Capitulo 18 - Ígneo
Era a terceira vez que a enfermeira entrava no quarto. A mulher era baixa, de corpo avantajado, aparentava ter seus trinta e cinco anos e portava roupas brancas. Ela tinha um sorriso de creme dental. Dessa vez, a enfermeira estava trocando soro e comentando sobre a fina chuva que caía lá fora.
Charlie não prestava muita atenção, seus olhos estavam fixos nas flores que ainda mantinham um brilho intenso e o seu perfume que exalava pelo quarto. Cassia tinha arrumado as peônias em um vaso de vidro improvisado pela equipe do hospital, e depois, resolveu passar em casa rapidamente para tomar um banho, trocar de roupa e buscar os gêmeos para visitarem a tia Charlie.
A Sanders mais velha estava receosa de ir e deixar Charlie sozinha, mas a mais nova lhe convenceu de que ficaria bem, e passar algumas horas sozinhas seria bom para se organizar e absolver todos os últimos acontecimentos. Assim, quando retornasse, Cassia poderia trazer a vovó Anna e os gêmeos com ela.
Depois que a irmã partiu, Charlotte não teve muito o que fazer. Ela recebeu visita de alguns enfermeiros que fizeram vários checkups. Tomou alguns medicamentos para dor, anti-inflamatórios, e depois que trocou o curativo do super-cílio, ela apagou por alguns minutos. Assim que acordou, já se sentia bem melhor.
Aproveitou e ligou para Martha, sua secretária em Nova Iorque. Se certificou de que tudo ocorria bem e informou que passaria mais uma ou duas semanas em Hilton, se limitou em não dizer os motivos. A empresária também cancelou todos os compromissos presenciais e remarcou todos para videoconferência, para finalizar, pediu a que Martha lhe enviasse relatórios semanais de como estavam os negócios.
Respirou aliviada quando finalmente desligou o telefone, pois teve a certeza de que sua secretária daria conta de tudo.
A enfermeira voltou a entrar no quarto e dessa vez, trazia em suas mãos uma roupa azul clara, idêntica a que Charlie estava usando. A única diferença era que ela estava limpa e bem passada.
- Olá, senhorita Charlotte! - Cumprimentou sorridente pela quarta vez.
- Olá! - Charlie retribuiu o sorriso e se encobriu mais um pouco.
- Trouxe roupas limpas! - Ela sacudia o pano bem dobrado no ar.
- Muito obrigada… Qual o seu nome mesmo?
- Enfermeira Pipper! - Ela disse depositando a roupa em uma mesa que estava em frente da cama.
- Obrigada, enfermeira Pipper.
- Como se sente?
- Eu estou ótima, acho que poderia até ir para casa hoje…
A enfermeira sorriu e negou com a cabeça.
- Não mesmo, senhorita Charlotte.
A mulher se mantinha ali ainda parada, então Charlie deduziu que tomaria mais remédios.
- Vai me dopar novamente?
- Você acha que vai ser preciso ou eu posso te dar banho com o seu consentimento? - Perguntou animada.
- O que? - Perguntou incrédula. Ela não precisava de enfermeira para lhe dar banho.
- Eu vejo bundas todos os dias, Charlotte, vai ser moleza!
- Acho que posso tomar banho sozinha, Pipper… - Disse sem jeito.
- É, todos podem até cair no banheiro e acabar com mais alguma fratura… - Ela ainda ria.
- Acho que posso lidar com isso… - Charlie disse fazendo menção de se levantar.
- Vá com calma. - A enfermeira lhe advertiu.
Charlie sentiu suas costelas doloridas e levou as mãos até elas, a mulher gem*u de dor e parou sentada na cama.
- Eu posso fazer isso. - Repetiu.
- Claro que pode. - Pipper disse otimista. - Eu vou te acompanhar até o banheiro por causa do mocinho aqui. - Ela apontou para o soro.
Charlie assentiu que sim com a cabeça e levantou devagar. Pipper fez ela repousar um lado do corpo sobre os seus ombros e arrastou o soro com a outra mão. A chegada no banheiro foi lenta, porém menos dolorosa.
- Tem certeza de que não quer ajuda no banho? - Pipper perguntou observando a paciente.
- Está tudo sob controle. - Charlie afirmou fazendo positivo com o polegar.
- Ok… - Ela olhou ao redor. - Tem toalhas limpas logo ali… - Apontou para uma barra de metal ao lado da ducha.
- Obrigada…
- Tem certeza de que vai ficar bem sozinha?
- Sim… - Ela sorriu e apontou uma um pequeno controle ao lado de uma privada. - Qualquer coisa eu toco o alarme e você pode vir correndo ver a minha bunda.
As duas riram.
- Tudo bem, assim eu fico mais tranquila. - Pipper confessou entre risos. - Bom, até mais, senhorita Charlotte.
- Até mais Pipper, e pode me chamar de Charlie! - Disse animada enquanto via a outra sair do banheiro e fechar a porta.
A parte mais difícil foi tirar a roupa porque exigiu uma certa movimentação causando uma dor intensa nas costelas. Perdeu as contas de quantas vezes teve que parar, respirar fundo e morder a toalha para não gritar de dor.
Tudo bem… Você consegue.
Ela encorajava-se o tempo inteiro. Valeu a pena porque quando sentiu a água quente percorrer seu corpo, foi a melhor sensação daquele dia. Ela começou a relaxar e as dores foram diminuindo gradualmente até se tornarem imperceptíveis.
Oh, isso é bom, muito bom…
Alguém uma vez lhe disse que a água era um elemento milagroso da natureza, naquele momento, ela teve a comprovação. Era como se seu corpo se renovasse a cada gota d’água. Aproveitou aquele momento para esvaziar a cabeça e não pensar em mais nada. E isso lhe fez muito bem, seus músculos estavam mais relaxados quando o banho foi finalizado.
Colocar a roupa não foi tão difícil quando tirá-la, concluiu que provavelmente suas costelas estariam anestesiadas pelo relaxamento da água.
- No fim, a enfermeira Pipper tinha razão sobre o banho, me sinto bem melhor… - Ela disse enquanto terminava de se vestir.
Ouviu umas batidas fracas na porta principal, não demorou muito para ouvir alguns passos no interior do quarto. Lembrou que a enfermeira voltaria para lhe dar alguns analgésicos, mas não esperava que fosse tão rápido. Charlie deu de ombros.
- Pipper? - Ela gritou do banheiro.
Nenhuma resposta. Ela terminou de calçar os chinelos de dedo do hospital e puxou a toalha para secar os cabelos. Resolveu sair logo e conferir o que a enfermeira queria. Lentamente, ela caminhou com o soro e a toalha pendurada no ombro.
- Pipper, tudo pronto. - Ela ria enquanto abria a porta. - Você não vai precisar ver a minha bunda hoje e…
Ela parou no instante em que saiu do banheiro e se deparou com a Claire Griffin, parada perto da porta do seu quarto. Ela estava linda, esse foi o seu primeiro pensamento. O vestido solto, florido lhe davam um ar descontraído. O casaco combinava perfeitamente com a peça, e já estava aberto por conta do calor dos aquecedores. O cabelo estava solto, e caia perfeitamente além do seu pescoço.
Charlie se pegou hipnotizada por alguns minutos analisando a mulher a sua frente. Era uma beleza que iam além dos aspectos físicos, Claire tinha uma áurea de paz que lhe prendia e acalmava todas as suas tempestades. A mulher respirou forte e suas narinas foram invadidas pelo perfume delicado e adocicado da morena, e então ela voltou a realidade.
- Claire… - Ela conseguiu dizer.
- Charlie. - A outra saldou, visivelmente corada.
- Eu não sabia que você viria… - Ela disse sem tirar os olhos da outra.
- Oh, tudo bem! - Claire disse rapidamente. - O Joe me pediu parar vir trazer algumas coisas para você comer! - Ela suspendeu a cesta repleta de comida e frutas.
Charlie olhou para cesta exagerada, cheia de comida. E o único pensamento que lhe veio a em mente foi: Qual é o problema do Joe?
- Uau. - Ela disse espantada com tanta comida.
- Ele estava preocupado com a sua alimentação aqui no hospital. - Claire deu de ombros e colocou a cesta em cima da mesa. - Como você está?
- Estou bem… - Ela disse enquanto tentava sentar na cama lentamente. Não queria fazer cara de dor na frente da Claire. - E você?
- Isso é ótimo, você me parece bem… - Ela levou as mãos até o casaco. - Eu estou bem também.
- Pode se sentar… - Charlie disse apontando para a cama.
- Eu estou bem, Charlie.
- Vamos Claire, eu não mordo. - A outra insistiu.
Claire caminhou lentamente até o pé da cama e se sentou com receio. Ela estava tensa.
- Você está linda. - Charlie pensou alto.
A morena desviou o olhar e suas bochechas coraram. Charlotte jurou ter visto os lábios avermelhados se esticarem em um rápido sorriso.
- Obrigada. - Ela disse simplesmente.
- Eu preciso te agradecer também pelas flores… - A mais velha apontou para o ramo enfeitado no vaso logo ao lado da sua cama. - Elas são tão cheirosas quanto você.
Os olhos verdes encaram Claire com o já conhecido brilho intenso. Ela não conseguia fugir daquele olhar, por mais que quisesse, e eu corpo já dava indícios de reagir a presença da Sanders.
- Eu fiquei feliz em saber que você tinha vindo até aqui, Claire. - Charlie se aproximou da outra que estava sentada quase caindo da cama.
- Eu fiquei preocupada com você.
Os olhos castanhos encaram os de Charlie pela primeira vez, e havia muita sinceridade naquelas palavras.
- Sinto muito… - O coração da Sanders errou uma batida. - Eu não quis te deixar preocupada.
- O que houve?
- Eu não consigo me lembrar direito… - Os olhos verdes ficaram distantes. - Acho que perdi o controle do carro, não sei.
A morena analisava Charlie, seus olhos passeavam pelo rosto e por cada ferimento ali presente. Havia certa ansiedade e medo naquele olhar… E mais alguma coisa a mais que a mais velha não conseguia decifrar.
Em um gesto rápido que surpreendeu a Claire, a Sanders tocou suas mãos que estavam repousadas no colchão. A mais nova fechou os olhos automaticamente ao sentir o toque suave e quente. Charlie sorriu, já tinha um tempo que desconfiava que Claire também apresentava certas reações, assim como ela, quando estavam juntas.
- Eu preciso ir, Charlie. - Claire disse ainda de olhos fechados.
- Não, você pode ficar.
Claire abriu os olhos e Charlie a observava com aqueles grandes olhos verde-mar, algo lhe puxava até aquela mulher. Eram sensações novas para a menina, como se estivesse sendo convidada pela forasteira a conhecer várias outras formas de sentir. A sua lógica gritava que aquilo já tinha ido longe demais, mas o seu coração pedia para que ela se arriscasse e acabasse de vez com todas as dúvidas que pudessem existir.
Charlie apenas queria sentir a morena mais perto de si. Ela nunca fora uma mulher de lutar contra seus desejos e vontades, e passou a vida inteira perseguindo os seus próprios sonhos. E tudo que via em Claire naquele momento, era um desejo vivo que queimava dentro de si todas as vezes em que se encontravam. E ela jamais se impediria de se sentir viva novamente, já fazia tanto tempo que se atormentava com o passado, e agora, o presente se apresentava na forma de Claire e dos seus olhos castanhos.
Charlotte se aproximou mais ainda da garota a sua frente, percebeu o quando Claire estava assustada e enfrentando uma luta interna. E a sua curiosa era saber qual lado ganharia.
A morena não fez menção de se afastar, e então Charlie tocou delicadamente o rosto da garota a sua frente.
- Por favor, Charlie… - Claire sussurrou, sabendo que não conseguiria sair dali.
- Shhh… - A mais velha colocou o dedo entre os lábios de Claire tentando calar a mulher.
Ela apreciou os lábios da morena os contornando lentamente com a ponta dos dedos, como se quisesse gravar aquela imagina com o contato físico. Claire só se deu conta da aproximação perigosa quando abriu os olhos. Estavam a menos de um palmo uma da outra, a respiração acelerada de Charlie fazia cocégas no seu rosto. Os olhos castanhos foram direcionados até a boca da Charlotte, como um convite silencioso que foi bem atendido por Charlie.
Ela encostou os lábios sob os da Claire em um movimento lento. A morena recebeu a suavidade daquele ato com apreensão, mas não conseguiu resistir quando a língua de Charlie pediu permissão para tomar seus lábios em um beijo delicado.
Não havia como comparar aquelas sensações, era tudo novo e seu corpo parecia ter vida própria ao lado da Sanders, suas bocas se encaixavam como se houvesse um reconhecimento imediato em um misto de desejo e cuidado.
As mãos de Charlie puxaram Claire pela nuca, aproximando seus corpos que ansiavam um pelo outro, e mesmo que o ar ameaçasse faltar, seus lábios não queriam se separar porque ansiavam um pelo outro. A pele, o cheiro e o gosto dos lábios, tudo se misturava entre respirações rápidas demais.
Charlie puxava o lábio da morena que já estava com os braços em volta do pescoço da mulher e voltava a tomar sua boca, suas línguas dançavam em um ritmo perfeito. Não havia mais nada além daquele momento, não haviam mais pensamentos, só sensações.
Mas Claire, em um lapso de realidade, quebrou aquele momento, empurrando Charlie lentamente.
As duas estavam ofegantes, e Claire parecia atordoada. Ela levantou rapidamente da cama ainda com a mão nos seus próprios lábios.
- E-eu… - Ela começou gaguejando, visivelmente atordoada. - Eu preciso ir!
- Claire… - Charlie a chamou. A morena apenas negava com a cabeça.
- Eu preciso pensar, Charlie. Isso está errado.
- O que é que está errado, Claire?
Ela não respondeu, apenas andava pela sala em silêncio e com as mãos nos lábios.
- Isso foi errado! - Claire declarou. - Eu e você… Esse beijo!
- Por quê?! - Charlie perguntou entredentes enquanto tentava se levantar.
- Porque é Charlie! - Ela quase gritou. - Você está sendo acusada de assassinar a irmã do Mike! E você é uma mulher! - Ela levou as mãos a cabeça em um tom desesperado demais.
Charlie levou as mãos até os cabelos, jogando ele para apenas um lado. E caminhou até Claire.
- Claire… - Ela disse enquanto se aproximava da menina.
- E-eu preciso pensar, Charlie. - Ela disse apressada.
A Sanders respirou fundo e assentiu com a cabeça. Claire respirou fundo e quando pensou em abrir a boca, a porta foi invadida por Liam e Lily que gritavam e pulavam ao lado de Cassie, Anna e Victorio.
Charlie e Claire se entre-olharam, a morena corou e a mais velha sentiu vontade de cair na gargalhada. Não esperava que tudo aquilo acontecesse, mas o dia estava sendo um dos melhores dos seus últimos anos. A presença de Claire a acalmava e aquecia o seu coração, e mesmo que a morena tentasse fugir, parecia que o destino estava armando para colocá-la sempre no caminho da Sanders.
Não teria como escapar depois daquele beijo que mais tarde estaria presente em todos os pensamentos da morena, havia deixado nítido o desejo mútuo que ambas sentia uma pela outra. Havia sido mais que um beijo, Claire pensou quando observou Charlie abraçar os sobrinhos, tinha sido uma confirmação e ali ela soube que estava perdida.
******
*Ígneo: próprio do fogo.
Fim do capítulo
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