Canción
CARMEN
Acordei naquele dia eram quase dez da manhã, procurei sua presença assim que meus olhos se abriram, mas percebi que Isabel não estava mais no quarto. Suspirei. Eu gostava de gastar o tempo com ela. Gostava tanto que não via as horas passarem, também não me dei conta que nossas noites passaram correndo e a cada madrugada calorosa que desfrutava de sua companhia, me sentia mais instigada à sua pessoa, mais atraída. Depois de tantas noites, passamos a nos conhecer um pouco mais. É a primeira vez que isso acontece comigo. Passei a ouvir suas histórias com um interesse que era novo para mim que sempre fui indiferente a tudo e todos. Eu goz*va de sua companhia para além da cama e não era para menos, a Baronesa era engraçada e ao mesmo tempo séria, era uma mulher muito discreta e transparente. Sua personalidade forte me servia de imã à curiosidade, via–se de longe que não mostrava os dentes para quase ninguém, mas ríamos bastante juntas. Quase sempre depois de nuas e exaustas enquanto contávamos algumas amenidades do dia a dia até adormecermos sem sentir.
Outra vez saí da cama sorridente e me fui ao banho, quando retornei percebi o bilhete que ela havia deixado. Sorri e suspirei de novo. Fiquei ansiosa para a noite.
Isabel me deixava estranha. Me fazia sentir frios no estômago incomuns quando seus olhos miravam os meus enquanto ela me possuía, me fazia suspirar ao sentir seus beijos delicados em meu corpo, me dava um prazer que ninguém conseguia. Eu não estava apaixonada, nem pretendia ficar, mas dizer que era indiferente a Baronesa seria uma tremenda mentira. Outro dia, quando se aproximou de mim em mais uma de suas insistentes tentativas de me beijar, quase me deixei levar e quebrar a minha segunda regra com aquela mulher. Segunda porque a primeira era não ser amante de ninguém e essa ela já tinha conseguido quebrar, mas precisaria me surpreender muito mais para conseguir um beijo na boca. Eu sou uma puta, mas tenho meus princípios.
Lógico que sai correndo na primeira hora da tarde e arrastei Margot e Luci comigo, Maria estava ocupada, não pode me acompanhar. Eu estava curiosa para saber qual era o meu presente. Quando cheguei nas costureiras, elas já sabiam do que se tratavam e ficaram de cochichos, mas eu sinceramente não me importava. Esperei alguns instantes, Margot se foi para o escritório junto com a Sandra, a dona da loja, as duas era amigas de longa data. Enquanto isso eu era bombardeada por perguntas sobre como era estar com uma mulher, eu gostava de Lúcia, mas fiquei irritada com tantos questionamentos.
– Se quer tanto saber, por que não se deita com alguma menina da casa? – respondi irritada.
– Desculpa, Carmen. – Pediu sem jeito.
Para melhorar a minha irritação, a costureira logo me chamou.
Quando vi o que a Baronesa tinha preparado para mim não pude evitar o enorme sorriso que surgiu em meus lábios. Eu tinha um novo vestido favorito. Isabel por vezes era apressada e durante esse tempo em que somos amantes, ela destruiu dois de meus vestidos mais caros. Se rasgasse esse, aí teríamos sérios problemas!
Ele era longo, mas justo, nada de armações e sua cor era de um vermelho intenso, desconfio que a escolha tenha sido feita pensando em meus lábios. Quando vesti ele se encaixava perfeitamente no meu quadril e realçava meus seios.
– Dios mio… – Eu estava deslumbrante e doida para usá–lo à noite.
Quando saímos da costureira ainda era cedo, apesar de Margot ter ficado horas de conversa com a dona da loja.
– Vamos à Cavé, meninas. – Convidou Margot.
– Vamos! – Concordei e Luci também.
A Casa Cavé é uma cafeteria magnífica, fora inaugurada há alguns anos, mas tudo ali era novo e de uma elegância sem tamanho. Um dos lugares mais frequentados pela elite carioca.
Assim que entrei, a primeira coisa que meus olhos viram foi uma mesa mais ao centro do salão, lá estava a mulher sentada em toda a sua elegância e postura imbatível, usava um terno caro e os cabelos muito bem presos em um rab* de cavalo. Em meu âmago, sorri. Isabel bebia uma xícara de chá, estava descontraída e descobri neste momento que ela chamava a minha atenção até assim. Uma loira à acompanhava e pelos sorrisos que ambas trocavam entendi que a Baronesa à cortejava.
Esqueci totalmente da minha descrição quando ela levantou os olhos e seu olhar encontrou o meu. Aqui eu quebrei mais uma regra com Isabel. Aproveitei que a mulher que a acompanhava estava de costas para a porta e pisquei para ela, com um sorriso que sabia que a deixaria sem jeito e é claro que eu estava certa. Discretamente me lançou um olhar de cima abaixo que quase me devorou e mordi os lábios. Ela também me desconcertava. Outra coisa nova para mim.
– Carmen… – Margot me olhava séria. – Não preciso nem dizer o quão errado é o que acabas de fazer, certo?
– Me desculpe… – Respondi com um ar de deboche, mas eu sabia que era errado e ela estava certa, é a reputação de seu bordel em jogo.
Nos sentamos e lógico que escolhi a cadeira que ficava de frente para a mesa da Baronesa, foi bom vê–la fora do bordel, ela era linda até concentrada em sua xícara de chá. A loira que a acompanhava se retirou até uma mesa próxima onde outras duas meninas da mesma idade que ela bebericavam uma xícara de chá, Isabel chamou o garçom, escreveu algo em um guardanapo de papel e discretamente apontou para mim. O rapaz vinha a mim e ela me encarava profundamente até ser interrompida pela mulherzinha irritante que retornou a mesa.
“Me surpreende a tua ousadia, Carmen. O que só me faz querê–la mais. Aguarde o castigo mais tarde.
Ps.: Gostou do presente?
Está linda!”
Fiquei sorrindo com aquele ato, geralmente eu fingia que não conhecia meus clientes e quando era ousada com algum deles voltavam ao bordel só para fazer um escândalo, era irritante a covardia dos homens.
Observei que Luci e Margot estavam concentradas em uma conversa e discretamente escrevi atrás do papel. Orientei que o garçom levasse uma dose de uísque para a mulher e fosse discreto ele estava acostumado com esse tipo de coisas.
“Espero ansiosamente pelo teu castigo, Baronesa.
Ps.: Adorei o presente, usarei para a senhorita hoje a noite.
Estás linda assim, toda arrumada para cortejar uma mulher.”
Lógico que eu deixaria minha marca como uma assinatura, por isso deixei a tintura vermelha do meu batom marcada com um beijo no canto do pequeno guardanapo, deixaria a mesma marca nela logo mais. Observei atentamente os passos do garçom e ele deixou a bebida na mesa e disfarçadamente entregou o bilhete em suas mãos que esperavam a resposta ansiosas sobre seus joelhos, guardou–o na carteira antes mesmo de ler. Me olhou uma última vez e eu sorri.
Fiquei perdida em meus pensamentos enquanto Luci e Margot tagarelavam. Percebi que era engraçado como os homens ficavam apavorados com a nossa presença e as mulheres quase morriam de ódio e isso me fez rir. Só uma coisa ali, naquela tarde na Cavé, me incomodou profundamente e talvez eu nem precise dizer que foi o fato de ver Isabel com outra mulher e sentir um pequeno incomodo com isso. Em silêncio e mergulhada em meus pensamentos lembrei de nossos momentos em meu quarto, já perdi as contas de quantas vezes estivemos juntas e não gostei de pensar que ela faria com essa mulher as coisas que nós duas fazíamos. Bufei irritada comigo mesma. Definitivamente não sei onde eu estou com a cabeça.
A tarde passou sem maiores emoções, mas o bom humor que estava mais cedo foi embora depois de ver a Baronesa cortejando a loira que mais tarde descobri ser filha de um comerciante falido. Agora sim a raiva que senti a tarde quase me consumia. Eu sinceramente não entendi qual o problema de ver um cliente cortejando uma mulher, isso era praticamente rotineiro e acho que só aí me dei conta de que Isabel já não era mais um cliente qualquer e cortejar uma mulherzinha sem sal que nem agregaria nada ao seu título me fez deduzir que talvez ela estivesse mesmo apaixonada e isso me incomodou, mas deixei de lado, eu não tinha o direito de sentir nada por ela.
Olhei–me no espelho e eu estava maravilhosa! Precisava enaltecer o bom gosto da Baronesa.
–Uau… – Maria entrou no meu quarto de boca aberta. – É o tal presente?
–Gostou? – Terminei de tingir meus lábios e pisquei para a mulher.
– Nossa, tu estás linda! É a tua noite, não?
– Sim…
– O palco é todo teu! – Disse saindo.
Haviam apresentações no bordel em alguns dias da semana e hoje era o meu dia, o que significava casa cheia. Desci as escadas mais cedo e aguardei a casa abrir em um camarim que ficava atrás do palco. Eu amava cantar e as quartas–feiras eram sem dúvidas o meu dia mais feliz da semana. Enchi uma taça de vinho, acendi meu cigarro e aguardei ali por algumas horas.
Assim que ouvi o pianista chamar o meu nome, caminhei tranquilamente até o local e esperei a cortina abrir de costas para a plateia, a melodia tranquila preencheu o salão e a cortina se abriu, sorri quando ouvi os suspiros de surpresa.
Sentei em um banco alto que havia ali e cantei uma música em espanhol. Apesar da melodia tranquila, era sensual e minha voz com o piano só deixava o ambiente transbordando de luxúria. Já quase no fim da música meus olhos encontraram Isabel, ela estava escorada no balcão bebericando uma dose de uísque. Vi desejo em seu olhar, mas dessa vez tinha mais, um quê de doçura quase poético. Vendo ao longe seus olhos negros brilhando em admiração, imediatamente recordei–me das estrelas que cobriam o céu na noite em que fui ao teatro, intocável, luminosa, distante, mas, ao mesmo tempo, no alcance de minhas mãos. Encarando–a enquanto cantava segurei um sorriso travesso, mas ele teimou em fugir dos meus lábios por um instante e a mulher balançou a cabeça sorrindo largo para mim.
A música acabou e eu subi direto para o quarto, encontrei a Baronesa sentada em minha cama com alguns botões da camisa aberto e uma das alças do suspensório caídas dos ombros.
Dios mío…
– Boa noite, Carmen. – Cumprimentou. – Gostou do presente?
– Boa notche, Baronesa. – Sorri maliciosa para ela – Sí, eu adorei e usted? Gostou de la canción?
– Sim… acho que podes começar a cantar para mim, eu vou adorar… – Isabel chegou perto e delicadamente mordeu meu pescoço. – Cheirosa!
Beijou–me os ombros e me deixou nua outra vez. Novamente nossos corpos se perderam noite a dentro entre gemid*s, nosso suor e seus toques quentes que me arrepiavam a pele. Quando caímos exaustas na cama, meus pensamentos me traíam e perdi–me repetidas vezes enquanto admirava aquela imensidão negra que eram os olhos de Isabel.
Fim do capítulo
E aí? huahuahau
Comentar este capítulo:
Rosa
Em: 08/01/2021
Essa história combina com as músicas de Bryan Adams: Have You Ever Really Loved A Woman? E Wicked Game de Chris Isaak. A primeira me lembra uma música cigana e combina com Carmen. A segunda é a visão de Isabel para Carmem.
Eu estou amando a história, é incrível!!
Resposta do autor:
Obrigada por ler, Rosa!! Ficamos contente que esteja gostando! Vou escutar as músicas!!
Bjoss
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