Capitulo 6.
Não passo de consequências, das quais tenho culpa da maioria. Talvez eu tivesse sofrido menos se não tivesse arriscado tanto. Os dados estão sempre rolando, me precipitei em querer levar tudo e acabei ficando sem nada. Nada mais sou do que um ser irracional. Olho ao meu redor e vejo que poderia ter sido melhor se eu não me prendesse tanto ao passado, mas continuo arriscando tudo nessa mesa de cassino, como se eu fosse forte o suficiente para levar isso até o final.
Meu corpo já não tinha posição certa na cama. Eu havia virado para todos os lados possíveis e, ainda assim, nada. Era uma mistura de desconforto, com ansiedade, com insônia. E, por mais pesado que o meu corpo estivesse, minha mente não desligava. Respirei fundo, inclinando o corpo para sentar na cama. Observei Juliana dormindo ao lado, e parecia calma, serena. Tanto que, por um momento, invejei. Há dias não conseguia descansar desse jeito.
Ela não percebeu quando levantei da cama, permaneceu na mesma posição. Eu precisava sair um pouco dali, precisava respirar. Me sentir comigo mesma de novo, como há muito tempo não sentia.
Abri a porta do quarto devagar para não acordá-la, e a fechei logo atrás de mim. O corredor estava escuro, e não ouvia nenhum barulho vindo de nenhum dos quartos, mas ainda assim, caminhei pelo corredor em passos leves para evitar acordar alguém. Mas na escada, já era um pouco mais difícil, os degraus rangiam levemente, talvez pela madeira já envelhecida. Observei a sala vazia e passei os olhos por cima da mesa de centro. As caixas de pizza e copos vazios ainda estavam ali.
Respirei fundo. Às vezes a mania de limpeza da minha mãe, me pegava que nem sentia.
Apoiei as caixas uma em cima da outra, para logo em seguida apoiar os copos em cima das caixas, fazer uma espécie de bandeja para levá-los à cozinha. O corredor que ligava a sala à cozinha também estava escuro, mas dentro da cozinha, vi uma luz fraca. Ergui uma das sobrancelhas, passando a andar com mais leveza ainda. Da porta da cozinha, vi que a luz vinha da geladeira. E a sombra de uma silhueta refletia na parede atrás.
Aparentemente, mais alguém havia perdido o sono.
Apoiei as bandejas de pizza em cima da mesa, juntamente com os copos. Silenciosamente. Aos poucos, mantive a leveza nos pés ao me aproximar por trás da porta já aberta da geladeira. Observei sua silhueta enquanto estava de costas, o eletrodoméstico quase a engolia. Me aproximei tão sutilmente, e ela aparentemente tem um senso de espaço tão fraco, que creio que se fosse alguém com a intenção de lhe fazer mal, já o teria feito. Embora eu não me excluísse totalmente dessa categoria, dependendo de como você a enquadra.
Ao me aproximar mais, à ponto de ter visão sobre suas mãos, vi que Alice enchia um copo com água, e sorri com as mil perversidades que passaram pela minha cabeça. Mas me contive. Aproximei meu rosto pela lateral do seu, o suficiente para ter alcance próximo ao seu pescoço.
— Calor, não é?! — sussurrei contra o seu pescoço, soprando propositalmente a pele do mesmo em seguida.
Seu corpo enrijeceu ali mesmo, mas ela se virou para me encarar. Com um sorriso no rosto, roubei o copo que estava em sua mão, tomando um gole de sua água em seguida. Ela permaneceu a me encarar. Roubei então a garrafa de água de sua outra mão para terminar de encher o seu copo, o qual devolvi à sua mão em seguida. Senti seu corpo enrijecer ainda mais no momento em que apoiei a mão em sua cintura e me inclinei contra ele. Sorri quando ela fechou os olhos. Com a mão que estava em sua cintura, eu a puxei um pouco mais para perto do meu próprio corpo, e me inclinei pela lateral do seu para devolver a garrafa de água à geladeira, em seguida soltando a mão de sua cintura, quando já havia conseguido afastá-la o suficiente para fechar a porta.
Ela continuou a me encarar por alguns segundos, e seus olhos permaneciam nos meus. Até que desviaram para minha boca. Talvez sem perceber. E então voltaram a encarar os meus. Talvez por perceber. E foi minha vez de enrijecer. Eu continuei a observá-la pelo que me pareceu um longo tempo, e foi minha vez de desviar os olhos para sua boca. Que estava com os lábios entreabertos, por onde soltava uma respirarção fraquejada.
Não percebi o quanto havia me aproximado, até o momento em que essa mesma respiração fraquejada quase se misturou à minha. Eu quase cedi. Disse "quase". A realidade me puxou de volta a tempo. No momento em que fechei os meus olhos, ouvi o barulho de algo que foi de impacto ao chão, seguida da sensação de umidade nos pés. Olhei para baixo apenas para ter certeza de que era água.
— Nossa, eu só faço merd*. — Alice resmungou, enquanto se abaixava rapidamente — Onde tem um pano?
Olhei ao redor, próximo de onde estávamos.
— Não faço ideia.
— Acha que eu devo acordar o Gabriel?
— Vai acordar o Gabriel por uma poça de água? — encarei-a, que me olhou de volta.
— Eu sei, mas é que... quando minha avó morou um tempo comigo lá na minha cidade, ela dizia que não é bom deixar o chão molhado. — desenfreou em um monólogo — Alguém pode escorregar, também tem questão de frieira nos pés, e daqui para amanhã pode até virar um foco de dengue, tu já pensou se a gente acorda tudo com dengue?
Ela realmente engatava no sotaque quando estava nervosa. A questão é: por que ela estava nervosa?
— Da noite para o dia? — repuxei os lábios em um sorriso canto — Aliás... de dia. Já são 6h40, daqui a pouco amanhece... — parei a frase no meio, de repente notando o pano que estava pendurado próximo ao escorredor de pratos.
— O que foi? — Alice me encarou, unindo as sobrancelhas.
Minha mãe me mataria por isso? Mataria. Mas ela não estava aqui para ver. Inclinei o corpo para pegar o pano, e Alice se levantou para observar. Apoiei o pano seco em cima da poça de água logo em seguida.
— Pronto. Problema resolvido.
— Você acabou de nos salvar dos mosquitos da dengue.
Acompanhei a curva de seu riso bobo no momento em que ela abriu a boca. Se tinha uma coisa que eu tinha certeza nesse momento era do quanto a odiava. Odiava o controle que ela ainda mantinha sobre mim.
Novamente, meu corpo me desobedeceu enquanto foi se guiando na direção dela.
— É... então, eu acho que é melhor a gente subir, antes que alguém acorde... — ela começou a falar, enquanto cambaleava lentamente para trás.
Mas meu corpo nem sequer me ouvia, que dirá ouvi-la?
— Catarina... — ela falou novamente, soltando um suspiro no momento em que se viu sem saída, tendo o corpo encurralado contra uma das bancadas da cozinha.
— Hm? — foi só o que consegui emitir, enquanto apoiava uma mão de cada lado de seu corpo.
— Não faz isso... — sua voz não passava de um sussurro inaudível, e dessa vez seus olhos se mantinham fixos na minha boca.
Ela não se esquivou. Não dessa vez. E eu já não tinha mais controle do meu corpo. Pude notar que seus olhos se fecharam quase no mesmo instante que os meus, e deixei meus lábios livres para que fizessem o que queriam. Podia sentir sua respiração ofegar um pouco enquanto se misturava com a minha. Suas mãos, que antes se mostravam resistentes, agora traçavam um caminho tímido dos meus ombros até minha nuca.
— PEGUEI!
Nós duas demos um pulo com o grito que veio da entrada da cozinha, juntamente com o barulho de um pulo. Observamos Gabriel com algo erguido no ar, como se estivesse prestes a atacar alguém.
— Alice? — Angélica apareceu logo atrás de Gabriel — Ave meninas, vocês querem matar a gente de susto??
Afastei o corpo de Alice, o suficiente para não parecer suspeito, embora já não houvesse como ter algo diferente disso.
— Mas o que vocês estão fazendo aqui a essa hora? — Gabriel apoiou o que parecia ser um taco de baseball ao lado da parede — Nós ouvimos um barulho, pensamos que era um ladrão.
— Pois se fosse um ladrão já teria levado tudo, porque já fazia um tempão que a gente estava aqui. — Alice riu, porém se engasgou logo depois, talvez se dando conta de ter falado demais.
— O que vocês estavam fazendo aqui no escuro? — Angélica nos encarou, tentando disfarçar um sorriso julgador no canto dos lábios.
— Então... a gente... a gente estava... — Alice começou a tropeçar nas palavras.
— Eu não consegui dormir, desci para tomar um ar. Alice estava aqui embaixo. — intervi, antes que ela falasse mais algo sem pensar.
— Pois é! E eu acordei de um pesadelo, só tu vendo, aí desci para pegar uma água.
— E esse barulho? — Gabriel nos olhou de repente.
— Catarina derrubou o copo.
— Alice derrubou o copo.
Falamos simultaneamente e os dois continuaram nos encarando.
— É... o copo caiu. — ela enfatizou e eu revirei os olhos — Mas a gente já estava subindo. Só esperando o chão secar aqui, para subir.
— Inclusive, Gabriel, não achamos um pano de chão.
— Pois é, a gente olhou tudo, não tinha nenhum. Se Catarina não tivesse achado o pano de pratos, eu ia usar a roupa mesmo.
Talvez eu não devesse ter achado.
— Menos mal, de um pano de prato eu não vou sentir falta. Da minha TV, do Xbox... aí é outra história. — Gabriel riu — Talvez a minha mãe sinta... mas pelo menos não era um ladrão.
— E pelo menos essa confusão me deu sono. Eu vou subir e tentar pegar o quarto ainda escuro. Boa noite, gente! — comentei, enquanto contornava os dois para pegar o corredor novamente.
— Vira o lado do travesseiro que está friozinho, isso ajuda a dormir mais fácil. — Angélica sorriu.
— Isso sim, que é desfazer o muro. — Gabriel sussurrou para que eu ouvisse, no momento em que passei do seu lado.
Olhei por cima do ombro por um segundo para lançar um olhar mortal, mas percebi que Alice me encarava pelas costas. Respirei fundo, forçando meus pés a se arrastarem em direção à escada.
Por um segundo, me senti culpada por estar ali. Por estar perto. E por estar com alguém. A pior mentira da minha vida seria dizer que em momento algum havia imaginado, ou desejado nada daquilo. E a pior certeza era admitir que ainda desejava.
Juliana ainda estava na mesma posição que antes, quando eu saí do quarto. Devo ter passado alguns segundos observando-a antes de deitar novamente ao seu lado na cama. Por mais que não tivéssemos um relacionamento, eu sentia como se a estivesse enganando. E pior, não só a ela, mas a mim mesma também. Eu me enganava a cada segundo que tentava mantê-la dentro de mim, trazê-la para mais perto, e o meu corpo apenas respondia com um sinal vermelho como quem diz "está ocupado".
— Está tudo bem... ? — perguntou sonolenta, no momento em que deitei na cama.
— Está sim. Só fui ao banheiro.
Ela se enroscou em meus braços novamente, puxando meu corpo para colar ao dela.
— Então deixa eu te colocar para dormir de novo. — sussurrou ainda sonolenta, enquanto me puxava para abraçá-la.
Respirei fundo, deixando que se aninhasse em meus braços, enquanto ia afundando meu rosto em seu pescoço. Podia me sentir tomada por um cheiro completamente diferente do que gostaria que me inebriasse agora.
Suspirei.
Eu realmente não deveria sentir falta dela.
Fim do capítulo
E então, pessoal? Estão gostando?
Vocês poderiam me dizer o que estão achando, só pra eu ter um feedbackzinho se devo continuar ou não. :c
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