Capitulo 28 - Encontro de almas
15 de abril de 2020.
- Quando a gente casar, eu quero ter dois filhos... - olhos castanhos escuros miravam os meus. - Quero que um deles tenha esses olhos lindos que você tem. - quem era ela? Meu coração parecia reconhece-la.
Sua voz era rouca e a boca bem desenhada.
- E o outro pode ter o seu rosto tão bonito. - aquela era a minha voz. - Eu amo tudo em você, meu amor...
Ela sorriu e em meu estomago se fez presente um frio forte.
- Você vai mesmo me querer depois que as peles caírem? - ela riu e o som da sua risada era... Divina.
- Vou querer você até meu último suspiro, minha lua...
Acordei totalmente suada.
- Novamente esses sonhos... - levei minhas mãos a cabeça. Ela lateja.
Ainda era madrugada e o meu sono foi totalmente embora. O meu peito estava apertado e parecia que a minha mente queria me mostrar algo. Fiquei de pé, indo para fora da pequena casa.
O vento estava forte e quando tocava a vegetação, produzia um som quase que melodioso.
- Preciso descobrir quem eu sou... - olhei para o céu e naquela noite não havia nuvens nubladas. - Não posso mais fugir...
Respirei fundo.
O mundo estava enfrentando um grande inimigo naquele momento, mantendo toda a sua população em casa. Taiana era a única que fazia as compras de mantimentos uma vez no mês. Tentei inúmeras vezes ir até o povoado, mas sempre dava errado e depois que a notícia do virus se espalhou, a mais velha fez questão de nos manter a salvos, proibindo a nossa saída.
Eu orava todos os dias para que tudo aquilo chegasse ao fim e eu pudesse descobrir de onde havia vindo e se tinha alguém esperando por mim.
- Quem é aquela mulher dos sonhos? - Franzi meu cenho, segurando o pingente da pulseira. - Uma lua... Ela me chamou de lua. Seria esse meu nome?
Tainara e eu decidimos passear de canoa aquele dia. O clima estava ameno, pouco sol, então seria perfeito para conhecer um pouco mais da redondeza. Tentei me distrair, mas os meus pensamentos estavam nos sonhos que tive.
- Tá tudo bem? - tirei minha atenção das águas barrentas e olhei para a garota. - Você parece triste.
- Ando sonhando com uma mulher. - ela franziu o cenho. - Ela me chamou de lua e falava sobre filhos.
- Você gosta de mulher? - ela ergueu as sobrancelhas.
Mordi meu lábio.
- Eu não sei ao certo... Também não sei se era um sonho ou lembrança. - soltei o ar com força.
- Como ela era? - fechei meus olhos e eu podia vê-la perfeitamente.
- Os seus olhos eram castanhos escuros e muito expressivos. - o engraçado que não era estranho me imaginar com uma mulher. Por que? Eu não sabia. - Os cabelos eram negros como as noites daqui.
Respirei fundo.
- Ela tinha um sorriso bonito e o som da sua risada... - Tainara passou a ri. - O que houve?
- Você fez uma cara de bobalhona... - levei minha mão a face. - Se ela existe mesmo, devem se amar mesmo.
"E se ela realmente existir? Eu devo procurar ela? Droga, a minha cabeça tá tão confusa."
- Acho que vou te chamar de Lua, agora. - tirei minha mão para poder olha-la. - Que tal?
- E o Beatriz? - franzi o cenho.
- A gente esquece dele. Vamos volta? O almoço já deve estar pronto. - ela sorriu.
- Você não se incomoda de eu aparentemente gostar de mulheres? - Tainara colocou sua mão sobre meu ombro.
- Minha família gosta muito de você. Meus pais costumam dizer que você tem uma energia muito boa. Sentem que sua alma é cheia de luz. - minha face esquentou. - Eles nunca erram sobre essas coisas. Desde sempre minha irmã e eu fomos criadas livres de preconceitos bobos. Você amar um homem, amar uma mulher, não é errado. Pode amar quem seu coração escolher e tudo bem.
- Vocês são pessoas tão evoluídas... - Tainara olhou para o céu.
- Meu povo foi corrompido pelo homem branco. Entraram em nossas terras, usaram nossas mulheres e roubaram nossos tesouros, ainda por cima acham que somos seres inferiores, disseminadores de doenças... - ela me encarou. - Então buscamos a evolução de nossas almas, sem que os outros de fora precisem ver. Queremos ser pessoas boas para nós mesmas...
- E vocês são e não é só para vocês... - segurei sua mão. - Você é tão jovem e tem um pensamento tão maduro. Olha só o que veem fazendo por mim. Abrigaram uma desconhecida, a quem não sabem nada. Jamais poderei agradecer o suficiente...
- Para de querer me fazer chorar. - Ela sorriu. - Vem, vamos tomar banho antes de ir...
Tainara se jogou nas águas.
- Lua...
Depois do almoço, nos reunimos para fazer alguns artesanatos. Confesso que eu era um verdadeiro desastre. Seu Bernardo, com muita paciência, me ensinava a moldar o barro. Era parte da renda de todos os meses.
- Olha... - Taiana mostrava um lindo filtro dos sonhos. - O que acha?
- Como é lindo... - peguei a peça. - Uma coruja...
- Minha filha é uma artista. - seu Bernardo a olhou cheio de orgulho.
- Espero que com tudo que está acontecendo, possamos vender o suficiente pra poder comprar o necessário. - dona Aninha produzia algumas pulseiras com miçangas.
- Quando me deixarão vender? Eu quero ajudar. - eles me olharam.
- Acho que uma menina loira dos olhos azuis faria muitas vendas... - dona Ana brincou.
Minha face esquentou.
- Olha, mamãe... A Beatriz ficou toda vermelha. - eles passaram a ri de mim.
Passei a me concentrar nos vasos e no fim de todo aquele trabalho, finalmente consegui fazer algo bonito. Em breve, Taiana voltaria ao povoado para vender tudo que fizemos.
Aproveitei a noite quente para me banhar no rio.
- Se um dia você for embora... - Taiana, Tainara e eu estávamos dentro da canoa, que estava atracada ao pequeno cais. - Promete que volta para nos visitar?
Sorri.
- Claro que vou voltar... - a lua estava majestosa. - Jamais vou esquecer de vocês. Pra ser sincera... - olhei para elas. - Não queria ir, mas sei que preciso.
A mais nova tinha lágrimas nos olhos.
- Você é como se fosse nossa irmã, Beatriz. - eu partilhava daquela sensação. - Vamos sentir sua falta.
Enxuguei seu rosto.
- Eu prometo que vou voltar sempre e se um dia tiver filhos, quero que eles conheçam vocês. - ela sorriu.
- Eu vou adorar... - também sorri. - Amo crianças...
- Então vocês duas vão ter que ensinar eles tudo o que me ensinaram... - fiz cocegas em Tainara, que ria a perder o folego.
- Você é mesmo especial. - Taiana me abraçou. - Ainda bem que foi para nós que as ondas te trouxerem...
Fiquei emocionada.
- Boba...
5 de maio de 2020.
Aquele dia Taiana havia ido até a venda e logo estaria de volta. Dona Aninha e eu costurávamos alguns tapetes que ela costumava fazer para vender no povoado. Tainara e seu Bernardo estavam em busca de alguns mariscos para o nosso almoço.
- Você aprendeu tão rápido... - sorri.
- A senhora que tem muita paciência. - dona Aninha tirou os óculos.
- Filha, quando tudo isso passar, queremos te acompanhar pra poder procurar a sua família. - olhei para o tapete em minhas mãos. - Não queríamos que fosse, mas sabemos que provavelmente você tem uma família.
- Ainda tenho medo que posso encontrar, dona Aninha... - respirei fundo. - Mas acho que está na hora de encarar o que deixei...
- Vai contar com a gente, minha filha... Você é uma menina tão boa. - ela tinha lágrimas nos olhos. - Tem que saber quem você é.
Ouvimos o barulho do motor de um barco.
- Taiana chegou... - dona Aninha e eu esperamos por sua entrada.
Quando ela surgiu na porta, os seus olhos cairam sobre mim. Taiana deixou as sacolas no chão e sorriu. Senti meu coração apertar e o meu corpo tremer. Ela veio em minha direção.
- Eu sei quem é você... - franzi o cenho.
- Do que você está falando? - fiquei de pé. - Como?
- Quando eu estava na venda, estava passando uma reportagem sobre o desaparecimento de uma empresaria. No início não dei muita bola, mas depois... - meu coração acelerou. - Seu nome é Luane Oliveira e você tem muitas pessoas te procurando.
Tive que sentar, pois meu corpo pesou.
- Eu... eu liguei para o número de contato e informei sobre você. - senti meus olhos arderem e lágrimas passaram a molhar meu rosto. - Em breve virá alguém... A polícia disse que iria informar a sua família.
- Isso é sério? - minhas mãos tremiam.
- Sim... Eu estou feliz que você finalmente vai encontrar sua família, Luane... - fechei meus olhos.
- Quem me procura? - levei a mão ao peito.
- Sua mãe, seu irmão... Amigos e... - abri meus olhos, encarando Taiana. - Sua namorada...
- Namorada? - Tainara e seu Bernardo chegaram naquele momento.
- A Beatriz tem uma família... - Taiana falou com entusiasmo.
- Sério? - a mais nova veio em minha direção, me fazendo ficar de pé.
- Sério! E uma namorada muito linda... - a mais nova me olhou emocionada.
- Aaaaah... - ela me abraçou. - Eu fico tão feliz.
Olhei ao redor, atordoada com as informações que recebi. Vi que seu Bernardo e dona Aninha haviam ficado emocionados. O meu coração batia forte e o medo que me assombrava deu lugar a esperança.
Me vi ansiosa.
Em Belém.
- Quem é? - Lari apontou para a porta.
Franzi o cenho ao ver a investigadora Suzana.
- Olá, senhorita Allen. - fiquei de pé.
Cris, Pietra e Helena, que brincavam no gramado, também se aproximaram.
- Olá, senhorita Suzana... - apertei sua mão. - Aconteceu alguma coisa? - ela sorriu.
- Tome... - franzi o cenho, pegando o papel que ela me entregava.
- O que é isso? - meu coração acelerou.
- Hoje, durante a reportagem que foi exibida sobre o desaparecimento da senhorita Oliveira, recebemos uma ligação. - minhas mãos passaram a tremer. - Uma moça que se identificou como Taiana, disse que sabe onde está a senhorita Luane...
Levei minha mão tremula ao rosto, sentindo minhas pernas perderem as forças.
- Esse é o lugar exato. - ela sorriu. - Todos os dados batem...
- Tem certeza que não é engano? - Pietra lagrimava. Ela segurou minha mão.
- Segundo as informações, ela foi encontrada há quase seis meses nas margens de um mangal muito ferida. Usava as roupas do momento de seu desaparecimento. - Meu Deus. - Vamos ainda hoje até esse povoado. Montei uma pequena equipe...
- Nós também vamos. - Lari colocou uma mão sobre meu ombro.
- O que aconteceu? - dona Regina surgiu em meu campo de visão.
Olhamos para ela, que no mesmo momento levou as mãos a boca. Eu não conseguia dizer nenhuma única palavra. Minha sogra teve que ser amparada, pois desmaiou com a notícia.
No mesmo momento, Pietra, Lari, Helena e eu nos arrumamos para ir até o povoado. O lugar ficava distante, mesmo indo de barco. Malu ficou com dona Regina e Cris. Durante aqueles meses, ela havia se tornado uma grande amiga.
Chegamos ao porto duas da tarde.
- O barco chegou... Vamos. - Helena me chamou.
- Eu não acredito nisso... - olhei para a foto de Luane em minhas mãos. - Por favor, me diga que não é um sonho.
- Minha amiga... - Helena se agachou a minha frente, me abraçando. - Você nunca perdeu a fé...
- Amor, a investigadora está nos chamando... - Lari sorriu.
Ficamos de pé, caminhando até o barco que a polícia havia cedido. Seria seis horas até chegarmos ao povoado. Provavelmente, chegaríamos as dez da noite e só poderíamos seguir no dia seguinte.
A ansiedade tomava conta de mim.
As meninas tentavam me distrair e quando a noite chegou, deitamos para descansar um pouco. Em menos de uma hora, estaríamos em nosso destino. Não consegui fechar meus olhos, pois inúmeras perguntas rondavam a minha cabeça.
Por que ela não havia voltado? Algo não fazia o menor sentido.
- Charlotte? - Lari estava deitada na rede ao meu lado.
- Oi, Lari... - a ruiva sentou e me encarou.
- Por que ela não voltou pra nós? - Estávamos todas deitadas em redes.
- Lembra como ela estava ensanguentada? - Pietra também sentou. - Talvez tenha perdido a memória.
Fechei os olhos e flashs daquele dia invadiram minha cabeça.
- A Lua foi bastante ferida... - respirei fundo, sentindo um nó se formar em minha garganta.
- A investigadora não disse nada sobre isso? - Lari perguntou a mim.
Helena dormia.
- Não... Mas acho que se ela tivesse essa informação, teria nos dado. - um vento fresco soprava.
- Ainda não acredito que isso tá mesmo acontecendo. - a voz da ruiva embargou. - Acho que vou me mudar pra sua casa pra poder matar toda essa saudade.
Ela me fez ri.
- Acho que vai ter que disputar com mais duas pessoas. - Pietra adorava encrencar com Lari.
- Com vocês eu aceito dividir. - ela surgiu em meu campo de visão. - É a primeira vez que te vejo sorrir em meses.
Pietra entrou minha rede, assim como a ruiva.
- Meninas, acho que a rede não vai suportar nós três... - as duas passaram a se empurrar. - Meninas? Meninas? Aaaah...
No momento seguinte, estávamos as três no chão, rindo como duas idiotas.
- O que aconteceu? - Helena nos olhava em curiosidade.
Eu estava imensamente feliz com a possibilidade de ver a minha Luane, que não me importei nenhum pouco com as dores nas costas que agora sentia. Depois de alguns minutos, finalmente chegamos ao povoado. O lugar era pequeno, porém muito bonito.
Havia algumas pessoas na rua e nos olharam em curiosidade.
- Vamos até a venda? - a investigadora olhou em seu relógio.
- Está um pouco tarde... Vamos nos hospedar em uma pousada e amanhã iremos até a venda... - olhei ao redor.
- Tudo bem... - não havia outra escolha.
Nos hospedamos uma pousada muito simples, porém aconchegante. Minha irmã e eu dividíamos o quarto e a mesma cama. Depois de um banho e comermos algo, deitamos para descansar.
Tentei ligar para dona Regina, porém caia direto na caixa postal.
- Ele deve ter esquecido de carregar outra vez. - Pietra me olhou. - Vamos descansar... Amanhã teremos um dia longo.
Concordei com um acenar de cabeça, desligando o abajur rustico na banquinha.
"Deus... Que realmente seja ela."
6 de maio de 2020.
Não foi tão difícil dormir, pois o meu corpo estava exausto. Quando acordamos, já era quase oito da manhã. Tomei um banho rápido, dispensei o café da manhã, pois a ansiedade não me deixava ter apetite algum. Assim as outras terminaram o café, seguimos para a venda de onde foi feita a ligação.
Parecia que o meu coração não iria aguentar.
- Bom dia, senhor... - a investigadora abordou um senhorzinho. - Me chamo Suzana e sou investigadora da polícia. - ele nos olhou desconfiado. - Recebemos uma ligação de seu estabelecimento ontem, feito por uma moça chamada Taiana...
Ao ouvir o nome, ele sorriu.
- Sim, a filha do olho de gato... Ela esteve aqui ontem sim. - procurei a mão de Pietra.
- O senhor pode nos informar onde ela mora? - ele coçou a cabeça.
- Olha, dona... É um pouco longe, mas passo sim. Vou chamar meu filho pra levar vocês. - ele sumiu por alguns minutos e depois voltou com um rapaz que deveria ter no máximo quinze anos. - O Felipe vai levar vocês, não é filho...
- Claro... Vou apenas colocar uma blusa e já volto.
Esperamos em frente ao estabelecimento e segundos depois o rapaz voltou. Fomos para o pequeno cais, onde o barco da polícia estava ancorado. Seria mais uma hora e meia até o endereço e a cada minuto que se passava, o meu coração apertava.
- Nem posso acreditar. - sorri, respirando fundo.
Ao longe, podíamos avistar uma pequena casa de madeira na margem do rio. Helena, Lari e Pietra se colocaram ao meu lado. Quando o barco atracou, senti as pernas ficarem fracas. Saimos do barco e logo fomos recepcionadas por dois senhores, que nos olhavam em curiosidade.
- Podemos ajudar vocês? - o casal se aproximou.
- Dona Ana, essas pessoas pediram pra vir até aqui. - Felipe foi até eles.
- Não me digam que são a família da Beatriz? - franzi o cenho.
- Tivemos a informação que uma das suas filhas entrou em contato com a policia da capital, afirmando que uma moça que desapareceu há quase seis meses está aqui. - ambos sorriram.
- Então são mesmo vocês... - senhorzinho se aproximou. - Entrem... Elas foram passear de canoa, mas logo estarão de volta.
As meninas e eu nos olhamos.
Seguimos para dentro da casa de madeira, porém muito arrumada. Os senhores, que logo descobrimos ser dona Ana e seu Bernardo, nos serviram café e passaram a narrar como a "Beatriz" havia chego até eles.
A minha ansiedade só aumentava a cada palavra que eles diziam.
- Ela não lembra de nada? - Perguntei, aflita.
- Nada, criança... ela estava muito machucada quando chegou. Havia um golpe profundo em sua cabeça. - A senhorinha levantou, indo até um baú e pegou de lá algo que me fez lagrimar.
Levantei, indo até ela e segurando o tecido.
- O vestido de formatura... - minhas mãos tremiam. - É dela...
- Ela é uma excelente menina... - sorri com lágrimas em meus olhos.
- Ela é uma mulher incrível... - respirei fundo, tentando não desabar.
- Mãe, pai... quem são es... - virei para ver quem era aquela voz desconhecida.
E os meus olhos foram imediatamente puxados para uma imensidão azul. Levei a mão ao peito, com medo de que o coração saísse a qualquer momento. Tentei me mover, mas não consegui dar nenhum passo.
Deus...
- Luane...
Fim do capítulo
então...
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