Capitulo 22
- Por favor, Rui poderia tirar os seus pés de cima da minha mesa? - disse folheando um livro de paisagismo que acabava de chegar pelo correio.
- Está te atrapalhando afinal?
- Você não tem o que fazer afinal? A ficar aqui me perturbando?
Ele sorriu com sarcasmo.
Não adiantava. Quando uma pessoa já nasce predestinada a cometer sempre os mesmos erros, não tendo humildade, menos ainda cavalheirismo, que era o caso dele, não haveria nada que poderia ser feito naquela altura.
Saí da sala e o deixei lá sentado da forma como desejasse. Minha paciência já havia se esgotado por aquele dia. Desci até o lobby e passei pela porta giratória. O sol já castigava pela manhã e praguejei qualquer coisa por ter que encará-lo daquela forma. Puxei os óculos escuros para o nariz. Morria de dor de cabeça e procurei qualquer sombra para proteger. Pensava em Ive e isso me trazia um pouco mais de paz e conforto.
Não me encontrava com ela desde o almoço na casa da Monize. Fazia pelo menos quase uma semana. Preferi deixá-la viver um pouco a sua vida. Há dias não a via trabalhar normalmente, sempre com espaço curto de tempo ou na correria para não atrasar no andamento de uma das obras em que trabalhava. Ela se recusa em manter essa distância, mas eu precisava resolver algumas pendências na minha vida. A começar por trabalhar sozinha, longe do meu pai e do Rui.
Por essa razão queria que tivéssemos esse espaço, pelo menos por agora. Eu não queria envolvê-la em certas coisas pessoais e que não tinha nada a ver com a gente.
Atravessei a rua e segui até a esquina, virando em seguida, até onde havia estacionado o carro. Não havia nenhuma chamada perdida e nenhuma mensagem deixada na caixa postal. Dei a partida e sai, pensando duas vezes antes de ligar.
- Ligar para Ive. – e chamou.
- Oi... – ela atendeu e ficou em silêncio.
- Penso que deva estar chateada comigo... – disse olhando para fora da janela.
- Sim, penso que não deveria me afastar assim.
- Não fique. Estou atrapalhando você?
- Não, estava adiantando trabalho.
- Almoça comigo?
- Sim, nossa nem sei as horas. Estou toda atrapalhada hoje.
- Você não tem culpa, mas preciso desse tempo para resolver... – olhei para o retrovisor e vi um carro bem conhecido logo atrás do meu. - Ive já falo com você. Dê-me um minuto!
- Ok.
Era o carro do Rui e encostei abruptamente, desligando a chamada.
- Desgraçado! - disse furiosa abrindo a porta e indo na direção dele, que acabava de estacionar atrás do meu carro, desligando o motor.
- Qual o seu problema Rui? - e bati no vidro fumê da Mercedes prata. – Está doido? Baixe esse vidro merd*!
E ele baixou antes que eu quebrasse ou coisa parecida.
- Calma fedelha! Está bravinha por quê?
- Agora deu para me seguir? Vai me dizer que vir atrás de mim foi ordens do meu pai?
- Exatamente, ordens dele. Liga aí e confirma! - disse friamente o que me deixava mais puta ainda com aquela situação.
- Dane-se ele e você! Fique longe de mim! Entendeu?
Ele ficou me olhando voltar para o carro e nada disse. Apertei o volante e dessa vez, sai cantando os pneus. Queria sair dali o mais rápido que pudesse e não deixar que voltasse a me seguir. Sequer sabia o paradeiro do meu pai. Há dias não o via. Quem dera simplesmente ligar? Se só isso resolvesse. Ele não dava a mínima!
O celular tocava seguidamente:
- Atender... - e eu não conseguia conter as lágrimas.
- Giulia...? Esta tudo bem?
E eu não conseguia parar de chorar ou responder.
- Onde você está? O que aconteceu fala comigo!
E por fim respirei fundo e consegui falar:
- Posso me encontrar com você....? – e olhei o retrovisor para ter certeza que ele não me seguia.
- Giulia o que houve? Estou na obra.
- Já falo com você...
E desliguei.
Afundei o pé no acelerador e oito minutos depois estacionava diante da obra em que Ive estava trabalhando. Ela me esperava do lado de fora com os braços cruzados e visivelmente preocupada. Baixei o vidro do carro e pedi que ela entrasse. Coloquei as mãos no rosto e chorei toda raiva que estava sentindo, de mim principalmente, por ter deixado essa situação chegar tão longe. Ive não sabia o que fazer e me abraçou.
- Vamos sair daqui Ive, estou sufocada.
- Sim estou na hora de almoço. Quer que eu dirija? Você está tremendo!
- Não precisa, estou bem. Vamos almoçar.
Ive me olhava e parecia adivinhar o que poderia ter acontecido.
- Foi o Rui não foi? - disse desviando o olhar para fora.
- Para variar... - e virei para a direita estacionando na vaga para clientes. - Espero que esteja com vontade de comer churrasco.
- Sem problemas.
Descemos do carro e subimos as escadas. Parei sem fôlego segurando na mureta. Sentei em um dos degraus e coisas do passado me vinham em vários flashes. Onde eu havia errado? Eu era uma mulher observadora, perfeccionista, como poderia ter deixado passar algum detalhe importante que me fizesse me arrepender de algo?
- Giulia, está se sentindo bem?
- Tem algo muito errado... - disse levantando.
- Vamos entrar. Vem...
Poucas vezes havia entrado nesse restaurante, mas tinha a certeza de que ninguém me encontraria ali. Era bem reservado, familiar e de poucos conhecidos. Sentamos no piso superior e pedimos algo bem gelado para beber. Eu ainda estava um pouco trêmula. Meu estômago doía. Queria poder recomeçar toda a minha vida para que jamais me sentisse como estava me sentindo naquele momento.
- Ive... Por favor, não vamos falar nisso.
- Tudo bem estou com você.
Nada foi dito. Comemos em silêncio. Apesar do mal estar a comida estava deliciosa e fui me acalmando por fim. Apoiei o queixo sobre o dorso da mão e olhei para fora. Nuvens pesadas se formavam no horizonte. Não demoraria muito a chover. A chuva sempre me tranqüilizava. Era assim desde quando era criança, quando Sartori passava meses fora viajando a trabalho. Adorava o cheiro da terra molhada. Abria os braços, os pés desnudos, deixando que ela me molhasse que pudesse levar toda a incerteza que havia dentro de mim.
Não demorou muito a cair os primeiros pingos. Sorri e coloquei o dedo sobre uma gota.
- Ive você precisa ir. - bebi o último gole do suco de acerola.
- Promete ficar bem. Podemos conversar mais tarde?
- Sobre isso... - e virei olhando nos olhos dela.
- Se você quiser. - e envolveu a minha mão na dela.
- Não quero que se preocupe, é algo que um dia precisarei encarar. - e a beijei na boca.
- Tudo bem. Estarei sempre por perto caso precise.
- Sei que sim e te agradeço por isso. Vamos, te deixo no trabalho.
Ive já me conhecia o suficiente. Ela sabia quando eu precisava apenas de sua presença. Que naquele momento eu precisava de espaço.
Saímos de mãos dadas e isso não era problema nenhum para ela. Todos viravam para nós e olhavam admirados e pude ouvir uma voz feminina sussurrar:
- Elas formam um belo casal!
Olhamos uma para outra e me vi refletida dentro de seus olhos azuis.
Fim do capítulo
Comentar este capítulo:
Brescia
Em: 17/05/2020
Boa tarde mocinha.
Esse Rui é um pesadelo, é tão horrível saber que existem criaturas assim, desprezíveis,. A Giu t que resolver logo essa situação, faz mal a ela e fará tb a quem estiver com ela.
Baci piccola.
Resposta do autor:
Pior que existe. Breve isso tudo fará parte de seu passado
Beijo!
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