Capitulo 16 - NEGAÇÃO PLAUSÍVEL: mentindo sem mentir
Capítulo 16 - NEGAÇÃO PLAUSÍVEL: mentindo sem mentir
Oriundo da CIA, o termo negação plausível foi criado durante o governo de John F. Kennedy, e diz respeito ao ato de poder que o Estado detinha para negar qualquer envolvimento com escândalos durante a administração. Em outras palavras é uma forma de algo ou alguém se tornar isento da culpa por um "bem" maior, ou seja, se safar da responsabilidade diante de alguma “cagada” que possa ocorrer. Preservando assim, seu suposto controle. No meu caso, nesse momento meu único bem maior era a minha amizade com Luna, algo que eu realmente não queria estragar ou sequer pensar em perder. Eu me negava veementemente a entregar-me a essa bolha, que vez ou outra resolvia aparecer e nos envolver, negava-me a sucumbir aos sentimentos contraditórios que Luna fazia crescer dentro de mim. Além do mais, eu já vinha de uma experiência nada enriquecedora, logo já havia aprendido minha lição.
Depois do constrangimento em que o pai de Luna nos meteu a mãe por sua vez, resolveu sair em nosso socorro e graças às deusas nos convidou a entrar. Caminhei seguindo Luna que me mostrava os cômodos por onde passávamos. Era uma casa e tanto, ao entrar reparei uma grande sala que além da porta frontal também possuía uma porta lateral bem larga, diga-se de passagem, uma mistura de madeira e vidro, uma visão certeira para o jardim colorido de açafrão. A visão era perfeita, as flores tinham cores vibrantes, bom, a luz do sol naquele momento ajudou bastante nessa beleza toda. Próximo a essa porta havia um piso mais alto onde um enorme piano de caldas se destacava, a madeira cor de mogno reluzia e combinava perfeitamente com todo o estilo daquela sala, havia sofás e poltronas, uma cristaleira com bebidas e nenhuma TV, eu sei, um absurdo! O quê?! É um item de primeira necessidade para mim, só esperava que os quartos pudessem ter alguma.
Logo depois passamos pela sala de jantar que também possuía uma grande porta lateral e era igualmente, como eu poderia dizer? Igualmente espaçosa, de ar bucólico, mas ainda assim, muito requintada. Em seguida atravessamos o vão de acesso à parte dos fundos, onde para o lado esquerdo encontrava-se a cozinha e para o lado direito a entrada de um corredor que levava aos quartos, havia três quartos na parte de baixo e no fim do corredor existia uma escada de acesso ao quarto principal que ficava nos altos, quarto este que pertencia aos pais de Luna. Enquanto andávamos a mãe de Luna parecia radiante com a nossa presença ali, num primeiro momento achei que ela me levaria ao quarto de hóspedes, ledo engano. Quando a última porta daquele corredor se abriu, vi que não se tratava de um quarto de hóspedes.
— Vocês ficam aqui! — anunciou a mãe de Luna. — Sua cama é grande o suficiente para vocês — ela completou e meu coração foi parar na boca, um sentimento estranho de medo me invadiu e um frio percorreu minha coluna, me senti esquisita, principalmente porque não seria a primeira vez que dormiria ao lado de Luna e das outras vezes, eu estava uma bagunça completa, mas agora não era a minha casa ou a dela e sim a casa dos pais, “ai caramba! O que eu estou pensando, até parece que vou dormir na casa de uma namoradinha do colégio, que merd* estava acontecendo comigo?”, meu pensamento martelava enquanto a mãe de Luna continuava falando. — Você não avisou que viria, meu bem, e nem que traria companhia, já seu irmão, chegará amanhã trazendo a namorada e mais alguns amigos.
Ela explicou e Luna parecia confusa com a notícia.
— Espera, mas o Lucas não estava em um congresso de medicina? Ele não me disse nada!
— E nem você a ele, pelo visto. Ele ligou avisando que viria direto do congresso para casa, já que a faculdade entrou em recesso por 15 dias. Aí já sabe, ele adora trazer os amigos. Então, vocês terão que dividir o quarto. Espero que não haja problemas.
— Eu posso voltar pra cidade e dormir num hotel, gente, de boa.
— Mas nem pensar, você fica comigo — protestou Luna perante minha ideia e depois virou para própria mãe. — É claro que não há problemas, mãe. Só mais uma coisa, que amigos, exatamente virão com o Lucas?
Dona Olivia olhou sugestivamente para Luna antes de responder.
— Sim, Luna, ela também virá. Bom, eu irei ver como está o almoço, não demorem, já vou pôr a mesa.
— Sim senhora.
Respondemos juntas, que sintonia, rimos. Dona Olivia sorriu e retornou pelo mesmo caminho que viemos, mas nada disso era importante. O que realmente estava me intrigando naquele momento era a reação de Luna. Ela havia murchado consideravelmente, e até o sorriso de a pouco por conta de nosso coro foi um tanto forçado e minha língua estava coçando para perguntar quem seria a tal de ELA? Como assim ELA, produção? A quem será que as duas se referiam? Será que é alguma ex-namorada, talvez o grande amor da vida de Luna? Tá legal, eu não estava preparada pra isso. Cara, como eu posso ser assim? Mas no que eu estava pensando?
Chega de confusões na minha vida, será que já não bastava toda a loucura que foi com Mariana? “Quê que é Patrícia Góes, você não pode estar se...” Recuso-me a falar a tal palavra, mesmo em pensamento. “Não está acontecendo de novo. Não está acontecendo de novo. Não irei deixar acontecer e está decidido”. Tentei a todo instante mentalizar minha mais recente decisão, só que quanto mais eu pensava nisso, mais aquele sentimento tomava nitidez e não estava preparada para isso também. Entramos no quarto e nenhuma de nós se dispunha a falar. Luna parecia tão perdida em pensamentos quanto eu. Notei a cama e repentinamente meu corpo pareceu se dar conta do cansaço, ainda não havia me recuperado do caldo que a última chuva me dera. Por um instante senti vontade de deitar-me e simplesmente descansar de mim mesma.
Só quê, descansar estava longe dos meus planos naquela hora, não poderia em hipótese alguma, fazer desfeita para a Dona Olivia. Presumi que a outra porta estreita presente naquele quarto me levaria até o banheiro e segui até lá. Precisava lavar o rosto, precisava me recompor e esquecer meus maus pensamentos. Depois de alguns poucos minutos retornei ao quarto e Luna ainda parecia meio perdida, sentada na beirada da cama, sequer notou minha presença.
— Olá! Terra chamando Luna!
Toquei em seu ombro e ela finalmente me notou, baixou o olhar, envergonhada.
— Ah? Oi? Desculpa, não ouvi o que você disse.
— Eu sei, estavas aí no mundo da Luna e esqueceu-se de mim — sorri tentando amenizar o clima estranho. — Mas só te chamei porque não quero chegar sozinha para o almoço. Não fosse isso deixaria você aí, viajando na maionese, de boa.
Sorri e ela revirou os olhos. Já estava ficando com saudades disso.
— Besta! Vamos logo.
Ela respondeu e saiu me puxando. Voltamos à sala de jantar e a mesa já estava posta, os pais de Luna estavam em pé próximos a porta larga e riam abraçadinhos como um casalzinho de namoradinhos. Engraçado, achei que pessoas nessa idade nem se tocavam mais. Eu sei, eu sei, estou sendo um tanto pedante, quem sou eu para falar sobre a vida ou relacionamentos? Enfim, o que sei é que eles pareciam bem felizes e isso, na realidade, é fantástico, pensei se algum dia eu teria algo assim. Parei de divagar quando eles perceberam a gente e nos convidaram a sentar. Acomodei-me ao lado de Luna e a esquerda da mesa os pais dela ficaram de frente para nós e tive a impressão que, vez ou outra, eles nos analisavam de forma velada. Essa inspeção me deixou algo envergonhada e dei graças a Deus por Luna falar pelos cotovelos.
— Ah, mãe, essa aí vai responder que é hora de mastigar, não de falar.
Luna soltou quando dona Olivia percebeu e comentou sobre minha incapacidade de tagarelar como Luna fazia.
— Não liga pra ela — disse olhando para a mãe e depois para Luna — eu jamais faria isso com a don...digo...com a Olivia, algumas pessoas merecem respeito, sabia.
Debochei e Luna pôs as mãos na cintura fingindo indignação.
— Como é dona Patrícia, quer dizer que eu não mereço respeito?
— Eu não disse isso...
— Mas pensou! — Ela me interrompeu.
— Jamais! — Fiz cara de desentendida. — Como diria Jesus... Tu o disseste!
Falei e comecei a rir enquanto ela me acertava com o guardanapo. Para tentar defender-me segurei seus pulsos e nossas risadas combinaram-se, o que era algo bem recorrente quando inventávamos essas desavenças infantis e como sempre, nossos olhos se encontraram e lá estava ela novamente. A bolha invisível. A sensação de enxergar cada traço do rosto de Luna em câmera lenta, os olhos que sorriam juntinhos com os lábios, ora abertos ora fechados formando uma linha de felicidade legítima. Sem deboches ou farsas, sem interesses ou vergonhas. Apenas a espontaneidade e a leveza. Ela era incrível. E linda. Uau! Meu coração errou uma batida quando ela, aproveitando de minha embriaguez de deslumbramento, soltou-se e sem reservas invadiu o espaço físico do meu rosto e o beijou com empolgação. Ela sequer percebeu minha pele arrepiar.
Por minha vontade aquele contato se prolongaria, mas o feixe de luz solar que invadia o ambiente e refletiu no copo cristalino, me trouxe de volta a realidade. Só então percebi que era medida pela mãe de Luna, corei consideravelmente. “Será que ela percebeu?” “Não há nada para perceber, dona Patrícia, deixe de leseira.” “PQP!” “Olha a boca!” “Merda, me tornei a pessoa que eu mais odiava: a que fica pensado um quilo de bobagens enquanto sorri de nervoso, droga, ok, tá ficando bizarro, eu tô ficando bizarra. Saco!”. Para piorar, Luna ainda ficou agarrada ao meu pescoço enquanto tagarelava ainda mais sobre nossas baboseiras. Ao menos os pais dela conseguiam interagir, pois quanto a mim, tudo o que saía eram grunhidos ininteligíveis e o maldito sorriso sem graça.
Antes que aquele almoço acabasse me recompus e graças às deusas, Luna me devolvera o espaço necessário para que meu cérebro tornasse a oxigenar, só aí o coração deu uma segurada e voltei a raciocinar. Depois disso, tudo correu com tranquilidade, pude finalmente voltar ao quarto, precisava de um banho e quem sabe de uma boa soneca. Quando saí do banheiro encontrei a porta da varanda aberta e caminhei até lá. Encontrei Luna na varanda, sentada sobre o guarda corpo de madeira com banco embutido, havia algumas almofadas dispostas ali, um lugar bem confortável para estar perdida em pensamentos como ela parecia estar. Ela mirava o bosque que se estendia pelo horizonte, mas duvido que ela estivesse enxergando qualquer beleza naquele momento.
Quanto a mim, como poderia deixar de notar toda aquela beleza, Luna era linda de qualquer jeito. Ah sim, o bosque também era lindo, com toda a certeza. Por outro lado, ver Luna daquele jeito, como se uma revolução estivesse a acontecer na mente, era tão novo quanto estranho. Calar-se demais nunca foi a deixa para ela. Logo, existia ali um claro sinal de que estava tudo errado. E a mais errada era eu, tendo todos aqueles pensamentos impróprios com relação a ela, por isso que não poderia me deixar levar, não desta vez, muito menos com ela. Provavelmente ela precisava de um ombro amigo e bom, eu tinha dois. Portanto era tudo que eu precisava ser ali. O único problema foi combinar isso com ela.
— Oi.
Ela assustou-se com minha nada sutil saudação.
— Desculpa, não vi você chegar.
— Eu é que peço desculpas pela minha entrada abrupta, senhorita.
Ela riu com a reverencia que eu fizera antes de sentar-me dando as costas ao bosque.
— Nossa! Quanta polidez!
Ela sorria enquanto me acertava uma das almofadas. Gargalhei quando ela revirou os olhos.
— Suponho que as árvores do bosque não trocaram de lugar nos últimos vinte minutos em que você esteve vidrada nelas, se é isso que você está tentando provar.
— Besta!
— É. Eu escuto muito isso — sorri. — Quer me contar o que a perturba?!
Não precisei de muito esforço para notar que a coisa toda era mesmo bem perturbadora. Luna adquiriu um olhar tão duro, que nem mesmo com minhas enormes burradas ela já havia dirigido a mim. Levantou de um salto antes de me responder.
— Vou ser bem grosseira agora, não é da sua conta.
Então ela entrou e me deixou lá, com cara de taxo. Aquela sim havia sido uma experiência peculiar.
Fim do capítulo
Comentar este capítulo:
Rose_anne
Em: 13/06/2020
Que gracinha a Paty percebendo que é apaixonada pela Luna
Mas que pena que ela fica bloqueando esse sentimento
Quero só ver a treta com o irmão da Luna
Vc é muito mal, esse capítulo não deu pra matar a sdd não
Resposta do autor:
A Paty têm uma carga muito grande com relação a sentimentos, mesmo e apesar disso ela é uma fofa apaixonada que tenta negar isso pra evitar prejuízos kkkk, quem nunca não é?
Águas vão rolar...
Oxi eu sou bem boazinha, estou a postar antes de completar um mês kkkkk Espero que goste do próximo, corre lá
bjs
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