Enquanto tomava banho, Julia preparava o almoço. Marina queria evitar tocar no assunto “Estela”, mas sabia que a amiga iria perguntar. Almoçaram e decidiram assistir filme. Deitaram lado a lado no espaçoso sofá. O filme era um romance, escolhido por Júlia. Algumas vezes Marina disfarçava as lágrimas que teimavam cair de seus olhos. Quando o filme terminou, Marina esbravejava perplexa:

- Você fez de propósito!!

- O que???

- Esse filme você escolheu de propósito, aposto que já tinha assistido.

- Claro que não Marina! – Julia revirava os olhos

- Você sabe que eu detesto filmes com finais assim.

- Ai Má, o filme é lindo.

- Lindo até a parte que o cara morre né! Fala sério, o que tem de lindo nisso. O cara luta tanto pra conquista a mulher pra no final ele morrer????

- É poético – suspirava Julia tentando conter o riso

Marina jogou uma almofada na amiga. Ainda discutiam sobre ser ou não poético matar alguém num romance, seja esse filme, série ou livro..

- Pra mim Grey’s perdeu a graça quando o Derek morreu. O “casal 20” da série foi brutalmente separado, poderia ter poupado – Marina falava com uma indignação quase que cômica.

- Eu não acredito que você está atrasada em Grey’s essas temporadas todas pra frente da morte do Derek – ria – vou ter que fazer você maratonar pra ficar em dia. É um abuso seu, deixar Grey’s pra trás

-Você é doida! A série toda eu aguentei a Shonda matando um por um, mas ela matou o Derek, isso não tem perdão. Não foi nada poético.

Ficaram um bom tempo discutindo sobre séries e filmes. Quando se deram conta já se passavam das 19h. Júlia convenceu Marina a irem a um Pub da cidade, fazia tempo que não saiam mais juntas.

- Você fica linda com qualquer roupa, mas essa em especial tá demais! – Julia falava enquanto observava marina finalizar o look colocando os sapatos de salto discreto.

- Falou a que se produziu para matar um do coração essa noite – riu a olhando de cima a baixo. Júlia era uma mulher bastante bonita, o loiro natural de seus cabelos de tamanho mediano combinava com o tom esverdeado de seus olhos. Suas pernas torneadas resultado pela prática da dança desde a infância, se destacavam nas sandálias vermelhas de salto.

- Sério, Má – a olhou novamente – esse vestido azul com esse decote te deixou ainda mais gata.

Saíram do apartamento e chamaram um Uber, as duas queriam aproveitar a noite para beber.

Ao chegarem no lugar, que já começava a encher, sentaram em uma mesa próxima a entrada. Era um ambiente familiar e ao mesmo tempo bem animado. Era frequentado por muitos casais, amigos, grupinho de trabalho etc.. Servia de tudo, desde o jantar aos petiscos. Dia de sábado tinha música ao vivo e deixava o ambiente ainda mais agradável e descontraído. Pediram duas caipirinhas enquanto decidiam o que comer. Júlia olhava o cardápio enquanto Marina observava o local, quando sentiu seu corpo estremecer ao ver Estela entrando de mãos dadas com um homem tão bem vestido quanto ela. Aparentava não mais que 50 anos. Acompanhou a cena até vê-los sentar em uma mesa mais a frente, mas, de onde estava, poderia ver perfeitamente os dois. Quando Júlia tirou atenção do cardápio percebeu que Marina estava complemente pálida. Tocou em suas mãos geladas e se preocupou

- Marina tá passando mal?

Percebeu os olhos da amiga se encherem de água

- Ju, olha. – olhou novamente em direção à mesa de Estela, fazendo Julia acompanhar – É a Estela.

Julia observou e no momento em que ia dizer algo as duas viram Estela e o homem que a acompanhava, se beijarem. Longe de ser um beijo formal, era um com direito a mão na nuca e cabeças se movimentando.

- Você não vai se deixar abalar – Julia chamou a atenção de Marina a fazendo desviar o olhar daquela cena – Viemos para nos divertir e é isso que vamos fazer.

- Não é tão fácil assim.

- Eu sei que não é, mas pelo menos agora você sabe que ela é uma mentirosa. - O tom de voz de Julia era calmo e quase que carinhoso. Pegou as mãos da amiga, fez um carinho e completou – Ela não é a última mulher elegante e mais velha do Rio de Janeiro – forçou um sorriso – Ela quem sai perdendo amiga.

- Eu sei.. me sinto tão burra em ter acreditado em qualquer coisa vindo dela.

Os drinks chegaram e Marina pegou o seu e bebeu quase que em um gole, deixando Julia preocupada.

- Má, não faz isso com você. Vai com calma.

- Vou ao banheiro – saiu sem esperar resposta da amiga.

Levantou e caminhou em direção ao banheiro que ficava após a mesa em que Estela estava. Passou  por ela sem olhar para o lado, olhava apenas para frente caminhando em passos firmes. Tinha certeza de que tinha sido vista pela mulher mais velha. Entrou no banheiro e logo uma cabine foi desocupada. Entrou e fechou a porta. Não queria usar o banheiro, mas precisava ser notada de alguma forma por Estela. Ficou uns minutos na cabine controlando as lágrimas que insistiam cair. Não ia estragar a maquiagem, queria estar por cima. A decepção deu lugar à raiva. Começou a sentir raiva de Estela. Iria ficar e se divertir com a amiga que não merecia ter a noite estragada. Abriu a porta da cabine decidida a retornar à mesa e se divertir com Julia. Ao sair deu de cara com Estela. A mulher parecia sem graça e preocupada. Marina olhou rapidamente e iria ignorá-la, mas o silêncio foi quebrado por Estela.

- Oi – disse com um sorriso, totalmente desconcertada.

- Oi – respondeu ríspida.

- Marina.. eu queria é.. –titubeou- falar com você.

- Ah, agora você quer? Eu te mandei mensagem ontem, fui ignorada. Mas tudo bem, você não me deve nada, não fizemos promessas. Agora acho melhor você voltar pra sua mesa e dar atenção a pessoa que está com você – ia sair, mas foi impedida.

- Marina, é muito complicado e você não entenderia – tentou se justificar.

- É realmente eu não entenderia o fato de você ter me convidado para jantar, sabe Deus por que, ter tido uma noite de sex* maravilhosa, e no dia seguinte você me ignorar totalmente mesmo dizendo que a gente se falaria, e por fim está aos beijos com um cara. Realmente, Estela, eu não entenderia e não faça o menor esforço em me fazer entender porque não vou. Você é uma pessoa totalmente instável, isso eu até poderia tentar compreender. Mas é cruel o que você fez comigo por duas vezes. Eu não sou uma garota que você pega para satisfazer suas curiosidades ou o seu desejo.

- E você não é. Nunca te vi assim. Eu...

- Só por curiosidade – a cortou – Porque não me dispensou logo ao invés de me ignorar e me deixar igual uma idiota sem saber o que pensar?

- Eu precisava resolver algumas questões e não quero te envolver nisso – baixou a cabeça - Você merece mais que isso.

- Ah, com certeza eu mereço mais que uma mulher mentirosa igual a você. Sabe, você é tão adulta e agiu com tamanha infantilidade. Era só falar que não queria mais, Estela. Me pouparia disso.

- Eu gosto de você, Marina – a encarou.

- Não, você gosta do sex* que a gente tem, da trans* gostosa. Se você gostasse um pouco só de mim, ou tivesse o mínimo de consideração, não teria feito metade do que fez. Não se preocupa, não espero mais nada de você.

- Por favor, acredita em mim – Estela era elegante até na fala... mantinha o tom de voz calmo mesmo que seu semblante mostrasse a angústia daquela conversa.

- Acredito nos beijos que eu vi você trocar com aquele cara. Beijos bem animados por sinal.

Duas meninas adentraram no banheiro, rindo um tanto quanto bêbadas. Estela e Marina ficaram em silêncio e quando as duas saíram, Marina se despediu.

- Eu vou voltar pra minha mesa porque minha companhia não merece ficar esperando.

- Você tá com aquela menina? – perguntou visivelmente enciumada.

- Não é da sua conta.

Saiu do banheiro deixando Estela. Chegou à mesa e Julia já imaginava o que havia se passado no banheiro. Observou quando Estela foi ao banheiro segundos depois que Marina tinha entrado. Marina não quis falar nada e Julia respeitou. Viram quando Estela retornou a mesa e as encarou. A música ao vivo já havia começado e a moça tocava MPB. Marina estava na terceira caipirinha e Julia ainda na primeira. Vez ou outra Estela e Marina trocavam olhares.

- Má, precisa ir com calma na caipirinha porque eu não vou aguentar te carregar.

- Eu to super bem amigaa – falava animada sob efeito do álcool.

- Marina é sério, chega por hoje, essa é a última.

- Já te disse que esse seu mau humor é falta de homem? – ria provocando Julia.

- Quem te disse que é de homem que eu sinto falta? – perguntou olhando nos olhos de Marina. Viu a surpresa da amiga, mas manteve o olhar.

- Como assim? – levou as mãos na boca – Você também gosta de mulher? – falou no ouvido de Julia devido ao som alto.

Julia nada disse, apenas riu e levou o canudo da caipirinha à boca. Por um momento Marina havia esquecido Estela e se concentrava apenas em Júlia e na revelação que acabara de receber. Tentou arrancar mais alguma informação da amiga, mas em vão.

Voltou a prestar atenção no ambiente e viu quando Estela se esquivou educadamente de um beijo do homem que a acompanhava. Estava decidida a ignorá-la e a esquecê-la. Sabia que seria difícil, mas tentaria. Julia chamou sua atenção.

- Para de olhar pra lá, tá muito na cara já – revirava os olhos.

- Desculpa – baixou a cabeça – estou com muita raiva dela.

- Sabe o que tá parecendo? Que você não tira os olhos dela porque queria tá ali, com ela, beijando e trocando juras de amor. Seu olhar é de tudo, menos raiva.

Marina a encarou.

- Não mesmo, quer ver quem eu queria tá beijando agora? – Vendo que Julia não tinha entendido nada, se aproximou e lhe deu um beijo inesperado. Inicialmente Julia ficou sem ação e não correspondeu, mas permitiu logo em seguida e beijaram demoradamente. Foi Júlia quem se afastou.

- O que foi isso? Tá louca? -  Perguntava confusa quando viu que o olhar de Marina acompanhava Estela e seu acompanhante deixarem o local – Eu não acredito que você me usou para fazer ciúmes Marina! – seu tom de voz era de decepção.

- Não, quer dizer ..

- Chega. Quero ir embora. – Julia pediu a conta e foram embora.

No taxi permaneceram em silêncio. Ao chegarem no apartamento de Marina, Julia foi tomar banho no banheiro social da casa enquanto Marina em sua suíte. Sabia que tinha feito besteira, não poderia confundir as coisas e muito menos colocar a amizade de Júlia em risco. Mas não mentiria que havia gostado do beijo. Não iria pedir desculpas, não pelo beijo. Ao sair do banheiro procurou por Júlia e a encontrou deitada no sofá da Sala, de olhos fechados. Aproximou-se e a observou. Júlia era linda constatava para si mesma. Nunca havia reparado na amiga com outros olhos até aquela noite.

- Ju – acariciou seus cabelos – vamos pra cama?

Julia a olhou séria.

- Não vai me usar novamente?

Marinha envergonhou-se.

- Ju, para com isso. Eu não vou pedir desculpas pelo beijo porque eu quis e, pra ser sincera, gostei bastante – percebeu que Julia havia ficado surpresa – vamos dormir, prometo que não vou fazer nada que você não queira – riu.

Foram para cama. Marina apesar de pensar em Estela, admitiu pra si mesma a vontade que tinha em beijar novamente a mulher que estava ao seu lado. E isso não tinha nada a ver em fazer ciúmes. Ela realmente desejava aquele contato. Ousou e devagar passou as mãos por baixo da coberta tateando a cintura de Julia que permanecia imóvel. Sabia que a amiga ainda estava acordada e continuou. Chegou um pouco mais perto e beijou o pescoço enquanto passava as mãos pelos seios por cima da blusa que os cobriam. Ouviu Julia suspirar e pegar em sua mão a impedindo de continuar. Se virou para ela e disse:

- Eu queria muito isso. Há muito tempo pra falar a verdade, mas não assim. Não com você sob efeito do álcool ou pensando em dar o troco em outra mulher.

- Eu não quero dar o troco em ninguém, eu realmente estou com vontade de você, Ju.

- Pode até está, mas quero que esteja sobrea, tudo bem?

Marina suspirou revirando os olhos, mas concordou. Ia virar para o lado, mas Julia a impediu.

- Me abraça.

E assim adormeceram.

Fim do capítulo