Capitulo 10
- Ela está morando com você?? - Carla perguntou do outro lado da linha. Eu estava sentada na mesa do computador com algumas páginas pra terminar de traduzir. Elis tinha saído, ido atrás do advogado, eu estava sozinha.
- Ela não tinha pra onde ir.
- Ela está dormindo com você, no seu quarto? - Seu tom de voz pareceu um tanto quanto atormentado.
- Você tá louca? Ela tá dormindo na sala.
- Mas vocês já não...?
- Não, né Carla.
- Você ainda não pegou ela, Leah?
- Cala a boca.
- Por que vocês ainda não se pegaram?
- Não te interessa. Eu não saio perguntando o que você fica fazendo com a Alice.
- Se quiser saber, te conto com detalhes depois. - E ela voltou a ser a Carla debochada de antes.
- Você ainda tem visto ela?
- Não muito, ela me enche o saco. E eu conheci uma menina nova, ela se chama Larissa.
- Ah. Como ela é?
- Ela faz arquitetura, é fã de The Killers.
- Conheceu ela aonde?
- No Tinder.
- O que acha dela?
- Ela é legal, beija bem, mas é bi.
- E o que tem que ela é bi?
- Sei lá, não gosto de mulher bi.
- Eu acho que você é muito preconceituosa.
- Não gosto de dividir minhas mulheres com homem nenhum.
"Minhas mulheres" ri comigo mesma.
- E se eu fosse bi?
- Você é bi?
- Tô perguntando e se eu fosse?
- Eu não sei, acho que a gente não estaria juntas há tanto tempo.
Era a primeira vez que Carla se referia a nós como estarmos "juntas".
- Ah é? Estamos juntas então?
Eu brinquei.
- Você entendeu o que eu quis dizer. Não me amole. Escuta, eu vou poder ir aí pra te ver com a princesinha uruguaia na casa?
Eu fiquei em silêncio. Aquilo me deixava um pouco incomodada.
- Sim, vamos ver. - Eu respondi.
- Você gosta dela?
- O que?
- Não se faz de sonsa. Você ouviu o que eu perguntei.
- Gosto... ela é legal. Por que está falando assim?
- Nada, Leah.
Ela ficou em silêncio.
- Se fosse eu que tivesse precisando de um lugar pra ficar, você deixaria eu ficar com você?
- Claro.
- É só que sei lá, você nem conhece essa menina e já colocou ela pra dentro da sua casa.
- Ela é minha prima, não é qualquer uma. Eu confio nela. E é por pouco tempo.
Ela continuou em silêncio por longos minutos.
- Está aí? – Perguntei.
- Sim.
- No que está pensando?
- Você nunca pensou em me chamar pra morar com você? Quer dizer, nós somos amigas há anos. A gente se dá super bem. E eu não ia precisar morar com o Felipe e com o Murilo.
- Pra que? Pra minha casa virar um bordel?
- Isso te incomoda?
- Pelo contrário, você faz o que quiser da sua vida. Só não quero ficar vendo.
- Por que? Te machuca?
- Não to nem aí com quem você trans*, Carla. E além do mais, aqui não tem nem espaço pra caber outra cama pra quando você quisesse ficar com “suas mulheres”.
Ela respirou fundo.
- Eu só queria que em algum momento, um único momento você fosse sincera comigo. Dissesse de verdade o que você sente e não ficasse agindo dessa forma.
Eu fiquei em silêncio. Coloquei a mão na cabeça. Ok, talvez me incomodasse, mas e daí? Talvez eu não quisesse vê-la com outra pessoa, mas e daí? Isso era algo que eu nunca diria pra ela. Nem pra ninguém.
- Carla, eu preciso ir. Depois nos falamos, eu tenho que voltar ao trabalho.
- Ok. Me avise quando eu puder te ver. Um beijo.
- Outro.
As coisas de Elis estavam em um canto, tínhamos encostado o sofá contrário a parede, para que ela tivesse um pouco mais de privacidade. Era o terceiro dia que ela estava ali comigo. Nós nos dávamos bem. Bem demais, pra falar a verdade.
Eu continuei trabalhando até ouvi-la chegar, por volta das quatro da tarde.
Ela abriu a porta.
- Ei.
- Ei. - Eu respondi, virando-me na cadeira em direção pra ela. Ela chegou, foi até a pia da cozinha, lavou as mãos. Depois voltou até aonde eu estava.
- Eu fiz a cópia. - Ela se aproximou e me entregou a chave do apartamento. Tinha pedido pra ela fazer uma cópia pra ela.
Eu sorri.
- E esse chaveiro?
Ela tinha colocado um chaveiro com uma caveira mexicana emborrachada na minha chave. Ela mostrou a dela e era o Groot, do filme Guardiões das Galáxias.
- Ah, o rapaz estava vendendo, eu achei fofo e quis comprar.
- Adorei, obrigada. - Eu apertei meu chaveiro na mão - Como foi lá?
- Ah, sei lá. Mais problemas.
- Por que?
- Eu tenho que tentar falar com a minha mãe, preciso que ela esteja presente comigo e com o advogado pra assinar e ler o inventário. Eu preciso dos documentos dela também pra anexar no processo. Não sei como vou fazer isso.
- Você precisa ir até lá?
- Preciso.
- Que droga. Ele não pode fazer isso por você?
- Até pode, mas ele disse que é mais fácil eu ir atrás dela. Se não der certo eu marco um horário novamente pra falar com ele e vemos o que vai ser feito.
- Quando você quer ir lá?
- Sei lá, o mais rápido possível.
- Você quer que eu vá com você?
Ela abriu um sorriso enorme no mesmo momento.
- Sério que você iria comigo?
- Claro.
Sem que eu estivesse esperando por aquilo ela esticou os braços em minha direção, se atirando em cima de mim, me abraçando forte. Eu estava ainda sentada na cadeira, mal consegui retribuir o abraço. Dei três tapinhas em seu braço de forma desajeitada. Ela se afastou.
- Muito obrigada, Leah. Você não sabe o quanto isso me deixa mais calma. Eu pensei em pedir pra você ir comigo, mas achei que você não iria.
- Você quer ir amanhã?
- Sim, podemos ir.
- Ótimo.
Meu celular começou a tocar. Olhei o nome no visor.
- Falando em mães – Atendi. – Oi mãe.
- Filha, estava tentando falar com você há mais de uma hora
- Estava falando com a Carla. O que você precisa?
- Como assim o que eu preciso? Não posso só querer falar com você?
- Você só me liga pra pedir coisas.
- Deixa de ser mal-educada. Eu liguei pra perguntar se você está acompanhando as notícias do coronavírus. Você precisa se cuidar.
- Estou sim.
- Hoje passou no jornal que estamos em uma pandemia. Você tem noção da gravidade? Eu to desesperada. Já tem 70 casos no Brasil, cada dia tá aumentando mais, semana passada tinha 20.
- Salem! - Elis gritou, eu não consegui ver o que ele estava fazendo, mas devia estar aprontando.
- Quem está aí com você?
- A Elisheva. - Eu sorri pra Elis, que estava agora com Salem no colo, conversando baixinho com ele, como se tentasse educa-lo. Ficaria pra sempre naquela conversa.
- O que ela está fazendo aí?
- Ela... meio que... vai ficar aqui... por um tempo...
- Leah... - Minha mãe mudou o tom de voz - Cuidado, ela é uma moça direita. Não quero saber de você com sem-vergonhice pra cima da sua prima.
- Dona Esther, fica tranquila.
- Eu conheço a filha que tenho.
Eu ri.
- Meu pai está em casa?
- Está lá em baixo cuidando do carro. Sabe como ele é com esse carro.
- Diga que mandei um beijo.
- Digo sim.
- Cuide-se. Mande um beijo pra Elisheva.
E desliguei.
Levantei-me de minha mesa, indo até a geladeira, procurando alguma coisa pra comer.
- Minha mãe disse que você é uma moça direita. Todo mundo acha que você é uma moça direita. - Eu falei. - E pra eu me comportar perto de você. Parece que posso te levar pro mal caminho.
Elis riu.
- Mas foi pra isso que ela ligou?
- Não, ela tá preocupada com o corona.
- Sim, acho que as coisas vão piorar. Você não tem nenhum tipo de álcool aqui, né? Precisávamos comprar, podemos não entrar mais com o sapato também dentro de casa, estou deixando o meu ali do lado da porta.
- Ok. - Apenas respondi.
- Ok? Simples assim?
- O que pensou que eu fosse falar?
- Sei lá. Você é meio do contra às vezes.
Peguei uma maçã e a mordi dando de ombros. Era bom ter Elis por perto. Eu gostava de estar na companhia dela, gostava de conversar com ela. Gostava ainda mais de encher o saco dela.
- Eu posso tomar um banho?
- Meu, se você quiser usar o banheiro de madrugada você vai me acordar pra pedir também? Claro que pode, só não fica perguntando, vai lá e faz.
- Ok, "meu". Ela respondeu, imitando minha gíria, rindo.
Voltei e sentei na minha mesa novamente, queria terminar aquilo em breve. Comi minha maçã, mas não consegui me concentrar. Só conseguia imaginar Elis tomando banho. Minha mente se perdeu com as cenas que fui criando na minha cabeça. Como seria seu corpo nu? O formato de seus seios? Seus mamilos? A água escorrendo por eles... Me imaginei abrindo a porta, tirando minhas roupas, ela ficando surpresa. Eu entraria no chuveiro com ela, a puxaria pra perto beijando sua boca, queria sentir seu beijo novamente, igual aquele dia, queria sentir seu corpo inteiro grudado ao meu, ia colocar minha coxa entre suas pernas, queria ouvi-la gem*r...
Meu rosto estava quente, meu coração batia rápido, meu corpo inteiro pegava fogo. Deitei minha cabeça na mesa. Droga. Desci minha mão direita para o meio das minhas pernas e apertei. Queria muito aquela mulher. A porta do banheiro se abriu e eu me levantei rapidamente, tentando parecer normal, fingi que estava trabalhando, fingi que estava tudo bem, na mais perfeita ordem.
Ela tinha colocado um short e uma regada cavada. Seu cabelo estava preso em um rabo de cavalo. Ela usava um sutiã preto e eu podia ver as alças pelo ombro.
Desviei o olhar e tentei me concentrar. Os primeiros dias eu tinha passado enfiada em meu quarto, tinha levado meu computador pra lá. Hoje como ela tinha saído, tinha aproveitado pra ficar na sala.
Ela sentou-se no sofá, que agora era sua cama, pegou um creme e começou a passar em suas pernas, seus braços, despretensiosamente. Eu não conseguia parar de olhá-la. Eu então salvei o que estava fazendo, fechei tudo e fui para o meu quarto, sem dizer nada. Eu não ia conseguir presenciar aquilo.
Joguei-me na cama e me cobri até a cabeça.
Droga.
Fim do capítulo
Comentar este capítulo:
Jubileu
Em: 20/04/2020
Boa noite Thays! Te acompanho ha um tempo e preciso dizer que as suas histórias estão cada vez mais envolventes. Gosto muito do seu bom humor quando escreve. Gosto do ambiente que você coloca na trama. Te admiro muito, você sabe. Parabéns.
Esperando o próximo capitulo!
Se cuide,
Beijo.
Resposta do autor:
Gratidão pelo carinho, linda. Em breve postarei o próximo. Um beijo.
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