CAPÍTULO 11 - Mil perdões...

          Alice dirigia em direção ao escritório, seguiu cantando "Mil perdões" de Chico Buarque, tinha aberto as janelas e com isso o vento batia forte, desarrumando os cabelos loiros:

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"Te perdoo

Por fazeres mil perguntas

Que em vidas que andam juntas

Ninguém faz..."

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          A loira sentiu uma forte sensação de liberdade, e no começo do trajeto dirigia enquanto ia lembrando de Bruna, de como se conheceram, do primeiro beijo, da primeira noite, do casamento, das viagens e dos momentos felizes dos primeiros anos, de repente sentiu que também tinha uma parcela de culpa nas traições, tentava, mas, nunca conseguia deixar a morena de fato segura em relação aos seus sentimentos, no fundo, Alice sempre intuiu que algo estava errado, não entendia o motivo, mas, tinha algo na relação que chegava à beira da incompletude, era isso, Bruna não preenchia o espaço que faltava em seu coração, nunca tinha sido totalmente feliz com a morena, sempre faltava algo por mais que Bruna se esforçasse, por outro lado Alice nunca disfarçou muito bem o que sentia ou a falta do que sentia, quando não estava bem simplesmente pegava o carro e saia para dar uma volta dizendo apenas que precisava ficar sozinha, fora isso, não duas ou três vezes, mas, frequentemente fugia dos beijos e do sex*, não entendia o que faltava em Bruna, uma mulher linda, inteligente, divertida e apaixonada, Alice nunca desconfiou da verdade, nunca tinha percebido que suas horas mais felizes de fato eram os momentos em que estava com Janine, ela sim, não precisava fazer nada para tocar seu coração, sorriu quando lembrou de cada encontro nesses anos todos, e o mais estranho de tudo, não foi preciso trocar nenhum beijo para a conexão das duas ser completa, achava que sentia por Janine um amor de amiga, depois na adolescência quando arrumou a primeira namorada, foi em Janine que pensava durante os beijos, mais velha, achou mesmo que era coisa da idade, e foi nessa sensação de vazio que trocou de música, colocando "Pedaço de mim", na voz de Chico Buarque e Zizi Possi.

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"Oh, pedaço de mim

Oh, metade afastada de mim

Leva o teu olhar

Que a saudade é o pior tormento

É pior do que o esquecimento

É pior do que se entrevar"

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          As lágrimas desciam pelo rosto sem parar, Alice chamou baixinho Janine, aumentando gradativamente o tom de voz, desejando com todo o coração que ela voltasse, nem que não quisesse nada com ela, mas, precisava da sua presença, trazendo junto o seu sorriso mais bonito, mas, dessa vez não foi atendida, então, achou que a tinha perdido para sempre, tinha tanto a dizer, agora o que restava era o gosto amargo do arrependimento, voltou a chorar, magoada com a sua própria cegueira, e principalmente, chorou por todas as bobeiras que tinha feito ao longo dos meses.

          Enxugou as lágrimas quando estacionou na garagem do trabalho, pingou o colírio que encontrou na bolsa e esperou melhorar um pouco para entrar no escritório, sabia que tinha muito a conversar com Bruna, precisava zerar o que tiveram, e quem sabe, depois, bem depois, poderiam ser boas amigas, não é?.

          Alice entrou séria no escritório, desejou um bom dia a todos, perguntando se Bruna estava com cliente ou outro alguém, com a negativa à sua pergunta, avisou que não queria ser atrapalhada, pois estariam em reunião, caminhou para sala da ex, deixando uma série de risinhos nas pessoas que trabalhavam ali, não pode culpa-los, sabia que tinham dado motivo de sobra para o deboche.

          Respirou fundo e bateu na porta de Bruna, a morena sorriu ao olhar a ex, Alice reparou que estava com a roupa que deu de presente em um dia das namoradas qualquer, na verdade, sua secretária tinha saído com o seu cartão e comprado todo o visual, mas, não deve como perceber que Bruna estava cheirosa e linda, vestia uma calça cargo preta e uma blusa canoa de lã amarela que realçava o tem da pele, estava com os cabelos presos e estampava no rosto um lindo sorriso, Bruninha estava notoriamente feliz de ver Alice, mas, quando olhou o seu rosto sério percebeu que ela ia fazer o que há anos temia, ia dar um ponto final no que restava da relação das duas, matando sua última esperança.

- Entre Alice. - Falou baixinho em um tom de tristeza.

- Bruna...

- Eu ia avisar que já atendi os clientes da parte da manhã, pensei que teríamos um pouco de tempo para curtir, mas, vejo que está aqui para fazer o que não teve coragem de fazer há anos atrás, veio para terminar com algo que nunca existiu, não é?.

- Não é verdade Bruna, eu te amei...de verdade.

- Não precisa mentir, eu sei que não, sabe porquê?, não se pode ocupar um coração que já está preenchido.

- Essa é minha deixa para te pedir perdão, não é?.

- Não peça, faça um grande favor, cuide do escritório pra mim, como fiz em todos esses meses enquanto estava dando uma de porr* louca.

- E porque ficava comigo Bruna?.

- Quer mesmo saber?, eu pensei que de alguma forma você ia se apaixonar por mim, eu ainda tenho aquela velha mania de ter fé na vida, tinha ainda aquela esperança de que tudo poderia mudar, sei lá...

- Me perdoa Bruna, eu gostaria muito de ter correspondido e corresponder tudo o que sente por mim...e é claro, você pode dar o tempo que quiser, vai viajar com Letícia?.

- Não existe mais Letícia, nunca existiu na verdade, terminei com ela há mais de dois meses, uma boa moça, apenas escolheu para amar quem estava com o coração preenchido, sabe como é?.

- Sei muito bem...e posso saber onde essa morena gata vai?.

- Inglaterra, te dou notícias, pode deixar.

- Bru, me dá um abraço?.

- Claro Lila, e vai ser feliz, só não me chame para madrinha, porque ai seria demais.

- Certo, pode deixar.

O abraço selou a paz, o passado tinha sido enterrado ali.

- Ah, Alice, hoje cedo uma moça passou por aqui, uma gata viu, e deixou aquela caixa ali para você.

          Alice pediu que Bruna afastasse, podia ser algo perigoso. Abriu a caixa devagar, olhou pela aba que fez e sorriu, era uma boneca antiga de porcelana e tecido, sorriu encantada com a beleza da boneca, talvez fosse da década de 60, Alice olhou para Bruna e sorriu, pegou a boneca e levou ao encontro do coração, desmaiando na hora, a última coisa que ouviu foi a voz de Bruna.

- Lila, ai meu Deus, Lila...  

Fim do capítulo