Capitulo 23
Não voltei para o escritório e muito menos falei com Rui. Deixei uma mensagem de voz no celular de Eduarda dizendo o que havia acontecido. Ligou-me horas depois estarrecida e que se tivesse sido com ela, teria partido o para brisa do carro ao meio. Disse que Sartori voltaria de Nova York na próxima semana e que eu teria que contar a ele todo o ocorrido. Sorri com sarcasmo, no mínimo diria estar vendo coisas, que ele não era o tipo de pessoa que faria isso. Ainda mais com a filha dele!
Deitei debaixo do edredom. Pensei em minha mãe, na minha vida e pessoas da família que me eram próximas. Virei para o outro canto. Começava a ter coragem suficiente para vasculhar o meu passado e encontrar respostas. Havia ligado para Ive e fiquei de encontrá-la no bar mais a noite. As têmporas latej*v*m. Fechei os olhos e coloquei um travesseiro por cima.
Chovia e eu balançava as pernas em desencontro. Estava sentada em uma banqueta na cozinha e meu pai preparava um mingau para mim. Havia tido um pouco de febre durante a noite e Felipa, minha babá, precisou sair mais cedo me deixado aos cuidados dele. Confesso que era um desastre. Não levava jeito na cozinha e muito menos com crianças. Não que ele não gostasse de crianças, era desastrado mesmo e mais tarde descobriria que havia puxado a ele nesse sentido. Eu tinha cinco anos nessa época e fazia de tudo para tocar os meus pés no chão. Estar assim com o meu pai era sempre uma raridade.
- Você está um encanto. O seu sorriso está cada vez mais parecido com o de sua mãe.
- Como ela era papai? - e eu voltei a ch*par o dedo.
- Assim como você, mas os seus cabelos eram cacheados. Usava uns óculos pequenos para a leitura. Os olhos tinham a transparência dos seus.
- Papai, por que não me lembro? Ela não vai voltar nunca mais?
- Porque você era muito pequenina. Não filha, ela não pode voltar do céu. Venha cá e me dê um abraço.
- Ela também desenhava casas? Assim como você? – disse abraçada a ele.
- Mais ou menos isso. Vamos passear depois do almoço?
- Claro papai!
- Mas agora você precisa comer. Graças a Deus a febre já passou!
Ela nunca fez parte da minha vida. Era uma lacuna que jamais seria preenchida, mas talvez fosse a resposta para tudo que vinha acontecendo. Desviei uma lágrima e levantei. Esse era o meu passado e cada vez mais assombrava o meu presente. Liguei para Monize e marcamos de nos ver depois que ela saísse do trabalho.
***
Estacionei o carro diante do serviço dela e quando a vi saindo, dei um toque na buzina, acenando com a mão. Ela desceu as escadas e veio ao meu encontro.
- Ei Mô! Tudo bem? Quer carona ou...
- Oi, aceito a carona, tenho vindo de ônibus.
- O carro deu problema de novo?
- Cara, agora ele não dá partida.
- Você deveria comprar outro, sério. Ele vive dando problema está ficando perigoso.
- Sim, vou pensar nisso.
- Para casa?
- Vamos tomar um drink.
- La Mer?
- Ótimo!
La Mer era uma choperia e petiscaria que ficava quase no centro, perto de onde Ive morava. Estacionei minutos depois na vaga para clientes do bar. Subimos a rampa e escolhemos uma mesa.
- Puts, esqueci o celular no carro.
- Não quer buscar?
- Não, tudo bem.
Pedimos dois drinks e mariscos para acompanhar. Contei tudo o que estava acontecendo para a Monize e o que eu iria fazer para tentar acabar com isso. Primeiro que não iria voltar para o escritório, já havia avisado a Eduarda que estaria de mudança e pedi a ela para encaixotar tudo o que fosse possível. Iria trabalhar no meu escritório em casa até ver o que faria depois, se alugaria algum espaço ou... Ainda precisava pensar.
Monize disse que se fosse com ela já teria colocado a policia no meio para resolver, todos falavam a mesma coisa, mas eu queria resolver o mais discreto possível. Queria revirar o meu passado primeiro. Rui já havia passado dos limites incontáveis vezes inclusive quando eu estava com a Mel.
- Mô preciso da sua ajuda.
- Conte comigo para o que for.
- Com a mudança, do escritório para o meu apartamento. Vai ter que ser em um final de semana, não quero envolver Ive nisso, apesar dela querer me ajudar a desvendar o meu passado.
- Fica tranqüila, vai dar tudo certo – e piscou para mim. - Penso que quanto mais gente ajudar, será melhor, não? Ive me parece bem na dela.
- Talvez.
- Cara, desde o dia que eu conheci esse Rui ele só deu problemas para você.
- Vou fazer uma linha do tempo, tipo essas dos filmes policiais. Preciso tirá-lo do meu caminho.
- Estou começando a gostar disso. – disse sorrindo.
- Imagino.
- Vamos pegar esse cara!
- Você precisa de um carro primeiro.
- Ei garçom mais uma rodada! – disse ela quase num grito.
- Mô estou dirigindo... – sorri.
- Não dá nada. Você é uma das pessoas mais responsáveis que conheço.
Depois de sair do bar passamos em uma loja de carros. Monize não conseguia parar de rir do vendedor que estava disposto a vender a própria roupa do corpo se ela saísse dali com o carro zero comprado.
- Vamos levar. – disse tirando a carteira do bolso.
- Que? – Monize virou para mim. – Não faz isso! – sorriu olhando para o vendedor, que tinha a feição desfigurada.
- Está feito, não se esqueça de embrulhar as roupas. – pisquei para ele.
E Monize desatou a rir.
- Você não presta!
- Eu sei... – sorri.
Fomos com o vendedor arrumar a papelada do carro e saimos uns quinze minutos depois.
- As chaves Mô... – disse entregando para ela juntamente com a sacola.
- Não acredito! – ela riu.
- São ócios do oficio!
- Coitado!
- Vamos, precisamos encher de combustível. Depois daremos um jeito de vender o seu.
- Você não fez isso. - disse ainda não acreditando.
- Somos amigas não somos?
- Sempre. Obrigada.
E nos abraçamos.
Atravessei a rua correndo e dei partida no carro. Monize me seguiu e a deixei na porta de sua casa.
- Foi bom fazer negócios com você – disse abraçando pelos ombros.
- Obrigada. Quando for se mudar me liga.
- Só desencaixar as coisas lá no apartamento.
Voltei a entrar no carro.
- Se cuida
- Você também, não da mole para Rui, tome cuidado.
- Sim, pode deixar.
- Até.
Sai cantando pneu com um sorriso no olhar.
Fim do capítulo
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