Capitulo 16 - Peônia
O som de algum bip a despertou. Os olhos abriram com muita dificuldade e as luzes brancas irritaram as orbes verdes. Tudo girava ao seu redor e a garganta estava extremamente seca. O corpo doía e a cabeça martelava com força.
Bip… Bip…Bip.
Tentou recordar e entender onde estava, mas sua última lembrança era de estar dirigindo na avenida principal, indo para casa. Seus olhos voltavam a fechar sem sua permissão, e ela sabia que não estava completamente lúcida.
Se não fosse a crise de tosse que se seguiu e que fez suas costelas arderem, ela jamais notaria a presença de alguém no quarto. Entretanto, ela não conseguia mantê-los abertos para se certificar de quem se tratava.
- Olá, bela adormecida. - A voz feminina estava próxima demais.
Charlie tentou manter os olhos abertos para descobrir quem era, mas não conseguia. Nas poucas vezes em que conseguia enxergar algo, sua visão era turva, muito disforme.
- Eu sou a Oficial Lopés. - A mulher se apresentou. - Essa é a detetive Hayashi.
Ela ouvia voz, mas não sabia o que estava acontecendo ou onde a oficial estava. Aquele nome não lhe parecia estranho.
- Estamos aqui para falar sobre o assassinato da Taylor Collins.
A mulher foi direta e isso gerou uma inquietação em Charlie, o que lhe custou também uma nova crise de tosse e novas dores intensas nas costelas.
- Andrea… - Charlie ouviu uma segunda voz. - Acho que não é o melhor momento, a garota está desacordada e…
- Shhhh… - A oficial cortou. - Está tudo sob controle, detetive.
- Podemos fazer isso amanhã, veja como a mulher está! - A segunda voz parecia impaciente.
- Charlotte, você sabe o que aconteceu com a Taylor Collins? - A voz da oficial estava muito perto do seu rosto.
Charlie voltou a se inquietar, não sabia o que estava acontecendo e o nome da Taylor rondava sua cabeça freneticamente. Ela desistiu de manter os olhos abertos, e abraçou a escuridão. Ainda podia ouvir a presença das duas ao seu lado, mas cada vez mais sua mente era tomada pelas imagens da Taylor.
A garota se agitava na maca branca do hospital, e Diana olhava desesperada para uma Andrea curiosa.
- Você amava a Taylor, Charlie? - A oficial continuou falando bem próxima do ouvido de Charlotte.
A garota se contorceu na cama, como estivesse em uma tortura íntima. As máquinas começavam a anunciar um certo aumento dos batimentos cardíacos, e o som de bip tornava-se mais frequente.
- Tay-Taylor… - A voz da Sanders saiu fraca e baixa demais. Mas Andrea conseguiu captar devido a sua aproximação.
- Você matou a sua amada, Charlie?
Diana não tirava os olhos das máquinas que apontavam os sinais vitais de Charlie, e a Andrea não tirava os olhos das reações da garota. Ela sabia que Charlotte estava em um estado de inconsciência, e era nesse estado que poderia extrair as mais profundas informações, que muitas vezes eram escondidas pela luz da consciência.
Deitada e ofegante, Charlie seguia absolvendo cada palavra da oficial Lopés, como se tivesse sido hipnotizada, ela fora levada para o passado e se deparou com a dor da perda e das acusações que havia sofrido todos aqueles anos.
Seus batimentos dispararam e a mulher se contorcia na cama. Dos seus lábios apenas saiam ruídos de dor, e aquela cena desesperou a Diana. Andrea permanecia imóvel absolvendo todas aquelas expressões corporais.
A primeira a agir foi a detetive que abriu a porta e gritou por uma enfermeira. Em segundos o quarto foi tomado por médicos e assistentes que expulsaram as duas oficiais.
No meio da sua dor física e emocional, a única coisa que Charlie conseguiu sentir foram mãos ágeis tomar seus braços e uma mão afagar seus cabelos sussurrando que tudo ficaria bem. Depois disso ela sentiu a dor amenizar e uma escuridão profunda lhe bateu com força e ela apagou pela segunda vez naquele dia.
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O cheiro das peônias tomou suas narinas e ela foi abrindo os olhos lentamente. A luz branca invadiu suas orbes e aquilo lhe causou um gemido de dor. Prontamente, ela percebeu a presença feminina que lhe acariciou as mãos.
- Ei… - Ela reconheceu a voz da Cassie, aquilo acalmou seu coração.
Charlie voltou a tossir, mas agora conseguia manter os olhos abertos e enxergar sua irmã. Cassie estava com a cara amassada e algumas olheiras, seu semblante de preocupação estavam nítido no seu rosto mesmo que a Sanders mais velha forçasse um sorriso.
Pela primeira vez, ela pode ver o quarto que estava. Era todo branco e possuía uma janela ao lado esquerdo, era por dali que a luz do sol estava entrando. Ao seu lado direito estavam as máquinas que controlavam seus sinais vitais e o soro que invadia suas veias.
As peônias estavam numa mesinha ao seu lado. Eram flores lindas de uma tonalidade rosa claro e liberava uma fragrância delicada e… Doce. Aquele cheiro lhe lembrou, curiosamente, da Claire. O que fez ela engolir em seco e perceber que sua garganta ainda estava seca e ardendo.
- A-Água. - Sua voz saiu fraca.
- Eu vou pegar pra você. - Cassie disse enquanto buscava o líquido para a irmã.
Ela capturou um copinho branco de plástico e despejou a água. E com rapidez, ajudou a irmã a se recostar melhor na cama. Charlie soltou um novo gemido de dor.
- Vamos com calma… - Cassie disse preocupada lhe entregando finalmente o copo d’água.
Charlie o capturou pelas mãos e solveu todo o líquido de uma só vez. Voltou a tossir, mas dessa vez foi porque havia engasgado.
- Está se sentindo melhor? - Cassie peguntou alisando carinhosamente as costas da irmã.
- Sim… - Sua voz era rouca. - Pode me servir mais um pouco de água?
- Claro! - Cassie voltou a servir a irmã.
Dessa vez ela demorou com o líquido na boca, apreciando o frescor que a água causava na sua garganta. Cassie ajeitava a almofada da irmã enquanto a analisava.
- Eu acho que vou chamar algum médico para vir te ver, precisamos saber se está tudo bem e…
- Cassie… - Charlie a cortou. - O que houve comigo?
Cassie olhou para a irmã que tinha uma expressão confusa e abatida. Em sua testa tinha um curativo perto do supercílio. Ela havia sofrido um traumatismo superficial no crânio, alguns traumas nas costelas e alguns arranhões pelo rosto e corpo.
- Você sofreu um acidente, Charlie… - Cassie informou calmamente. - Aparentemente você perdeu o controle do carro e acabou colidindo com um poste.
- Alguém mais se feriu? - Charlie perguntou confusa e preocupada.
- Não. - Cassie suspirou. - Só você e que foi salva porque estava com o cinto de segurança.
Charlotte suspirou aliviada. Ela se acomodou melhor na cama e fez uma careta de dor levando as mãos até as costelas. Cassie seguiu para o telefone e discou alguns números. Charlie ouviu quando a mais velha solicitou um dos médicos no quarto, alegando que a irmã havia acordado.
- Você passou a noite aqui? - Charlie perguntou quando Cassie desligou o telefone.
- Sim, a vovó Anna queria vir dormir com você, mas eu não achei o ambiente propício para a coluna dela. - Cassie apontou para a poltrona e fez uma careta sorrindo.
- Como ela está?
- Você nos deu um baita susto, Charlie. A vovó Anna está preocupada contigo, assim como todos nós!
Charlie olhou para os braços arranhados e seguiu o olhar até o soro.
- Eu sinto muito, não sei o que deu em mim e...
- O importante é que você está bem… - Cassie a impediu de continuar e capturou as mãos da irmã.
As batidas firmes na porta fizeram as duas voltarem a atenção para o médico que entrava sorridente no quarto.
- Bom dia! - Ele disse animado. - Como estamos? - Perguntou olhando para as duas irmãs.
- Creio que bem, doutor James. - Cassie levantou. - Ela acabou de acordar, bebeu muita água e aparentemente tem algumas dores nas costelas.
O doutor assentiu e voltou sua atenção para Charlie.
- Ei, como se sente?
- Bem… - Charlie se limitou.
O doutor se aproximou da cama e tirou alguns equipamentos do bolso.
- Eu sou o doutor James, médico responsável pelo seu caso. Você lembra de mim?
- Não, doutor James. Já nos vimos antes?
- Sim, mas é normal você não lembrar. - Ele virou a atenção para as máquinas que monitoravam Charlie. - Aqui está tudo sob controle.
- Agora vou fazer algumas perguntas e exames rotineiros em você, tudo bem? - Ele continuou.
Charlie assentiu com a cabeça.
O doutor capturou alguns equipamentos e conferiu as vistas de Charlie, fez alguns toques na sua costela e tomou sua pressão. Ao final, anotou tudo em uma prancheta silenciosamente.
- E então doutor? - Cassie perguntou impaciente.
- Aparentemente, está tudo bem. A visão não foi atingida, e a pressão está em forma. - Ele disse voltando a sorrir. - Apenas a luxação nas costelas que vai durar por mais algumas semanas, mas com o repouso necessário e o tratamento certo, ela voltará a ficar cem por cento em breve.
- Que ótimo doutor! - Cassie comemorou.
- Os exames de raio x e a tomografia que fizemos hoje cedo apresentaram melhoras nos traumas internos e constataram que não foi nada tão sério. - Ele pigarreou. - Nada que devêssemos nos preocupar.
- Quando vou poder sair daqui doutor? - Charlie perguntou, agora já estava até mais corada.
- Vamos manter você aqui até amanhã, apenas por precaução, afinal, o trauma que você sofreu causou um pequeno edema na sua cabeça, mas os exames apontaram a diminuição, o que é ótimo!
- Eu pretendia sair hoje…
- Charlie, se o doutor está dizendo que é melhor manter você aqui até amanhã, manteremos você aqui até amanhã e ponto final.
A mulher passou a mão pelo rosto visivelmente irritada, e revirou os olhos.
- Tome esse tempo para descansar, senhorita Charlotte. Você vai precisar de repouso absoluto nas próximas 24 horas.
- Eu tenho um compromisso importante hoje. - Charlie disse por fim.
- Eu já sei Charlie. - Cassie se intrometeu. - Não se preocupe, eu já acertei tudo com insolente da xerife Lopés.
Charlotte olhou confusa para a irmã e o médico soube que era hora de se retirar.
- Bom, Charlotte, eu estarei de plantão até a meia noite, mas se você sentir qualquer incomodo, vocês podem chamar alguma enfermeira. - Ele conferiu o soro. - Você está sentindo dor?
- Eu estou bem doutor.
- A enfermeira passará daqui a uma hora para lhe dar os medicamentos e seu almoço. - Ele sorriu para as duas como de costume e se direcionou até a porta. - Até breve, senhoritas. Com licença.
O médico saiu do quarto e Charlie voltou seu olhar para a irmã que digitava algo no celular.
- O que você acertou com a oficial Lopés?
Cassie pediu um minuto e digitou mais algumas coisas. Depois suspirou e voltou seu olhar para a irmã.
- A oficial Lopés tentou te interrogar enquanto você estava dopada, Charlie. - Cassie informou bloqueando o celular. - Você tem noção do quão grave é isso?
- O que? - Charlie perguntou incrédula.
- Foi isso mesmo, mas eu consegui pegar ela. - Cassie disse com um semblante orgulhoso. - Vamos abrir um processo contra essa xerife louca e contra sua ajudante, a detetive Diana.
Charlie se manteve em silêncio tentando absolver as novas informações.
A xerife tinha arriscado a própria carreira e apressado o interrogatório: Porquê? O que ela achava que ia conseguir extrair da Charlie estando naquele estado?
- E o interrogatório foi adiado. - Cassie disse por fim. - Sua saúde vem em primeiro lugar.
- Eu não consigo entender… - Charlie disse perdida nos pensamentos.
- E Charlie, você deveria ter me contado sobre a intimação. Você ia esconder isso até quando?
- Eu não escondi… Apenas não achei necessário falar.
- Não era necessário, Charlie? - Cassie alterou a voz e depois se calou. - Quando você vai entender que não está mais sozinha nessa?
- Foi um dia difícil, Cass… - Charlotte encolheu os ombros, estava cansada. - E eu sinto muito.
Cassie revirou os olhos e se aproximou da irmã, levou as mãos até o rosto ferido da outra e acariciou devagar.
- Está tudo bem… - A mais velha sorriu. - Essa é você: Durona demais para dividir qualquer problema. Mas eu sempre descubro tudo, sua idiota.
Cassie deu um tapinha no braço da irmã que fingiu uma dor intensa. Cassie arregalou os olhos e Charlie caiu na gargalhada.
- Você realmente é uma idiota, Charlie.
- Uma idiota que precisa de todos os cuidados da irmã mais velha. - Ela ainda gargalhava.
- Você precisa tomar juízo, isso sim.
Charlie tomou a irmã pelas mãos e as beijou carinhosamente.
- Obrigada. - Ela disse simplesmente.
- Não precisa me agradecer, nós somos uma família.
- Eu sei… - Ela olhou para a irmã com ternura. - Eu só tenho vocês.
- Isso é o bastante. Vamos cuidar de você. - Cassie depositou um beijo terno no topo da cabeça da irmã.
Charlie recostou na cama e fechou os olhos se sentindo melhor do que quando acordou. Respirou fundo e quando estava embalada em um cochilo, ouviu a voz da Cassie.
- Oh, quase ia me esquecendo… - Ela disse animadamente.
Charlie abriu os olhos e viu Cassie com as peônias nas mãos.
- Eu adorei as flores, muito obrigada. - Charlie agradeceu, sorrindo.
- Oh não, você não deve agradecer à mim. Não fui eu quem as trouxe. Eu não tive tempo para isso!
- Não? - Charlie ergueu as sobrancelhas curiosa.
- Não! - Cassie riu.
- Vai me contar ou pretende me deixar apagar mais uma vez para contar depois? - Brincou.
Cassie revirou os olhos e cheirou as flores.
- Você deve saber, se trata de uma jovem muito bonita e ela estava realmente preocupada com você!
- Não conheço ninguém que se enquadre no perfil muito bonita e muito preocupada comigo. - Charlie brincava com a irmã, seu humor estava bem melhor.
- Será que o nome Claire Griffin te diz alguma coisa?
Charlie olhou séria para a irmã. E Cassie percebeu que realmente Charlotte amava esconder as coisas dela.
- Oh... Claire Griffin. - Cassie repetiu o nome e riu da palidez repentina da irmã. - Ela trouxe essas lindas flores pessoalmente para você.
Charlie direcionou os olhos para as peônias e sorriu. Era um sorriso que iluminava aquele quarto de hospital que outrora fora sem vida.
Como não percebeu antes? O cheiro da Claire estava espalhado por todo o ambiente.
Fim do capítulo
Comentar este capítulo:
Marta Andrade dos Santos
Em: 15/04/2020
Essa delegada querendo incriminar Charlotte.
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alemarina
Em: 15/04/2020
Tenho que dizer, fazia tempo que uma história não me prendia. Cada capítulo fico mais interessada. Não costume ler histórias não finalizadas. Por favor não me abandone. Parabéns pelos capítulos, poste mais. Por que esse eu li no memoneto que postou. Bjs
Resposta do autor:
Muito obrigada pelo teu feedback. É a primeira história minha que eu me encorajo para compartilhar e saber disso é bem animador. E pode ficar tranquila que eu não vou abandonar! E vou continuar postando todos os dias. Eu sempre posto no inicio e outro no final do dia, talvez isso se torne uma regra, ou talvez não. Mas todos os dias vai ter capítulo novo! Grande abraço.
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