Capitulo 7
- Ele disse que ia chamar a polícia se você não mandasse aquelas pessoas embora, que os vizinhos estão reclamando, que já é mais de dez e meia. – Estávamos no elevador descendo.
- E a Carla? Ele conhece ela, ela não falou com ele?
- Ela se mandou faz um tempo.
- Sim.
Elis e eu nos entreolhamos.
Saímos do elevador e o seu Geraldo, o síndico, estava com as mãos na cintura, furioso. Ele era baixinho, tinha um bigode volumoso e uma barriga saliente. Seu Osmar, o porteiro, estava com ele. Seu Geraldo era alto e magricela. Os dois tinham mais de 60 anos.
Conseguia ouvir Whiskey in the Jar do Metallica tocando.
- Dona Leah, o seu Clóvis disse que vai chamar a polícia. – Seu Geraldo estava com sua voz calma de sempre.
Clóvis era o vizinho chato de cima.
- A festa acabou seu Geraldo, eu vou mandar todo mundo embora, pode ficar tranquilo.
- Eu já falei com eles, Leah, ninguém me ouviu. – Pedro disse meio esbaforido - Já abaixei o som, mas eles aumentaram de novo.
Abri a porta e a música estava muito mais alta do que do lado de fora. Fui até o painel geral do apartamento e desliguei o disjuntor. Situações extremas requerem medidas extremas. Ouvi o chiado de todos os presentes. Subi no sofá, limpei a garganta e gritei:
- A festa acabou! Todo mundo pra fora! A polícia ta vindo!
Ouvi um burburinho e então as pessoas começaram a sair pela porta um atrás do outro, resmungando e combinando para onde iriam naquele momento.
Thiago levou as coisas dele embora e dentro de poucos minutos éramos só eu e Elisheva. Meu apartamento estava um caos. Havia latinhas de cerveja por todos os lugares e bitucas de cigarro também.
- Você quer ajuda pra limpar isso aqui? – Ela ofereceu.
- Não, não precisa. Eu dou um jeito.
Festa maldita. Eu ia matar a Carol.
- Pegue um saco de lixo, eu vou te ajudar aqui. – E vendo que eu não tinha ainda me movido, ela foi mais incisiva - Vai logo.
Dentro de algum tempo já tínhamos recolhido tudo e colocado algumas coisas no lugar.
Fui até meu quarto, tirei a chave de meu sutiã e o abri. Salem começou a miar e se esfregou em minha perna. Peguei-o em meu colo e o levei até Elis.
Ela abriu um sorriso de orelha a orelha.
- Esse é o famoso gato?
- Esse mesmo.
- Ele é arisco?
- Não tanto igual a dona.
Ela riu.
- Você é arisca?
- É o que dizem.
Ele foi para o colo dela e ela começou a fazer carinho nele. Ele sentou em seu colo, se ajeitando, ronronando.
- Você está com fome? - Perguntei.
- Na verdade, um pouco.
Eu me levantei, fui até o armário. Não tinha nada. Eu não tinha feito compras.
- Olha, eu só tenho café, miojo e cerveja. Você quer pedir alguma coisa? Tipo uma pizza, sei lá?
- Não sei... já é tarde, Leah. Eu não vou me demorar.
- Ainda é cedo. Fica mais um pouco.
E ela aceitou. Peguei meu celular, abri o Ifood, escolhemos o sabor da pizza e pedi. Chegaria em 50 minutos.
- Quer uma cerveja? É o que sobrou, eles acabaram com a bebida que você trouxe.
- Quero.
Peguei duas. Entreguei nas mãos dela e sentei-me ao seu lado no sofá, me afundando.
- Vou anotar na minha caderneta mental: nunca mais dar nenhuma festa na minha casa.
- Você está melhor? - Ela perguntou.
- Em relação ao que?
- Carla.
- Ah, sim, não estava mal, estava com uma sensação estranha só.
- Você... gosta dela?
- Não desse jeito.
- Que jeito?
- Eu só me senti sei lá, foi muito esquisito. Não sei se entende.
Ela ficou me olhando, pensativa.
- Mas o que vocês têm, na real? Eu ainda não entendi.
- A gente se pega, sei lá. - Ela me observava. - Não somos um casal, é só sex*, tesão. É bom estar com ela, mas é só isso.
Percebi ela se ajeitando no sofá, cruzando as pernas. Tinha algo diferente em seus olhos que não consegui identificar. Ela colocou Salem para o lado, que se enrolou nele mesmo num cantinho do sofá.
- E vocês estavam juntas ontem? À noite?
- Sim.
Aonde ela estava querendo chegar?
- Por que? - Indaguei.
- Nada. - Ela olhava para sua latinha - Fico curiosa, só.
- Com o que?
- O por que me ligou às duas e meia da manhã se estava com ela.
Meu rosto corou no mesmo momento. Senti medo de que ela pudesse ouvir meu coração bater. Fiquei em silêncio. Me levantei, jogando a latinha no lixo. Peguei outra na geladeira e a abri, dando um gole generoso. Ela me olhava. Só de estar ali conversando com ela sentia tantas sensações diferentes em meu corpo que nem conseguia explicar. Ela se levantou, veio até mim.
- Me diz. Por que me ligou?
Eu naquele momento não precisaria me tocar pra saber que estaria toda molhada. Era difícil de respirar ali perto dela. Sentia meu coração na garganta. Coloquei a latinha apoiada na bancada.
- Quer mais uma?
- Quero.
Ao abrir a porta, olhei mais atentamente, vi que alguém tinha deixado um maço de cigarros e um isqueiro na porta da geladeira.
- Meu, deixaram um maço na geladeira
Ela riu.
- Eu já guardei meu celular na geladeira.
- O que? Você tava bêbada, né?
- Não, fui pegar refrigerante, deixei o celular que tava na mão lá dentro.
Eu ri.
- Depois fiquei procurando ele pela casa.
- Eu nunca fiz esse tipo de coisa.
- Você se sente muito idiota depois.
- Eu já me sinto idiota sem fazer isso, imagina fazendo. – Ela riu. - Vem, vamos ali na sacada comigo.
Acendi um, apoiando a cabeça no gradil.
- Não sabia que fumava.
- Eu tinha parado. Mas ajuda a me acalmar.
- Está nervosa?
- Você não tem ideia do quanto. - Eu revelei num tom baixo.
Ela riu e aproximou-se de mim. Olhei em seus olhos.
- Você gostava da sua aluna? - Perguntei.
- Sim. Ela era inteligente como você. Gosto de pessoas inteligentes.
- Como foi que aconteceu?
- Num dia depois da aula, ela pediu para que eu explicasse uma parte da matéria que ela não tinha entendido. Estávamos só nós duas. As aulas eram a noite. Eu sempre a tinha respeitado, assim como sempre respeitei a todas as alunas. Naquela noite em especial ela usava um decote enorme... e eu conseguia ver uma parte do sutiã dela e... aquilo me deixou louca.
Elis ia contando e eu sentia aquela sensação se apoderando de mim.
- Eu expliquei toda a matéria pra ela. Ela não parava de olhar pra minha boca, sabe?
Ela disse, olhando para meus lábios. Eu continuei paralisada.
- Quando estávamos indo embora, ela disse pra mim, olhando nos meus olhos:
E Elis olhou nos meus.
- "Você ainda não percebeu o que eu estou querendo?".
Ouvi o interfone soar nesse momento.
Que merd*.
- Acho que nossa pizza chegou. - Ela sorriu, sem graça, afastando -se de mim.
- Eu vou descer pra pegar, fica a vontade. - Apaguei o cigarro.
Avisei o seu Osmar que estava descendo. No elevador fui com mil pensamentos. Será que ela quis dizer o que ela quis dizer ou eu estava ficando louca? Peguei a pizza na portaria com o entregador, junto com um refrigerante.
- O Seu Geraldo disse que na próxima vez vai te dar uma multa, senhorita Leah. - Seu Osmar colocou a cabeça pra fora de sua guarita - Cuidado com o barulho. Tem um recém-nascido no terceiro andar. E tem a dona Amélia do 10 também. O Seu Clóvis não gosta muito da senhorita também.
- Entendi o recado, pode deixar.
Eu que não queria me encontrar com nenhum daqueles vizinhos no elevador. Voltei para o quinto andar. Ao abrir a porta, percebi que Elis ainda estava na sacada, Salem estava em seu colo. Ela entrou na sala. Coloquei a caixa e o refrigerante na bancada. Ela colocou o senhor gato no chão.
- Acabei de perceber que você não tem mesa. - Ela disse olhando em volta.
- Eu como no sofá ou no meu quarto.
- Posso ver seu quarto?
- Pode. - Apontei com a cabeça. - Está de pernas para o ar, cuidado pra não ser tragada por algum buraco negro.
Ela riu e balançou a cabeça. Eu peguei copos e pratos para nós. Puxei uma mesinha de canto e improvisei uma mesa colocando-a em frente ao sofá. Ela estava parada ainda no beiral da porta, observando.
- Você tem bastante livros. - Ela disse. – Sua casa é cheia de plantas, você tem um filtro dos sonhos pendurado no seu quarto... um emissário dos ventos na varanda...
- E o que você conclui a partir disso, professora?
- Não sei, você aparenta ser uma pessoa diferente do que realmente é. - Ela veio então em minha direção, sentando-se no sofá.
- Isso é bom ou ruim? – Perguntei.
- Você tem um lado sensível aí dentro, por mais que tente esconder.
- Sensível? - Eu ri.
- Você só tem uma aparência de durona... Mas não sei, acho que isso é só fachada.
Dei de ombros achando aquela conversa muito desnecessária, servindo-me de um pedaço. Nós comemos, trocamos algumas amenidades e eu me joguei no sofá.
- Nossa, eu to muito cheia agora. - Disse, com a mão na barriga. - Tô muito satisfeita.
- Eu também. E eu preciso é ir embora, já está muito tarde. - Ela disse olhando no relógio.
- Fica mais um pouco. - Eu pedi de olhos fechados.
- Você já está quase dormindo - Ela riu de uma forma doce.
- Não estou não. Só fica mais um pouco.
- Fico. – Ela disse baixinho.
Ela se aproximou de mim então, também deitando a cabeça no encosto do sofá. Quando abri os olhos poucos minutos depois percebi que ela estava lá, me olhando.
Me aproximei ainda mais dela, ainda com a cabeça no sofá.
- Eu estava olhando sua foto. - Eu disse.
- O que?
- Eu te liguei porque estava olhando sua foto, aí liguei sem querer.
- Por que estava olhando minha foto?
- Não é óbvio?
- Não.
- Porque te acho linda demais.
Ela sorriu e se inclinou em direção a mim. O telefone dela começou a tocar no mesmo momento, ela fez menção de olhar pra ele, mas corri os dedos pela sua nuca, não ia deixá-la escapar dessa vez, puxei-a pra perto e nossos lábios se encontraram. Foi... suave, doce. O telefone ainda tocava, mas nós continuamos ali, apenas nos beijando. Ela se aproximou ainda mais de mim, sua mão veio em direção ao meu rosto e ela começou a fazer um carinho gostoso, passando sua mão também pela minha nuca, me arrepiando inteira. Aquilo era... diferente. Estar ali com ela era diferente. Era diferente de estar com Carla. Eu não sabia o porquê, mas era diferente. Eu estava com uma sensação de entorpecimento, de alegria, com um tesão enorme e eu sentia meu peito quente, era tão... bom. O telefone parou e ela desceu suas mãos macias pelos meus ombros, meus braços, tocando minha pele.
Ela sorriu em meio ao beijo.
- Você tá toda arrepiada...
Eu sorri e escondi meu rosto em seu pescoço. Ela tinha um cheiro tão gostoso.
- Adoro seu perfume. - Eu disse baixinho.
Ela começou a passar a mão em meus cabelos e eu fechei os olhos, gemi e esperei muito que ela não tivesse ouvido. Como ela fazia aquilo comigo? Eu tinha me esquivado de Carla e agora estava ali, nas mãos de Elis.
O telefone voltou a tocar.
- Deixa tocar.
- Vou ver quem é. Está insistindo.
- Deve ser telemarketing
Ela riu.
- Esse horário?
E ela se afastou e eu fui voltando a mim. Passei as duas mãos no rosto, me recompondo.
- É a minha tia Lena. – Ela disse - Deve estar preocupada do porque ainda não voltei. Tô me sentindo uma adolescente de novo passando esses dias na casa dela. Ela fica o tempo todo no meu pé. – Ela reclamou e então atendeu.
- Shalom. Desculpe deixar a senhora preocupada. – Ela colocou a mão na testa - Eu já estou voltando. Estou aqui com a filha da Esther. A Esther... Filha da Yana e do Francisco. Não, não a Ana... a Leah. Você conhece ela, tia. Sim. Eu sei que está tarde. Sei que... ok. Já estou indo.
Desligou.
- Eu tenho que ir mesmo, desculpe.
- Tudo bem.
Ela foi até o sofá e sentou -se novamente ao meu lado. Buscou uma de minhas mãos.
- Leah, você sabe que eu vou me casar, né?
- Sim, eu sei.
- Eu só não quero que pense que..
- Eu não estou pensando nada, Elis. Fique tranquila. - Afastei nossas mãos e me levantei. – Não foi nada demais. Foi só um beijo. – Eu disse da forma mais fria que consegui dizer. Peguei meu celular e comecei a descer minha timeline de alguma rede social, sem me atentar a nada do que estava fazendo.
- Obrigada pela pizza e pela conversa. Foi muito bom.
Ela se levantou, pegou suas coisas.
- Sim, a gente se vê. – Eu disse, ainda longe dela, não conseguindo encará-la.
- Leah. – Ela se aproximou. – Está tudo bem?
- Claro. – Guardei o celular. – Estou cansada só. – Forcei um sorriso.
- Sim, descanse.
Ela foi até a porta. Eu não a acompanhei. Acenei de longe e ela saiu.
Eu não consegui dormir aquela noite.
Fim do capítulo
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