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As rosas e os seus espinhos por lelepontotxt

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Palavras: 5076
Acessos: 1165   |  Postado em: 16/06/2020

Notas iniciais:

 

Parte II

Parte dois: raiz 

 

Elisabete tinha a pele pálida demais. Héloïse perguntou-se se ela estava se alimentando bem. Morava sozinha, afinal... será que cozinhava todos os dias? E se estivesse sobrevivendo apenas de bolachas? 

Por que ela se importava, afinal?

Elisabete parecia travada em sua frente. A garota comprimiu as sobrancelhas. Héloïse sentiu os olhares da donas de casa pelas janelas de suas residências. Algumas estendiam roupas na varanda, outras apenas observavam a movimentação da rua. 

— Ah, olá — respondeu, um pouco trêmula. Elisabete era bons centímetros mais alta que Héloïse. — Você é...

— Ah, que maus costumes! — A mais baixa riu, olhou para baixo e balançou a cabeça. — Prazer, Héloïse. Sou sua vizinha. Moro naquela casa ali — Apontou para o imóvel cor de creme com varanda. 

— Prazer — Ela sorriu, quase misteriosa. Era um sorriso com múltiplos significados. — Vi que já sabe meu nome — Héloïse sentiu a ponta das suas orelhas ficarem extremamente quentes. Agradeceu os cabelos grossos, que as tampavam. — Pode me chamar de Elis. Elisabete... digamos que eu não goste tanto. 

Héloïse sorriu além do calculado. Tratou de fechar a expressão antes que soasse mal.

— Bem-vinda... você veio do exterior, não é?

Sim, ela estava tentando manter um diálogo no meio da calçada. Talvez pareça desconfortável, incomum, não costumeiro... mas as condições não eram as melhores e, para aquela situação, havia sido a solução imediata que ela encontrara. Tentou bloquear os olhares e os cochichos. Céus, as pessoas eram absurdamente fofoqueiras. 

— Si-sim. — Elis pigarreou. — Eu vim sim.

— Que legal! — Héloïse se exasperou, mais uma vez sorrindo além da conta. Conteve-se. — Digo... você foi estudar, certo? Que curso você escolheu? 

Elis abriu a boca, uma expressão divertida tomando conta da sua face,  mas nenhum som conexo saiu. Ela deu uma pequena risada.

— Eu fiz... — Apertou os olhos. — espera, você está sem calçados? 

Héloïse olhou para seus pés descalços. Não conteve a gargalhada.

— Às vezes eu fico assim! — disse entre risos. Prendeu a respiração para parar de rir. Respirou fundo. — Você quer ir tomar uma xícara de chá na minha casa? Para... se ambientar ao bairro. Posso te mostrar. A minha casa, quero dizer. Ou a rua. Ou podemos falar sobre os vizinhos. 

Elis parecia se divertir cada vez mais com as palavras de Héloïse. Apesar disso, mantinha seus sorrisos escondidos atrás da armadura resistente da sua expressão fechada. Mas Héloïse jurava que Elis queria rir... 

— Eu estou indo comprar pão agora — Deu um mínimo sorriso. 

— E depois?

Encurralara Elis. Héloïse podia ver em seu rosto. 

— Bem...

— Pode ser na sua casa, então! Que tal? — perguntou — E eu posso fazer tudo. E lavar a louça que sujarmos. 

Pela primeira vez naquela conversa, Elis rira de verdade. Uma risada bonita, sonora, boa de se ouvir. 

— Você venceu. Certo, tudo bem. Eu estou indo buscar pão agora. Posso pegar mais um para você...

— Se for possível! — Héloïse sorriu. — Eu vou para a minha casa agora. Calçar um sapato. Só isso. E já bato na sua casa. É aquela azul, não é?

— Como sabe a minha casa? — Elis riu mais uma vez. Héloïse sentiu o seu rosto inteiro avermelhar-se. Antes que formulasse uma boa resposta, Elis deu de ombros e acenou para ela. — Até daqui a pouco. 

Seguiu a rua, a atravessando. Héloïse olhou para trás, vendo Elis se dirigir até a padaria. Um sentimento estranho preencheu seu peito, seu estômago revirou-se todo, sua cabeça pesou o peso de toneladas. Parecia euforia. É, com toda certeza era. 

 

Héloïse não havia calçado apenas um sapato.

Ela trocou o vestido, que estava sujo de sentar-se no chão. Prendera o cabelo solto num coque bem arrumado e decorou a cabeça com um chapéu de renda. Passou batom, trocou o colar de pérolas por um que combinasse mais com a corrente de contas vermelhas. Colocou seu relógio, um presente da mãe no último aniversário. 

Se olhou no espelho e sentiu-se bonita. 

— Para onde você vai, Héloïse? — Esther, uma das empregadas de seus pais, que passava pelo corredor naquele exato instante, perguntou. Colocou a cabeça para dentro do quarto da garota.  Héloïse pensou numa boa desculpa, e agradeceu a si mesma por ser criativa com histórias.

— Na casa da Fátima — respondeu, convivente — para falar sobre... garotos.

Esther arregalou os olhos.

— Eu já estou na idade, não é? — Ela sorriu brilhantemente. — A mamãe diz que em breve eu irei me casar. 

— Entendi... — Esther não parecia muito convencida, mas sabia que nada no mundo brecava a jovem Héloïse. Ela era um furacão, um tornado, e sabia perfeitamente tudo o que queria fazer. Controlá-la parecia uma tarefa impossível. 

Pegou sua bolsinha de mão, que estava sobre o seu móvel de cabeceira. 

— Você pode avisar a minha mãe, Esther? — Olhou para a senhora com olhos suplicantes. — Por favor... eu sei que ela está dormindo e eu não queria acordá-la. 

Esther riu. 

— Sim, Srta. E juízo! 

Héloïse lançou um último sorriso para Esther antes de deixar o seu quarto. Avançou com rapidez para a sala de estar, abriu a porta e saiu pelo portão da garagem. A passos largos, se dirigiu até aquela pequena casinha azul, com portão branco e bem pintado, que ficava no final da rua. 

Apertou a campainha duas vezes. Uma figura apareceu através das persianas da janela e, logo, a porta abriu-se. Uma jovem de cabelos no ombro, pele pálida e olhos castanhos enormes e intensos sorria para Héloïse.

— Pensei que fosse apenas colocar sapatos.

Héloïse ruborizou e, para disfarçar, sorriu. Um enorme sorriso, diga-se de passagem.

— E você é uma garota sorridente, Hélô — Elis deu uma leve gargalhada. O apelido pareceu deslizar da boca dela, quase involuntariamente. Hélô. Cedeu passagem para Héloïse.

— Você é boa em deixar pessoas sem graça! — A mais baixa não conseguia parar de sorrir de nervoso. Comprimiu os lábios.

— Disponha — “Então ela é irônica”, Héloïse pensou — E perdoe a bagunça.

A casa de Elis não era bagunçada. Nem um pouco. 

Pequena e aconchegante, contava com um sofá cor de caramelo, um tapete longo que preenchia todo o ambiente da sala e uma enorme estante, que ia de uma extremidade da parede contrária ao sofá até a outra, repleta de livros de todos os gêneros possíveis. A riqueza de títulos era absurda. Livros pequenos, grandes, grossos, finos, de todas as cores possíveis, em tantos idiomas diferentes, alguns os quais Hélô mal sabia identificar. 

Uma mesinha com cadeira ficava perto da cozinha e de frente para uma janela. Sobre ela, mais livros, estes um tanto quanto bagunçados, despojados e abertos. Papel, tinteiro e pena sobre uma máquina de datilografia enferrujada denunciavam que Elis costumava escrever. Aquela pequena descoberta fez Héloïse se contorcer de curiosidade. O que Elis escrevia em seu tempo livre? 

Uma escada parecia ir em direção ao quarto. Era uma casinha de dois andares. Ao lado da escada, uma porta dava para a cozinha. 

Héloïse ouviu um miado e, logo, um pequeno ser de pelagem negra se esfregava em seu vestido. 

— Ah, que gracinha! — Abaixou, acariciando a cabeça do felino. Ele ronrona, alegre com a carícia. — Qual o nome dele? 

— É uma gata — Elis respondeu — E se chama Adelaide. 

Elis tinha toda uma pose misteriosa, Héloïse automaticamente pensou. Andava com as mãos atrás do corpo, sempre a passos largos e confiantes, mas ainda assim com certo recato, com certa timidez. Seu rosto, paralelo ao solo, nunca estava muito baixo ou muito alto. Parecia sempre olhar para frente. Mas, quando ela se dirigia à Héloïse, sutilmente abaixava o queixo, como se quisesse igualar-se à jovem mais baixa. Héloïse sentia-se bem com aquele gesto. De repente, parecia fazer parte daquele momento. Já não era mais uma estranha em cena.

Inferno... a casa de Elis era absurdamente acolhedora e ela poderia ficar ali para sempre. Tudo cheirava a bolo. Bolo de...

— Eu fiz bolo de chocolate — Elis cortou o silêncio — Vamos. Você disse que iria conversar comigo sobre os vizinhos, não é? — Deu uma breve gargalhada. Elis parecia gostar de breves gargalhadas. — Então vamos. Saiba que eu adoro uma fofoca! 

Héloïse sorriu.

— Então somos duas. Como sabia que eu sou apaixonada por bolo de chocolate? 

— Devo ter adivinhado. Sou boa com adivinhações. 

— Ah, é? — As duas se dirigiram até a cozinha. Elis estendeu uma cadeira para que Héloïse se sentasse. A garota ficou um tanto quanto sem graça com a atitude. — Minha mãe adora ir numa cartomante que atende no centro. Ela é boa com adivinhações. Mamãe jura que a danada acerta tudo! 

— Não sei se sou boa com esse tipo de adivinhação... mas sou observadora — Elis cortou duas fatias de bolo. O cheio de pão quentinho e café fresco também inundava a cozinha. 

Héloïse lembrou-se de algo.

— Você não me respondeu uma coisa! — exclamou. — Qual curso você fez? 

— Bom, como você pode ver, eu sou uma grande amante de livros. Eu cursei Letras. Foco em Língua Portuguesa e Inglesa.

— Que incrível! — Hélô sorriu. “Será que eu estou sorrindo demais?” — Parece adorável. Ah, como eu gostaria de poder fazer faculdade...

— É uma experiência e tanto. Seus pais são... conservadores? — Elis bicou o café. Parecia relaxar. A sua carranca já havia se esvaído e, agora, Hélô conseguia enxergar um brilho cintilante em seus olhos avelã. 

A mais baixa deu de ombros.

— O motivo maior é meu irmão, que já está cursando Direiro em Paris. Financiar outra faculdade é um pouco fora das possibilidades. Mas fico imaginando: se eu fosse um homem, eles se esforçariam mais para me proporcionar esse estudo? 

Elis sorriu.

— É um questionamento que eu me faço com frequência. “Se eu fosse um homem...”

Ficaram alguns segundos em silêncio. Héloïse queria perguntar muitas coisas, mas não pretendia assustar a garota. Aquilo não era um interrogatório. Era apenas uma conversa comum entre duas pessoas que ainda não se conheciam o bastante. 

— Vamos brincar de algo — Hélô propôs, fazendo Elis franzir as sobrancelhas. — Eu te faço uma pergunta, você responde, e depois me faz uma pergunta, e assim segue até cansarmos. O que acha?!

Elis parecia estar se divertindo com a empolgação de Héloïse. 

— É uma boa ideia — a voz de Elis estava suave como algodão. Também havia relaxado na cadeira, encostando as costas e colocando os cotovelos sobre a mesa.

Héloïse não conseguia parar de pensar que Elis tinha algum tipo de beleza mística que atraía a sua atenção. A maneira como se portava, como se vestia, os seus olhares bem posicionados, sua postura, seu sorriso enviesado, as respostas na ponta da língua. Elis era interessantíssima. 

— Certo. Eu começo. — Hélô pigarreou. — Qual a sua estação favorita?

— Outono — respondeu num suspiro — Minha vez. Quantos anos você tem, Srta. Héloïse?

— Dezenove — Ergueu o queixo. — Mas faço vinte em dois meses. Deixe-me pensar... e você, qual a sua idade? 

Elis coçou a cabeça.

— Nossa, você é realmente jovem. Eu tenho vinte e cinco. Meu Deus... — Deu risada, uma risada genuína. — Me sinto uma velha perto de você! 

— Velha?! São apenas cinco anos de diferença! — Acompanhou os risos. — Ainda não fez a sua pergunta.

A mais velha pensou por alguns instantes.

— Se você pudesse estar em qualquer lugar exatamente agora, onde estaria?

“Exatamente aqui, Srta. Elisabete”, o pensamento foi imediato. Ela ruborizou. Seria estranho demais dizer algo assim...

— Em Paris, cursando Física. 

— Física?! Minha nossa! — Elis sorriu. — Então temos uma cientista entre nós.

— Apenas uma entusiasta, apenas uma entusiasta... 

Elis pareceu repentinamente interessada.

— Eu jamais imaginaria que você é uma mulher apreciadora das ciências exatas. Foi uma boa surpresa.

Hélô deu de ombros.

— As pessoas de fato não costumam imaginar. Mas acredite: conheço de cabo a rabo todos as Leis de Newton e resolvo fórmulas em segundos. 

— E além de Física... do que mais você gosta? 

Pensou por alguns segundos.

— Gosto de flores. De rosas, em especial.

Elis sorriu, uma expressão surpresa tomando conta de sua face. Àquela altura, Hélô tinha certeza absoluta de que havia arrancado permanentemente a carranca da sua nova vizinha. 

— Está brincando! Você vai enlouquecer com o que eu vou te mostrar agora, então. — Se levantou e chamou Héloïse. Abriu uma porta que ficava ao lado do fogão. — Venha aqui. 

Hélô se ergueu sobre as pernas finas  e, em segundos, viu-se completamente deslumbrada com o deleite que apreciava naquele instante. O quintal de Elis era rodeado por rosas de todos os tipos. Uma súbita emoção tomou conta dela e seus olhos se encheram de lágrimas.

Eram rosas de todas as cores e tamanhos. Grandes e vermelhas, pequenas e rosadas, botões brancos esperando o momento certo para desabrochar, mescladas, rosas rosa-chá... e o perfume, ah, o perfume! O paraíso poderia estar rodeado de aromas maravilhosos, mas Héloïse teve certeza de que nada nunca seria tão perfeito quanto aquilo. 

Ainda em estado de êxtase, caminhou até uma roseira de flores vermelhas. O tom constrastava perfeitamente com o seu vestido, e sua pele dourada era, naquele momento, beijada pelo sol sutil do fim da tarde. Riu, sem perceber que uma lágrima fina escapava do seu olho direito. Uma enxurrada de memórias a tomou conta. Em segundos, sua mente não estava mais lá. 

 

Uma tarde de sol — 23 de Fevereiro de 1885

 

A pequena Héloïse ergueu a saia do seu vestido cor de rosa. Era um dia de um calor impressionante. O suor que aos poucos ganhava corpo sobre a sua testa já fazia alguns fios do seu cabelo cacheado e castanho grudarem na pele macia, e seus olhos claros, sensíveis à luz, se comprimiam com força.

Se Héloïse prestasse bem atenção, perceberia que sua mãe a observava de longe. Os observava, na realidade. Jules, ao seu lado, estava encarregado de cuidar da irmã mais nova enquanto a avó, Madame Rosé, buscava duas fatias de bolo de laranja na cozinha. 

O quintal dos Bordeaux era grande o bastante para que Rosé cultivasse todas as flores que gostava. Margaridas brancas e delicadas, gérberas  de cores vibrantes, liatrises lilases, girassóis amarelos como o Sol e, claro, sua grande paixão, as rosas. Todas as variações possíveis de rosas.

Héloïse amava o jardim da avó por vários motivos. Primeiramente, pois era onde ela e Jules brincavam de boneca, guerra de espadas, pique-esconde e amarelinha. Também era o lugar escolhido por sua avó para passar grande parte do seu dia e, estando ao lado de vovó Rosé, Hélô podia ouvir histórias em tempo integral.

Mas o maior motivo para que Héloïse fosse apaixonada pelo jardim era, sem dúvida alguma, as rosas. Ela havia se tornado uma criança apaixonada pelas rosas. Pelas cores, formatos, aromas. Sorria, pensando que sua avó era, também, uma Rosa, delicada e alegre como tal. 

Ah... como ela gostaria de morar naquele jardim. 

— Hélie! — Jules a chamou. Héloïse o olhou de volta. — Olhe, está começando a nascer botões.

Jules era um garoto de cinco anos com cabelos escuros tal qual os de Héloïse e profundos olhos castanhos exatamente iguais aos de seu pai. Já era alto para a idade e costumava vestir-se com camisas coloridas. Madame Fleur não suportava ver crianças com roupas sóbrias, beges, cinzas, brancas ou pretas. Gostava da energia das cores, e era assim que vestia seus filhos: com muitas cores. 

Héloïse olhou para os pequenos botões de rosas vermelhas e suspirou, sorrindo para eles. Ao tocar no botão, a memória desfez-se e, num piscar de olhos, havia retornado para dezesseis anos no futuro.

 

— Héloïse?

A garota piscou algumas vezes, saindo de sua epifania e retomando os sentidos. Balançou a cabeça, rindo.

— Perdão. Me perdi em memórias — Sentiu suas lágrimas secarem e prontamente se virou, encontrando uma Elis um tanto confusa. — Rosas são verdadeiramente importantes para mim. 

— Eu percebi — Elis sorriu. — E para mim também são. Minha mãe cultivava muitas rosas.

— Minha mãe sempre tentou cultivar rosas — Héloïse se viu dizendo —, mas nunca obtivemos muito sucesso. Minha avó tinha uma maneira especial para cuidar das suas flores, e apesar de mamãe ser uma entusiasta da jardinagem, nunca descobriu o segredo. Rosas são... 

— Difíceis de lidar — Elis completou. 

— Exatamente. Delicadas e complexas. 

 

Uma noite de Lua Cheia — 15 de Agosto de 1890

 

— Vovó! Vovó! Onde está a senhora?! — Héloïse saiu berrando, com lágrimas nos olhos e sangue nos dedos. 

Em questão de segundos, uma senhora trajando um vestido amarelo surgiu no corredor. Uma feição preocupada preenchia seu rosto.

— O que aconteceu, menina? — Se dirigiu até a garotinha, que chorava. 

Héloïse estendeu o dedo para a avó.

— Eu... fui ver uma das rosas brancas e... — soluçou — acabei esperando o meu dedo num espinho. 

Madame Rosé constatou que o furo havia sido ligeiramente profundo. Fez uma careta, levando a menina até a pia da cozinha para lavar-lhe a mão. Héloïse gem*u com a água e com o sabão.

— Héloïse! Você já não tem mais idade para brincar com as rosas! — Madame Rosé a repreendeu, olhando profundamente nos olhos da garota. Tinham as duas olhos perfeitamente iguais. 

Héloïse abaixou a cabeça. 

— Perdão, vovó. Eu só queria olhá-la de perto... ela é tão bonita!

— Não é a beleza da rosa que a inibe de ser perigosa, minha querida — o tom da senhora era de repreensão mas, ainda assim, acolhedor — Você não pode brincar com as rosas. Elas são flores especiais. Lindas, mas com artifícios de proteção. As mais belas coisas são assim, cheias de espinhos. É necessário delicadeza. Você se feriu, mas tenho certeza que também  feriu o coração da rosa ao ter se machucado com ela... 

 

Héloïse sentou-se no banquinho de jardim de Elis. Olhou para as flores que se mexiam com o vento.

— Héloïse... — Elis a chamou — Você me disse que iria me contar as fofocas sobre os nossos vizinhos! — Recostou-se na parede, de braços cruzados. Tinha uma sobrancelha arqueada e os lábios num sorriso cheio de significados. 

Héloïse explodiu em risadas.

— Ah! É mesmo! — Fez uma careta. — Elis... eu realmente não sei de nenhuma fofoca sobre os vizinhos! Ah, céus! Não faço o tipo observadora. Na realidade, sou distraída, não presto atenção nas pessoas...

— Não é o que parece — Elis falou baixinho, mas Hélô ouviu. Travou, não conseguindo completar a outra frase.

Elis e Héloïse caíram em risadas juntas. As coisas haviam ficado bem estranhas. Hélô enrubesceu mais uma vez.

— Bem... vamos continuar a brincadeira, certo? — Héloïse cortou as risadas. — Você pergunta. 

Elis respirou fundo, parecendo pensar. 

— Por que gosta das rosas?

Hélô sorriu.

— Minha avó me inspirou essa paixão. Minha vez. — Comprimiu os olhos. — Espero que não entenda errado essa pergunta... mas... as calças. 

Elis descruzou os braços, mordendo o lábio enquanto parecia escapar com dificuldade de mais uma crise de risos.

— Isso não foi bem uma pergunta! 

Hélô também mordeu seus lábios. 

— Elis... — Seu tom havia bruscamente mudado de um divertido e descontraído para um sério e formal. — Desde que eu te vi... eu... me interessei demais pelas calças. Quero dizer, eu nunca havia visto uma mulher de calças na rua. Na rua, sabe? É... tão... tão... ah! — suspirou involuntariamente. 

Elis tinha um sorriso brilhante em seus lábios. 

— Ah, sim, as minhas calças... — Riu, quase desacreditada. — Pois bem, Srta. Héloïse, como posso começar a contar essa história? 

 

Alguns dias antes do dia mais importante da vida de Elisabete Lopes — 27 de Dezembro de 1895

 

Abraçou o pai com a força de dez homens juntos. 

Santo seja Deus. Elis estava em êxtase. 

— Pai, eu...

— Elisabete Lopes. Minha Elis. — O Senhor Lopes segurou com firmeza os ombros estreitos da filha. — Não me agradeça. Por nada. Esse é o seu prêmio, meu pequeno gênio. Resultado de muito esforço. Mérito seu.

— Eu não teria sido nada se o senhor não houvesse me criado com tanto amor, pai.

Era uma noite abafada. Uma bonita Lua Crescente decorava o céu estrelado. Elis, naquele momento, usava um vestido lilás de corte reto com babados modestos nas mangas. Era um tecido leve, pois o calor do clima não permitia nada além daquilo. Seus cabelos na altura da cintura estavam amarrados num penteado simples, meio solto. Mas Elis prometera a si mesma que seria a última vez que vestiria algo como aquilo. Tudo cheirava a mudanças. 

Estava radiante por dentro, tão cintilante que, do lado de fora, sentia-se o seu brilho escapar pelos olhos, pelas pontas dos dedos, pelo seu sorriso. 

Ela estaria realizando o sonho de sua mãe. Universidade, como faziam os homens. Se sentia dona do mundo. Ninguém controlaria Elis Lopes — nunca mais. 

 

O dia mais importante da vida de Elisabete Lopes — 20 de Janeiro de 1896

 

A Universidade de Coimbra era rodeada por homens. Isso Elis já imaginava. O que ela ainda não havia pensado era na possibilidade de ser a única mulher em sala de aula.

E aquilo estava realmente acontecendo.

Mas, antes de pisar na Universidade para o seu primeiro dia no curso de Letras, Elis havia feito algumas mudanças em seu modo de se vestir. Substituíra os vestidos longos e cheios de enfeites por camisas modestas, calças de alfaiataria e suspensórios. Os sapatos de salto haviam sido trocados por bonitos mocassins de couro. Na noite anterior, seus longos cabelos foram aparados por ela mesma, com uma tesoura, na altura dos ombros. Jurara para si mesma nunca mais passar uma gotícula de maquiagem em seus olhos. Ela não precisava daquilo. 

Elis sentia-se livre. Amedrontada, mas livre. 

O julgamento viria. Seria uma luta diária. Elis teria de lidar com o peso de ser a única mulher numa Universidade dominada por homens, e o peso de ser uma mulher que se negava a usar roupas de mulher. Que grande besteira, existir roupas para mulher. O mundo era repleto de grandes besteiras, pensou. 

 

— Então é isso — Héloïse sorriu fracamente. Seu rosto estava cintilante com o Sol que o banhava. Os olhos, pequenas esmeraldas circulares dentro de um mar branco e límpido, brilhavam tanto que Elis conseguia vê-los reluzindo. — Escolheu usar as calças para se libertar. Se libertar... disso?

— Disso o quê? — questionou, curiosa. 

Héloïse deu uma risada repleta de significados.

— Espartilhos!— Soltou os braços nas laterais do corpo, alisando sua saia. — Panos e panos, coisas que nos colocam para que pareçamos mulheres. Como se pudéssemos ser resumidas a longos pedaços de tecido bordado...

Elis parecia encantada. Era essa a impressão que Hélô tivera. Suspirou involuntariamente pela décima nona vez naquela tarde. Talvez vigésima.

— Acertou no alvo. Você entende o que eu quero dizer com prisão? — Elis mudara seu tom descontraído para um timbre mais sério. Os olhos castanhos cintilavam de emoção. — Fui criada num lar de muito amor. Primeiramente, com o meu pai, o homem mais bondoso que já pude conhecer. Depois, com a minha tia, que me ensinou tudo o que eu sei, e tudo o que a escola jamais poderia ensinar. Mas, então, haviam os vestidos. As joias, os sapatos de salto, todas as coisas que me limitavam de ser quem sou...

“Uma mulher incrível”, o pensamento rondou a cabeça de Hélô.

— Eu nunca usei calças! — soltou sem querer com uma animação inesperada. Elis parou de falar e a olhou com ternura.

— Nunca, querida? 

Héloïse fez uma careta.

— Digo... — Coxou a cabeça. — Na infância, eu e meu irmão costumávamos trocar nossas roupas. Ele ficava uma graça com os meus vestidos! — Riu.

Entornou a boca por um segundo, e logo continuou a falar:

— Mas nós éramos crianças, entende? E eu ainda não entendia todo o peso que eu carregava. Os vestidos ainda não me incomodavam.

— E incomodam? — Elis perguntou abruptamente. Umedeceu os lábios. Hélô abriu a boca mas, por um momento, nenhum som saiu. 

— Eu diria que sim. — respondeu, tropeçando nas palavras — Eu diria que incomoda a todas as mulheres. Mas nenhuma tem coragem de dizer. 

Elis virou a cabeça, dando um meio sorriso. Aquela expressão Héloïse não conseguiu desmistificar. Poderia significar coisas demais. Coisas demais.

— Sabe... eu creio que as coisas estejam mudando — Héloïse continuou, subentendendo que Elis não comentaria nada — Vemos por você. Devem existir outras mulheres no mundo trocando os vestidos por calças, não devem? O mundo muda com uma velocidade... há anos atrás, usavam muito mais pano que hoje em dia para fazer nossas saias. E os penteados eram assustadoramente feios.

Elis deu risada, mas ainda mantendo-se calada. 

— Se uma mulher de cada vez for tomando atitudes como as suas, talvez, um dia, mulheres possam fazer coisas extraordinárias, como qualquer homem comum. Como votar. Ou...

— Héloïse — Elis a interrompeu de supetão. Héloïse até levou um susto. — Você... gostaria de experimentar uma calça? 

Os olhos de Héloïse nunca estiveram tão brilhantes quanto naquela fração de segundo.

— O quê? — perguntou, desentendida — Uma calça... sua? Agora?

— Sim! — Elis riu. — Nenhuma outra mulher havia me entendido tão bem... até hoje. Você está certa. Se uma mulher por vez for transgredindo as regras, alcançaremos objetivos que as mentes de hoje em dia não são sequer capazes de idealizar. 

Héloïse estava embasbacada. O Sol havia mudado de lugar — tocava os fios castanhos de Elis como numa pintura renascentista. Ela gostaria de poder eternizar aquela imagem e guarda-lá dentro do seu guarda-roupa. Céus, como ela gostaria de morar naquele segundo. 

— Vamos — Elis apressou-se, dando passagem para que Héloïse fosse na frente. — Não se importe com a bagunça. 

Quantas vezes ela teria que dizer aquilo? A casa de Elis era tão organizada!

Subiram as escadas. Elis na frente guiava o caminho. Abrindo a porta do quarto, Héloïse se viu diante de um dos cômodos mais charmosos que ela já antes vira na vida.

— Pode... se sentar — Elis se embaralhou nas palavras, a olhando com ternura — Na cama mesmo. Vou procurar aqui algo que sirva em você.

Héloïse acomodou-se, pomposa, enquanto mordia o lábio inferior e se controlava para não sorrir. Seu estômago revirava-se e ela jurava que borboletas pequenininhas brotavam em todos os órgãos do seu corpo. 

Elis colocou diante dos olhos de Héloïse uma calça clara de linho. 

— O que acha? É a menor que eu tenho...

Héloïse levantou-se, a boca semi-aberta.

— É perfeita. 

Elis sorriu, entregando a peça perfumada à Hélô.

Héloïse se apressou em desabotoar seu vestido com certa destreza. Arrancava cada peça com a maestria de alguém que não costumava depender de empregadas para esse ofício. Elis ruborizou, engolindo em seco.

— O que foi? — Hélô sorriu, tirando o seu vestido por baixo. 

— Quê? — Elis gaguejou — Não foi nada. 

A mais nova deu risada.

— Está com uma cara engraçada.

— E você está maluquinha... — Santo Deus, ela não sabia disfarçar? Estava com o rosto vermelho e com as mãos trêmulas. 

Quando Héloïse estava apenas de espartilho, arrancou a calça da mão de Elis e a vestiu em dois segundos. Deu risada ao ver que era uma calça grande demais no comprimento.

— Você é alta! — Hélô não conseguia parar de rir. — E que sensação engraçada! Me sinto segura usando algo que cobre minhas pernas desse jeito.

— É a intenção — Elis mordeu os lábios. — Deixe-me ajudar com o comprimento. 

Héloïse quase levou um susto ao sentir aos mãos geladas de Elis tocando o seu calcanhar. A mulher ajeitava a barra da calça dobrando-a. Prendeu a respiração por um segundo. 

— Perfeita — Elis murmurou audivelmente. Levantou-se e pigarreou. — Estão, me diga: gostou?

— Muito... ah! — Héloïse deu uma voltinha com as mãos na cintura. 

As duas ficaram em silêncio. Se olharam. Foi um momento um tanto constrangedor. 

Elis cruzou os braços e mudou o peso de uma perna para outra. 

Héloïse alisou a calça. Queria perguntar algo para Elis. Sabia que aquele era o momento certo.

— Elis — começou — Você vai estranhar se eu fizer um questionamento estranho? 

— Bom... — Elis ponderou — Se você mesma está dizendo que é um questionamento estranho... 

Hélô deu de ombros.

— Ah, que seja. Você tem um namorado? 

Elis pareceu pega de surpresa. Se estivesse bebendo ou comendo algo, teria engasgado. 

— O quê? — Riu. — Não! Não... claro que não. Isso de namorado... não é para mim. 

— Engraçado... — Hélô se sentou na cama novamente. — Nem para mim. 

Elis foi até ela, sentando-se ao seu lado. Algo havia mudado na atmosfera do lugar.

— Quero dizer... — Héloïse se explicou — Minha mãe diz que eu já estou na idade de me casar, que preciso arrumar um marido logo, pois em breve ninguém mais vai me querer. Vou morrer sozinha, diz ela. Mas eu não consigo... ah, que situação complicada. Não consigo me imaginar ao lado de um homem. Casando-me, tendo filhos. Santo Deus, Elis, a maneira como fazem filhos... 

Elis explodiu em sinceras risadas. 

— Não é tão ruim quanto parece.

Héloïse arregalou os olhos.

— Você já... Santa mãe! — Riu, cobrindo a boca. — E machuca? 

Elis não conseguia parar de rir. A maneira como Hélô a questionava era adorável e engraçada.

— Não foi exatamente... bem... ah, Héloïse, não acredito que eu estou contando isso para alguém! — Elis estava absurdamente vermelha, tal qual um tomate. Seus olhos quase lacrimejavam de vergonha.  

— Não precisa ter vergonha! Mulheres podem falar disso para outras, certo? Ora, só temos a nós! — Hélô já a acompanhava nas risadas. 

Elis, antes de dizer, olhou para baixo, para suas mãos firmemente cruzadas sobre as pernas. Um sorriso escapou de seus lábios — travesso e envergonhado. Ela pensara que guardaria esse segredo a sete chaves para sempre...

— Não foi com um homem, Héloïse. Foi com uma mulher. 

 

 

 

Fim do capítulo

Notas finais:

Amo a dinâmica dessas duas e a atmosfera dessa história. Espero que estejam gostando. 


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Comentários para 2 - Parte II:
flawer
flawer

Em: 25/10/2020

Wouuuu...

E agora Elis?! Qual será a reação da Helô?!!! ( Roendo minhas lindas unhas aqui... Kkkkk)

Vou é me picar pra ler o que Helô sentiu diante desta informação, inesperada... Kkkkk

Amando a estória bela srta.

Beijinhos

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rhina
rhina

Em: 22/06/2020

 

Que gostosura......

Sim......a dinâmica entre elas é perfeita.

Rhina

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