Capitulo 17 - Implícito
Claire estava servindo chá e torradas para a senhora Parker. Ela era uma idosa de oitenta anos que morava na rua do Joe’s Coffee e fazia questão de ir lá todos os dias, sentava-se na mesa de número 3 e tomava o seu café da manhã, que era o mesmo durante cinquenta anos: Chá de camomila com gengibre e torradas quentinhas.
A garçonete já havia deixado o pedido na mesa, mas a senhora Parker fazia questão que ela se sentasse um pouco. Claire sempre dedicava cinco minutos para dar atenção a simpática mulher, e tudo isso sob o olhar permissivo do Joe. Ele também adorava a senhora Parker.
A Griffin ouvia atentamente as palavras da amável velhinha, ela explicava para a jovem garçonete o porquê de andar sempre portando o seu guarda-chuva amarelo.
- Pode até estar fazendo uma bela manhã ensolarada, Claire, mas eu sempre ando com o meu fiel amigo! - Ela abraçou o objeto amarelo.
- A senhora é muito prevenida, senhora Parker. - Claire disse sorridente.
- O que? - Ela gritou.
A velhinha havia perdido cinquenta e cinco por cento da audição. Claire se inclinou ainda sorridente e falou próximo ao ouvido da senhora Parker.
- Eu disse que a senhora é muito prevenida.
- Oh, sim, minha querida! - Ela tomou Claire pelas mãos. - E temos que ser, o mundo não é mais como era antigamente.
Claire assentiu com a cabeça e afagou levemente as mãos da senhora Parker. Tinha certo apreço por idosos, seus avós moravam todos na Georgia e raramente ela tinha tempo de ir visitá-los. Então os momentos que passava com a adorável senhorinha de cabelos brancos bem penteados, lhe aqueciam o coração e lhe levavam de volta a Georgia.
- Sabe Claire, você é uma menina adorável… - A senhora Parker começou. - E me faz lembrar bastante da minha neta, Denise.
- Não sabia que a senhora tinha uma neta. - Claire disse pensativa. Todos sabiam que a senhora Parker morava sozinha, seu marido havia falecido há vinte anos e não se sabia muito sobre a família dela.
- Fale mais perto do meu ouvido, querida. - Ela pediu confusa.
- Eu disse que não sabia que a senhora tinha uma neta. - Claire disse em um tom mais alto próximo a orelha da senhorinha.
A senhora Parker sorriu e deu umas batidinhas na mão de Claire.
- Oh sim, eu tenho. - O sorriso nos seus lábios exalavam afeto. - O nome dela é Denise, ela morou aqui em Hilton por um tempo. - Completou pensativa.
- Oh! - Claire disse surpresa e feliz ao mesmo tempo. Sempre achou que a senhora Parker era muito solitária. - Provavelmente, eu já devo tê-la visto pela cidade. - Falou em um tom alto para se certificar que a senhora ouviria bem.
- Oh, certamente que não, querida. - A senhora voltou a beber o seu chá. - A Denise foi embora há dez anos atrás… - Seu tom era nostálgico.
Claire afagou as mãos da outra, sentindo certo pesar. A garçonete era uma pessoa muito altruísta, e compadecida com o sofrimento alheio.
- Eu sinto muito… - Ela respondeu alto demais.
A senhora agitou as mãos em um gesto claro que negava as palavras da outra.
- Não sinta, querida, não sinta. - A senhora Parker se antecipou. - Foi melhor assim… - Ela começou a explicar. - A Denise estava muito abatida pela morte da melhor amiga.
Claire juntou as sobrancelhas em uma expressão confusa. A senhora Parker olhava para a xícara de café, seu olhar era distante e carregado de saudade. A garçonete mordeu os lábios sem saber se deveria perguntar mais alguma coisa, ela queria saber o que houve com a Denise e com sua melhor amiga, mas não se sentia no direito de perguntar.
E como se lesse os pensamentos de Claire, Parker começou a falar.
- Como era mesmo o nome da amiga de Denise? - Ela perguntava para si mesma. - Tayna… Não, não.
Claire apenas observava curiosamente o monologo da senhora Parker. Algo lhe dizia que aquela mulher sabia mais do que aparentava, e a história de Denise começava a se tornar interessante.
Parker mordeu uma das torradas lentamente, e demorou uma vida, de acordo com o relógio de Claire, para terminar de mastigar. Quando engoliu, ela olhou fundo nos olhos da garçonete e tinha um brilho diferente ali.
- Taylor! - A senhora Parker declarou.
Claire empalideceu.
Não é possível.
Taylor?
Não, não, isso tudo é apenas uma coincidência. Quantas Taylors existem em Hilton? E no mundo?
Milhares! Taylor é um nome muito comum.
E como estivesse dentro da cabeça de Claire, a senhora Parker completou:
- Taylor Collins! - Ela sorria alegremente, alheia a toda confusão interna da morena. - É isso mesmo, Taylor Collins… - Confirmava. - As duas eram inseparáveis!
Claire deixou as costas repousarem no banco. Estava atordoada. Era a mesmo a Taylor Collins.
Nada fazia sentido naquele momento e seus neurônios começavam a formular diversas perguntas.
O quanto a senhora Parker sabia sobre a Taylor?
E onde estava Denise? Por que ela havia ido embora mesmo?
Claire balançou a cabeça tentando afastar todos aqueles pensamentos.
- Elas eram muito amigas, uh? - A morena arriscou.
- O que? - A senhora Parker perguntou chegando mais perto de Claire.
- Eu disse que elas eram muito amigas! - Repetiu aumentando o tom de voz. - A Denise e essa moça… A Taylor.
- Oh, sim, eram! - Parker respondeu alegre. Sua áurea se iluminava ao falar da neta. - Elas se conheciam desde pequenas. - Completou sorrindo, porém os seus lábios se contraíram e fecharam. Ela havia se lembrado de algo.
- O que houve? - Claire perguntou.
- Oh, nada, Claire… Coisas da vida. - Parker fez uma pausa e analisou a garçonete. Era como se ela ponderasse se deveria continuar a falar ou não. - A Denise era uma menina de ouro e a Taylor também. Mas tudo mudou…
Claire olhou para os quatro cantos da cafeteria. Maggie passava agitada servindo algumas mesas, apesar de que o movimento estava fraco. Joe estava lá fora fumando e falando com alguém no telefone, então ela aproveitou para se concentrar na senhora Parker.
- O que foi que mudou, senhora Parker? - Ela disse bem próxima da mulher.
Parker olhou para todos os lados e abraçou o guarda-chuva. Seus olhos perderam o brilho e ela já não tocava nas torradas.
- Era um domingo ensolarado… - Parker começou. - A Denise estava comendo sua torta favorita de maçã, eu havia feito especialmente para ela. - O sorriso voltou e logo morreu em seus lábios. - Mas algo estava diferente. Ela era uma menina tão agitada e alegre, e naquele dia ela estava triste e cabisbaixa.
Claire ouvia atentamente.
- Algo a incomodava… - Completou. - E eu perguntei várias vezes o que era, mas Denise sempre dizia que não era nada demais. Eu comecei a achar que eram os hormônios que costumavam ficar agitados naquela idade.
A senhora Parker olhou para os pés e respirou fundo. Claire olhou para o relógio e viu que os seus cinco minutos já haviam acabado. Então, ela rezou baixo para que Joe não voltasse por tão cedo.
- Semanas depois, eu descobri que a minha menina estava apaixonada. - Claire ergueu as sobrancelhas. - A minha pequena Denise havia finalmente crescido. - Confidenciou.
- Mas se apaixonar é uma coisa boa, senhora Parker. - A garçonete constatou perto do ouvido da outra.
- Costumava ser, minha querida. - Disse tristonha. - Denise estava apaixonada por alguém que não a amava. - Ela suspirou. - E aquilo estava destruindo o jovem coração da minha neta.
Claire não sabia o que dizer, então optou por assentir com a cabeça.
- O rapaz estava obcecado por sua melhor amiga, a Taylor… - Parker continuou e dessa vez, a Claire não conseguia tirar os olhos da frágil senhora. - Mas a Taylor estava presa em pecado.
- Como assim presa em pecado? - Perguntou confusa.
A senhora Parker se inclinou até Claire, e falou baixinho como se aquilo fosse um segredo.
- A Taylor estava apaixonada por outra garota.
Claire voltou a se afundar na cadeira. Seu coração disparava e ela tinha certeza de que se tratava de Charlie.
- Oh. - Foi a única coisa que saiu dos seus lábios.
A senhora tomou o último gole de chá e fechou os olhos se deliciando. Como se aquele momento fosse inteiramente seu.
- Oh, querida, aquilo não foi grande coisa para mim… - A senhora Parker começou a rir. - Eu sempre fui uma mulher moderna. Mas para toda a cidade de Hilton, as duas estava vivendo sim em pecado.
- E para Denise? - Claire perguntou pausadamente.
- Denise não apoiava muito, ela tinha seus receios com Charlie. - Ela fez uma pausa e Claire prendeu a respiração ao ouvir o nome da outra. - Oh, sim, Charlie é um apelido intrigante.
- Denise não gostava da Charlie?
- Não, não era isso… - A senhora gesticulava com as mãos. - O problema era que Taylor dedicava muito tempo a nova namorada, e amizade delas não era mais como antes. - A senhora deu de ombros. - Pelo menos era isso que Denise me contava.
Claire mordeu o lábio inferior, haviam tantas perguntas que ela queria fazer para a senhora Parker. Queria saber mais sobre Denise e Taylor. Talvez assim ela mesmo pudesse chegar as suas conclusões sobre Charlie, tudo estava tão confuso.
- Eu sabia! - A senhora Parker quase gritou.
Claire levantou em um pulo, assustada demais.
- Olhe, Claire… - Ela apontou para uma das janelas da cafeteria. Uma garoa fina caia lentamente do céu. - Eu sabia que poderia chover a qualquer momento!
A garçonete olhou para a chuva pensativa. Do dia para noite tudo havia se tornado um grande mistério que girava em torno de um único nome: Charlotte Sanders. O que ela escondia?
- Eu sempre ando com meu fiel companheiro. - A senhora Parker alisava o guarda-chuva com afeição.
Claire assentiu sorrindo olhando ainda para a chuva fina.
- A gente nunca sabe quando vai chegar a próxima tempestade, Claire. - A senhora Parker sussurrou.
Um Joe agitado entrou na cafeteria, os sinos tocaram avisando sua presença e Claire prontamente recolheu a xícara e o prato com algumas torradas mordidas que estavam mesa.
- Claire! - Joe a chamou enquanto caminhava até a mesa 3.
- Joe! - A senhora Parker se levantou com dificuldades e se colocou à frente de Claire.
- Senhora Parker… - Joe a abraçou. - Como foi café da manhã hoje?
- Maravilhoso… E amanhã ele estará melhor ainda! - Ela disse animada e todos riram juntos.
- Eu estarei lhe aguardando! - Joe disse contente e logo se virou para Claire que estava paralisada com a bandeja nas mãos. - Eu preciso que você me faça um favor, Claire.
- Sim, Joe. - Ela disse prontamente.
- Preciso que leve uma cesta repleta de coisas apetitosas para a Charlie! - Disse por fim.
Claire passou a mão que suava pela borda do uniforme e assentiu com a cabeça. A senhora Parker olhava intrigada para Joe e para Claire.
- Ela acabou de acordar, e está muito bem! - Informou e a garçonete sentiu o ar voltar. - Mas vai precisar passar mais uma noite no hospital.
- Eu não vou para o hospital, Joe! - A senhora Parker se intrometeu.
- Não é você, Parker… - Ele a acalmou falando perto do seu ouvido.
A senhora sorriu e apertou a sua mão.
- Oh, muito bem porque eu preciso ir para casa agora… - Ela olho para o relógio. - Preciso tomar os meus remédios de pressão e terminar a blusa de lã que estou fazendo para a Denise!
- Isso é adorável, Parker. - Joe beijou as mãos da senhora.
Ela acenou para Claire e saiu lentamente da cafeteria. A senhora sorria exibindo seu guarda-chuva.
- Então… - Joe voltou sua atenção para a funcionária. - Você sabe como chegar até lá?
A garçonete pigarreou e passou as mãos pela testa.
- Sei.
- Sabe? - Joe perguntou desconfiado.
- Ficamos sabendo hoje de manhã sobre o que houve, o síndico do prédio estava comentando com alguém sobre um acidente que envolvia a senhorita Charlotte, então eu achei que seria gentil ir ao hospital deixar umas flores para ela. - Explicou com receio.
Joe a olhava intrigado.
- Bom, a senhorita Sanders havia me dado uma carona outro dia. Ela foi tão solidária e não me deixou morrer de frio, que eu pensei em retribuir a gentileza. - Finalizou.
- Você não me deve explicações, Claire. - Joe foi sucinto. - Apenas leve logo a cesta para Charlie, aposto que ela está sofrendo com aquela comida de hospital.
Claire assentiu e rapidamente começou a andar. Mas em determinado momento, ela parou e virou-se para Joe que permanecia no mesmo lugar.
- Posso perguntar o por quê de você estar me mandando ir? - Joe arqueou as sobrancelhas. - Digo, você não gostaria de ir visitá-la?
O homem pendurou o pano no ombro e olhou Claire nos olhos.
- Eu odeio hospitais, Claire.
- Oh… - Ela disse por fim.
- E… - Ele continuou.
A garota parou de caminhar, mas permaneceu de costas.
- Eu acredito que vocês tem muito o que conversar.
Claire suspirou e voltou a caminhar até a cozinha para preparar a cesta. Não tinha para onde correr, Charlie estava por toda aquela cidade. Então Claire decidiu não mais fugir, encararia de frente toda aquela situação e talvez fosse só isso que ela realmente precisava fazer.
Charlie era uma mulher como todas as outras. Ela tentou se convencer.
Claire nunca se sentiu atraída por nenhuma mulher, ou nunca havia pensado sobre isso até aquele momento.
Você precisa tratar ela com naturalidade, e esquecer toda essa áurea misteriosa que a envolve.
Pensou. Ela se convenceu de que a única coisa que precisava fazer era voltar a sua antiga rotina e quem sabe, dar uma chance ao Bob e acabar de vez com aquela carência.
Claire respirou fundo e fingiu que tinha achado uma solução para aqueles problemas.
1. - Enfrentar de vez a Charlie, sem fugir.
2. - Tratar ela normal.
3. - Ter um encontro com o Bob.
Listou, e uma falsa sensação de que tudo ficaria bem tomou conta do seu corpo. Ela seria capaz de fazer tudo isso? Estremeceu ao lembrar das orbes verdes expressivas lhe observando. Bom, ela tentaria.
*****
* Implícito: Escondido, não expresso, omisso.
Fim do capítulo
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