar... – apelou para a filha - A mamma comprou para você, filha! - completou.
- Foi mal mamma, mas se a mamãe disse que é você quem vai levar ele, então devo obedecer a decisão! – falou resoluta em um cinismo até então desconhecido pela maior.
- Não me olha assim... – Iara defendeu-se diante dos azuis horrorizados sobre si – A culpa é do seu DNA! – gargalhou para a outra.
“Talvez estivesse em maus lençóis... tudo bem, definitivamente, estou muito Fo Dida!” - conformou-se Emanuella, sabendo que todas as batalhas compradas contra as duas seria uma derrota certeira para si.
***
- Ela tem o que? – Mel indagou incerta de suas faculdades e capacidade interpretativa diante da revelação. Dizer ser um eufemismo, receberem uma notícia dessas ainda pela manhã á mesa do café, era de uma grosseria sem tamanho.
- Quer dizer que Merida está doente á anos? – Kath, ainda surpresa. Para ser realista, surpresa não combina muito bem aos sentimentos da de olhos azuis, ela estava chocada e, por mais que detestasse a idéia, sentia-se preocupada e aflita.
- Sim... – respondeu a doutora, instalada na outra ponta da mesa de marfim – Leucemia é uma doença silenciosa, muita das vezes, e em Merida, excepcionalmente, é mais complica que o norma, haja a vista que a mãe de vocês recusou-se á buscar tratamentos mais adequados e acompanhamento profissional especializado! – pontua Angeline, servindo-se com um pedaço de croissant.
- E não era sua responsabilidade lidar com isso? – o rouco de Castiel saiu estrangulado pela exasperação crescente em seu interior.
Seria responsabilidade da Dra. Lazzari tratar da saúde de Martinelli, já que a mesma alegou que só fora “aparada” pela Capo em troca de seus conhecimentos médicos.
- Eu sou uma Médica Obstetra, ragazza (garota) Não uma oncologista... – defendeu-se a loira, mediante a indignação da jovem – Tudo que estava em meu alcance foi feito para manter a Capo Martinelli relativamente saudável!- esclareceu.
- Sabe o que eu penso, doutora Lazzari... – início a retórica, ao ponto que se endireitava sobre os pés e se afastava rapidamente da mesa (mesmo manca de uma perna) com os azuis gélidos sobre a mulher – Acho que você está adorando assisti-la morrer nesses últimos anos! – rosnou a de cabelos platinados.
Melannie conhecia aquele olhar cortante e desafiador, nos últimos meses que passou ao lado da irmã pode comprovar que ele nunca precedia coisas boas, contudo, agora, estava travada demais para tentar intervir diante da postura autoritária e arredia da jovem Castiel.
- Não sou uma a mau caráter que pressupõe, Castiel... – Angelina diz, elevando alguns decibéis – Eu fiz o que qualquer médico ético faria, cuidei de um paciente, ainda estou cuidando alias, e honrei meus juramentos, mesmo depois de tudo que sua “adorável” mãe fez á mim e minha família! – Sentenciou em um quase grito, atirando o guardanapo á mesa e caminhou para longe da sala de jantar o mais rápido que pode.
- Merda! – rosnou Kath em total frustração, socando a mesa com os punhos. O chacoalhar dos talheres e ouros utensílios sobre o marfim causaram um breve sobressalto á Mel, despertando-a de seu choque particular.
Os ombros largos, movendo-se sofregamente de cima para baixo, davam a qualquer um a clara noção que Emanuella estava longe de qualquer possibilidade de calma ou passividade, contudo, talvez, só talvez, Melannie a compreendesse.
Merida era sua mãe e, apesar de ter se mostrado indigna de qualquer emoção por parte das filhas, lá estavam elas, paralisadas diante da possibilidade de nunca terem oportunidade e tempo para descobrirem se Merida era capaz de sentir por ambas qualquer sentimento nobre e digno de recíprocas.
- Sabe... – Mel começou em tom suave, quando percebeu a respiração acelerada da outra diminuir o ritmo – Eu acho que deveria se desculpar com ela! – moderou, acompanhando Kath arrastar uma grande lufada de ar para os pulmões – E só para que saiba... – sorriu minimamente – Eu entendo, também sinto pavor com a idéia! – sussurrou alcançando as mãos pálidas com as suas em uma clara tentativa de transmitir conforto.
- Iara a odeia... – suspirou, descansando o tronco no estofado vermelho da cadeira – E eu nem ao menos posso culpá-la ou julgá-la por tal, afinal, deveríamos sentir o mesmo! – desabafou com os azuis perdidos no cristal da taça adiante.
- De fato... – Mel – Não que tenhamos parado de sentir raiva ou ódio por todos esses anos de abandono e tudo mais... – engoliu em seco na tentativa de afastar o incomodo e tensão na garganta – Mas acho que, talvez, ela mereça o beneficio da dúvida, não é? – isso não era uma pergunta e estava longe de ser uma afirmação, consistia apenas em um confuso pensamente – Afinal, Merida Martinelli é a nossa mãe biológica! - o aperto quente se intensificou nos dedos magros e frios.
- Está dizendo que a perdoou por tudo e que se esqueceu das coisas que vimos e fomos obrigadas a fazer sobe as ordens e ameaças dela? – questionou-a, guiando os azuis franzidos para as avelãs brilhantes, emotivas e até um pouco ingênuas na concepção de Kath.
- Não Kath... - um sorriso genuíno sobressaltou nos lábios fartos e vermelhos – Estou dizendo que estou disposta a tentar! – Melannie esclarece.
Emanuella sempre soube, desde o momento em que bateu os olhos na gêmea, ela era a melhor parte delas. Mel sempre foi a sorridente, a bem humorada, a mais sensata, na verdade, d’Angelis era a parceira perfeita, a irmã perfeita. Ela era pura e carregava um otimismo descomunal em sua alma doce e brilhante, ao contrario da sua – Mal humorada, inconstante e nada sensata – e naquele momento, Katherine prometeu a si mesma que faria tudo para que sua irmã ficasse segura e fosse feliz, pois se havia um ser no mundo que merecesse a felicidade, esse alguém era Melannie.
- Eu sempre soube que você era a gêmea boa! – Kath interrompeu o breve silencio, causando um riso zombeteiro á italiana.
- Não se esquece de acrescentar “a mais linda” também, maninha! – Estufou o peito em convencimento, arrancando uma sonora gargalhada de Manu.
- A modéstia passou á quilômetros, né não, Mel?! – escarneceu a mais velha cheia de sarcasmo.
- Senhoritas Martinelli? – um pigarreia, seguido do tem apressado interrompeu a interação das irmãs – Perdonami per aver interrotto la colazione delle donne, ma è urgent (Perdoe-me por interromper o desjejum das senhoritas, mas é urgente)! – exclamou o chefe da segurança do palacete.
- Nessun problema, Vitório (Não há problemas, Vitório)!– Castiel diz, acertando a postura ereta e rígida – Quello che è successo (o que aconteceu)? – requereu.
- Bene (bem)... – o homem começa tomado por um constrangimento e desconforte anormal para sua postura sempre centrada e fria - Qualcuno entrò nel palazzo e fece irruzione nella cassaforte di Capo Martinelli (Invadiram o palacete e arrombaram o cofre da Capo Martinelli)! – notificou o chefe de segurança.
- Kath, a maleta... – Melannie intencionou tomada pelo sobressalto.
- O que levaram, Vitório? – Emanuella dirigiu-se ao homem.
- Uma única coisa, Martinelli! – respondeu, tomado pelo desapontamento por ter “falhado” em seus deveres – Sinto muito, Signora... Tivemos duas baixas!- pontua aflito.
- Porr*! – esbravejou enfurecida - Quem foi? – rosnou, trincando o maxilar de pedra
- Non lo sappiamo, signora ... Sabotano il filmato sulla sicurezza (Não sabemos, senhora ... Eles sabotam as imagens de segurança) ! – anuncia o homem, engolindo em seco diante das esferas azuis, tomada pelo cintilar da raiva – M-mas deixaram isso para traz... – estendeu as mãos em uma luva de couro negra, aparando um saco plástico com um celular – Os homens acharam no jardim mais cedo! – pontua quando a platinada tomou-o de suas mãos, contudo sem desviar os azuis das orbes castanhas do segurança.
- Va via (Vá embora)! – Castiel rosnou a ordenança.
- O que faremos? – d’Angelis indagou, assistindo a irmã afastar as madeixas platinadas entre os dedos afobados para trás.
- Ligue para Diana e informe-a... – Kath sentenciou – Eu vou resolver um assunto e voltarei mais tarde! - Não era o tom acalentador que Mel estava começando a se acostumar, era um rouco autoritário, frio e calculista, aquele que fazia gelar a alma da italiana.
- O que está escondendo, Katherine?– Melannie sugeriu, correndo para dianteira da mais velha e freando-a com próprio corpo.
- Apenas faça o que mandei, d’Angelis! – sentenciou Castiel, afastando o corpo da irmã do seu caminho e marchando para longe. E aquele havia sido o palpite mais claro e conciso para a morena... Não era a sua irmã pedindo e sim a “Herdeira Capo” dando-lhe uma ordem demonstrando claramente que não havia espaço para réplicas.
***
É difícil definir a sensação de alívio, por que não se trata de uma pura e simples leveza, tem haver com a percepção de uma segunda chance. Quase como um momento de epifania, a seção de ter escapado de uma grande e enorme enrascada traz á consciência a brevidade da vida e faz com que revejamos alguns conceitos sobre nós mesmo e o mundo ao redor.
O homem, despojado confortavelmente na maca macia sentia-se assim; aliviado. Nem mesmo o irritante som das maquinas e enfermeiras correndo de um quarto ao outro eram potentes o suficiente para causar perturbação a sua paz de espírito, afinal ele escapara da morte e isso com apenas alguns músculos da perna esquerda ferida, em sua profissão isso era sinônimo de sorte... Assassinos de aluguel geralmente não têm tanta longevidade, contudo ele estava orgulhoso em quebrar esse padrão.
- Sabe... – “talvez não tão sortudo assim” o subconsciente do homem titubeou diante do sorriso maléfico e grotesco na face cerrada da locutora – Eu estou parada aqui algum tempo tentando advinha o motivo desse sorriso tosco e arrogante nessa sua cara inútil! – a voz rouca e cortante provocou um tremor ao homem.
Embora a mulher estivesse consideravelmente distante - Na verdade escorada á porta do quarto, bom metros de si – a sua respiração acelerada e a furtiva taquicardia revelavam seu extremo desconforto e intolerância á sua presença.
- O- que você faz aqui? – murmurou para a jovem que ajeitava o boné na cabeça, cobrindo parte da face pálida, mas o homem sabia que no segundo em que seus olhos encontrassem os dela seria seu fim.
- Oh... – ofendeu-se pela ignorância dele – Achei que sua intuição fosse mais apurada, meu caro! – outro sorriso sem qualquer resquício de humor.
- Achei que estivesse morta, agente... – devolveu a ironia – Ou devo dizer... Ex- agente federal?! – arriscou um sorriso ao perceber os lábios vermelhos se entortar para baixo denotando que suas intenções forma acalcadas.
- Pensei ter sido clara quando disse para nunca mais cruzar o meu caminho, Félix! – silabou ela, caminhando lentamente até o leito do famigerado.
- E eu pensei que estaríamos quites depois do que fiz por você, Emanuella... – um sorriso jocoso correu os lábios venenosos, revelando os dentes meio amarelados – Não é fácil queimar e esconder arquivos confidenciais de um delegado da policia, ainda mais esse sendo o Dr. Tiago Muller... – os lábios quase rasgaram a face barbada quando os azuis escuros fuzilaram os seus castanhos -... E como vai o doutor, ãh?! – retórico e vil continua – Antes de enterrarem ele, você contou que sabotou as investigações para livrar a sua pele nojenta, “Manuzita”? – continua, longe de enxergar o perigo que corria naquele momento. Por mais que ela estivesse aparentemente calma e submissa á sua narrativa o punho cerrado e dedos esbranquiçados, unificados ao ranger silenciosos dos dentes no maxilar comprimido, alertavam-no a ser cauteloso – Oh não... – lamentou irônico, longe de ser sincero em seus sentimentos – Você não contou á ele que feriu uma gestante em combate, pois estava “chapada” e distraída de mais para perceber que uma mochila de cocaína não se parece nada com uma barrida sete meses?
- Cala a porr* dessa boca! – o grito transtornado veio sem qualquer reverencia.
Definitivamente a mascara de frieza de Castiel havia ruído.
- Shi... – “chiou” uma repreensão – Ou vão saber que a assassina de bebês está de volta, agente! – gargalhou – Contou á sua esposinha gostosa, em?! Ela sabe que você quase matou duas pessoas em uma missão porque no dia anterior havia se entupido de álcool e qualquer merd* que a fizesse esquecer que a puta havia te deixado, “Manuzita”? – serpentou.
- Vai se foder, seu merd*... – rosnou Emanuella quase inaudível e isso era mil vezes mais apavorante que o seu grito anterior – Você não me conhece... – continua baixa e fria ao ponto que continua se aproximando lentamente do outro – Não sabe o quem ou o que eu sou... – quedou-se perigosamente ao lado dele – Sabe qual é o lado bom de ser uma mulher morta, Felix? – indagou-o com sem apartar os azuis cintilantes do rosto contorcido do homem e quando não obteve silêncio seguiu – Os mortos... – inclinou o tronco para ele -... Não têm nada a perder! – silabou entre dentes e o que veio a seguir não foi agradável para o “sortudo” homem.
- AAAAAAh! – o urro doloroso borbulhou a garganta do homem, mas uma das mãos pálidas, muito habilmente, interrompeu suas lamurias se forçando contra a sua boca.
- Quem mandou você? – requereu, muito “gentilmente’, incentivando-o com uma “pequena” preção no ferimento de projétil da perna – O que estavam procurando na minha casa? – continua o interrogatório e a cada negação por parte de Félix, ela aprofundava ainda mais os dedos pálidos na ferida.
- V-você é igualzinha a e-ele! – gargalhou, mesmo com dificuldades – É tão desumana e podre quanto ele, Castiel! – cuspia as palavras, mesmo sabendo que a mulher não entenderia á quem se referia, mas pouco lhe importava, pois a agressividade do aperto da jovem lhe mostrava que estava vencendo.
- Sua ultima chance, Félix... – sentenciou Emanuella sem qualquer resquício de paciência.
- Te en-encontro no-no inferno, “Manuzita”! – exclamou devolvendo todo ódio e frieza que via nas orbes azuis.
- Se prefere assim... – afirmou com um leve tombar da cabeça – Que assim seja! – finalizou levando a mão para o pescoço do homem e o apertado com toda a força que a adrenalina corrente em suas veias ressuscitava em seus músculos.
[...]
Os cabelos platinados estavam espalhados pelo painel do carro, as mãos longas envolviam o volante negro e toda vez que ela tentava afastá-la de lá era impossibilitada, elas tremiam como “vara verde” açoitada por uma ventania de outono. O a respiração curta e irregular, denotavam uma mulher que perdeu o controle e agora precisava reavê-lo á força.
Ela não deveria ter vindo aqui, não deveria ter falado com ele, não deveria... Não deveria. Isso era o que seu cérebro gritava, intensifica ainda mais o pânico crescente.
- Não deveria, não deveria... – os lábios vermelhos se moviam com tamanha velocidade, dando vida as múrmuros inteligíveis da ex-policial.
Era para ter sido uma apreensão simples. Surpreender os traficantes, pegar as drogas e prender os meliantes e flagrante, pronto, todos iriam para casa com o dever cumprido. Contudo, aquele foi o melhor dia para a então, agente Castiel. Havia sido uma madrugada conturbada, primeiro por que em algumas semanas anteriores, suas suspeitas foram confirmadas – Pedro Castiel era seu pai biológico e por algum motivo desconhecido, nunca assumira a jovem como filha biológica. Isso havia dilacerado a Katherine imatura e infantil que idolatrava o pai como se fosse um herói (o esmero é superestimado) – e segundo, Iara tinha ido embora com seu irmão. De fato, um dia conturbado.
Naquela noite, os policias tomaram o galpão e detiveram todos os criminosos, bom, nem todos, pois uma fugiu. Uma mulher caucasiana, 1,60m de altura, foi o que a agente que a perseguia informou. Ela tentava fugir com uma quantidade de drogas sobe a blusa de mala branca e um fuzil tático, que não se reprimia em usar sempre que Emanuella se aproximava mais, esgueirando-se pelos becos escuros e vielas da “comunidade”. Mas a vida tem um humor acido em alguns momentos e uma curva para esquerda e outra para a direita foram capazes de esconder a criminosa dos azuis por um segundo e depois, quando eles reencontrara-a em uma viela fétida e quase sem iluminação, a vida de Castiel nunca mais foi a mesma.
Não era ela, não era a criminosa com o fuzil mortal, era uma adolescente caucasiana, de 1,60m como um guarda chuva preto nas mãos e pasmem... não eram as drogas escondidas sobe a camiseta de algodão branco, era uma barrida de sete meses.
O bebê não sobreviveu, depois de todos os esforços médicos e com ele morreu também uma parte de Katherine.
Pedro Castiel se apressou em abafar o caso e “arquivar o caso”, a policial foi realocada e até hoje não houve queixas ou um inquérito policial, mas houve uma falha e os arquivos foram para no computador do atual chefe da delegacia federal, adivinhem... Tiago Muller e Katherine sentiu medo, vergonha e desprezo demais para assumir diante do melhor amigo uma culpa que o pai renegou a ela, muito tempo antes, então “sumiu” com os arquivos outra vez.
Com o punho cerrado Katherine deferiu uma seqüência de socos contra o volante.
- Você não deveria ter ido, não deveria... – continua em seu martírio.
Até que algo a trouxe de volta á realidade. Dentro do carro, estacionado ao subsolo do Hospital geral, um pequeno objeto vibrava insistentemente ao banco do carona.
As mãos pálidas e tremulas correram pela cabeça, arrancando de uma vez o boné torto e atirando-o em qualquer lugar. Apressada ela apanha o celular barulhento, rasgando o saco plástico no processo, e leva-o ao pavilhão auricular (orelha).
- Está feito? –Perguntou a voz do outro lado da linha. E Katherine jamais estaria pronta para aquele momento.
A maldita voz, aquela maldita voz... Emanuella a ouvira tantas vezes em sua infância, adolescência e vida adulta, era impossível não reconhecê-la.
Fim do capítulo
Oi, gente!
Tudo bem com vocês?
Primeiro gostaria de me desculpar pela demora e irregularidade na atualização dos capítulos. Segundo, fico muito feliz com os comentários de todas vocês, é bem legal essa interação, mesmo que eu não consiga respondê-las sempre, enfim; é justamente por alguns comentários que resolvi dar uma “passadinha” por aqui e tentar esclarecer certos pontos.
Bem, a história leva o titulo “Contradictio” justamente pela idéia principal do enredo tratar das varias nuances das personagens e em alguns momentos as coisas podem parecer confusas, pois o objetivo é mostrar o ponto de vista particular de cada uma delas. Então pode acontecer de em algum momento um único fato tenha mais de uma forma de ser entendida, mais de uma verdade ou mentira, tudo depende da visão das personagens sobre o contexto e o “narrador”- nesse caso eu kkkkkkk – está condicionado á essa visão.
No mais, espero que estejam curtindo a dinâmica da trama e prometo que no final tudo se encaixará lindamente.
Continuem comentando, adoro saber o que vocês estão pensando e sentindo com relação as personagens e seu desenvolvimento...
Até logo!!!
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HelOliveira
Em: 13/07/2020
Agora Manu como vai ser? Já descobriu quem está causando todas essas situações....o que fazer?
Adoro essa dinâmica as vezes me perco chego a ler até 2 vezes para entender ou pra confirmar se estou raciocinando certo kkk
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