Capitulo 1
Em uma bela fazenda, no município de Campos de Goytacazes (RJ), morava Isaura, uma linda escrava de pele branca, cabelos castanhos ondulados estranhamente claros e olhos cativantes. Isaura era filha de uma bela escrava que infelizmente sujeitava-se aos sórdidos desejos do senhor comendador Almeida (dono da fazenda), sofrendo as mais terríveis provações. Esta escrava chamada Juliana, viveu um romance com o feitor Miguel que era um bom homem e certa vez não aceitou castigá-la como mandou o seu senhor, sendo Isaura fruto desse relacionamento. Miguel tentara por inúmeras vezes comprar a liberdade de sua amada, porém a maldade e desprezo do comendador, fez com que ele se negasse a vendê-la, obrigando-o a viver toda sua vida como seu empregado, para poder permanecer perto de Juliana e posteriormente de sua filha. Isaura perdeu a mãe no dia em que veio ao mundo, sendo criada e educada pela mulher do comendador, que ficara completamente encantada com a beleza do pequeno bebê escravo e branco. Isaura era dotada de natural bondade e candura, inteligente aprendeu a ler e escrever, a falar italiano, inglês e francês e ainda a tocar piano. A mulher do comendador tinha desejo de libertar Isaura, porém não o fazia para mantê-la em sua companhia, pois se sentia só, já que seu marido o comendador Almeida, era um homem rude, avarento e extremamente canalha.
O Comendador tinha um filho chamado Leôncio Almeida, um homem que herdara o gênio do pai, era mau caráter, corrupto, dominador e devasso, porém, dono de uma bela aparência. Leôncio vivia em Portugal desde muito jovem Isaura tinha apenas cinco anos quando isso aconteceu, havia mudando-se no intuito de estudar, coisa que jamais fez devido à vida depravada que levava, no entanto, obrigado pelo pai diante da ameaça de ser deserdado, Leôncio casou-se com uma bela brasileira de família nobre, um casamento arranjado com interesses financeiros o uniu a senhorita Malvina.
Após a morte da esposa do comendador, este se aposentou retirando-se para a corte, deixando a fazenda aos cuidados do filho, que depois o casamento com Malvina, retornou ao Brasil, principalmente para assumir sua herança.
Em seguida a morte da mulher do comendador, Isaura apesar de ter sentido a perda, estava em estado de êxtase, pois acreditava cegamente que o desejo de sua senhora seria cumprido, e ela então teria sua tão sonhada liberdade, foi um terrível engano acreditar nisso. Portanto, depois da partida do comendador da fazenda, ela ficara em alerta, pois ele não mencionara se seu filho a libertaria ou não, deixando-a ansiosa diante da chegada iminente de seu novo senhor.
Isaura jamais esqueceria o momento que os viu entrando pela porta principal (ou seria, que os vi entrando? Afinal essa é a minha história), minha vida mudara ali. Eu e os criados da casa grande aguardávamos enfileirados demonstrando educação e submissão aos novos senhores, eu estava entre, Miguel (meu pai, que hoje era peão da fazenda), Belchior (o jardineiro), Ana (governanta), Jurema (cozinheira), Inácia (arrumadeira) e Rosa (também arrumadeira).
Logo que notei a presença dos senhores na grande sala, levantei os olhos para analisar minuciosamente os patrões, acreditava que apenas Leôncio e sua esposa viriam, no entanto, havia mais um homem com eles.
-- Finalmente chegamos nesse fim de mundo!
O belo homem alto, de cabelos castanhos e olhos pretos que desabafara enquanto caminhava na direção de uma das poltronas, ignorou completamente a presença dos servos, demonstrando ser esnobe e arrogante de imediato. No entanto, o rapaz loiro e a mulher também loira, dirigiram-se até nós, sendo a mulher a primeira a se manifestar.
-- Boa tarde!
Todos cumprimentaram a senhora ainda de cabeças baixas, exceto por mim que estava encantada com a beleza e semelhança dos senhores a minha frente. A mulher era absurdamente linda, olhos verdes muito claros, numa mistura com cinza, cabelos ondulados num loiro muito "vivo", possuía um corpo muito bem feito, que estava bem delineado sob o espartilho que vestia. Mas o que mais me impressionara, era a forma que sorria e olhava nos olhos de todos os criados, de igual pra igual.
O rapaz que certamente era irmão da senhora, pois possuía os "mesmos" olhos, e os "mesmos" cabelos, também nos cumprimentou, aparentando ser tão simpático quanto sua irmã. A mulher prosseguiu.
-- Então! Eu me chamo Malvina, sou esposa de Leôncio, e esse é meu irmão Henrique! Poderiam se apresentar pra nós? Já que conviveremos diariamente a partir de hoje.
Seu sorriso era singelo, meigo, sua voz era doce ainda que rouca e extremamente calma, passava segurança a quem ouvia. Entreolhamo-nos, e então Ana tomou a palavra, já que era a governanta.
-- Me chamo Ana senhora, sou a governanta e estou a vosso dispor.
E assim sucessivamente a seguimos, também nos apresentando.
-- Me chamo Miguel, sou o capataz da fazenda e estou a vosso dispor!
-- Belchior senhora, o jardineiro a vosso dispor.
Todos se apresentaram restando apenas eu, estava intrigantemente nervosa, havia recebido a melhor educação possível, convivi com pessoas da alta sociedade, não entendia o porquê do nervosismo diante dos irmãos.
-- Isaura senhora, sua dama de companhia ao seu dispor!
Minhas palavras foram quase inaudíveis, já que as proferi olhando nos olhos da senhora, que sorria enquanto me observava atentamente.
-- Não sabia que teria uma dama!
Ela virou-se na direção do marido, que até aquele instante não havia nos olhado. Leôncio fumava um charuto estirado na poltrona, quando virou o rosto em nossa direção no momento que a esposa mencionou-me a ele. Vi seus olhos "caindo" sobre mim, no mesmo instante um arrepio percorreu meu corpo, não era uma sensação boa, fora uma espécie de calafrio, um mau presságio.
O senhor manteve-se calado por alguns instantes, apenas observando-me, vi seus olhos brilharem sinistramente, obrigando-me a desviar. Novamente a senhora voltou-se em minha direção e prosseguiu falando.
-- Pois bem! Já que és minha dama, gostaria que levasse-me para conhecer a casa e meus aposentos!
-- Sim senhora!
Só nesse instante que percebi que meu pai e Belchior carregavam as bagagens para o interior da casa, fiz um gesto para que a senhora seguisse pelo corredor, e assim a levei de cômodo em cômodo até chegar a seus aposentos.
-- Aqui é o quarto principal senhora, preparamos para vossa chegada!
-- É grande e de muito bom gosto. Adorei!
Mantive-me em silêncio enquanto a senhora observava cada centímetro do quarto, ela sorria feliz e encantada. Belchior bateu na porta, entrando logo em seguida com algumas bagagens, deixou-as no cômodo e saiu, foi quando a senhora aproximou-se de mim, tocando levemente em meu braço.
-- Ajuda-me a desfazer as malas? Enquanto isso podemos nos conhecer melhor!
Arrepiei-me, mas desta vez não como quando Leôncio olhou-me, desta vez fora algo intrigante, acatei seu desejo com um leve manear de cabeça, sentando-me ao seu lado no tapete felpudo que havia em frente à cama, para desfazer as bagagens.
Meu coração estava duelando, por um lado eu ansiava que o senhor me chamasse até seu escritório e desse-me a alforria, por outro lado, eu queria continuar ali e descobrir um pouco mais sobre aquelas pessoas. E pensar que eu teria essa oportunidade e seria desastroso.
Eu mal percebi as horas seguintes se passarem na companhia da minha nova senhora, ela era uma pessoa incrível, amável, culta e absolutamente encantadora.
-- Então, já falei muito de mim, agora me conte a sua história!
Estávamos ambas sentadas sobre a cama, nunca tive problemas com a falecida esposa do comendador em relação a isto, não sei se pelo fato de ser uma escrava branca, ou por ter sido "criada" por ela na "casa grande", mas diferente dos outros escravos, ninguém nunca se incomodara com minha presença, nem mesmo o tirano comendador Almeida.
-- Minha história é tão comum senhora, como tantas outras, nada em especial como a sua.
Ainda estava tímida com a presença e simpatia dela, não conseguia olhar o verde de seus olhos sem desviar rapidamente, era como se me penetrasse a alma.
-- A deixa disso! Aposto que tens coisas muito interessantes pra contar.
Sorri, arrumávamos as roupas que ela havia trago de Portugal enquanto conversávamos, ela me pareceu tão "boa pessoa", que resolvi contar-lhe um pouco de minha história, talvez ela fosse tão boa quanto minha antiga sinhá, e desse-me a alforria.
-- Então, minha mãe se chamava Juliana, era uma escrava mulata de uma fazenda vizinha, soube que fora comprada ainda muito jovem pelo comendador Almeida, logo ela se encantou pelo antigo capataz da fazenda que é meu pai, o senhor Miguel...
-- Aquele Miguel?
Malvina apontou para um lado qualquer, como se tentasse mostrar para papai que ela havia conhecido a pouco na sala.
-- Sim, ele mesmo. Meu pai Miguel, hoje é peão da fazenda, responsável por zelar dos animais e também auxilia nas tarefas da casa, quais não cabem as mulheres. Antigamente ele era capataz, ou feitor como todos por aqui dizem, ele não teve coragem de castigar minha mãe certo dia, perdoou-a e com isso conquistou seu coração. Sou fruto de um amor puro e verdadeiro, mesmo que clandestino, sou filha de uma escrava negra e um homem branco.
-- Que lindo! Eu já havia ouvido falar muito desse tal amor capaz de superar tudo, típico de livros, mas nunca tive o prazer de presenciar de perto.
Fiquei intrigada com a revelação de minha senhora, isso significava que o que ela vivia com o senhor Leôncio não era um romance, uma história de amor, provavelmente o casamento fora arranjado como quase todos daquela época. Mas o que mais a intrigava, era a vontade de conhecer um amor como o de livros, e não o de vivê-lo.
-- Não tem vontade de viver algo assim?
Imediatamente arrependi-me da ousadia, ela era uma mulher casada, e se não vivera aquilo com o esposo, definitivamente não viveria com ninguém, eu a havia desrespeitado com a pergunta, a tratado como uma mulher de vida fácil, dada a amores fugazes.
-- Perdoe-me senhora, não queria ofendê-la com minha ousadia.
Levantei-me da cama, recuando dois passos de cabeça baixa, esperando sua reação que não deveria ser boa, mas estava enganada.
-- Venha! Sente-se aqui!
Sua voz continuava suave, pausada, levantei os olhos o suficiente para ver o mesmo sorriso meigo no rosto, enquanto mostrava pra que me sentasse ao seu lado.
Obedeci-lhe, ainda constrangida pela ousadia, sentei-me ao seu lado sentindo suas mãos macias tocando as minhas, tive uma delas envolvida com ternura, enquanto outra de suas mãos tocava meu queixo fazendo encará-la.
-- Eu não sei como sua antiga senhora lhe tratava, não imagino como fora sua convivência durante todos esses anos com esta família. Mas garanto que não sou nenhuma tirana, muito pelo contrário, estou encantada com sua educação, cultura, sua história e principalmente com sua beleza. Não seria capaz de maltratar um ser assim tão encantador.
Arrepiei-me mais uma vez, só que dessa vez ela sentiu, pois estava me tocando. Percebi o sorriso no seu rosto aumentar e o brilho dos seus olhos ofuscarem-se, não sei qual fora o motivo, mas preferi não tentar entender.
-- Conte-me! Quantos anos têm?
-- Vinte e três, senhora!
E assim as horas se passaram, continuamos conversando e arrumando suas coisas, até que seu esposo entrou no quarto, e para minha tristeza eu estava sentada em sua cama.
-- Mas que diabos é isso?
Levantei-me num sobressalto, não sabia o porquê de sua reação explosiva, jamais havia passado por nada do gênero.
-- O que houve Leôncio?
-- Como o que houve? O que essa escrava faz em minha cama? Ela vem das senzalas Malvina, deve estar cheia de doenças!
Não consegui evitar, meus olhos marejaram tamanha humilhação que senti, jamais havia tido nenhuma restrição dentro da casa grande, nem mesmo por parte do comendador. Vi o nojo e desprezo nas feições do rosto do meu senhor, o odiei perante aquela atitude, mas tive que concordar com ele, aquele não era o meu lugar, desde antes de mudar-se para Portugal, ele deixava bem claro que não gostava de me ver ali sob o mesmo teto.
-- Leôncio! Ela vive na casa grande desde que sempre, você deveria saber disso! Afinal foi sua mãe quem a criou!
-- Não deixa de ser imunda! Minha mãe sempre foi uma louca, demente. Jamais aceitei o fato de ter me imposto à presença de um ser como esse.
-- Leôncio!
-- Cale-se Malvina! Eu sou o homem aqui!
-- Pois então aja como um. E outra Leôncio, se queria uma esposa submissa, deveria ter se casado com uma das criada, não comigo!
Até aquele momento acreditei que Malvina tentasse me defender, mas diante daquele comentário essa possibilidade dissipou-se. Senti minha face arder ainda mais humilhada diante dela, do que das ofensas de Leôncio. Minha mãe havia sofrido muito nas mãos do seu antigo senhor, antes de ser comprada pelo comendador, e este não ficara pra trás, violentando minha mãe diversas vezes, mesmo depois de ter se apaixonado por papai. O que mais me doía, era que minha mãe faleceu assim que me deu a luz, não pode sequer ver o fruto do seu único e verdadeiro amor, e ali estava eu, passando pelas coisas que ela deveria ter passado inúmeras vezes.
Assim que percebeu a frase que saíra de seus lábios, Malvina olhou-me intensamente, como quem se arrepende de algo que diz, no entanto, nada fez para concertar suas palavras, deixando evidente que toda sua educação não passara apenas disso, educação.
-- Vamos! Saia do meu quarto agora! E mande que uma das arrumadeiras venha imediatamente trocar a roupa de cama.
Engolindo todo meu orgulho, coloquei-me no meu lugar, acatando suas ordens.
-- Sim senhor! Com licença.
Deixei o quarto, assim como deixei as lágrimas rolarem pelo rosto, jamais havia sido humilhada de tal forma, aliás, jamais havia sido humilhada. Entrei na cozinha apressada, ali estavam Ana, Inácia, Jurema, Rosa e Belchior.
-- O que houve menina?
-- Nada Ana! Inácia, o senhor Leôncio quer que troque as roupas de cama do seu quarto imediatamente.
-- Mas eu troquei hoje pela manhã! Não foram usadas por ninguém!
-- Não questione Inácia! Vá e não deixe seu senhor esperando!
Obedecendo a ordem de Ana, a arrumadeira rumou para o quarto do casal, deixando-me com os demais criados. A essa altura já havia parado de chorar, enxugava as lágrimas com as mangas do vestido que usava, enquanto Belchior o jardineiro de aproximadamente 30 anos, simpático, mas desprovido de beleza, aproximou-se de mim.
-- O que houve minha flor?
-- Nada Belchior! Estou bem, foi apenas um cisco!
-- Nos dois olhos meu bem?
-- Sim Belchior! Nos dois.
Dei as costas a eles, deixando a cozinha rumo ao quartinho nos fundos da casa grande, onde vivi a vida toda. Joguei-me sobre a cama, deixando que o choro lavasse a alma, chorei por quase uma hora a fio, chorei por tudo que ficara entalado na garganta, por tudo que vivi a vida toda, por tudo que almejava viver e jamais poderia.
Exausta, me permite cair num sono profundo, acordando algumas horas depois, quando a noite já se fazia alta. Senti um leve afago nos cabelos, estava de olhos fechados e assim continuei crente que se tratava de Ana, ela era a pessoa que mais se preocupava comigo ali, além do meu pai.
A mão desceu para meu ombro numa leve carícia, se manteve ali por alguns instantes, sem fazer nenhum movimento apenas me tocando, apanhei a mão de "Ana" entre as minhas, apertando levemente como quem agradece o carinho e cuidado, levei sua mão até os lábios, depositando um beijo terno de agradecimento, quando inesperadamente senti o tremor na mão de "Ana".
Abri os olhos para certificar-me de que tudo estava bem com ela, quando surpreendentemente me deparo com olhos verdes donos de um brilho único, seu rosto lindo estava parcialmente iluminado pela vela que provavelmente ela trouxera consigo até ali. Sobressaltei-me soltando sua mão imediatamente, sentando na cama temendo uma reação negativa, reação essa que não veio.
Malvina continuou sentada na cama, apesar da pouca luz eu conseguia vê-la nitidamente, e o que via nos seus olhos e nas suas feições, me incomodaram, era como se ela tentasse desvendar-me.
Fiquei ali, feito um animal acuado no canto da cama, com uma imensa vontade de chorar novamente, já que sua presença trouxera as lembranças das humilhações sofridas a pouco, não conseguia falar, não conseguia me mover, apenas a observei esperando sua reação, ou sua "explosão".
No entanto, o que veio em seguida surtiu efeito, não sei dizer se fora um bom ou um mau efeito, mas a forma como ela aproximou-se de mim, tocando levemente meu rosto com a ponta dos dedos, fez com que todos os músculos do meu corpo retesassem, e um arrepio vigoroso se apoderasse de mim, não passando despercebido por minha senhora.
-- Eu, eu não queria dizer aquilo...
Fechei os olhos, não consegui sustentar o olhar já que o seu era intenso, me constrangia, me desnudava a alma, involuntariamente algumas lágrimas desceram pelo meu rosto, lembrei do meu senhor, lembrei dela, lembrei de minha mãe, estava confusa e definitivamente frágil.
Percebi que ela levantou-se da cama, acreditei que deixaria o quarto, mas estava enganada, ela deu a volta para poder ficar mais próxima de mim, senti seu corpo colando no meu, no instante que ela sentou-se as minhas costas, puxando meu corpo para que me deitasse no seu peito. Mais uma vez estremeci, temia aquele contato, se o senhor Leôncio havia tido aquela reação pelo simples fato de ter me sentado em sua cama, imagina o que ele faria se soubesse que me deitei no colo de sua esposa?
Aquela constatação inquietou-me, tentei desvencilhar-me de seus braços, que naquele momento rodeavam meu corpo, prendendo-me a ela.
-- Shiii! Não vou te fazer mal.
Aquela voz rouca e ao mesmo tempo doce me acalmou, por instantes me deixei esquecer de tudo que havia fora daqueles aposentos e me permiti aquele contato, aquele carinho tão, tão diferente.
Um de seus braços permanecia ao redor do meu corpo, enquanto sua mão livre acariciava meus cabelos, aquela situação parecia surreal, mas não quis pensar naquilo, não naquele momento.
-- Me desculpe, eu fui desagradável e preconceituosa, não é do meu feitio. Não penso daquela forma, falei aquelas coisas no calor do momento.
Mantive-me em silêncio, apenas ouvindo.
-- Meu marido é um homem de personalidade forte, pulso firme, um tanto retrógado. Tem visão limitada um temperamento explosivo, definitivamente é um homem difícil.
“Um monstro, racista, preconceituoso, ignorante e sem educação, aquilo não poderia ter saído da minha antiga senhora, ela era uma mulher e tanto.”
-- Não permitirei que ele te trate daquela forma novamente, aliás, ninguém vai te maltratar outra vez. Eu prometo!
Senti um beijo terno ser depositado sobre meus cabelos, para em seguida ela se levantar deixando com uma sensação de vazio?
-- Boa noite Isaura!
A porta se fechou, a luz se foi e eu senti frio. Mais uma vez deitei cobrindo-me, me encolhi em um canto qualquer da cama, com medo do que estaria por vir com a chegada dos novos senhores a fazenda.
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Levantei cedo no dia seguinte, precisava ajudar Ana em qualquer tarefa que ela precisasse, e ainda tínhamos que ficar apostos caso minha senhora requisitasse minha presença, afinal eu era sua dama.
O café da manhã fora rápido, pois deveríamos estar todos trabalhando quando os senhores despertassem, era assim a muitas gerações.
-- Bom dia Isaura!
-- Bom dia Belchior!
Sorri ao ver o jardineiro entrando na cozinha, onde naquele momento ajudava Jurema a preparar o café da manhã dos novos senhores. Belchior também sorrindo, aproximou-se de mim calmamente.
-- O cisco nos olhos não mais incomodaram, querida?
Sorri, interrompendo o contato de nossos olhos, Belchior era um homem sensível, sempre adivinhava quando algo não ia bem, mas naquele momento não queria falar com ninguém sobre o ocorrido.
-- Não! Não mais incomodaram.
-- Isaura? Temos que ir, sua senhora pode precisar de você.
-- Sim! Estou indo Ana, até mais Belchior.
Agradeci mentalmente a Ana, por ter me tirado daquela situação no mínimo desconfortável, com Belchior.
Jurema e eu servimos a mesa para o café da manhã dos senhores, ambas continuamos apostas próximas a mesma, assim como Ana. O senhor Leôncio fora o primeiro a chegar até a mesa, ignorando completamente o "bom dia", dado em uníssono. Minhas mãos transpiravam, alguns arrepios esporádicos balançavam meu corpo, não sabia se era nervosismo pela presença de meu senhor extremamente desagradável, ou a chegada iminente de minha senhora.
Portanto, minhas dúvidas, inseguranças e nervosismo, foram esclarecidas no exato momento em que minha senhora Malvina, adentrou na sala de jantar, esbanjando elegância, beleza, e sensualidade. Sensualidade?
Balancei a cabeça tentando dissipar a dúvida que pairou sobre meus pensamentos no momento que reparei no balançado dos quadris de minha senhora, aquilo fora pecaminoso no mínimo.
Malvina cumprimentou a todos, sentando-se logo em seguida ao lado do marido, sendo prontamente servida por Jurema. Fiquei ali de cabeça baixa, ainda que de soslaio procurasse vê-la, já não me lembrava da humilhação sofrida no dia anterior por parte do senhor Leôncio, e nem mesmo por parte dela, até porque sua visita em meu quarto perturbava-me num grau muito mais alto.
O café fora rápido, o senhor em momento algum dirigiu a palavra a esposa, tampouco aos serviçais, já a senhora apesar de ter se demorado um pouco mais na mesa, também se manteve em silêncio até o momento em que seu marido informou-a de que iria até a cidade, e não tinha hora pra voltar.
-- Isaura?
Arrepiei-me, estremeci, engoli em seco ao ouvir meu nome, sendo pronunciado por aquela voz baixa e rouca, e mais ainda ao vê-la procurar-me com os olhos, que eram de um verde magnífico.
-- Si-sim senhora.
Dei um passo a frente, ficando completamente "exposta" aos seus olhos. Ela sorriu levemente, apenas um sorriso de canto, mas ainda assim era um sorriso, que a deixava ainda mais linda que era. Mais uma vez recriminei meus próprios pensamentos, apertando o maxilar como se isso fosse me impedir de ter aqueles devaneios absurdos.
-- Gostaria de conhecer a fazenda, toda a extensão da propriedade, assim como ontem que me mostrastes o casarão, gostaria que me levasse pra dar um passeio por aí.
-- Sim se-senhora.
-- Perfeito!
Mais uma vez ela sorriu, só que dessa vez fora um sorriso de verdade, daqueles que expõem todos os "dentes da boca", daqueles que "iluminam" a casa toda. Senti a face queimar, certamente estava rubra pelo constrangimento passado, mas afinal, qual era o motivo do constrangimento mesmo?
-- Bom dia!
Meus pensamentos foram interrompidos pela entrada abrupta do senhor Henrique, eu sequer lembrava-me de sua presença na casa grande, ou seria de sua existência?
Henrique beijou carinhosamente o topo da cabeça da irmã, sentando-se ao seu lado logo em seguida.
-- E então?! Gostou de sua nova casa irmã?
-- Sim, a casa eu simplesmente amei, mais gostaria de conhecer o resto da propriedade, falava sobre isso nesse exato momento, Isaura me acompanhará em um passeio.
Os olhos do senhor Henrique "caíram" pela primeira vez naquele dia em cima de mim, fazendo com que pela segunda vez naquela manhã, minhas faces ardessem de constrangimento.
-- Ow que pena, não poderei acompanhar as damas mais belas de Campos de Goytacazes no passeio, prometi a Leôncio que o acompanharia até a cidade, para que conhecêssemos a mesma, já que é a minha primeira vez por aqui e Leôncio fora embora á muitos anos.
-- Acho que perdestes a companhia irmão, Leôncio acabou de sair para a cidade, dormistes muito.
-- Oh, realmente. Mas ele deveria ter me esperado, já que fora um convite dele.
-- Você é quem deveria ter acordado cedo Henrique!
-- Hunf! Pelo menos poderei acompanhá-las no passeio.
Mais uma vez senti o peso do seu olhar sobre mim, no entanto, o de Malvina fora ainda mais intenso, havia um "Q" de irritação, ou seria desconforto?
-- Acho melhor você ir ao encontro de Leôncio irmão, ele não deve estar satisfeito com sua irresponsabilidade.
-- Será?
-- Certamente. Terá outras oportunidades para passear pela fazenda.
-- Tens razão, meu cunhado não irá se agradar se não for. Bom, então até mais tarde senhoras.
Logo após fazer um gesto galante com o chapéu, Henrique apanhou uma maçã sobre a mesa, e deixou a casa grande rumo à cidade. Malvina lançou-me um olhar inquisidor, o qual não entendi minimamente, pronunciando logo em seguida.
-- Vou vestir algo mais agradável para o passeio, aguarde-me na varanda.
Assenti um tanto receosa com o que estaria por vir, e o que veio, definitivamente me surpreendeu.
Fim do capítulo
Agradeço antecipadamente a quem ler a minha história. Um beijo grande, e espero que comentem caso gostem, o apoio definitivamente nos inspira a continuar. Até breve.
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Vanderly
Em: 04/06/2020
Olá!
Comecei a ler essa história hoje espero quê dê continuidade.
Já li o romance é bem interessante que a retrata é bem interessante. Salvo o engano é do Bernardo Guimarães Escrito em 1875. Um clássico da literatura brasileira.
Gostei da adaptação.
Boa sorte!
Forte abraço.
Resposta do autor: Muito obrigada! Sou uma amante de clássicos desde o colegial. Mas com certeza continuarei. Obrigada pelo apoio. Beijos
millah
Em: 02/06/2020
Primeiramente,incrivel o seu trabalho, estava esperando algo do tipo a milenios!!!maravilhosa a ideia de adaptar essa historia,pra quem assistiu a novela acho que tem uma visão mais aberta e já familiar com os personagens e isso facilita muito na imersão e já estou ansiosa pela continuação.
Resposta do autor: Agradeço muitÃssimo pelo carinho. O mais breve possÃvel teremos atualização. Beijoos.
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