Capitulo 17 - NITIDADE: aquilo que é claro
Capítulo 17 - NITIDADE: aquilo que é claro
Existem circunstâncias em que tirar a venda e aceitar o óbvio às vezes é a melhor escolha. Difícil? Sim, muito eu diria. Entretanto, fazer a melhor escolha é também escolher o mais difícil, pois é necessário andar passo após passo e aceitar essas circunstâncias, até porque é mais que normal sentir medo, frustrar-se ou titubear diante dos acontecimentos da vida. Mas é também diante desses momentos que temos a oportunidade de parar e reconhecer que é tão-somente mais uma parte do caminho. E talvez, só talvez, também consiga enxergar que se tem tudo o que precisa para aquele momento. Aqui e agora bem na sua frente. É só abrir os olhos.
Ali nem tinha mar e eu fiquei a ver navios com a resposta atravessada que Luna me dera e mais ainda com sua retirada abrupta. Nem tive chances de me desculpar pela intromissão, ainda fiquei ali, olhando o nada por algum tempo e pensando nela e nessa nova faceta que me era apresentada. Estava difícil de assimilar aquela reação. Suspirei. Voltar ao quarto era tudo que me restava, e foi somente aí que notei o tom cleam das paredes. Ao menos eu acho que era cleam, todas brancas apenas uma faixa horizontal em amarelo percorria toda a extensão do quarto, também havia alguns quadros e fotos decorando a bendita faixa e sim havia uma grande TV presa à parede logo acima de uma escrivaninha, bem no lado oposto a cama de casal que tinha uma cabeceira Black. Uma mescla de cores bem peculiar, como tudo em relação à Luna.
Sorri observando o quanto toda aquela decoração combinava com ela, mas quando uma brisa suave entrou pela varanda um bocejo inesperado lembrou-me que meu corpo pedia por descanso e por mais que quisesse esperar por Luna e pedir desculpas, resolvi apenas obedecer aos apelos fisiológicos do meu organismo. Coloquei os fones de ouvido e liguei o celular em uma seleção aleatória de músicas, deitei e precisei apenas sentir o conforto do colchão e dos lençóis para apagar quase que instantaneamente. Despertei sentindo o lado esquerdo do meu corpo dormente, abri os olhos devagar, mirei a porta da varanda e já estava a anoitecer. Ao tentar me mexer finalmente encontrei o motivo da dormência, Luna ressonava agarrada a minha cintura e aconchegada ao meu ombro. Desisti de me movimentar, não queria acordá-la.
Estava tão cansada que não senti em que momento ela se deitara ao meu lado. Ela também devia estar exausta. Sim, eu dou muito trabalho. Suspirei ao observa-la a dormir tão serena. Contempla-la geralmente me deixava em paz, no entanto, desta vez minha mente estava presa à reação dela de mais cedo. Na verdade, desde que a mãe revelou que irmão viria trazendo certos convidados, Luna parecia algo diferente. Eu poderia forçar uma conversa e chantageá-la emocionalmente até que me contasse tudo, mas resolvi que o melhor a ser feito era observar, então esperaria que o próximo dia revelasse o que eu queria saber. Naquele começo de noite, ainda na cama, ela literalmente babou em mim, mais especificamente em meu ombro. Nada sexy. Não ria. Mas sim, seria cômico se não fosse trágico. Expulsei-a de meu lado e ela acordou num susto.
— Travesseiro, vá lá, mas babador?! Fala sério! Eca!
— O quê?!
Ainda sonolenta ela esfregou os olhos enquanto tentava entender o que estava acontecendo.
— Você aí, me babando toda.
Levantei-me enquanto ela se espreguiçava.
— Mas do que você está falando? — ela falava e bocejava ao mesmo tempo.
— Disso, ó — ela mirou meu ombro melecado.
— Eu fiz isso?
— E quem mais faria?
— E você me acordou por causa de um meladinho de nada?
Ela debochou e eu joguei um dos travesseiros nela.
— Besta!
— Não seja tão dramática. Lava o ombro e volta pra cama, volta!
Luna falava com manha.
— Pra você me babar de novo? Nem pensar, inclusive tô pensando seriamente na ideia do hotel.
Fingi seriedade.
— Tá de sacanagem, né? Você já fez coisas muito piores e eu estou sempre aqui.
Ela pareceu finalmente acordar, ou seja, mordeu minha isca.
— Uau, jogando na cara agora?!
Percebi que uma leve dúvida misturada com indignação ficou estampada em seu semblante. Com um pulo Luna se levantou e parou bem na minha frente. Encarou-me com os olhos semicerrados e eu queria rir daquela carinha brava, mas aí me entregaria cedo demais. “Eita que a advogada daria as caras em 3, 2, 1.” Ri mentalmente de meu pensamento.
— Em nenhum momento eu fiz menção ou sequer tentei...
— Não babar em mim? É eu sei, dorme feito uma pedra — interrompi antes que ela prolongasse o discurso e comecei a rir.
Ela me olhou primeiramente confusa, depois analítica e finalmente com a compreensão estampada em seu rosto amassado.
— Eu não acredito que você estava a me trolar esse tempo todo?! Patrícia Góes, vou dar na sua cara qualquer dia desses...sua, sua...ah!
Ela me dava tapas leves no braço enquanto eu me esquivava e ria horrores.
— Mas a parte da baba foi verdade e sua cara de brava deu um medinho, até me imaginei em um tribunal.
Eu sorria. Ela revirou os olhos antes de responder.
— Do jeito que és irresponsável, capaz de acontecer, eu não duvidaria. Até perdi o sono.
— Que bom, porque já está quase na hora do jantar. E eu tomo banho primeiro.
Disse e corri para o banheiro, só ouvi um leve resmungar antes do ruído característico do colchão quando alguém se joga na cama. O restante da noite foi tranquilo, jantamos e ainda jogamos um pouco de conversa fora com os pais dela e depois nos retiramos para voltar a dormir. Estávamos realmente cansadas. Apagamos. No dia seguinte, eu acordei primeiro, tomei um banho e peguei minha mochila com a câmera e saí sem que Luna acordasse. Resolvi ir direto para a cozinha. Ainda era muito cedo, para a minha surpresa encontrei a mãe de Luna ajudando as duas senhoras que trabalhavam na cozinha. Cumprimentei-as.
— Tão cedo e já de pé?
Ela me perguntou sorridente.
— Sim, gosto de aproveitar as primeiras luzes do dia para fotografar — apontei para minha câmera que a essa altura já descansava a tira colo em meu abdômen — e ver se dava sorte de conseguir algo para comer — disse sem graça.
— E você pretende sair a explorar sem a Luna?
A mãe dela parecia bem interessada em minha relação com Luna, percebi que ela me analisava. Por uns segundos pensei no que responder e decidi apenas pela verdade.
— Ela está cansada, tivemos uns dias difíceis, quero que ela descanse mais um pouco, teremos tempo para que ela me mostre os melhores lugares por aqui. De pronto, já me conformo em aproveitar a belíssima paisagem de certa cachoeira do qual ouvi falar — sorri — mas é claro que vou precisar de algumas instruções para começar minha exploração.
— Está certo, então veio ao lugar certo, temos café-da-manhã e informações, é uma caminhada de trinta minutos.
Dona Olivia foi tão carinhosa quanto gentil ao me passar as instruções para que eu não me perdesse. Alimentei-me e segui a trilha do bosque que levava a cachoeira, desde que Luna me falara fiquei ansiosíssima por conhecer essa maravilha da natureza. Durante o caminho por dentro do bosque, passei por algumas centenas de árvores, percorri a trilha demarcada e precisei cruzar o rio por duas vezes. Na primeira vez, precisei andar sobre as pedras, e a outra por uma ponte suspensa de madeira bem velha e balançante, estava me sentindo uma pirata do Caribe em busca de alguma coisa, ri de minha imaginação boboca.
A caminhada só não foi maçante porque adorava curti o visual da natureza e tudo ao redor me fazia bem, de quebra ainda me rendeu ótimas fotos. Ao final do percurso, bem no centro de uma clareira, uma impressionante piscina natural se revelava e realmente uma formação rochosa de onde litros e mais litros de água desciam formavam uma bela cachoeira. Uau! Foi meu primeiro pensamento. “Deveria ter acordado Luna para vir comigo”, foi meu único arrependimento. O lugar era incrível e tudo que eu conseguia desejar era que ela estivesse ali, só comigo. O que me restou e foi o que fiz, foi me despir e aproveitar a água, geladíssima por sinal, mas ainda assim maravilhosamente revigorante. Flutuando sobre a água, ainda me permiti pensar em Luna por um longo tempo, nos conhecíamos a pouco mais de um ano e para mim parecia que a conhecia por uma vida inteira.
Relembrei os muitos momentos entre nós, toda a força que ela sempre me passou e principalmente a imensa alegria que passei a sentir desde que Luna entrara em minha vida. Meu peito já não era um completo vazio e caramba, reconhecer Luna como a responsável por boa parte de toda essa mudança era também admitir que meus sentimentos em relação a ela estavam em iminente combustão instantânea, definitivamente isso não estava dentro dos meus planos, além do mais eu tinha especialidade em estragar meus relacionamentos. Saco. Deixei os pensamentos de lado e fiz algumas dezenas de fotos, praguejei por esquecer a câmera a prova d’água e o tempo passou sem que eu notasse. Quando me dei conta já passava das onze e vinte da manhã e eu tinha mais uma caminhada de trinta minutos, com sorte e esforço chegaria ao meio dia de volta à casa de Luna, que a esta altura do campeonato já deveria estar morrendo de preocupação. Dei mais um mergulho e vesti novamente a calça cargo e minha camiseta ficou completamente molhada e grudando em mim.
Como havia imaginado, atrasei-me para o almoço, faltavam apenas cinco minutos para o meio dia quando finalmente saí da trilha do bosque e segui pelo caminho que ia até o casarão. Avistei ao longe, no lado oposto ao bosque, uma pequena algazarra onde fica a piscina e concluí que Lucas e Cia já haviam chegado. Tudo se confirmou quando o vi saindo pela porta da cozinha. Alegre ele correu ao meu encontro e me abraçou, todo molhado.
— Hey, Paty! Que bom que você veio finalmente conhecer a casa dos meus pais. Estava com saudades, temos esquecido o dia da comida japonesa, hein.
Ele falava animado sobre uma das muitas rotinas que havíamos adquirido antes de as coisas ficarem estranhas com a Mariana. Retribui sua alegria com um sorriso e subimos de volta a varanda.
— Pois é pirralho, estou te devendo umas visitas, sabes como é os boletos não se pagam sozinhos, mas prometo marcar um horário satisfatório para nós na tua agenda de médico importante. A Gabriela veio contigo?
Caçoei dele e rimos juntos antes que ele respondesse.
— Claro né, ela está na piscina com os outros.
Olhei para onde ele apontava, mas o que realmente notei foi, em um canto mais afastado, Luna e uma garota ruiva. Elas pareciam discutir e isso me deixara intrigada, os ânimos não pareciam os melhores e Luna tinha o semblante bem desagradado, gesticulou vezes sem conta antes de cruzar os braços como uma menina emburrada, mas não de um jeito fofo, não desta vez.
— Qual é da sua irmã e aquela ruiva?
Lucas primeiro pareceu surpreso com a pergunta e depois um tanto desconfortável, parecia ponderar o que responder.
— Luna não gosta de falar sobre isso, então o que posso dizer é que elas têm uma longa história, a Marcela é nossa amiga de infância e tem a mesma idade que eu, o resto você pergunta a Luna.
Ele falava enquanto eu as acompanhava com o olhar, prendi a respiração e meu peito retumbou desconfortável quando a tal Marcela ergueu a mão direita em direção ao rosto de Luna, mas antes que ela completasse o afago, Luna deu-lhe as costas rapidamente, mas isso foi ainda pior. A ruiva aproveitou para abraça-la por trás e pareceu beijar o pescoço dela. Aquilo me revirou o estômago ou era apenas fome, tentei me convencer. Decidi que não ficaria ali. Queria arrancar aquela ruiva de perto de Luna. Diabos!
— Tá certo — esforcei-me para dizer e ele deu de ombros, forcei um sorriso antes de completar — obrigado por esclarecer. Agora irei tomar banho antes que tua irmã venha me dar bronca por ter saído sozinha.
Desconversei desviando o olhar daquela cena insuportável. “Insuportável?! Mas do que eu estou falando?!”.
— Não diz pra ela que falei — ele segredou sorrindo, antes de me beijar a bochecha e sair em direção à piscina.
Sem me conter, ainda olhei na direção de onde Luna estava, mas não a vi mais ali, nem a ruiva. Não pude evitar me sentir triste e enciumada, naquele momento apenas uma coisa era clara, eu não estava imune a Luna. E isso começou a me consumir.
Fim do capítulo
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Brescia
Em: 23/06/2020
Boa tarde mocinha.
Ai, doeu meu coração aqui. Parece que a Paty sempre tem que sofrer quando está se sentindo segura e pelo jeito não será diferente agora. Por isso a Luna não se incomodava tanto com a relação destruidora com a Mariana, ela tb tem a sua e a Paty ,pelo visto, foi pega de surpresa.
Baci piccola.
Resposta do autor:
Boa noite, moça.
Dá mesmo dó da Paty sofrer tanto, mas sempre haverá um amanhã, então quem sabe elas tenham que ajudar uma a outra a curar as feridas do coração?
Todos nós precisamos de "remédio", mas alguns são dificeis de encontrar.
Beijinhos, obrigada por acompanhar
Há braços.
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