Os maus também sangram
Contradictio
“Os maus também sangram”
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“As pessoas temem mais a morte do que a dor. É estranho que tenham medo da morte. No ponto da morte, a dor acaba.”
- JIM MORRISON
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- Aqui está o que exigiu! –deslizou a maleta prateada, em contraste ao marfim negro, até encontrar as mãos experientes da ocupante, afundada em sua confortável cadeira – Agora cumpra a sua parte do acordo! - Castiel sentenciou.
O olhar perspicaz acompanhou cada centímetro das feições aristocratas da mais nova, de fato eram muito parecidas, contatou ela.
- Soube que você e Melannie tiveram uma conversa, digamos... – As avelãs atentas, continuam a perscrutá-la, enquanto ignorava fielmente as palavras da outra –... Geniosa!
- E á quem se deve a responsabilidade, Martinelli?! –Indagou retórica, inflamada pelo sarcasmo, como uma arqueada da grossa sobrancelha negra.
- Não me culpe por seus atos, minha cara filha... – Protestou-a calmamente – A responsabilidade das suas escolhas é unicamente sua! – Um breve sorriso despontou os lábios algoz.
Os azuis cintilaram em fúria e a postura neutra de outrora, agora se desfazia gradualmente.
Em dois passos duros e autoritários, Castiel, colou-se á mesa; inclinando-se mortamente na direção a matriarca.
- Talvez você esteja certa, Merida... – Começou e um sussurro cortante, que escapulia de entre os destes cerrados – E isso seria uma pena para você, porque diante de tal psicopatia de minha parte, saiba que não hesitaria um segundo se quer quando tivesse a chance de te enviar á encontro do mesmo destino que Salvatore teve! – rosnou ela, sem desviar as chamas azuis das avelãs frias e calmas.
Esticando-se, para diminuir a distância que a separava da filha, Merida, sem qualquer vestígio de timidez, articulou em seu jogo sórdido.
- Não prometa o que não estará disposta a ir até o fim para cumprir... – ordenou, em um ranger rouco – Caso contrário, terei que ensiná-la novamente o porquê não deves fazê-lo!- ameaça, afastando-se calmamente.
- Essa não é uma boa tática, “cara mãe”... – usou seu melhor tom nauseado nas duas ultimas - Instigar minha vontade de acabar com você, não me parece inteligente! – corrigiu a postura e sem afastar os azuis da mulher – Deixe Iara fora disso! -despachando o ultimato
- Achei que a ultima visita de Gonzáles á doutora, havia servido para elucidar as posições distintas, as quais ambas ocupamos nessa hierarquia, Katherine! – Replicou, ajeitando o corpo altivo sobre o “trono” de couro negro, sem se abater pela dureza das chamas azuis sobre si – Entenda Kath, embora seja minha filha, ainda trabalha para mim e precisa da “dama de ferro” para tirar a pequena Lazzari daquele lugar. Portanto, volto a alertá-la, não faça ameaças que não poderá cumprir sem atirar no próprio pé no percurso! – retomou.
Castiel sentiu o corpo retesar. A mínima menção do episódio envolvendo Iara, fazia-a gelar e o medo corroer seus ossos e veias.
Os meses ao lado da mãe serviram para ratificar todas as histórias de sua crueldade nos negócios. “Dama de ferro” era uma analogia redundante para descrever a rigidez e a frieza calculada com as quais geria seu império.
Parada diante da matriarca e Capo Siciliana, Emanuella concluiu que estava á serviço do próprio diabo e mesmo que tivesse uma Glock (Arma) a sua total disposição sob a jaqueta que enroupava o tronco delgado, não seria o suficiente para aniquilá-la.
- Esteja ciente que chegará a hora em que não precisarei mais de suas influencias, Martinelli! – Recuou, mas ainda confrontava as avelãs cerradas em si.
- Mas por hora, precisa! - esclarece, voltando sua atenção ao notebook aberto sobre a mesa – Partiremos amanhã cedo, avise sua irmã! – Diz e morena mais velha, dando cabo á conversa.
Levou apenas alguns segundos para Kath girar sobre os calcanhares e caminhar em direção á saída, estava prestes a fechar a porta do escritório, quando o tom despótico a deteve.
- Disseram-me mais cedo que sua mira é péssima, Castiel! – em repertório insinuante, Martinelli, retirando os aros de ferro de diante os orbes banhada pela sagacidade, comentou.
Merida Martinelli sempre fora uma mulher muito perspicaz, junte essa qualidade á anos de experiência em uma vida de capciosidades e joguinhos dissimulados. Qual poderia ser a resultante? Obviamente, você terá um perfeito crivo perceptivo, incapaz de ser burlado. No jogo de blefes e omissões, ela era uma exímia oponente.
Estava bem esclarecida sobre as capacidades e precisão da filha, ao que tange a mira de arma, não havia espaço para inabilidade. Um dos seus melhores capangas -“o torturador” – era a prova mais viva e contundente disso.
“Mal pode crer quando lhe narram o episódio do pobre homem com um projétil no anus” – uma faísca zombeteira brilhou em suas orbes e talvez um orgulho sórdido também.
A questão em si, se deu algumas horas antes. Seu informante havia relatado o estado em que a agente Salvatore encontrava-se: “viva, mesmo que em um leito de hospital”. Portanto, concluiu que teria sido contrariada mais uma vez pela irreverente “cria”.
- Disseram errado... – replicou, sabendo muito bem ao assusto referenciado. Não precisava olhá-la para saber – Eu nunca erro!- arrematou, cerrando as portas de madeira em suas costas.
***
- Ora vejam... – um sorriso maquiavélico brotou nos lábios convencidos no rosto quadrado– Se não é o capanga mais temido de todos os tempos! – gargalhou o homem, escorado ao carro de luxo, destoado completamente da paisagem precária do beco fétido e escuro.
- Quer falar mais alto, stronzo (imbecil)!? – Protestou o brutamonte, aproximando-se do outro – Quem sabe assim não chega aos ouvidos da “dama de ferro”, não acha?! – cerrou o cenho desgostoso.
- Não seja molenga, Gonzáles! – repreende-o cheio de humor – O que tem para mim? – indagou quase se desintegrando em ansiedade.
- Ela partirá amanhã em direção á Dubai! - secretou, arrastando os olhos pelo beco escuro procurando por algo que o delatasse.
- Mas ela não tem negócios e nem aliados ali... – um “V” desenhou a testa enrugada, entre as sobrancelhas claras – O que pretendem? - Indagou, com as mãos no queixo em análise.
- A capo pode não ter influencia sobre aqueles domínios, mas sua fama á precede. Sabe tanto quanto eu disso, Castiel! – Alertou-o – E quanto aos negócios de seu interesse por lá, sei que desrespeito á uma das herdeiras! – esclarece.
- Maldita! – Urrou, assustando o homem – Eu não vou admitir que Merida coloque aquela aberração no lugar que me pertence! – Bateu com os punhos cerrados sobre o capô do carro em que se escorava antes.
- E tem mais... – Continua Gonzáles, ignorando o breve surto de raiva do outro – Ela está sobre posse de uma maleta. A garota e a irmã chegaram com ela pela tarde, assim que recebeu, a Capo, trancafiou-a no cofre do palacete!
- Não deve ser nada de importante, meu caro... – Suspirou, ajeitando a abotoadura de ouro; com uma pequena pedra de diamante no meio, enrolado o seu punho – O juízo de Merida foi-se á muito tempo, por conta dessa vingança descabida contra papai! – negou Vithor, sem dar importância.
- É isso que tememos, e unicamente por esse fato estou aqui... – Apressou-se a dizer – A máfia Siciliana não pode permanecer sob comando de uma mulher desvairada e cega pelo ódio! – Um sorriso presunçoso quebrou a face maquiavélica de Castiel.
“Teria tudo que lhe pertencia e ninguém ficaria em seu caminho!”
***
- Mas mamãe... – a pequena cabecinha tombou para traz, abalando as madeixas negras e em voz manhosa prossegue – Eu quero ir também. É meu “niverssário”! – cruzou os bracinhos rechonchudos na frente do mínimo corpo, e contrariou-a.
- Baby girl, a mamãe vai á trabalho... – pôs-se a explicar, pela enésima vez – Mas prometo que estarei de volta em dois dias, no máximo! – assegura, segurou-se para não gargalhar do biquinho emburrado nos lábios avermelhados.
- Ah Mamãe! – Os azuis escuros brilharam, prontos para apelar um pouco mais em favor de seu desejo.
- Deus... Porque tem que ser tão adorável, Angeline Muller Castiel? – protestou a mãe em falso desapontamento e partiu para cima do corpinho miúdo, espalhado no meio da enorme cama, distribuindo cócegas e beijos por todos os lados, sendo aquecida pelas gargalhadas infantis.
- “P-Pala” mamãe!- implora a Manu, mal se aquentando – P-Por f-favor, m-mãe! – Dizia entre as gargalhadas gostosas.
- Tudo bem... – Iara, recobrando o fôlego – Dessa vez você escapou da tortura, mocinha! – sorri para a filha e volta a sentar ereta entre os lençóis brancos.
- Eu “quelu” ficar como você, mamãe... – depois de um tempo a pequena volta a dizer, brincando com a barra da blusinha com estampa da “Capitã Marvel” na barriguinha redonda – Assim não sinto tanta falta da mamma! – confessou os pequenos lábios, em um murmuro entristecido.
Muller sentiu o inseparável “bolo” angustiante despontar em sua garganta, os verdes arderam, rogando ansiosos pela libertação das lágrimas amargas. Enrolando o corpinho quente e cheiroso em seus braços, ela desejou poder arrancar toda aquela saudade do coraçãozinho tão infantil, mas já maculado pelos dissabores da vida.
Desde a tentativa de assassinato que sofrera há alguns dias e depois acordara no confortável colchão da casa de Kath, ela tinha a certeza de que sua esposa estava viva.
Poderia parecer uma incoerência, uma loucura infundada, mas seu anjo de cabelos negros estava vivo e cuidado delas, Iara podia sentir, na verdade precisava ter essa esperança, caso contrário seria consumida de dentro para fora, até que não restasse mais nada.
Foi ela que á carregou até lá, seu cérebro jamais esqueceria aquele cheiro emadeirado, seu corpo tão pouco apagaria a sensação de estar dentro daquele abraço quente e protetor.
“Era ela!”
E Muller prometeu a si mesma que iria até o inferno para trazer sua mulher e mãe de sua filha de volta para casa.
“Por si e por sua filha, traria Kath de volta!”
É por isso que não poderia ceder aos anseios da pequena Castiel. Precisava se ausentar por alguns dias para sondar as pistas que o investigador particular, contratado por ela mesma, lhe entregou. Não podia deixar uma possível localização no esquecimento, apenas por que o “falastrão” do investigador resolveu que era uma opção furada e inconcebível. Sua intuição mandava-a ir averiguar com os próprios olhos.
- E se a mamãe pedir para a vovó Lucy ficar com você, ao invés da babá? – Negocia a loira, acarinhando as madeixas negras espalhadas confortavelmente em seu peito.
- A mãe da mamma?- Indagou Angeline, levantando os azuis úmidos para olhar a mãe.
- Isso Litlle Princess! – afirmou, sabendo como aquilo despertaria o interesse da pequena Emanuella.
A menina havia desenvolvido verdadeira paixão pela matriarca Castiel, talvez fosse a forma que ambas, avó e neta, encontraram para suprirem a falta de Katherine em suas vidas.
- Você “plomete” voltar antes do meu “niversário”? – indaga, como um biquinho pidão.
- Sempre, baby girl! – Sorriu-lhe cheia de carinho, beijando a bochecha rechonchuda, entes de ter o pescoço invadido oura vez pela cabeçinha negra.
- “Tão tá”, mamãe! – sussurrou a Angel com os minúsculos lábios colados á pele da mãe.
Seu peito inflou de um amor tão inimaginável e puro, como se pudessem morrer todas as vezes que via sua filha chorar e na proporção inversa e igualmente intensa, fazia de si a mulher mais afortunada, quando a alegria brilhava nas orbes azuladas.
Era por momentos como esse que Iara se recusava a desistir de lutar todos os dias quando acordava pela manhã.
-Sempre... – sussurrou, sentindo a respiração densa de a filha indicar que tinha adormecido.
***
** Dubai - Emirados Árabes**
- Por que a gente tem que ficar aqui nesse calor escaldante, enquanto a “mamãe”... – O mínimo retorcer do nariz fino, ao pronunciar a palavra “mãe”, foi capitado pelos azuis de esguelha –... Está lá dentro, desfrutando de um belo whisky, regado á cubículos de gelo, absurdamente simétricos? – protesta inconformada, apontando para as vidraças do enorme arranha-céu á frete, onde seus binóculos de vigilância e visão noturna perscrutavam minuciosamente cada movimento dos ocupantes – “Puttana fascista”! – sussurrou a morena desgostosa com a “injustiça”, negando com a cabeça.
Os azuis desviram, quase que de imediato, da mira do rifle de alta-precisão e recaíram sobre a morena em um misto de surpresa e repreensão.
Mesmo através da densa nuvem de poeira e a penumbra que envolvia o lugar, a maior pode ver o brilho zombeteiro clarear as orbes avelãs.
- “Puttana fascista”? - A intensa gargalhada rouca rompeu o silêncio do cômodo insosso e quase que automaticamente a italiana acompanhou-a – Serio isso, Mel?! – Continua divertida, tentando refutar entre os espasmos causados pelo riso.
- E não é?!- indaga retórica, assistindo a irmão mover a cabeça em negativo e voltando os azuis escuros para a mira da arma, posicionada estrategicamente em um ângulo perfeito, abarcando o cômodo inteiro, caso precisassem agir.
- Acho que somos a equipe de apoio da “Puttana fascista”! – Exclamou Castiel, retomando a indagação primária da irmã.
- Mas ela não é a “destemida” dama de ferro? – Ironizou a italiana, rolando as avelãs nas orbitas, em seu mais alto nível de deboche – Por que precisaria de uma equipe de apoio para confrontar um Sheik velhote e pançudo? – Gargalhou de sua própria piada, voltando á sua tarefa.
- “Qualé”... – Murmurou Castiel divertida - Ele nem é tão gordo assim, Melannie! – defendeu, ganhando outra gargalhada alta da acompanhante.
- Olha lá... – Condicionou os binóculos pela fenda mínima na janela, que conferia uma pequena passagem de luz ao cômodo escuro onde estavam, era uma perfeita visão supervisionar o ultimo andar do para o prédio ao lado – Ela vai arrancar os dedos dele! – concluiu, quando o “dito” Sheik correu as mãos pelas pernas torneadas de Merida, sem qualquer receio – Olha, Kath, a cara de “putassa” dela! – sorriu achando graça na situação inusitada.
- Fodeu! – Constatou Castiel, quando a mãe saltou da cadeira á frente do Sheik árabe, e com toda sua indignação e altivez, enfiou um belo morro no nariz alongado, cansando um sangramento instantâneo e fazendo o hijab voar da cabeça careca.
- É agora que a gente ateia fogo nessa pocilga? – Indaga a italiana, com cada poro do seu corpo correspondendo ao estado de excitação que correu em suas veias.
- Depois eu sou a psicopata da família... – murmura Manu, achando graça da empolgação da menor. Mordendo um canto da boca e cerrando os azuis atrás da mira, ela sentencia concentrada – Vamos acabar logo com isso! – e em um suspiro longo, puxa o gatilho, dando início ao “plano B” (causar uma bela distração).
O primeiro disparo foi em um ponto isolado do gabinete, assim como os subseqüentes, que a essa altura era invadido pela segurança do “tal Sheik”. Castiel abriu fogo contra os homens armados, sem nunca acertar-los. Isso deu tempo e espaço suficiente para a Capo esgueirar-se em meio à confusão dos homens procurando a origem do disparo e fugir da saleta sem nenhum arranhão.
- “Fogo no parquinho”! – Gritou Melannie animada e gargalhou acompanhando a irmã desmontar o rifle rapidamente e jogar tudo em uma mochila preta.
- Acho que você passou tempo de mais no Brasil, d’Angelis! – observa Manu, gargalhando da pronuncia arrastada da outra, tentando soar o mais “brasiliês” possível na expressão.
- “Pode crer, mano!” – Devolve outra pérola em uma piscadela divertida e correndo escada á baixo no encalço da de olhos azuis.
***
“Ultima chamada para passageiros do vôo com destino á Dubai!” – Anunciou a voz feminina no alto-falante, preenchendo todo o local.
- Merda! – Protestou e pequena mulher, arrastando uma maleta de rodinha sobre piso de porcelana lustrada.
A loira caminhava á passo apressados para o portão de embarque, os saltos em atrito com o chão causavam um ranger quase inaudível, mas igualmente irritantes. Na correria entre arrumar uma pequena mala para si e outra mochila para estadia de Manu na casa dos pais de Kath, acabou perdendo a hora.
Isso sem contar o pequeno “show” de manha da filha quando cruzou a porta da mansão Castiel, tivera que voltar para acalmar-la e encher de novas recomendações a senhora Luciana.
“- Querida, acalme-se, passaremos bem! – Garantiu a ruiva, apiedando-se da preocupação rondando os verdes – Esquece-se que foi eu que criei Katherine? – Indaga saudosa, recordando-se da teimosia da filha – Ela ficará bem! – sorriu-lhe gentil, mirando a neta sapeca.”
Por sorte o transito não estava engarrafado, o que era um milagre tratando-se de São Paulo, e acabou chegando a tempo.
Quedou sua semi-corrida quando alcançou a simpática jovem no guichê, estendendo as mãos para averiguar o passaporte e passagem.
- Documentação ok, Senhora Muller Castiel... – Sorriu, devolvendo-os aos dedos longos de Iara – Aproveite a primeira classe e tenha uma excelente viagem!
- Obrigada! – Murmura a loira, gentil e voltou a caminhar em seus passos ansiosos.
***
- E então? – cobrou em pura ansiedade, assim que cruzaram a sala da suíte.
- Poderia ter mirado na cabeça daquele verme misógino! – rosnou Martinelli, confortavelmente acomodada no estofado branco e “fofo”.
- Eu não sou sua assassina de aluguel, Merida! – esclareceu Castiel com uma sobrancelha arqueada – Agora responda, ele aceitou vender-la? – Indaga sem paciência.
- Não! – Bufou a morena mais velha, enviesada.
- Claro... – zombou d’Angelis em um riso jocoso, jogando o corpo magro sobre o sofá, quase esmagando a irmã em outra extremidade - Esperava o que, depois de sentar a porr*da no “Sheik sei lá das quantas”?! – esparramou-se ainda mais, agora com os pés sobre as coxas (duras de mais para seu gosto) de Emanuella que observava pelos cantos dos azuis, muito contrariada, sua ousadia.
- Ele disse que só aceitaria o acordo, caso me deitasse com ele por uma noite! – Rosnou indignada – Um ultraje! –negou Merida, ingerindo de uma só vez o conteúdo de seu copo.
- O que pretende fazer agora, Martinelli? – indagou Kath, carregando as madeixas negras para trás com um suspiro derrotado.
- Por mim já teríamos invadido o tal “arem” ou “cabaré”, que seja,... – Rolou as avelãs em orbita e seguiu – E arrancado as garotas de lá á força! – Elucidou a questão de forma simples e concreta e voltou sua atenção ás unhas vermelhas bem aparadas.
- Não existem “as garotas”, Melannie! – frisou a mais velha – Vamos entrar lá e sair com a herdeira Lazzari apenas e ponto final, não sou o FBI ou a esquadrão da salvação! – esclarece, levantando-se da poltrona e caminhou em direção aos quartos – Estejam preparadas para amanhã à noite e não façam nenhuma insanidade! – Gritou autoritária do corredor, antes de bater a porta dos seus aposentos.
Uníssonos, dois suspiros resignados rasgaram o silencio posterior.
- Vamos mesmo fazer isso? – Melannie questiona, referendo-se á deixar as outras moças para trás.
- Ouviu a dama de ferro! – Exclama Castiel, se levantado e de forma cuidadosa deixou os pés da irmã do sofá – Não podemos salvar todas! – Caminhou para longe.
- A gente não pode deixá-las, Castiel! – saltou exasperada – Temos que ajudar essas garotas, elas também têm família e estão lá contra as suas vontades!– protestou veementemente, pondo-se diante do corpo minimamente maior.
- Não podemos fazer nada para ajudá-las, Mel... – Afirma em tom cansado – Eu não sou mais uma policial, na verdade, tecnicamente sou uma mulher morta. Estou de mão atadas! – gesticula tomada pela raiva ser incapaz e em um suspiro, carregado de tantos significados, deixa os ombros caírem - Só quero pegar minha sobrinha e voltar para a minha mulher e filha! – explica, desviando os azuis opacos das avelãs acusadoras – Sinto muito, Mel... – murmurou, desapontada com sigo mesmo e sua impotência.
Emanuella deu a volta no corpo parado diante do seu e retomou seu caminho em direção á saída.
- Ela estaria decepcionada com você, Castiel! – Pontua a Melannie, antes de assistir a irmão sumir pela porta.
***
“Ainda faltam 9 horas... Céus?!” – lastimou chorosa, desviando os verdes do relógio para o tapete negro e estrelado que engolia o céu.
O vôo arrastava-se para as seis, longas e entediantes, horas de duração. A insônia resolveu ser um ótimo momento para bater á sua porta, Iara estava prestes a surtar dentro daquela “caixa de ferro voadora”.
Balançou a cabeça em negativo... Só mesmo sua filha para nomear assim um avião.
Ela tinha o mesmo olhar brincalhão de Emanuella, o sorriso sapeca e o brilho dos azuis escuros denunciando que estava prestes a aprontar a maior peraltice que o mundo já presenciou.
“Eu sinto sua falta, amor...”
Uma lágrima sorrateira escapou dos verdes, ao ponto que as pontas dos dedos finos acompanhavam o formato da circunferência em seu anelar esquerdo.
- Eu vou te achar, prometo... – sussurrou, beijando a aliança e aconchegando o corpo á sua poltrona, deixou as lembranças lhe fazer companhia.
***
Sentada á beira da piscina de vidro, ela poderia observar a densa paisagem que se perdia ao horizonte inesgotável.
Os azuis escuros perscrutavam o imenso e enigmático céu, brilhavam na mesma intensidade da estrelas e desnudavam os segredos escondidos naquela alma.
Há cada movimento tímido de seus pés, beijando delicadamente a água cristalina, uma pequena onda se formava e em seguida se dissipava.
As luzes da luxuosa cidade de Dibai, certamente poderiam ser vistas do céu, imaginava. Era magnífica a vista do alto da cobertura, talvez um ditador se sentisse assim quando olhava seu império de cima da torre de sua fortaleza: orgulhoso, prepotente, déspota.
Contudo, infelizmente, esse não era o caso da jovem mulher.
Tragicamente, nem mesmo todo aquele luxo, era capaz de acalmar o retumbar de seu coração; mas não o frenético rítmico que ele se colocava a bailar na presença de sua filha, tão pouco a verdadeira escola de samba, quando tinha Iara em seus braços, apenas fitando-a com aquelas esmeraldas brilhantes, cheias de um sentimento inominável.
Seu pobre coração não era páreo...
Tudo se complicava quando ela resolvia que era um bom momento para destruí-lo, pintando aquele sorriso largo e desestabilizador nos lábios fartos e rosados, obrigando as covinhas em suas bochechas agraciar os azuis tempestuosos com sua presença.
“- Você é a paz do meu caos, amoré mio... - dizia ela, vidrada nos lindos verdes claros, tão claro que eram capazes de desnudar lhe a alma. Deslizou as madeixas loiras, que insistiam em cair sobre a lida face angelical corada, para trás da orelha.
E aquele sorriso branco...
“Perfeito!”
Ela podia sentir a maciez na pele branca levemente bronzeada, parecia brilhar quando tocada pela luz do sol que passava pelas cortinas, movendo-se delicadamente com a brisa fresca das janelas entreabertas.
A loira, mordiscando o mento alongado e fino com uma leve “covinha” que passaria despercebida por qualquer olhar desatento, sentia como se aqueles lindos olhos azuis perscrutassem minuciosamente cada pedaço de sua face.
O mundo da jovem mulher parou quando a morena lhe sorriu. Levemente torto para a direita, coberto por lindos lábios avermelhados, tinham a receita para tornar a pulsação de seu coração descompassada. Faltou-lhe o ar...
“Ah, o sorriso... Amava-o!”
- Eu te amo, minha doce sereia! - Disse ela, trocando de posição furtivamente, ficando agora sobre o corpo da loira, mirava-lhe os olhos com indescritível intensidade.
Essa foi a primeira vez que a morena confessava-lhe tão doce segredo.
O silencio, como mero telespectador, foi quebrado pela gargalhada gostosas; essa, por sua vez, derreteu o coração da morena que aplicava cócegas nas curvas da cintura fina da outra, mordiscando delicadamente o pescoço cheiroso e alongado.
Por alguns segundos, deteve seus movimente, apenas para perderem-se outra vez aos verdes marejados pelo riso. Os azuis escuros, agora cristalinos, correram vagarosamente pela face delicada, até quedarem-se nos rosados e molhados lábios.
Como uma feiticeira, ciente de seu poder, ou por puro reflexo, a loira morde a extremidade esquerda com a pontinha dos dentes.
“Era seu limite!”
Não resistiu, nem que quisesse conseguiria resisti-la...
Com uma ânsia desesperada, tomou-lhe os lábios rosados em seus avermelhados, como se sua pobre vida dependesse do ato para continuar.
A explosão de cores e sabores bailava em sua percepção. Todos os pelos do seu corpo eriçados ao sentir a mãos firmes em sua nuca, com a mesma urgência, reivindicar por maior contato puxando gentilmente as madeixas negras para baixo.
O suspiro veio tão de imediato, quanto o calor, quando a morena encontrou a língua da menor em uma dança que só os amantes conseguem bailar.
“Amava-a com todas as suas forças!”
- Amo-te mais, meu anjo de cabelos negros! - a voz doce da loira tocou sua alma. ”
- Eu sinto sua falto, meu amor... – balbuciou Emanuella com os azuis perdidos nas estrelas, mas não tanto quanto seus pensamentos.
***
- Sabe que... o que está fazendo á ela é covardia, não é? – Indagou, com as avelãs pregadas na irmã, em um andar abaixo da sacada. As madeixas castanhas eram desestabilizadas minimante pela refrescância da brisa.
- É necessário! – murmurou a Italiana mais velha, acompanhando o olhar da filha.
Em deboche nasalado, Melannie, negou com a cabeça.
- Alguma vez na vida você amou alguém, Merida? – a resposta foi o silencio – Imaginei! – Exclamou, voltando sua atenção a uma Castiel perdida.
- Para alguns, o amor é mortal... – A voz rouca cortou a brisa e pela primeira vez não havia cinismo, deboche, ou sarcasmo. Pela primeira vez era sincero, o que não passou despercebido por d’Angelis –... Não importa o que se faça para revogar essa sentença, a dor sempre estará à espreita para destruir toda a bondade e beleza que possa existir ali, Melannie! – constatou em verdadeira melancolia.
- Por que não deixa que ela vá? – questiona, com o cenho cerrado pela surpresa de encontrar franqueza na mulher ao seu lado – Está mais do que claro, o quanto ela está se machucando aqui! – suspirou a italiana se encolhendo um pouco mais no aperto de seus braços em volta próprio corpo.
- Eu não posso Melannie... – sussurrou em confidencia.
E Mel pode jurar ver uma lágrima solitária escorrer pelo rosto duro, mas não teve oportunidade para ter certeza, pois a outra rapidamente tratou de desviar o olhar e correr as mãos pela face.
- Por que nos odeia, tanto? - soltou, quando percebeu que a mais velha não diria qualquer outra palavra.
- O que Diana contou a vocês? – um sorriso sem vida, brincou nos lábios irreverentes.
- A verdade! – Pontua firme.
- Não existe apenas uma única verdade, Melannie... – suspirou, limpando a garganta – Pode me ter como um monstro desalmado e cruel, assim como ouvi-la falar em uma briga, para ofender a sua irmã, mas saiba que essa não é a historia completa! – exclama enigmática.
- Poupe Merida! – exasperou-se diante das palavras contraditórias – Você nos abandonou, descartou-nos como lixo! – engoliu a angustia dolorosa em sua garganta – Nem sei o que teria acontecido a Kath ou a mim, caso Diana não... - quedou-se, sentindo a voz embargar.
- Sabe o que é ter que olhar para sua própria descendência e reviver incansavelmente a pior crueldade da sua vida, d’Angelis? – O tom sereno de outrora, transformou-se em um quase grito indignado. Ela precisava daquilo, precisava de alivio. – Sabe o que é sentir vontade de acabar com a própria vida, para livra-se da imundice que seu corpo se tornou? – Continua - Sabe o que é se sentir o “ser” mais indigno de respeito e amor no mundo? – agora a morena tinha certeza, “a dama de ferro” sangrava, mas não sangue vermelho e comum, ela sangrava da pior forma possível: pelos olhos. – Eu sou culpada de tantas coisas, Melannie, de todo o tipo de sadismo que você possa imaginar... – rosnou angustiada – Mas jamais poderia suportar carregar o fardo de sentenciar minhas próprias filhas á viverem a vida miserável que eu tive! – em um suspiro resignado, Merida leva as mãos aos fios castanhos, iguais aos de d’Angelis em textura e pigmentação, e os penteia para trás – Como eu disse... – fungou, desviando-se das avelãs que lhe remetiam a si própria – Não existe uma única verdade, apenas, querida! – completa, engolindo em seco.
- Ainda assim... – Pigarreou, Melanie, tocada pela sinceridade da mãe – Não há redenção para você! – Sentenciou ela.
Mel jamais permitiria que ela Martinelli enxergasse sua dor. Dor essa que fora tão presente em sua vida, gritando freneticamente em forma de abandono e rejeição.
Odiava a progenitora com todas as suas forças, repudiava-a por todas as amarguras que viveram por causa dela. Repudiava-a por sua irmã, por si, por July.
Contudo, alguma coisa ainda se movia lentamente em seu interior em prol da mulher, talvez fosse pena ou empatia, por enxergar a miséria e a falta de alegria em que vivia aquela pobre alma, talvez não fosse nada.
Todas as historias que ouviu sobre Merida Martinelli ou “A dama de ferro”, como todos; inimigos ou não, a conhecia. Eram em demasia assombrosas, mas ali estava ela, para diante de si, com uma dor cortante cruzando seus olhos e desnudando um pouso de sua alma condenada.
“Será mesmo que não existia uma única verdade naquela historia?” – “Deixe de ser ingênua Melannie, ela só quer brincar com sua cabeça!” - repreende-se.
- Temo que esteja certa, figlia mia (Minha filha)... – sussurrou com verdadeiro pesar na voz e voltou para dentro.
A intenção de Merida era se recolher em seus aposentos. Sentia-se fraca e debilitada nos últimos tempos.
“A velhice chega para todos, Sorella (irmã)... – dizia sua Diana - Até para você!”
“Talvez estivesse certa!”- conclui ela.
Entretanto, o destino ou a vida achou por certo intervir em seus planos.
Uma ardência insuportável despontou em seu peito, logo em seguida oxigênio faltou, tornando-se quase nulo. A respiração descompassa veio com força, trazendo com ela a falta completa de oxigênio.
Suas vias respiratórias pareciam obstruídas.
A primeira reação natural do seu corpo foi a tosse. Os sons de sua angustia tornaram intensos, resgatando a atenção da italiana menor, escorada ao parapeito da varanda.
- Merida? – assustou-se Melannie, vendo a mar quase de joelhos ao chão e a face arroxeada – Merida! – exclama ela, alcançando o corpo magro com os braços.
Quando Melannie virou-a para si, arregalou os olhos...
Sangue, havia muito sangue saindo do nariz e na tosse agonizante. O desesperou a consumiu.
- KATH!- Gritou em “plenos pulmões” pela irmã – KATH, ELA TÁ SANGRANDO... KATH! – continua e o desespero fez só cresce quando o corpo da mais velha amoleceu ainda mais em seus braços e as avelãs cerraram-se cansadas de lutar – KATH...
- Mel? – o grito em resposta veio em socorro - Eu estou chegando, Mel. Agüenta firme! - os barulhos desajeitados dos passos apressado pelo assoalho, revelaram uma preocupada Emanuella – Que foi, Mel? – indagou ofegante pela corrida – O-que aconteceu, ela te fez algum... – a pergunta morreu em seus lábios, quando os azuis estagnaram ao corpo caído.
- E-Eu não sei, Manu! – Soluçou em lágrimas – E-Ela estava aqui a-agora m-mesmo, e-e... Depois... – Tentou dizer, enquanto a irmã se jogava de joelhos ao seu lado, aferindo os sinais vitais da mulher desacordada – E-Ela morreu? – os azuis avermelhados encontraram os seus igualmente lamentosos e assustados, certos de que só haveria uma resposta para aquela pergunta.
Fim do capítulo
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