Capitulo 14 - ACROMÁTICO: sem cor
Capitulo 14 – ACROMÁTICO: sem cor
Acromático, palavra formada de a (ideia de negação ou privação) + chroma: cor, ou seja: sem cor. Foi exatamente assim que tudo pareceu ficar. Há quem diga que o tempo cura tudo, o grande problema é que alguns desejam cura instantânea. Então de certo modo, em momentos assim o que nos resta são duas escolhas: entregar-se ao fracasso, a dor e ao ressentimento nos deixando consumir até não sobrar nada ou enfrentar as circunstâncias que se apresentam.
— Quer que eu fique aqui essa noite? — Luna perguntou e, eu apenas assenti meneando a cabeça suavemente notando todos os adereços de minha festa de aniversário, por um momento havia esquecido essa parte, mas de qualquer modo já não havia mais motivos para comemoração. E graças aos céus não encontrei mais nenhum convidado, não saberia lidar com o poço de vergonha também.
— Hum, hum. Então... acabei não tendo tempo de tirar toda essa tralha — Luna pigarreou e parando ao meu lado se desculpou, provavelmente por me ver parada como uma múmia catatônica.
— Tudo bem, não tem importância — tentei sorri. — Eu vou tomar um banho, tá bem?
— Claro, te espero na cama, então.
Concordei e segui para o quarto. Estava exausta física e emocionalmente, entrei no boxe e desejei que a água levasse todo aquele peso e frustração. Onde eu estava com a cabeça quando deixei as pessoas que realmente se importavam comigo plantadas pra ir atrás daquela...??? (arg!) nem xingá-la eu conseguia, enfim, de quem não valia a pena. Levei as mãos ao rosto e esfreguei diversas vezes, aquela antiga sensação de impotência estava voltando e eu sentia. “É dona Patrícia, você é uma grande otária”. Quando saí do banheiro, Luna lia um livro enquanto me esperava. Contornei a cama e ela parou a leitura imediatamente.
— Não precisas parar.
— Eu sei que não, mas eu quero.
Luna sorriu. Aquele sorriso. Lindo. Único. Acolhedor. Era uma pena ela desperdiça-lo comigo, eu mal conseguia retribuir.
— Obrigada. — Sibilei e uma lágrima soltou-se em rebeldia ante minha força de vontade em fazer-me de forte. Mas Luna era a Luna.
Sem dizer uma palavra ela abriu os braços me convidando mais uma vez ao aconchego do seu abraço. Aceitei o convite e outra vez, derramei toda minha dor e frustração em forma de súbitas lágrimas quentes. Novamente minha vida parecia ligeiramente solitária e vazia, outra vez me arrancavam o coração, sem dó ou piedade. Nem lembro em que momento Morfeu me fez cair em seus braços. Só sei que pela manhã, acordei com uma sensação horrível na cabeça, um peso enorme nos ombros. Meus músculos doíam de tensão e a coluna estava em frangalhos. Todos os frutos de uma noite muito mal dormida. Minha única impressão era um grande e imenso vazio dentro do peito. Daqueles que parecem que irá durar o resto da vida.
— Bom dia.
Cumprimentei Luna me sentando em um dos bancos e deitando o rosto sobre o gelado balcão de mármore.
— Bom diaaa, mas sua cara não está das melhores — Luna sorriu ao responder.
— Será que anotaram a placa do caminhão que me atropelou ontem? Como alguém pode ter essa sensação de ressaca sem nem ao menos ter bebido? E olha que eu tive todos os motivos pra ter um porre homérico.
— Ressaca sentimental é uma das piores. Ao menos é o que dizem.
— Deve ser, porque minha cabeça vai explodir e eu tenho a sensação de que vou morrer a qualquer minuto. O que não seria uma má ideia nesse momento da minha vida.
— Qual é Paty, drama é algo que não te cai muito bem.
Abri um dos olhos e a fitei antes de responder.
— Diego tem razão: Você é má!
— Engraçado eu concordo e mais, adoro!
Ela piscou pra mim com a cara mais debochada do mundo.
— Isso, muito bem, chuta cachorro morto, vai. Quem sabe eu deixe de ser uma besta quadrada.
— Tá legal, agora deixa de besteira, quer falar sobre o que aconteceu? Encontrou com ela?! Já sei, os pais dela estavam em casa?!
— Não, não. Nada disso! Quer dizer ela estava lá sim.
— Ah, então ela estava sozinha e vocês brigaram, foi isso? Porque não é possível que aquela lá tenha te roubado até o senso de humor. Será que dá pra explicar o que houve, o estado em que te encontrei foi surreal.
— Também não, ela não estava sozinha, tá bom... — não consegui terminar.
Luna já colocava as mãos na cintura, tipo aquelas figuras maternas a espera de uma explicação. Mas só a lembrança daquela cena nojenta me embrulhava o estômago. Fez-se uma longa pausa entre nós e por mais que tudo o que vi na noite passada estivesse entalado em minha garganta, não conseguia verbalizar e uma impressão de sufocamento se apoderou de mim. Levantei-me subitamente e puxei o ar com força. O desespero me atingiu, eu queria respirar, mas tudo ao redor parecia diminuir, era como se tudo tivesse ficado muito próximo, claustrofóbico. Luna correu em meu auxílio, ergueu meus braços e pediu que eu respirasse devagar, olhasse para ela e ficasse calma. Aos poucos comecei a prestar atenção na minha respiração e nos movimentos que Luna fazia em minha frente, só então minha respiração começou voltar ao normal e pude me sentar, mas meus braços ainda tremiam muito.
— Onde você aprendeu isso? Parecia que eu nunca mais conseguiria respirar só sentia que ia morrer. Como você sabia como me acalmar? — Perguntei depois de beber um pouco da água que ela me ofereceu.
— Bom, minha mãe teve crises severas de ansiedade por conta de um trauma. Passei muito tempo lidando com esse tipo de situação — ela sorriu um sorriso nostálgico e ao mesmo tempo triste.
— E você acha que eu tenho isso?
Perguntei me sentindo estranha e ela esboçou um riso de canto enquanto colocava uma mecha do meu cabelo atrás de minha orelha antes de responder.
— Não, muito pior.
— Pior?! — Levantei-me apressada outra vez e minha voz ensaiou subir algumas oitavas, mas minha garganta ainda não funcionava direito. — Como assim pior?! — Consegui perguntar.
— Capaz, só existem mais duas possibilidades. Chifre ou coração partido, duas coisas bem mais difíceis de curar, ma chérie!
Percebi que ela segurou o riso e me senti uma idiota.
— Muito engraçado dona Luna. Tô morrendo de rir.
— Tudo bem, desculpe, não resisti. Mas não se preocupe, em uma pessoa saudável como você e que não tem histórico, acredito que deve ter sido apenas uma elevação do nível de estresse.
— Não teve graça!
— Adianta dizer que pra mim teve?
Ela sorriu e eu balancei a cabeça negativamente, ela continuou.
— Então, vais me dizer o que aconteceu? Ou ainda é muito cedo?
— Sabes que não tem nada a ver com ser cedo ou tarde, apenas não me sinto à vontade — disse me levantando e concluí antes de me retirar — mas tens razão em uma coisa: Chifres são mesmo difíceis de lidar! — Pisquei pra ela — e me acorde somente amanhã — gritei do corredor.
Imaginei Luna revirando os olhos para minha atitude infantil, mas o que eu poderia fazer? A sensação dolorida que carregava dentro de mim desde a noite anterior ainda era vívida demais e todas as vezes que pensava nisso a dor deixava de ser apenas uma sensação e se tornava cada vez mais intensa. Depois de horas revirando na cama, Luna veio me chamar para comer, mesmo a contragosto levantei, mas não pense que fui capaz de ingerir mais que duas colheradas do que ela havia feito para mim. Não que estivesse ruim, apenas o apetite me faltava, revirei o conteúdo do prato, perdida e olhando para o nada. E como desgraça pouca é bobagem, a minha veio a galope. Mais precisamente vestida de jeans e camiseta, um buquê de rosas na mão esquerda e um embrulho em sua mão direita. Que tocante, pensei.
— Também não precisas fazer essa cara — Mariana disse como se tivesse toda razão do planeta — sei que pisei na bola, te liguei o dia inteiro e você apenas me ignorou. Meus pais voltaram antes da hora e só agora pude vir aqui.
Enquanto eu estava imóvel Luna se levantou e passou por ela.
— “Men-ti-rosa!” — Luna sibilou fingindo um espirro quando passou ao lado de Mariana.
— O que disse?! — Mariana perguntou parecendo indignada.
— Eu?! Nada, me desculpe, foi apenas um espirro. Sabe como é, deve ser a poeira, agora se dão licença. — Luna respondeu fazendo cara de desentendida e eu poderia até rir daquilo, como diz o ditado, seria cômico se não fosse trágico. Meu humor não estava dos melhores, não com a presença dela ali, bem na minha frente.
— Essa fulana está ficando cada vez mais abusada, não sei por que você ainda insiste em tê-la o tempo todo por perto! E por falar nisso, ela passou a noite aqui?!
— Sim e nem adianta fazer essa cara de indignação, pois ela passará quantas noites ela quiser passar.
— Ela dormiu com você?! É isso?! Não posso dar as costas por uma noite e você já vai enfiando outra na nossa cama?!
Até cuspi fora a água que estava bebendo com a colocação feita por ela.
— Nos-sa ca-ma?! Nossa cama??? Ah faça-me o favor, primeiro que a cama é MINHA e eu deito nela com quem eu quiser. Segundo, você perdeu qualquer direito, razão ou qualquer outra coisa que você acha que deva exercer sobre mim quando passou noite do meu aniversário... — “nos braços de um idiota”, foi o que tive vontade de dizer, mas não foi o que disse, estava cansada demais, não valia a pena bater boca — longe de mim. E quer saber?! — disse ao me levantar. — Obrigada pelos presentes, não precisava se incomodar, deixa aí e aproveita pra deixar também a cópia das minhas chaves. Quando sair, já sabe, é só bater — concluí e virei-me em direção ao corredor.
— Você tá terminando comigo?! É isso?!
— É, é isso, como você é perspicaz — pisquei fazendo sinal positivo — acertou em cheio.
— Assim do nada?! Eu sei que não pude vir ao teu aniversário, mas eu tô aqui agora, podemos comemorar só nós duas como havíamos combinado, — ela tentou se aproximar e eu recuei — eu já disse que meus pais voltaram de última hora, eu não...
— Olha só — interrompi — eu entendo, juro que entendo, mas é que eu acabei percebendo que tudo isso foi um erro, sabe. A gente não vai dar certo, temos gostos diferentes, sonhos diferentes, essas coisas...eh...como é que se diz mesmo?! Ah...o problema não é você, sou eu! Desculpe. E se você fizer uma boa análise vai ver que nem é uma surpresa tão grande assim, você sabe como sou volúvel. Agora só vai embora, tá?! Adeus, Mari!
Antes de dar as costas para ela pude ver o quanto seu rosto ficou lívido, nem sequer esboçou reação e eu tive que me esforçar para transparecer o máximo de indiferença possível. Tudo o que eu queria era gritar com ela e dizer todas as coisas horríveis que estavam presas na minha garganta, ela não tinha um pingo de decência. A raiva me corroía de vê-la mentindo como se fosse o novo normal. Eu queria estapeá-la até que ela sentisse a mesma dor que me causava, mas isso era loucura demais. Tranquei a porta e joguei-me na cama esmurrando o colchão com toda força, lá estavam as lágrimas novamente. Queria que aquela dor passasse, mas ela não ia a lado algum.
Ainda pude ouvir Mariana esmurrando minha porta e exigindo explicações, logo em seguida uma discussão acalorada entre ela e Luna se fez ouvir pelo corredor até sumir por completo, só queria poder sumir também. Porém é como dizem... Já ouviram a frase: “Não é sobre o que se faz, é sobre quem se ama”? É uma bela frase, bem piegas, eu diria, mas a grande verdade é que o verbo amar denota compromisso, ou seja, um dever assumido. No entanto, PESSOAS se comprometem apenas com aquilo que lhes parece importante. E mais ainda, nos surpreendemos ao descobrir nosso grau de importância para alguns. E muitas vezes nem todo amor do mundo é capaz de mudar o caráter de alguém. Jamais imaginei que algo ou alguém, poderia me fazer sentir novamente desse jeito, não depois da morte dos meus pais, uma pessoa que não consegue ver cores.
Fim do capítulo
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Brescia
Em: 07/05/2020
Oi de novo mocinha.
Uau!!a Paty foi mil vezes íntegra, correta por não revidar a traição com ódio. Acho que a mágoa deixou algo bem pior no seu coração, a tristeza, quem deveria ser a sua família, esqueceu o quanto ela é frágil.
Bravissima mesmo!!!
Resposta do autor:
Olá, dona moça (desculpe a demora)
A Paty íntegra e correta, acho que foi uma surpresa até para ela. O fato é que o cançaso emocional pesou muito mais nesse momento. Já a mágoa pode ser algo bem perigoso para uma pessoa abalada e frágil, pois pode vir a se tranformar em ressentimento e este por sua vez sempre aprofunda as marcas da lesão afetiva. Agora só nos resta esperar pelo que virá. Uau, estou tão psicologa kkkkkkkkk
Bravissima! (sei tu) Há braços!
Rose_anne
Em: 07/05/2020
Aí, a Paty foi até boazinha, por todo o ranço que ela está
Devia ter falado a vdd...... A Luna meu que Mulher ðŸ˜ðŸ˜
A única coisa que achei ruim foi o pq o capítulo foi pequeno
Faz um bônus.... rsrsrs
Resposta do autor:
A Paty é um amorzinho, não é?! rararara Ou tá besta demais! |O| kkkkkk
E para falar da Luna sou suspeita...hehehe Mas que mulher, mesmo!!!!
Cruza os dedos e torce pra que eu termine o capitulo 15 logo kkkkk estou contando com essa torcida!!! ^_^
Mas falando sério, Rose, obrigada pelo comentário e por não abandonar a história, tendo em vista a grande procrastinação desta autora kkkkk, um grande beijo e há braços!
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