Voltando aos dias atuais.

 

Estava distraída lembrando do meu passado, quando alguém começou a me chamar.

 

-- "C"! - Gritou a criatura.

 

Levei um grande susto e encarei aquela garota a fuzilando.

 

-- Porr*, Manuela! Tu tá doida? - disse irritada. Eu realmente levei um susto.

 

-- Você que parece surda... Tô te chamando a" hora" – falou fazendo uma careta e comendo salgadinho.

 

-- É horas, Manuela - disse a corrigindo.

 

-- O que tem horas? - perguntou confusa.

 

-- Aff... Esquece! - revirei os olhos.

 

-- O que o Fagner queria com você? - Manuela não parava de comer salgadinhos.

 

-- Disse que o Ricardo quer falar comigo - falei pensativa.

 

Manuela também ficou pensativa.

 

-- O que você acha que ele quer? – perguntou um pouco mais baixo.

 

-- Não sei... Mas boa coisa não deve ser... Ricardo cheira a coisa podre – falei mordendo os lábios pensativa.

 

-- Não acho... O perfume dele é bem gostoso - Ela falou sorrindo.

 

Vocês devem ter percebido que ela é meio tampada né... Vão acostumando, porque ela é assim mesmo, completamente sem noção.

 

-- Aff Manuela! - bufei.

 

-- Você precisa ter cuidado com ele. Ricardo é do mau - disse temerosa.

 

-- Eu sei, Manu... - fiquei observando as garotas dançando e respirei fundo. Ricardo é um canalha.

 

-- Gostou? - Manuela perguntou animada.

 

-- Está perfeito... Você está ficando cada vez melhor, Manuela - Ela fazia a coreografia das meninas.

 

-- Obrigada "C" - falou me abraçando. Ela me abraçou com as mãos sujas de salgadinho, mas eu não me importei.

 

Sorri para ela.

 

Preciso falar como eu conheci a Manuela... Essa menina doce e burrinha... Quando a Manu chegou, eu já estava com quase dois anos na "casa". Temos a mesma idade, ela é mais velha que eu apenas por cinco meses. Manuela é uma menina cheia de sonhos vinda do interior. Ela sabia exatamente o que tinha que fazer quando veio até aqui, sim, ela sabia que teria que se prostituir... Ela veio para a cidade grande com o sonho de se tornar uma Gisele Bundchen... Sim, Manuela queria ser modelo... Gostei dela no primeiro momento que nos falamos e com facilidade ela se tornou minha amiga... Sou uma pessoa difícil, ainda mais se o assunto for confiar em outras pessoas, mas a Manu conseguiu me amolecer rápido... Finalmente eu pude mostrar um pouco da Cecília a alguém, e desde então, ela só me chama de "C", confesso que acho fofo, mas não falo isso pra ela... Preciso manter um pouco da minha pose né... Então, nós ficamos muito próximas e eu percebi que a Manuela não aguentava mais se prostituir, eu conseguia ver a tristeza em seus olhos e eu sei que ela se sacrificava para ajudar o pai, que estava muito doente e precisava de remédios e tratamentos, que eram caríssimos. Decidir que precisava ajudá-la e fui falar com Ricardo, exigir... Sim, eu exigir que ele desse um emprego em que a Manu não precisaria mais se prostituir. Ele no início não quis, mas ameacei deixar o cargo de puta número um, foi somente assim que ele acabou cedendo, mas avisou que ela receberia bem menos. Não me importei com isso, só queria ver a Manu sorrir novamente e foi exatamente isso que aconteceu. Manuela além de fazer a coreografia das meninas era também responsável por fazer toda a maquiagem delas... Ela não ganhava mais tanta grana como antes, mas era bem mais feliz. Assumir todos os custos do tratamento do pai dela, mesmo que no início ela não quisesse... Me senti tão bem em fazer tudo isso por ela.

 

Fiquei esperando a Manuela acabar de ensinar as meninas. A convidei para morar comigo em meu apartamento... Então eu ficava esperando por ela. Manu finalmente acabou e dispensou todas as meninas. Minha amiga foi trocar de roupa.

 

Nesse momento a Viviane aproveitou para se aproximar de mim.

 

-- Fiquei sabendo que o Ricardo vem te fazer uma visita - disse sarcástica.

 

Ela não me suportava porque eu era a puta mais procurada daquele lugar. Nós sempre tivemos uma certa antipatia pela outra. Mais ela do que eu, porque eu não perdia meu tempo com essas coisas, mas também não levava qualquer desaforo.

 

-- Está se mordendo de inveja né - debochei.

 

-- Não seja estúpida... Nem morta eu teria inveja de você – falou com raiva.

 

Eu estava ainda encostada no balcão do bar e ela estava de frente para mim. A Garota usava um top e uma saia curtíssima.

 

-- Você não precisa estar morta para ter inveja de mim, querida - falei irônica.

 

-- Não consigo entender o que os homens veem em você - disse me encarando furiosa.

 

-- Olha pra mim querida... Eu sou linda! Quem não vai querer essa loira maravilhosa de olhos azuis e corpo escultural? Por favor né... Melhor você usar óculos - falei rindo da cara feia dela. Modesta parte, eu sou maravilhosa mesmo.

 

-- Ainda irei ver de camarote a sua queda, Garota! - disse furiosa.

 

-- Uii.. Olha minha cara de preocupada né – eu não deixava de ser irônica.

 

-- Você não é superior a nem uma garota que está aqui... Não passa de uma vadia, assim como todas! - falou quase cuspindo.

 

-- Eu nunca falei que era... - disse tranquilamente - Agora me deixa em paz, Viviane.

 

Ela sorriu irônica.

 

-- Estou indo mesmo... Vou encontrar um cliente poderoso agora.

 

-- Boa sorte, queridinha - debochei.

 

Por sorte ela se afastou sem dizer nada. Manuela não demorou a voltar e fomos para casa.

 

-- Você trabalha hoje? - perguntou assim que entramos no apartamento.

 

-- Não. Hoje estou sem vontade alguma - coloquei a chave e a bolsa em cima de uma mesinha perto da porta.

 

-- Então vamos pedir uma pizza? ... Tô morrendo de fome! – disse animada.

 

-- Ok Manu... Eu vou ligar - falei pegando meu celular.

 

Liguei para pizzaria e aproveitei para tomar um banho, enquanto a pizza não chegava. Voltei alguns minutos depois e fiquei conversando com minha amiga. A pizza chegou. Manu foi pegar o refrigerante e copos. Ficamos comendo e conversando. A Manuela comia igual uma desgraça, nunca vi. A garota era magra de ruim, acreditem, ela comeu sete fatias de pizza e três copos de refrigerante, por sorte ela tinha uma excelente genética, porque sinceramente né, a moça é um dragão comendo. Quem consegue comer sete pedaços de pizza? Meu Deus!

 

 Ficamos assistindo séries até tarde, na verdade a Manu ficou, eu não tinha muita paciência para essas coisas. Meus pensamentos estavam no asqueroso do Ricardo.

 

-- O que você tem "C"?

 

Manuela me encarava com um semblante preocupado.

 

-- Estou pensando no que o Ricardo quer comigo.

 

-- Você acha que é alguma coisa ruim?

 

-- Nada que vem daquele homem é bom, Manu, então obviamente é algo ruim - falei mordendo os lábios.

 

-- Está com medo? – Manu segurou minha mão.

 

-- Eu não tenho medo de nada. Podem ameaçar minha vida que eu não me importo - e isso era verdade, eu tava pouco me fodendo pra tudo.

 

-- Eu me importo com você! – disse carinhosa.

 

A encarei e sorri.

 

-- Você é sensível demais, Manuela.

 

-- E você parece de pedra – resmungou. Manu sempre foi muito carinhosa, completamente diferente de mim que sempre fui fria e odeio qualquer tipo de contato que tenha algum tipo de sentimento envolvido. Mas eu gostava quando vinha da Manuela e retribuía em igual intensidade.

 

Eu iria responder, mas meu telefone começou a tocar. Olhei o visor e revirei os olhos. Era o asqueroso, atendi sem muita vontade.

 

-- Diz logo o que você quer! – falei grossa.

 

-- Boa noite pra você também, meu amor - disse irônico.

 

-- Sem enrolação, Ricardo! - Eu odiava qualquer papo com ele.

 

-- Sempre direta hein... Pois bem... Estou no meu escritório, preciso falar com você – ele tinha a voz calma e sorridente.

 

-- Sério isso? São quase meia noite! - falei estressada.

 

-- Puta não tem horário, minha querida.

 

"Como eu te odeio seu verme, bem que um raio poderia cair na sua cabeça! "

 

-- Ok, tô indo - não esperei ele falar e desliguei - Manu to indo ver o asqueroso.

 

-- Quem é esse? - perguntou sem noção.

 

-- O Ricardo, sua burra! - disse revirando os olhos.

 

-- Ah tá, Mas agora? – franziu a testa confusa.

 

-- Sim - beijei seu rosto - Não demoro.

 

Peguei minha bolsa e as chaves e saí. Fui o caminho todo pensativa. Existe um motivo pra eu não gostar do Ricardo? Sim, ele é um mau caráter asqueroso. Eu simplesmente não conseguia suportá-lo.

 

Parei em frente à casa de "família" que eu trabalhava.

 

"Vocês perceberam a ironia né"

 

Entrei pela porta dos fundos, pois esse horário estava bem movimentado e eu não estava com a mínima paciência para aqueles tarados. Fui direto para o escritório do Ricardo, no caminho ainda esbarrei com algumas garotas que me olhavam com uma cara feia, nem ligo. Entrei sem bater e o asqueroso estava sentado em sua cadeira fumando um charuto muito do fedido.

 

Ele abriu um sorriso enorme quando me viu.

 

-- Finalmente, minha favorita! - disse animado.

 

-- Sem enrolação, Ricardo - falei me sentando - Diz logo o que você quer – eu não tinha muito paciência e para ele eu não tinha nenhuma.

 

-- Eu sempre soube que você iria se tornar uma garota fantástica desde a primeira vez que te vi – falou me encarando fixamente.

 

Revirei os olhos. Ele sempre falava essas besteiras.

 

-- Vamos direto ao ponto - disse séria e ele percebeu.

 

-- Ok - falou se ajeitando na cadeira - Eu preciso da sua ajuda... Na verdade um grande amigo meu precisa.

 

Apertei os olhos desconfiada.

 

-- Minha ajuda?

 

-- Sim... Você é uma menina de classe, completamente diferente das moças que estão aqui, por isso você é a número um... Ninguém nunca iria desconfiar de seus verdadeiros serviços e você é perfeita para o plano – Ricardo não tirava os olhos de cima de mim. Ele observava qualquer reação minha.

 

-- Do que você está falando, Ricardo? - Eu realmente estava confusa.

 

-- Irei te explicar direitinho - sorriu.

 

Ele passou a falar e eu escutei com bastante atenção. O que ele estava propondo era realmente interessante. Eu ganharia uma grana preta e nunca mais precisaria me prostituir, e isso era tudo que eu queria, ter dinheiro sem precisar vender o meu corpo. Bom, o que eu iria fazer não era uma coisa certinha, na verdade estava longe disso, mas eu já fiz coisas piores em minha vida, então isso era fichinha. A melhor parte disso era que eu não precisaria mais me prostituir. Eu aceitei! Isso era tudo que eu queria, não importa quem eu tivesse que machucar.

 

-- Quando eu começo?

 

-- Semana que vem. Você precisará mudar de cidade. Tem problema?

 

-- Nenhum - disse sem expressão.

 

-- Sabia que você não iria me decepcionar – falou com um sorrisinho nojento.

 

-- Então, é só isso? - levantei.

 

Ele também levantou.

 

-- Nós poderíamos aproveitar uma última vez - disse malicioso e tentando se aproximar.

 

-- Nunca mais você vai pôr essas suas mãos imundas em mim! - falei irritada.

 

-- Eu poderia ficar magoado, mas preciso de você – disse divertido. Por incrível que pareça, ele nunca ficava irritado com minhas grosserias. Na verdade, ele parecia se divertir.

 

-- Ficando claro que a Manuela vai comigo.

 

-- Sem problema.

 

Caminhei em direção a porta.

 

-- Você deve ter o rabo muito preso com essa tal pessoa hein... Pra aceitar tudo caladinho - disse irônica e abrindo a porta.

 

Ricardo ficou sério.

 

-- É apenas uma troca de favores, amor – eu odiava quando ele me chamava assim.

 

-- Que seja...

 

Saí sem olhar para trás.

 

Ricardo com toda a certeza devia ter medo dessa tal pessoa. Fiquei curiosa para saber quem era, mas isso não era da minha conta, eu só tinha que fazer minha parte.

 

Fui para a casa e por sorte a Manuela ainda estava acordada, contei tudo para ela, afinal, eu estava precisando de uma opinião, apesar dela ser uma cabeça de vento.

 

-- Você vai fazer isso? – Manu estava nervosa.

 

-- Isso é ótimo para mim – falei dando de ombros.

 

-- Mas é errado!

 

-- É apenas mais uma coisa errada que eu irei fazer - disse tranquila.

 

Manu ficou pensativa.

 

-- Sei não... Meu quinto "sentindo" diz que você não deve fazer isso.

 

-- Menos Manuela.

 

-- Você pode se arrepender, sabia? – ela realmente estava preocupada.

 

-- Eu não me arrependo de nada!

 

-- Diz isso pra Sarah então – pronto, ela cutucou minha ferida.

 

-- Aff! - bufei - Eu vou sair dessa vida, Manu e o melhor... Terei muita grana - disse animada. Eu já tinha muito dinheiro, mas quanto mais melhor.

 

-- Hmmm - Ela estava desconfiada.

 

-- Você vai comigo né? - perguntei apreensiva.

 

-- Claro "C", você é minha irmã de coração. Eu não vou te largar sozinha, mesmo eu não concordando com tudo isso – falou carinhoso.

 

-- Obrigada, Manu - disse a abraçando.

 

Manuela sorriu e me apertou.

 

-- Pelo menos a gente não precisa mais ficar naquele lugar horrível – falou toda animada.

 

-- Pois é, Manu. Nunca mais! – e eu estava segura disso, mesmo que tudo desse errado. Eu não pretendia mais voltar a ser prostituta.

 

-- Mesmo assim eu não concordo.

 

Revirei os olhos.

 

-- Tá... Agora cala a boca – se eu deixasse, Manuela ia ficar enchendo o saco.

 

Não consegui dormir. Meus pensamentos estavam a mil. Eu pensava no que o Ricardo me disse e em como minha vida iria mudar em poucos dias, não tinha medo do desconhecido, mas eu sentia bem lá no fundo que iria acontecer algo que mudaria minha vida, meio louco isso, ainda bem que não acredito nessas coisas.

 

Infelizmente lembrei do meu passado. Dos meus pais e irmãos. Minha infância maravilhosa. Essas lembranças sempre eram doídas. Eu não suportava.

 

Lembrei da Deborah e de como a gente era louca. Ela me magoou muito, mas eu não a amava, então não foi tão ruim assim, difícil mesmo foi o desprezo da minha família, isso sim foi doloroso. Eu tinha raiva da Deborah, mas ela apenas me mostrou aquilo que realmente sou, apesar de nunca mais ter me envolvido com nem uma mulher, eu sei que gosto delas. Então de qualquer forma meus pais nunca me aceitariam e eu viveria uma mentira. Não sou feliz, mas também não sou infeliz... Eu apenas vivo. Felicidade pra mim é dinheiro...É poder comprar tudo o que quero... Se bem que a Manu me faz feliz e eu tenho ela de graça. Que bobagem isso. Fechei os olhos e lembrei da minha melhor amiga... Sarah.

 

Sempre fui uma menina séria e a Sarah conseguia arrancar sempre os meus melhores sorrisos. Era tão bom ficar perto dela. Queria muito falar com ela, mas o que eu iria dizer? Não tenho muito o que falar, afinal, minha vida não é das melhores. Sarah é certinha, muito diferente do que eu sou hoje, era melhor ficar assim. Ela merece pessoas melhores do que eu. Já fazia quatro anos desde a última vez que a vi... Ela é a melhor lembrança do meu passado... A única que eu realmente sinto falta... Mas ela passou em minha vida, era passado e a última coisa que eu queria era mexer nele. Deixa quieto.

 

Eu estava sentindo um frio na barriga bem louco. Coisas novas estavam por vim e deve ser por isso que eu não consegui dormir. Estava agitada. Só consegui pegar no sono quando já estava quase amanhecendo.

 

Nem eu mesma imaginava a mudança que estava por vim e as proporções dela em minha vida e principalmente em meu coração frio.

 

 

 

 

Fim do capítulo