Recomeço – Capítulo 62

Uma faca parecia estar rasgando o peito. Não conseguia cessar a dor que a invadia. Raquel não conseguia lidar com a sensação de estar perdendo sua mãe. Por mais que tivera desejado naquele dia manter-se distante, não poderia desejar mal a quem lhe gerou.

— Eu preciso ir para o hospital — Olhou para Sófia demonstrando toda sua dor.

— Eu te levo — Sófia disse ao perceber que Raquel não estava bem para dirigir. As mãos estavam trêmulas... toda tensa, não tinha condições nenhuma de pegar a direção. Poderia ocasionar um acidente — Seu pai passou o endereço?

— Sim, é a clínica onde Laura trabalha.

— Está bem — Levantou-se — Vá trocar de roupa. Preciso desligar o fogão — Disse e Raquel se manteve no mesmo lugar. Parecia sem ação — Amor, não fique assim.

— E se eu tiver culpa nisso? — seus olhos se voltaram para Sófia chorosos.

A loira respirou fundo e voltou a se sentar.

— Não pense dessa forma. Você não estava lá... não sabe o que aconteceu — Segurou a mão da engenheira. Estava molhada e trêmula — Acalme-se, vai dar tudo certo. Eu estarei contigo.

— Obrigada, amor— Deu um abraço apertado em Sófia. Não sabia o que seria dela sem aquela mulher. Havia dado tanto sentido a sua existência. Com Sófia não se sentia mais sem rumo.

— Vá se trocar... preciso desligar o fogão — Levou seus lábios até a face de Raquel — Tudo vai ficar bem.

— Está bem!

Após Sófia ir para a cozinha, Raquel ainda ficou um bom tempo no sofá. Talvez sua amada estivesse certa, ela não tinha culpa do que havia ocorrido com sua mãe.

A viagem até a clínica foi feita em total silêncio. Em soslaio, Sófia via Raquel chorando e isso fazia seu coração doer. Não sabia o que fazer diante disso. A cada minuto que passava Raquel parecia ficar pior.

Respirou fundo, precisava ser forte naquele momento para servir de apoio a amada.

— Chegamos — Sófia avisou e antes que pudesse dizer mais alguma coisa, viu Raquel sair do carro de forma apressada — Raquel! — Gritou ao ver a engenheira correndo para a entrada — Espero que não tenha acontecido o pior a dona Rita — Saiu do carro e começou a seguir os passos da engenheira.

Após sair do carro de Sófia, Raquel correu para a entrada da clínica. Necessitava de notícias, não estava conseguindo lidar com essa angustia.

Passou pela porta feito um furacão, mas alguém a impediu de seguir o seu caminho.

— Raquel, o que houve? — Laura indagou ao receber o impacto do corpo de Raquel contra o seu. 

— Eu preciso ir — Raquel disse tentando se desvencilhar, mas a médica a impediu de continuar, segurando seus braços com força.

— Diga-me o que houve. Por que está nesse estado? — Perguntou preocupada, pois notara que a engenheira não estava bem. Será que havia ocorrido algo com Norma e não estava sabendo?

— Minha mãe, ela está aqui... deixe-me ir — Tentou se afastar, mas a médica continuou lhe prendendo — Solte-me, Laura — Gritou, chamando a atenção das pessoas em volta para si.

— Você está nervosa, Raquel, não pode entrar dessa forma — Bloqueou a passagem da morena novamente.

— Eu preciso...

— Laura, deixe que eu tome conta da situação agora — Sófia chegou toda enciumada. Sabia que a médica estava com Norma, mas já chegaram a disputar o coração da engenheira. Então, ainda não sabia lidar com a proximidade da mulher com sua amada.

— Tudo bem — Laura disse se afastando. Achou melhor se manter distante, já que a loira ainda parecia guardar ressentimentos.

— Raquel, tente se acalmar — Sófia disse ao abraçar a morena que chorava sem parar — Ainda não temos certeza de nada. Precisamos ter calma — Começaram a caminhar pelo imenso corredor.

Após Raquel se distanciar com Sófia, Laura pegou o seu celular no bolso da calça. Sabia o quanto sua namorada gostava de Raquel, então, achou bom avisar, pois pelo que observara ainda não estava sabendo.

Saiu para fora da clínica para que pudesse ter privacidade.

— Oi, amor — Norma disse com uma voz um pouco sonolenta. Parecia que havia acabado de despertar.

Laura sorriu após ouvir aquele som gostoso invadindo seu ouvido.

— Oi, minha amada. Estava dormindo?

— Ahh... — Norma se ajeitou no sofá, tinha dormindo enquanto lia um livro — Estava lendo e acabei cochilando — Olhou para o livro que estava repousando em sua barriga — Já terminou seu plantão... já estou com saudade — Disse tímida, pois percebera que estava viciada na outra mulher.

— Ainda não — Laura respirou fundo. Se sua amada apresentava-se tão calma, era sinal de que ainda não sabia do acontecido — É que não tenho uma boa notícia para te dar.

— O que houve? — perguntou preocupada. Será que a médica já havia se arrependido de pedi-la em namoro? — Fiz algo de errado?

— Não, não se preocupe com isso. Não diz respeito a nós. Bom... acho que não diz respeito a mim.

— Como assim, Laura?

— A mãe de Raquel parece que não está bem. Eu acabei de esbarrar com Raquel aqui na porta da Clínica... ela está muito abalada.

— Ahh... Meu Deus, mais essa — Levantou do sofá e começou a procurar as suas sandálias — Eu estou indo — Já passava por sua cabeça o estado que sua amiga poderia estar — Vou pegar um Uber... acho que não demoro.

— Está bem... irei dar uma rondada para saber o que aconteceu. Acredito que ela tenha sido atendida pelo doutor Hernandes.

— Sim, ele é um médico conhecido pela família de Raquel — Norma disse e ficou sem saber como agir. Raquel não ficaria nada bem depois disso, ainda mais porque haviam discutido na manhã daquele dia.

— Amor, você está bem? — Laura perguntou preocupada.

— Estou... só estava tentando imaginar o estado de Raquel. Hoje, ela discutiu com a mãe. Não ficara bem... deve estar se sentindo culpada.

— Deve ser por isso que chegou tão mal. Vamos orar para que tudo fique bem — Disse e ouviu o som de uma risada gostosa — O que houve? — Perguntou encabulada, mas gostou do som que ouviu.

— Não imaginava que era religiosa — Norma comentou.

— Sempre fui, só que ainda não havia lhe apresentado esse meu lado.

— Não, você ainda não havia me apresentado.

_*_

Após se distanciarem de Laura, Raquel e Sófia começaram a andar em silêncio. A morena parecia mais calma ou talvez estivesse escondendo a preocupação que sentira.

— Você sente ciúmes dela? – Raquel perguntou se referindo a Laura.

Sófia respirou fundo ao se aproximar da recepção.

— Acho que não precisamos conversar sobre isso agora – tocou os cabelos negros fazendo uma leve carícia.

— Ela é uma amiga... Está namorando Norma – disse ignorando totalmente a fala de Sófia.

— Eu sei... mas sinto ciúmes de você – conseguiu arrancar um sorriso discreto da morena.

— Você sabe que não precisa disso – Raquel segurou a mão de sua amada e a olhou nos olhos.

Antes de Sófia poder dizer qualquer coisa, uma voz conhecida chamou a atenção das duas, era Rogério.

— Estava te aguardando!

— Pai – Raquel direcionou o seu olhar para o senhor que parecia muito abatido. Isso fez seu coração bater forte, demonstrando o seu medo da notícia que poderia receber.

Rogério fitou as mãos entrelaçadas. Sua esposa havia falado das suspeitas, mas nunca chegara a acreditar realmente que estavam juntas, precisava ver com os próprios olhos.

— Bom... acho que hoje é um dia de revelações... precisaremos conversar, Raquel, mas depois...

Raquel assentiu com a cabeça.

— Como ela está? – Indagou e sentiu um aperto firme da mulher que estava ao lado em sua mão. Sófia queria mostrar que estaria ali para tudo.

— Não está bem, filha— Levou a mão até o cabelo. Estava preocupado com o estado da esposa e chateado com o comportamento de Ricardo – Ainda está sendo examinada pelo doutor Hernandes.

— O que realmente aconteceu com ela? — Raquel passou a acompanhar o seu pai.

Rogério pigarreou e começou a olhar para os cantos.

Ficou um bom tempo em silêncio, Raquel achou isso normal, mas Sófia não.

— Ela se desequilibrou e caiu em cima da escada... ela bateu a cabeça em um dos degraus — Disse de uma forma insegura.

— Será que ela vai ficar bem, pai? — Raquel perguntou chorosa ao se sentar ao lado de Rogério em um dos bancos.

— Eu espero que sim, filha... estou pedindo muito a Deus para que isso aconteça — Rogério uniu suas duas mãos demonstrando impaciência. Queria muito que nada de mau tivesse ocorrido com a esposa. Sentia-se culpado por tudo isso, já que não assumiu o controle da situação e deixou Ricardo e Rita agirem como bem entenderem.

Enquanto observava Raquel e Rogério conversando, Sófia passou a se perguntar onde estava Ricardo. Era muito estranho o filho querido de Rita não estar ali.

De repente, o moreno surgiu por um corredor, parecia estar ainda mais abatido que Raquel e Rogério.

Ao avistar Sófia com Raquel o seu olhar ficou nebuloso. Não conseguia acreditar que sua irmã tivera coragem de levar Sófia até aquele lugar.

Seus passos passaram a ser apressados...

Fechou os seus punhos com força...

— Precisa passar na cara de todo mundo que você surgiu para destruir a minha vida? — Indagou furioso.

— Ricardo — Rogério se levantou, pois notara a fúria do filho — Aqui não é momento para isso.

Raquel acompanhou o movimento de seu pai.

— Eu não quero destruir a sua vida — Sabia que logo teria que ter aquela conversa com o irmão, mas não esperava que fosse naquele momento.

Ricardo riu com sarcasmo.

— Conte outra, Raquel, você sempre teve inveja de mim. Só porque nossa mãe sempre preferiu a mim do que a você — Disse, fazendo um nó se formar na garganta de Raquel.

Ricardo estava certo, nunca Rita a amou como ele.

— Ricardo, podemos conversar a sós? — Sófia que estava em silêncio, chamou a atenção de todos para si.

O homem respirou fundo. Desejava saber de Sófia o porquê de ter feito isso com ele.

— Claro — Ricardo passou a caminhar por um imenso corredor indo em direção ao refeitório.

Raquel passou a ficar confusa com aquele convite de Sófia.

— Amor...

— Raquel, vai ser breve... preciso esclarecer algumas coisas com Ricardo. Quem colocou você nessa confusão toda fui eu... Prometo não demorar — Deu um beijo demorado na face da amada e seguiu o engenheiro.

Raquel que ficou na companhia de seu pai, direcionou um olhar apreensivo para onde sua amada estava indo com Ricardo.

— Eles precisam conversar da mesma forma que precisamos — Rogério após se sentar no banco com Raquel, segurou a mão da filha para tranquiliza-la.

Enquanto andava em silêncio até o refeitório, Ricardo passou a se perguntar se estava vivendo um pesadelo.

Havia discutido com a mãe e causado uma tragédia. Agora, estava tentando controlar para não criar uma confusão na clínica.

— Nunca imaginei que você chegaria com ela assim... parecendo um casal. Você não é lésbica... Você não tinha interesse por mulheres, Sófia— Ricardo quebrou o silêncio ao se sentarem em uma mesa.

Sófia respirou fundo. Sabia que a conversa seria um pouco longa...

— Eu não te amo, Ricardo!

— Como não? Você se entregava para mim... Você era minha – Ricardo começou a se alterar, chamando a atenção das pessoas para si.

— Por favor, não altere o tom de voz – Sófia disse calma— Antes de conhecer Raquel, eu estava com a intenção de terminar com você.

— Sófia, não invente mentiras... eu sei, ela está colocando coisas em sua cabeça – não conseguia acreditar que a loira não sentia nada por ele.

— Ricardo, ela não está colocando nada – falou paciente – ela não sabia que eu estava com você... ela não sabia que eu tinha um namorado.

— Ahh... ela devia saber...

— Não sabia, ela soube de tudo quando você me pediu em noivado. Ela tentou se afastar de mim, mas eu a queria perto... eu a amo, Ricardo.

— Eu não aceito— Ricardo fechou sua mão com força – Ela já veio para o Brasil com esse plano em mente.

— Por que é tão difícil de você entender?

— Eu te amo... será que não entende? Como posso aceitar ser trocado dessa forma? – Disse em meio a lágrimas – Fique comigo... eu te perdoo, Sófia – Tentou colocar a mão sobre a da loira, mas o contato não se concretizou.

— Ricardo, eu não quero te fazer sofrer. Estou sendo sincera contigo – Observou os olhos do engenheiro ficando ainda mais vermelhos.

— Então, é isso, vai me trocar por uma mulher sem caráter?

Sófia respirou fundo. Ricardo parecia só enxergar o próprio umbigo.

— Eu sou muito grata a você por tudo que fez por mim e por meu pai, mas não posso ter um relacionamento com você. Você precisa ter ao seu lado alguém que te ame, Ricardo.

— Não quero ouvir isso — Levantou-se bruscamente, mas foi impedido de sair.

— Talvez tenha alguém que vai te amar. Que vai fazer de tudo para te ver feliz... que vai amar estar na sua companhia – Sófia segurou no braço do engenheiro— Quero que você entenda... eu sinto muito pelo o que vou dizer agora, mas é a realidade, eu não sou essa mulher que você tanto procura para estar ao seu lado – Disse e viu a feição de Ricardo se entristecer, mas seu coração se alegrou ao perceber que ele havia entendido a mensagem.

— Espero de coração que ela te ame como eu te amo, pois mesmo sentindo uma dor aqui grande, eu vou te deixar livre. Não vou me intrometer mais em sua relação – suas palavras saíram sinceras.  Antes de ouvir qualquer outra coisa de Sófia, Ricardo partiu.

— Obrigada! – disse ao ver o homem longe. Finalmente poderia viver seu amor sem medo do que Ricardo pudesse fazer.

Será que o engenheiro a deixaria em paz mesmo?

Fim do capítulo