CAPÍTULO 04 -  Janine e a Spirit doll

          Enquanto dirigia, Alice tentava conter uma mistura de raiva e decepção com Bruna, para amenizar sua chateação seguia cantando alto em plenos pulmões, "Losing my religion" do grupo R.EM, entoava a música dando uma agressividade a cada palavra cantada, como se estivesse dizendo algumas frases para Bruna.

          Pegou um caminho bem mais longo, porém muito mais bonito de volta ao sítio, estava longe, perdida em suas lembranças quando sentiu no ar um cheiro de especiarias e ouviu a letra da música ser cantada por Janine "I thought that I heard you laughing, I thought that I heard you sing, I think I thought I saw you try...". A protetora de Alice, cantava animada, enquanto balançava o corpo e os longos cabelos, ao mesmo tempo que ria e imitava o vocalista da banda.

- Vamos Alice, canta ai comigo, adoro essa música..." Every whisper, of every waking hour, I'm choosing my confessions"...

Alice olhou a sua mentora espiritual com os olhos marejados, enquanto isso mudou a música...

- Ai Janine, como pude ser casada por tanto tempo com uma pessoa totalmente amoral?, com quem e onde mais ela transou com outras pessoas?, na nossa cama, no nosso escritório, onde mais?.

- Você não ia querer saber Lila. Agora a pergunta que não quer calar, por acaso Bruna ainda é problema seu?, esqueça e por favor, tire essa música, ninguém merece ouvir "Everybody hurts", embora seja uma grande verdade, todas as pessoas sofrem Alice, até Bruna dentro da sua total inconsequência e desprezo com os sentimentos alheios. Sabe, essa busca incessante por mais e mais prazer?, isso só causa sofrimento a ela, não ao seu corpo, mas, a sua alma, você não imagina o vazio que ela sente...

- Janine?

- oi?

- O que é isso no seu nariz hahahahaha

- É um piercing no septo, não conhece?, e saiba que deu muito trabalho para plasmar esse objeto aqui, estou bonita?.

- Está parecendo um touro hahahahaha

- Deixa de ser careta, eu desencarnei nos anos 60 e sou muito mais atualizada que você. Ah, nem te conto, esse mês desencarnou uma moça, ali sabia viver, é das minhas, ela chegou com piercing e suas tattos e plasmei tudo em mim, adorei o visual, olha meus braços, fiz umas tattos orientais e de rosas e flores, o bom é se cansar desses desenhos depois faço outras, isso que é vantagem, aliás, ela me ensinou uma dancinha muito maneira, chama "Movimento da sanfoninha", vamos mudar essas música e por algo bem carioca como eu...

          Janine levantou do banco do carro e tentava dançar da maneira que conseguia dentro do pequeno espaço que tinha.

- Desce de cima do banco sua maluca...

- E daí?, ninguém me vê mesmo...

          Ao dizer isso um carro pareou no sinal fechado e um menino de uns sete anos olhava Janine e ria, enquanto tirava o sinto de segurança e tentava imitar seus movimentos. A mãe a todo custo tentava colocar o menino no banco sem entender nada "mãe, a moça está dançando o movimento da sanfoninha", "onde menino?, por favor desça daí agora Júnior". Alheio a mãe, o menino não parava de jeito algum, estava encantado com o a alegria de Janine que piscou o olho e disse em bom som "obedece tua mãe garoto!", e por isso teve que sentar também.

- Causei Alice, fazer o que?.

- Você o que Janine? Hahahaha

- Causei, outra coisa que aprendi com Manu essas gírias atualizadas.

- Alice, preciso te contar uma coisa, olha, fui convidada pelo meu mentor espiritual a trabalhar com Spirit doll, sabe?, e estou pensando muito em aceitar...

- Como assim Janine?.

- Tem uns bruxos que tem uma loja, a Amanda e o Luigi, claro que encarnados, então, eles fazem um trabalho super sério com bonecas, as chamadas Spirit dolls. É simples, em um ritual eles nos ligam ao corpo da boneca, somos livres, podemos ir e vir, mas, o corpo da boneca é uma espécie de ancoradouro, a gente atua a partir da doll, e podemos ajudar as bruxas ou pessoas comuns em seus rituais, ajudando em sua evolução espiritual, ou no seu caminho mágico, é coisa séria, fazem entrevista para saber qual a intenção da pessoa em ter uma Spirit doll, não autorizam assim para qualquer uma, eu por exemplo iria trabalhar com uma novata, faz tempo que ela está na bruxaria,  mas, está se desenvolvendo faz pouco tempo, ela é de família cristã, mas tem o dom, só não acredita muito em si, bom, ela é amiga da dona da loja, mas, infelizmente a moça não está muito bem, vive em um casamento fadado a tristeza, mas, não consegue se desvincular, enfim, o caso preocupante, e meu mentor conversou com o dela e o da dona da loja, estamos organizando tudo, em breve ela vai ver o receptáculo que vou ancorar e vai com certeza se encantar...

- E ela pode te ver?

- Se ela tivesse vidência, sim, poderia, mas, essa bruxinha é medrosa, ela fechou a clarividência dela muito cedo, agora para abrir vai ser complicado, mas, ela pode ouvir, sentir, e esse trabalho vai ajudar muito a desenvolver a sua mediunidade, é um desafio para mim e para ela.

- E nós?.

- Eu não iria mais trabalhar contigo amiga, você já está bem, mas, vou aparecer de vez em quando, mas, ó, você pode ter uma outra protetora...ou trabalhar com Annick, porque ainda não foi conhece-la?.

 Uma lágrima desceu no rosto de Alice, estava se sentindo trocada, sentindo muito forte a sensação de mais uma perda.

- Eu não estou preparada Janine...

- Lila, a Spirit doll de sua avó é um ser muito doce, está esperando você, e Chocolate gostou muito dela. Andei visitando o quarto dos fundos, ele está abandonado, Zefa vai lá, troca a água, põe frutas para os duendes e coisas para as fadas, acende velas, limpa tudo, mas, tem trabalho que só você pode fazer, a magia das Durand não pode acabar, ah, e tenha muito cuidado com Zoya, aquela russa é muito difícil, soube que ela andou incorporando em Sâmia e aprontando, você vai ter que selar a casa novamente e vai ter que criar seus próprios sigilos...

- Ai Janine, dá tanto trabalho, imagine como vai ser para selar aquela casa enorme para protege-la?, e o pior, depois ter que desenhar vários sigilos?, esses símbolos de proteção são difíceis de fazer, nunca tive o menor jeito. Mas, espere ai, você está dizendo que foi essa Zoya que transou comigo naquele dia?, por isso ela falou seu nome quando chamei por Sâmia...

- Humrum...

- O pior que foi bom demais, viu?. Hahahahah, embora ela tenha sido bastante agressiva durante o sex* foi uma delícia.

- Não diga isso, você não pode convida-la Alice, não é certo, e isso envolve vários aspectos, primeiro com Sâmia, que não é gay, depois ninguém merece ser usada assim, e o mais importante, você tem uma missão a fazer e não precisa de um espírito possessivo na sua cola, que é o que vai acontecer se continuar se encontrando com Zoya, depois ninguém conseguiu descobrir quem é a bruxa negra, pode ser qualquer uma, primeiro, você tem que procurar a Melissa, ela pode te ajudar a se conectar com os seus dons, você herdou a missão da sua avó, você sabe que sua mãe Patrícia não está preparada, ela não tem desenvolvimento moral para isso, por isso ela nunca me viu, na verdade uma noite o seu pai me viu, um pouco antes dele deixar a casa de vocês, aliás, está na hora de procurar seu pai, ele não tem muito tempo, e teve as suas razões Lila, bom, uma coisa por vez...

- Não gosto de nada disso Janine, quanto ao meu pai, vou pensar, mas, prometo que hoje entro no quarto...viu?, peguei um caminho distante, mas, chegamos!.

          Sorriu olhando para o lado, no entanto, Janine já tinha ido embora, Alice sorriu tristemente, e constatou que ia sentir uma falta enorme da amiga, mas, entendia o seu lado, sabia que era seria mesmo hora dela partir para um novo desafio.

          Alice entrou na casa, deu boa noite a Zefa e a Sâmia, e beijou delicadamente a cabeça de Maitê que sorriu mostrando que um dentinho havia caído.

- Tia Lila, eu dei meu dentinho de presente a Fada do dente, uma que mora lá no jardim, mas, ela falou que não existe Fada do dente, e que ela é Fada, só Fada mesmo, e que não queria o dente, que preferia mel, biscoito e leite, ai fui buscar, mas, o Chocolate comeu um pedaço, a fada deu língua para ele, ai ela respirou assim bem fundo e uma fumacinha saiu do lanchinho que dei  e foi todo para ela. Sabe que a Vó Zefa na verdade é bisa Zefa, que eu chamo de vovó porque é mais bonito, porque ela na verdade é Vó da minha mãe, então, a Vó Zefa, que é minha bisa e vó da mamãe Sâmia, me disse que ela não vê fadas, nem ela e nem a mamãe Sâmia, mas, você sabe que a Vó Helena via, ela preparava sempre um lanche, deve ser por isso que a fada estava meio brava, porque não tem mais a V...

- Calma Maitê, você mal respirou para falar hahahaha... a tia vai só ali no quarto dos fundos fazer umas coisas e volto para conversar com você, enquanto isso termina ai seu dever de casa querida.

           Depois de dar mais um pouco de atenção a menina, Alice brincou um pouco com Chocolate, depois foi buscar a chave do quarto de trás e se encaminhou até lá, Zefa sorriu e infelizmente apenas Maitê viu que no mesmo cômodo Helena também sorria, da mesma forma que ninguém entendeu quando a menina disse baixinho "juro, juradinho Vó Helena"....

Fim do capítulo