Petrópolis
Isabel
Eu acabei decidindo passar a semana na capital. Estava cheia de compromissos e algumas compras que precisava fazer para a fazenda. Juntei o útil ao agradável. Passaria todas as noites com Carmen. Visitei algumas pessoas importantes, tive diversos almoços chatos e em cada compromisso, eu a queria comigo. Reparava que alguns amigos por vezes levavam as esposas e senti falta de alguém ao meu lado, mais precisamente da espanhola. Uma grande loucura da minha cabeça pensar nela como minha mulher, fazendo o papel de Baronesa ao meu lado. Eu adorava imaginá–la nessa posição, mas segundos depois a realidade sempre me caia de forma brutal. Carmen nunca aceitaria essa vida, ela já me disse diversas vezes que amava a vida que levava no bordel e também não sei como a sociedade encararia meu casamento com uma mulher da noite, ainda mais sendo tão conhecida como Carmen era.
Estava dentro da carruagem rumo ao bordel com essas ideias na minha cabeça. A cada dia o sentimento crescia mais e eu a queria comigo o tempo todo. Cheguei um pouco cedo, ela estava perto do bar bebendo. Assim que me viu, foi ao meu encontro.
– Boa noite, Carmen! – disse beijando sua mão. Ela enlaçou seu braço no meu e desfilou comigo pelo salão sorrindo sempre.
Era uma mulher de pessoas importantes, era visível como gostava de exibir seus troféus, mesmo eu já sabendo do sentimento dela por mim.
Assim que entramos em seu quarto, pela primeira vez nos permitimos apreciar uma boa conversa antes de tudo. Ela me colocou sentada na cama e se ajoelhou atrás de mim, fazendo uma massagem.
– Está tensa… – disse apertando meus ombros.
– Muita coisa para resolver… Agora com a junção das duas fazendas meu trabalho triplicou. – disse suspirando com seu toque.
– Estoy muy feliz por ti, Isabel! – Beijou meus ombros.
– Obrigada, Carmen! – puxei ela para o meu colo e sorri com o grito de surpresa que deu.
– ¡Su loca! – disse aproximando sua boca da minha e unindo nossos lábios. – Quanto tempo ficará dessa vez?
– Uma semana. – Ela suspirou.
– Tão pouco… – Disse um pouco desanimada.
– Não fique assim… Prometo não demorar tanto para voltar! – A beijei novamente. – Tu adoraria a fazenda… – Falei sem pensar.
Ela se ajeitou no meu colo.
– Creio que sí! – disse.
– A casa da antiga fazenda é imensa! Tem um jardim com belas rosas vermelhas… – Ela sorriu sonhadora.
– O que mais? – Relaxou um pouco.
– No final da tarde sempre me sento na varanda para ver o pôr do sol… Ficaria encantada!
– Certamente que sim… – disse se levantando e fingindo fazer algo na sua penteadeira.
Eu notei que ela queria escutar tudo, mas também se afastava.
– Enfim… Agora são duas vezes mais empregados para administrar, eu confesso que ando meio perdida.
Me olhava orgulhosa.
– Fiquei sabendo em algumas conversas, que a senhorita Baronesa libertou todos os seus escravos! – Se aproximou novamente e fez um carinho no meu rosto. – Acho que esto es plausible, Isabel! Eres una persona con un gran corazón! Las personas, no son objetos e nem propriedades de ninguém! – disse me fazendo sorrir. Carmen sempre me surpreendia.
Não falamos mais, só nos amamos o restante da noite, até que o dia nasceu. Deixei novamente um bilhete na cabeceira da sua cama, prometendo voltar a noite e roubei um beijo antes de sair.
Cheguei por volta das nove horas da manhã a minha casa. Meu dia estava cheio novamente. Mas hoje ia parar e tomar café. Minha refeição predileta do dia. Depois do banho desci e escutei risadas vindo da sala de jantar. Quando me aproximei Lucília e Amanda estavam rindo e conversando e demoraram a notar minha presença ali.
– Bom dia, Isabel – Amanda disse se levantando.
– Nem notamos que estava aí, Isabel! – Lucília disse se desculpando.
Apenas acenei com a cabeça e me sentei na ponta da mesa.
Tomamos café às três, as duas mulheres não paravam de falar e eu ali calada com o pensamento em Carmen. Olhei para o cenário à minha frente, do meu lado direito Lucília e do lado esquerdo Amanda. Se casasse de fato com a menina, seria essa minha vida. Olhei bem para Amanda. Ela era bonita, isso não podia negar. Ela notou que eu estava encarando e pegou na minha mão, entrelaçando seus dedos nos meus, não parou um minuto de falar com Lucília. Olhei para nossas mãos unidas e quando voltei a olhar para o seu rosto, vi Carmen. Involuntariamente sorri largo. Ela apertou delicadamente minha mão e minha ilusão se desfez. Era Amanda que estava ali ao meu lado de mãos dadas comigo. Desfiz o sorriso e tirei devagar minha mão da sua.
– O que achou da minha atitude de libertar os escravos do antigo Barão, Amanda? – Perguntei. As duas me olharam sem entender.
– O quê? – Amanda disse rindo.
– O que achou da minha atitude de libertar os escravos do antigo Barão? – Repeti naturalmente.
Ela olhou para Lucília, que tinha a feição neutra. Depois me olhou de novo e riu.
– Meu pai acha que você errou nesse ponto e perderá bastante dinheiro! – Disse me fazendo revirar os olhos.
– Estou te perguntando, não ao crápula do seu pai, que não me surpreende em nada essa opinião!
Ela fechou a cara por um momento.
– Não gosto quando fala assim do meu pai… – Se calou esperando que fosse me desculpar, mas não o fiz. – Melhor eu ir para casa! – disse se levantando. – Com licença! – Amanda se retirou e levantei para ir atrás dela.
– Por que saiu sem me responder?! – Ela se virou me encarando.
– Já disse que não gosto quando fala do meu pai daquele jeito!
– Seu pai é um crápula por vários motivos, Amanda! E esse pensamento mesquinho dele só confirma mais essa minha teoria.
– Papai é um homem de negócios, pensou como qualquer um na sua posição! – disse irritada.
– Deve ser por isso que faliu! – respondi impaciente.
Ela estava vermelha de raiva.
– Isabel, chega! – Lucília disse aparecendo na sala. – O que quer com isso?
Olhei para as duas.
– Acha que não sei que as duas ficam confabulando para que eu peça Amanda em casamento. – Me olharam surpresas. – Foi somente uma pergunta simples… A futura Baronesa precisa conversar sobre assuntos além de vestidos e festas!
Amanda já estava irritada e como pensei não aguentou a pressão.
– Eu acho uma fraqueza esse tipo de atitude sua, Isabel! São escravos somente, todos tem no Império! Eu simplesmente não entendo!– disse despejando o que realmente pensava.
Sorri fraco para ela não estava nem um pouco surpresa.
– E é por esse e outros motivos, Amanda… – Disse alto para Lucília também ouvir. – Que você não terá meu título e nem meu nome! – Virei as costas e subi as escadas sem olhar para trás, escutava o longe seu choro e reclamações para Lucília.
Carmen era a mulher que deveria ficar ao meu lado e aquela cena a pouco só me deu a coragem que precisava.
Quando voltei à sala a casa estava silenciosa. Peguei a carruagem e fui até o bordel ainda de dia. Meus compromissos que esperassem.
Entrei na casa vazia e silenciosa, tão diferente de como era a noite. Margot estava sentada com algumas meninas ao seu redor.
– Isabel! – disse surpresa. – Aconteceu alguma coisa?
– Preciso falar com Carmen!
Ela se levantou e veio ao meu encontro.
– Ainda está no quarto. Estás bem? – Me olhou preocupada.
– Melhor do que nunca! Posso ir até seu quarto? – Ela ficou pensativa e acenou com a cabeça.
Subi as escadas correndo e bati de leve na porta.
– Entra! – Escutei sua voz e meu coração acelerou. – Isabel! – Disse assustada. – O que faz aqui a essa hora? ¿Estás bien? – Assim como Margot ela me olhava com um misto de surpresa e preocupação.
– Eu tenho um chalé em Petrópolis, faz tempo que não vou até lá… – Ela arregalou os olhos surpresa. – Tu aceita ir até lá comigo? Passar dois dias no máximo, eu prometo! – Fechou um pouco o semblante.
– Isabel, sabe que não posso me afastar daqui… Tenho meus compromisso e Margot não olharia com bons olhos…
– Margot, é o problema?! Vamos resolver isso então! – Puxei Carmen pela mão até o salão.
Margot, novamente me encarou curiosa.
– Podemos conversar? – Ela nos levou até seu escritório e assim que fechou a porta falei.
– Quero levar Carmen, para passar alguns dias na serra comigo… Teria algum problema?
A espanhola estava estática parada perto da porta e Margot olhava para ela e depois para mim, repetidas vezes.
– Eu pagarei bem por todos os dias, não se preocupe! – Pela primeira vez me doeu dizer isso.
Margot dirigia um olhar enigmático para Carmen. Parecia que as duas estavam em uma conversa silenciosa.
– Por mim não terá problema! – Disse suspirando. – Se Carmen concordar…
Olhei para Carmen, que estava sem saber o que dizer. Ela me olhou e vi o quanto estava em conflito, mas, por fim, concordou.
Me aproximei, mas Margot falou um pouco séria.
– Antes de irem, quero conversar com Carmen. – Concordei e saí do escritório deixando as duas a sós.
Esperei no seu quarto e algum tempo depois ela apareceu. Estava em um misto de alegria e hesitação. Fez as malas em silêncio e saímos sob o olhar de toda a casa. Abri a porta da carruagem para ela, que sentou ao meu lado e só ali me beijou.
Passei em casa somente para pegar algumas roupas e utensílios, já que no chalé tinha tudo. Carmen olhava admirada à minha casa.
– Gostaria de entrar? – Via o quanto estava receosa.
– Acho melhor não, Isabel… Quizás en otra ocasión, pero es una casa muy bonita. – Elogiou o bom gosto da propriedade.
Foram algumas horas de viagem, com ela aninhada nos meus braços, sem nada falar. Chegamos a noite em Petrópolis.
– Seu chalé?! – Disse admirada. – ¡Esto parece un palacio, Baronesa!
Entrei com ela grudada nos meus braços. Os empregados da casa olharam curiosos para Carmen.
– Boa noite! – disse a todos. – Essa é a senhorita Carmen, uma amiga do Rio de Janeiro, peço a todos que sejam gentis e atendam seus pedidos. – Sorriu.
Ela poderia não estar certa daquela viagem, mas sei que gostava de ser paparicada e de atenção.
Com a lareira acesa e um vinho do nosso lado, passamos ali uma das melhores noites que tivemos juntas. Amei Carmen, como queria amá–la todos os dias da minha vida. Foi a primeira vez que acordamos juntas, sem que eu precisasse ir embora correndo pela manhã e foi maravilhoso.
– Bom dia… – Acordei Carmen com beijos pelo seu pescoço. Ela riu.
– ¡Buen día, Isabel! – Falou me abraçando.
– Tem um jardim maravilhoso aqui na casa com uma mesa de café nos aguardando, gostaria de tomar café comigo? – Ela se espreguiçou e me beijou de novo. Aquela Carmen confusa de ontem, não estava mais ali. Ela parecia muito mais relaxada. Acho que se permitiu aproveitar aqueles momentos.
– Adoraria! – Se levantou e vestiu algo mais leve.
Foi diferente vê–la com um vestido que não fosse de festa. Carmen estava radiante e só reforçou mais ainda minha certeza no pedido que faria.
Sentei na cama admirando a mulher a minha frente. Ela ajeitava o vestido em frente ao espelho e algo me intrigava desde a noite passada. Carmen estava diferente, não sabia dizer ao certo o que era, mas algo em seu corpo havia mudado. Seus seios estavam um pouco maiores e inchados.
– Estás diferente! – Ela me olhou pelo espelho.
– Como assim?
– Não se explicar, mas ontem a noite enquanto fazíamos amor eu notei seus seios maiores e seu rosto… – Ela levou a mão até os seios e em seguida ao rosto me olhando apreensiva – Está mais iluminada! – Disse por fim.
Carmen não me encarou. Apenas se olhava no espelho e via em seu olhar uma certa preocupação. Levantei da cama e sai, tinha notado que precisava ficar um pouco sozinha.
– Vou te esperar na sala… – Ela concordou.
Quando sai do quarto tirei do bolso o anel de casamento que pertenceu a minha mãe. Esse anel era uma herança de família, esteve no dedo de todas as Baronesas da família Albuquerque de Castro e quando minha mãe faleceu meu pai me entregou aquele anel. Agora estava preste a fazer o pedido que mudaria minha vida e desejava com todo o meu coração que a futura Baronesa a usá–lo fosse Carmen.
Minutos depois saímos da casa em direção ao jardim, nos sentamos na mesa que estava preparada para nós duas e que nos dava uma bela visão das montanhas da serra. O sol cobria boa parte do jardim, mas não era quente. Quando terminamos o café saímos para andar pela propriedade.
– É realmente lindo aqui! Passei alguns dias aqui em Petrópolis, quando usted estava na fazenda.
– Com quem? – Perguntei com ciúmes.
Ela riu e revirou os olhos.
– ¡Sola, Isabel! Margot tem uma casa aqui… – Continuamos a caminhar.
– Não tem vontade de morar em um lugar como este? – Perguntei receosa.
Ela não respondeu de imediato.
– Talvez um dia… – Disse suspirando.
Parei de andar e fiz ela se sentar ao meu lado em um banco.
– Carmen… Eu lhe trouxe aqui porque queria passar um tempo só contigo! – Ela sorriu. – Eu não sei o que fez com a minha cabeça, mas não consigo parar de pensar em ti! – Carmen não me encarava. – Eu… Eu te amo! – Disse de uma vez antes que perdesse a coragem.
Ela tentou se afastar, mas segurei em sua mão.
– Não fuja! – Pedi e ela me encarou. – Sei que também me ama…
Ela suspirou e concordou de leve com a cabeça.
– ¡No me hagas esto, Isabel! – Disse de olhos fechados.
– Não quero mais ter que pagar para ter um tempo contigo ou para te ter somente para mim…
– Por favor, Isabel! No… – Segurei em sua mãos.
– Eu quero você comigo todos os dias, acordar ao seu lado e ter uma vida inteira para satisfazer seus caprichos e sonhos… – Ela sorriu, mas vi que também estava triste. – Casa comigo, Carmen? – Levei minha mão ao bolso da calça para pegar o anel mas a mulher se soltou e correu até o canto do jardim vomitando todo nosso café da manhã.
– Tu estás bem? – disse preocupada.
– Me leve de volta a capital, Isabel! – Carmen limpou o canto da boca e virou as costas.
Fim do capítulo
Comentar este capítulo:
Cacavit
Em: 05/10/2020
Ai Caramba!!!
Dios mio!!!
Madre de dios!!!
Olá autoras!!!!
Saindo da moita para lhes dizer que essa estória é sensacional e a escrita muito boa, mergulhar nessa estoria é magnífico!!!
Gratidão por compartilhar!
Obrigada!!.
Resposta do autor:
Que bom que gostou!! Ficamos felizes!!
Bjos
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