No sábado Sophie passou a manhã inteira correndo e aventurando-se numa trilha. Não se cansava de ver as lindas paisagens da cidade. Quando voltou para casa seu pai já havia comprado comida e estava esperando-a.

– Como estão os treinos do seu time de flag? - perguntou Brian.

– Uma droga, para ser sincera, mas você sabe que eu adoro um desafio.

– Eu sei que você não é de perder, mas vai ser difícil ganhar dessa vez.

– E por isso que vai ser ainda mais divertido! - ela falou e começou a narrar como estavam os treinos.

            A grande parte dos voluntários desistiu depois do primeiro encontro, muitos aceitaram só pelo fato de terem adorado como ela humilhara Matt. Alguns não quiseram insistir por medo dele e ela aceitou sem reclamar. Precisava ter certeza das pessoas que podia contar para o dia do jogo. Kevin aceitou apenas pela sua insistência, visto que odiava esportes. Ele gostava de passar tempo com Sophie e achava muito intrigante a forma como ela estava mexendo com a dinâmica da escola. Toda vez que ela e a Rainha de Gelo se enfrentavam nos corredores, ele se divertia, mas não deixava de achar esquisito a insistência de Quinn em implicar com Sophie.

            Claire não aceitara fazer parte do time apesar dos pedidos infinitos dos amigos e Sophie ficara decepcionada pois gostaria de poder passar mais tempo com ela, principalmente exibindo-se como a grande atleta que era.

            Ao final da primeira semana oficial dos treinos, parecia que a equipe já estava mais definida e Sophie não achava que mais pessoas desistiriam. O problema é que tinha apenas seis jogadores no total e precisava de cinco para a defesa e cinco para o ataque. Precisava definir quem mais faria trabalho dobrado além dela.

Dentre as pessoas que treinavam tinha um menino que havia sido cortado dos Yellow Jackets e por mais que não fosse muito habilidoso, ela sabia que conseguiria treiná-lo o suficiente para produzir bem no dia da competição. Leo era alto, mas tinha sérios problemas para conseguir segurar a bola, o que o fez ser cortado, porém ela sabia que poderia aproveitá-lo com um bom defensive back.

Fora ele apenas outros dois da equipe eram bons em esporte e até melhores que Leo. Melissa era uma atleta sensacional e estava na equipe de atletismo assim como Sophie e o flag parecia uma boa distração enquanto os treinos não iniciavam. Ela era apenas um pouco menor que Sophie e tinha excelentes mãos, conseguindo pegar qualquer bola lançada em sua direção. Já Joey era da equipe de natação e Sophie surpreendeu-se com a forma que ele conseguia ler o campo e prever jogadas, seu pai estava deixando um talento nato passar despercebido. Tanto Melissa quanto Joey poderiam jogar tanto no ataque, quanto na defesa no dia jogo.

            Os outros dois participantes não eram tão atletas, mas Sophie sabia que poderia treiná-los. Lisa poderia ser uma boa half back, era pequena e ágil. Kevin não era bom em nada, mas estava treinando tanto como recebedor como half back.

            Sophie ainda não tinha definido quem seria o center, pois queria que fosse rápido e versátil. Precisava de alguém que conseguisse fazer um bom snap, fazer rotas e receber passes.

– Você sabe que o Matt é um palerma com zero QI para futebol. Vou vencer me aproveitando das falhas dele - comentou com o pai.

– Não exagera. Ele não é dos melhores leitores de campo, mas ele tem o Spencer e vai ser difícil você conseguir alguém para marcá-lo. Mesmo que o Matt não consiga desenhar boas jogadas ele tem um recebedor ótimo.

– Eu vou arranjar um jeito de pressioná-lo, você sabe que sob pressão a precisão dele é ainda pior. O Spencer é mesmo um problema, mas eu mesma vou cobri-lo.

– Filha, eu te amo e você é muito melhor que o Matt como QB e quase tão boa treinadora como eu...

– Quase? - ela riu - Vou deixar isso passar dessa vez - brincou e o pai jogou uma batata de seu prato no rosto da filha.

– O que estou dizendo é: eu sei do seu talento, mas você não vai conseguir marcar o Spencer...

– Eu sei, eu sei... Provavelmente vou dobrar ele sempre, mas não tem ninguém naquele time tão rápido e habilidoso quanto ele. Eu pelo menos sou rápida e consigo ler as jogadas, com os passes ruins do Matt eu posso dar sorte.

– Bom, você sabe aproveitar os erros e qualidades dos jogadores como eu nunca vi antes e como eles não me terão como treinador para fazer o mesmo, acho que você tem uma boa chance - concluiu Brian - Mas será que vai ter tempo suficiente?

            Sophie sabia que tempo poderia realmente ser um problema, só esperava fazer o suficiente para o time estar pronto.

            No final da tarde encontrou com os amigos no Great Cook e como de costume vários outros alunos de King High faziam o mesmo. Já estavam no meio de seus hambúrgueres quando Quinn e Matt chegaram e foram se sentar com os amigos.

– Chegou a Rainha de Gelo! Espero que ela não venha aqui - falou Claire abaixando a cabeça.

– Relaxa, ela não morde - brincou Sophie continuando sua refeição.

– Ela faz pior! Ela é maldade pura! - disse baixo, mas sem esconder a raiva.

– Ela não é tão ruim assim - defendeu Kevin.

– Por que você sempre defende ela? - perguntou Claire - Principalmente depois de tudo que ela te fez!

            Kevin ficou sem graça e tentou fugir do olhar da amiga, como sempre fazia quando tinham essa mesma discussão.

– O que ela fez com você? - Sophie perguntou curiosa, mas Kevin ficou calado e foi Claire que explicou.

– Eles eram melhores amigos desde crianças e logo antes de começarem o High School ela parou de falar com ele só porque ele é gay! A Rainha não podia ter um amigo homossexual se quisesse ser popular...

            Sophie olhou para Kevin surpresa por não ter ouvido nada sobre isso antes e ele estava extremamente sem graça.

– Não foi exatamente assim... - tentou justificar.

– Não defende ela, Kevin! Ela não merece - continuou Claire.

            Kevin ficou inquieto com o assunto e Sophie achou esquisito. Parecia ter mais coisa nessa história... Algo que Kevin estava escondendo.

– Eu não estou defendendo ela! Só estou dizendo que eu conheço a Quinn e ela não é homofóbica.

– Ah, claro que não! Por isso que ela fica implicando com a Sophie e fazendo comentários preconceituosos toda hora - Claire falou irônica.

            Kevin calou-se para que mudassem de assunto e ficou brincando com o canudo de seu milkshake. Realmente ele estava estranhando a forma como Quinn tratava Sophie. Ainda mais pela sua insistência em implicar com ela quase que diariamente. Não era do seu feitio. A Rainha de Gelo geralmente mantinha o poder de King High sendo fria e distante. Os comentários maldosos e as implicâncias aconteciam apenas quando necessário. Por que ela estava no pé de Sophie?

– Olha quem chegou! - Kevin cutucou Claire para que olhasse para a porta, por onde um menino entrava.

– Quem é? - perguntou Sophie reparando que Claire ajeitara-se na cadeira e arrumava o cabelo.

– É o Fred do clube de matemática. A eterna paixão da Claire - falou baixo para que ninguém além dos três ouvissem.

            Sophie olhou para o menino incomodada. Fred era um típico nerd com grandes óculos e roupas bregas. Era alto e muito magro, como um palito. Tinha um rosto muito esquisito e Sophie não entendia como Claire podia gostar dele.

            Fred avistou Claire e de longe deu um aceno tímido, ela retribuiu e depois abaixou a cabeça sem graça.

– Devemos chamar ele para sentar com a gente? - perguntou Kevin.

– Não - exclamou Claire disfarçadamente - Eu fico toda sem graça perto dele!

            De longe, viram Fred se sentar com outros amigos.

– Você gosta daquele cara? - Sophie perguntou enciumada - Por quê?

– Ele é super inteligente e muito legal - suspirou - E lindo.

            Sophie segurou-se para não fazer uma careta.

– Eles são vizinhos e se conhecem desde criança - completou Kevin - Você devia ir lá falar com ele! Tem vários amigos do seu clube de matemática!

– Eu nem saberia o que dizer... Fico nervosa perto dele.

– Não devia! Ele gosta de você! - insistiu Kevin.

– Não gosta não. Ele é demais para mim... Ele é lindo e eu sou só uma gorda estranha - disse decepcionada.

– Claro que não! - disse Sophie de forma efusiva e então olhando nos olhos de Claire completou - Você é linda! Você que é demais para ele.

– Você só está dizendo isso porque é minha amiga - falou sem graça.

– Não é verdade - e então Sophie colocou sua mão sobre a de Claire - Eu estou falando sério! Você é linda! Qualquer pessoa seria sortuda por estar com você e se ele não vê isso, ele que perde.

            Kevin olhou a cena intrigado e eles trocaram de assunto. Ficaram conversando e rindo por mais uma hora até que Fred apareceu na mesa.

– Oi, Claire, tudo bem? - perguntou.

– Tudo sim - ela falou sem graça.

– Estou indo para casa. Você quer uma carona? - ofereceu.

– Claro - ela confirmou e se despediu dos amigos.

            Kevin deu um último olhar encorajador para amiga e assim que ela saiu, percebeu o olhar incomodado de Sophie que tomava o segundo milkshake da noite.

– Claire gosta mesmo daquele cara né? - perguntou e Kevin fez que sim.

– Desde que eu consigo me lembrar. Por que pergunta?

– Por nada - respondeu ficando em silêncio, mas Kevin já havia reparado.

– Você gosta dela! - falou sorrindo.

– Não, eu não gosto - Sophie tentou negar em vão, Kevin continuou encarando-a e ela finalmente admitiu - Está bem... Sim, eu gosto dela. Acha que dei muito mole? - perguntou preocupada achando que Claire poderia ter reparado.

– Não, eu nem desconfiava antes do Fred aparecer! Mas agora ficou um pouco óbvio...

– Acha que ela reparou?

– Não mesmo! A Claire nunca repara nessas coisas. Ela tem uma autoestima muito baixa e nunca acha que alguém pode gostar dela.

– Isso é ridículo... Ela é linda! Devia saber disso...

            Kevin observou-a mais profundamente antes de falar surpreso.

– Você está apaixonada por ela mesmo!

– Não exagera - Sophie tentou disfarçar - Ela é totalmente hétero mesmo?

– É sim... - falou Kevin com cuidado - Pelo menos até onde eu sei.

            Sophie colocou as mãos no rosto.

– Por que eu sempre me apaixono pelas héteros? - disse desolada.

– Sinto muito... Mas aqui em Greatdale nós não temos muita opção. Provavelmente somos os únicos gays jovens fora do armário.

– Nessas horas eu sinto saudades de Philadelphia - ela falou.

– Você tinha namorada lá?

– Não. Na verdade eu só tive uma namorada séria há alguns anos atrás mas ela terminou comigo para ficar com uma menina da escola dela. Estudávamos em lugares diferentes e ela era do meu time de flag. Depois disso nada sério... Eu estudava em uma escola particular cheia de gente conservadora e não tinha ninguém além de mim fora do armário.

– Bem familiar... - comentou Kevin.

– Eu até atraía um pouco de atenção de umas meninas curiosas ou lésbicas no armário, sei lá. Mas claro que ninguém nunca queria assumir um relacionamento.

– E você sempre se machucava - falou Kevin.

            Ele estava certo. Sophie era muito segura de si e adorava flertar com as meninas, mas quando se tratava de se apaixonar, ela era totalmente diferente. Ficava sempre boba, insegura e se entregava demais e muito rápido. Sempre se machucava.

– Minha realidade lá naquela escola nem era tão diferente daqui, mas lá eu tinha um mundo fora, sabe? Tinha o meu time, um grupo de amigos, lugares gays para ir...

– Já aqui não tem nada disso.

– Tem você - Sophie sorriu - E muito bom ter alguém que me entenda.

– Digo o mesmo! Eu amo a Claire, mas ela tem os amigos nerds dela e não entende a maioria das coisas que eu passo. Nem éramos amigos até o final do ano passado quando fizemos um trabalho da escola juntos, eu também era invisível para ela antes disso.

– Sei como é isso. Meus melhores amigos em Philly eram hétero e também não entendiam muito bem o que eu passava - e então completou em tom de brincadeira - Pode parecer meloso e não conta que eu disse isso, mas é bom finalmente ter um melhor amigo.

– Ah, que fofa - ele brincou e depois completou sério - Digo o mesmo - e distraído pensou alto - Eu senti falta de ter uma melhor amiga.

– Quem era sua melhor amiga? - perguntou e percebeu Kevin ficar incomodado.

– Ninguém - tentou disfarçar, mas Sophie já desconfiava.

– Era a Quinn né?

            Kevin balançou a cabeça que sim.

– E aí ela te magoou como a Claire falou? - perguntou e percebeu que ele ficou mais sério ainda.

– Não foi exatamente aquilo que aconteceu, mas eu não gosto de falar sobre isso.

– Vamos lá, Kevin! Pode confiar em mim! Somos melhores amigos agora - insistiu e brincando fez um coraçãozinho com a mão para que ele risse.

– Tudo bem! Eu te conto, mas você tem que prometer que não vai falar disso para ninguém! Nem para Claire.

– Prometo!

            Kevin olhou para os lados e observou Quinn beijando Matt em outra mesa. Falou com Sophie para saírem dali que ele contaria. Os dois pagaram a conta e saíram andando pela cidade. Quando chegaram na praça principal, que estava praticamente vazia, ele começou o relato.

– Não é culpa da Quinn - disse sentido - Éramos melhores amigos desde criança. Ela sabia tudo sobre mim e eu sabia tudo sobre ela. Ela não é homofóbica como a Claire acha, muito pelo contrário! Ela foi a primeira pessoa para quem eu me assumi quando tínhamos dez anos e ela foi perfeita - sorriu com a lembrança - Ela me deu todo o apoio possível e até me ajudou a contar para a minha mãe. Ela não deixava ninguém me tratar mal! Éramos inseparáveis!

– E o que aconteceu?

– Ninguém sabe disso, mas a mãe da Quinn é alcoólatra. E é abusiva...

            Sophie arregalou os olhos.

– Elas vivem sozinhas?

– Sim, Quinn é filha única e o pai abandonou elas há anos. Ele tem outra família e paga pensão, mas nem sequer manda um cartão de Natal. Ela não fala com ele desde que tinha nove anos.

– Eu nunca imaginaria isso.

– Ninguém imagina porque a Quinn não quer que ninguém saiba. Principalmente da mãe dela! Ela é horrível! Lembro dela batendo na Quinn desde que éramos crianças.

– Como ninguém nunca reparou nisso? - Sophie perguntou indignada.

– Ela é uma alcoólatra funcional, disfarça muito bem quando está na frente dos outros, mas em casa ela é outra pessoa! E ela é muito imprevisível, lembro que tinham dias que ela era super normal e aí do nada ela surtava!

– E ela nunca tentou parar de beber?

– Várias vezes, mas nunca durava mais de alguns meses. E quando ela tinha uma recaída era sempre pior. A Quinn às vezes passava dias lá em casa.

– Isso é terrível!

– Ela só demonstrava afeto quando a Quinn fazia o que ela queria. E ela sempre viveu a vida dela através da vida da filha. Quinn sempre precisou ser a menina popular, linda, perfeita! Sempre que ela fazia algo que a mãe não gostava, seja o que fosse, ela apanhava.

– Você acha que isso acontece até hoje? - Sophie perguntou preocupada.

– Com certeza! Mas ela nunca faz em nenhum lugar que deixe uma marca visível. Nada pode interferir na aparência perfeita da Quinn, claro.

– Então ela se afastou de você porque precisava ser popular para a mãe não surtar e não podia ter um amigo gay - deduziu.

– Não... - Kevin abaixou a cabeça envergonhado - No verão antes de começarmos o High School a mãe dela veio falar comigo e disse que eu nunca mais poderia falar com a Quinn. Que ela não podia ter um amigo gay no High School e ser popular. Eu não queria! - ele tentou justificar - Mas ela me ameaçou e falou que bateria todo dia na Quinn se ela continuasse falando comigo.

– Isso é loucura! - Sophie exclamou surpresa.

– Eu era muito novo e eu morria de medo dela desde que éramos pequenos! Eu obedeci...

– A Quinn sabe disso?

– Não, a mãe dela disse que eu não podia falar para ninguém. Eu simplesmente me afastei sem falar nada. Ela tentou falar comigo o verão inteiro e eu simplesmente ignorei ela. Até fiz algumas grosserias para ela não me procurar mais. Aí quando começamos no King High ela estava muito magoada comigo e todos assumiram que ela que se afastou por eu ser gay. Eu nunca desmenti nem ela - e então perdido em sua mente completou - E aí eu perdi a minha melhor amiga e ela virou a Rainha de Gelo do King High.

– Caramba - Sophie colocou os braços carinhosamente ao redor dos ombros do amigo - Eu sinto muito.

– Eu nunca contei isso para ninguém.

– Eu acho que você devia contar para a Quinn.

– Não... já passou muito tempo. Ela nem deve ligar mais para isso - ele disse triste.

– Não importa! Acho que ela merece saber a verdade, mas não se preocupa. Eu não vou contar para ninguém. A decisão é sua, só pensa nisso.

            Kevin ficou alguns minutos em silêncio pensando e os dois acabaram mudando de assunto e conversando sobre coisas em comum que viveram por serem gays. Só voltaram para casa depois de horas, já bem tarde da madrugada, felizes por terem se encontrado.

Fim do capítulo