Capitulo 14 - Irrupção
- Não me diga que você já está metida em problemas novamente, Charlie.
A voz do Joe despertou a Sanders que ainda estava paralisada entre a porta da cozinha e o salão.
Ela finalizou a caminhada sentando em um dos bancos do balcão onde Joe já preparava duas bebidas.
O movimento na cafeteria recomeçava, e dessa vez um rapaz servia as mesas, acompanhado de uma outra mulher que aparentava ter seus quarenta anos.
Charlie virou todo o conteúdo do copo que Joe lhe serviu, fez uma careta e o homem mais velho sorriu.
- Saúde pra você também, pirralha. - Ele disse antes de solver toda sua bebida.
- Como estão as coisas aqui? - Charlie perguntou distraída. Joe sabia que a cabeça da menina não estava mais ali, ele a conhecia desde de pequena.
- Bem… - Ele voltou a servir os copos. - Não como antigamente, você sabe.
Charlie sorriu. Joe era um senhor adorável, mas tinha sua pitada de rabugento.
- Você é um velho reclamão, Joe.
- Os tempos mudaram, Charlie… - Ele disse pensativo. - E olha que um dia eu achei que você seria a minha pior funcionária.
Os dois riram juntos. Brindaram e voltaram a beber todo o conteúdo.
Um silêncio tomou conta do lugar. Charlotte fitava toda a cafeteria e era como uma volta no tempo. Estava tudo como há dez anos, talvez as mesas tenham sido trocadas, mas o balcão ainda era o mesmo, as cortinas, a decoração que misturava baseball e rock and roll.
- Por que você ainda está aqui, Charlotte? - A voz do Joe cortou sua nostalgia.
A mulher arqueou as sobrancelhas e fingiu decepção.
- Já enjoou da minha presença?
- Você sabe do que eu estou falando. - O velho estava sério. Suas bochechas também já estavam avermelhadas por conta as bebidas.
- Eu senti saudade desse fim de mundo. - Brincou.
- Eu duvido bastante disso, pirralha. - Ele serviu mais duas doses e ofereceu um dos copos para Charlie - Algo me diz que você está precisando.
Charlie tomou tudo de uma só vez, sem deixar de fazer careta.
- Eles reabriram o caso da Taylor.
Joe se engasgou com a bebida e o que se seguiu foi uma crise de tosse. O homem ficou mais vermelho ainda e aos poucos foi melhorando.
- Ela realmente teve colhões! - Ele disse entre algumas tossidas.
- Ela quem?
- A oficial Lopés.
Charlie juntou as sobrancelhas numa típica expressão de confusão e curiosidade.
- A nova xerife da cidade. - Joe explicou. - Ela apareceu aqui semana passada fazendo algumas perguntas sobre a Taylor e família Collins.
Houve um novo silêncio. Steve, o garçom, pediu licença e passou até a cozinha. Joe apenas acenou para o garoto que não aparentava ter nem dezoito anos.
- Eu sabia que ela ia chegar no seu nome! - Continuou. - Ela está bem convicta de que não foi um acidente.
A Sanders suspirou, tudo o que sentia era um misto de raiva e medo.
- E agora ela acredita que eu matei a Taylor. - Charlie.
Joe bateu o pano no balcão e se aproximou da mulher.
- Shhh… - Ele puxou Charlie pelos ombros. - Nunca mais repita isso! - Ordenou.
- É o que todo mundo acha! - Ela deu de ombros como se aquilo já não importasse mais.
- Eu jamais pensei sequer nessa possibilidade!
Ela negou com a cabeça como se estivesse lutando contra algum dialogo interno que Joe não fazia parte. O barbudo deu a volta pelo balcão e foi parar na sua frente.
- Nunca mais repita isso, pirralha. - Ele disse suspendendo o rosto da mulher.
- Não importa mais, Joe! - Ela disse cansada. - Alguém assassinou a Taylor! E eu vivi esse tempo todo achando que tudo tinha sido um acidente!
- Todos nós, Charlie… - Sua voz era suave.
- Quem poderia ter feito isso com ela? - Os olhos verdes brilhavam para Joe procurando respostas. Mas ele estava tão confuso quanto ela.
- Eu não sei… A Taylor era uma menina tão doce, não tinha nenhuma inimizade.
Charlotte levou as mãos até o rosto e os esfregou com força como se tentasse eliminar algum pensamento.
- Todos dessa maldita cidade são suspeitos! - Ela disse por fim.
- Charlie…
- Você sabe que sim, Joe. Essa maldita cidade doente tirou a Taylor de mim!
- Vamos resolver isso… - Ele afagou as costas da garota. Ela parecia tão frágil.
Lembrou da primeira vez que viu Charlie, ela deveria ter uns dois ou três anos de idade, e era um capetinha em forma de criança. Corria por toda a cafeteria enquanto ele jogava sinuca com o velho Will.
Ele tomou apreço rápido demais pela menina, sensibilizado com o fato daquele ser tão pequeno ter perdido os pais quando ainda era um bebê, ele passou a ser o tio Joe, e prometeu para Will que ficaria de olho naquela pirralha sempre que pudesse.
E isso durou até o fatídico dia em que Charlie foi embora para Nova Iorque.
- Não há mais o que resolver, a Taylor está morta! E ninguém parece se importar… A única coisa que esses malditos querem é me ver atrás das grades e você sabe o porquê!
- As coisas mudaram, Charlie. - Ele alisou os cabelos negros da mulher que agora parecia aquela pequena criança chorona. - As pessoas não são mais as mesmas.
- O assassino da Taylor está por aí Joe, solto por todos esses anos enquanto todos estão apontando o dedo para mim!
- Ninguém está apontando o dedo para você, a oficial Lopés deixou claro que todos serão tratados como suspeitos. É normal você ser interrogada, afinal vocês… - Ele pigarreou, o Joe ainda era um homem antiquado. - Vocês namoraram por um tempo.
Charlie soltou os ombros e se acomodou o banco.
- O Mike acredita que eu matei a Taylor. - Ela revelou.
- O Mike nunca aceitou o relacionamento de vocês, é lógico que ele vai achar que foi você quem a matou. - Joe falou como se tudo fosse óbvio demais.
- Eu a amava. Não houve um dia sequer nesses dez anos que eu não senti a falta dela. - Confessou.
Joe voltou para o balcão e serviu mais dois shots, o líquido branco caia entre o copo e o balcão.
- Quando a Candice morreu, algo em mim morreu junto com ela.
Charlie ergueu o olhar para o homem.
Candice era sua esposa, falecida há anos. Charlie nunca a vira, a mulher do Joe estava morta mesmo antes dela nascer. E ele nunca falava dela, muitas vezes se perguntou se Candice era uma invenção da cabeça do Joe, mas agora, ouvindo a tristeza cravada no som da sua voz, ela teve certeza da existência da mulher.
Imaginou como deveria ser duro para o homem guardar toda a dor do amor perdido durante anos. Não havia superação, provavelmente ele havia morrido junto com ela. Charlie se questionou se ela também havia morrido junto com a Taylor. Por uns bons anos ela acreditou que sim, mas agora curiosamente, não. Se sentia viva.
- Eu sinto muito. - Ela disse suspendendo o copo no ar e direcionando para Joe.
Ele assentiu e os dois vivaram os copos de uma só vez.
- Para quando foi a intimação? - Joe perguntou por fim.
- Amanhã de manhã… - Ela respondeu enquanto encarava o copo vazio.
- Então amanhã de manhã tudo estará resolvido e você poderá dizer para a senhorita Griffin que você é inocente.
Charlie levantou os olhos rapidamente ao ouvir o nome da Claire. Joe sorria animadamente.
- Ela também acredita que você é culpada?
- Não importa.
- A Griffin é dura na queda, Charlie. Mas é uma das minhas melhores funcionárias.
- Isso é ótimo pra você. - Ela se ajeitou inquieta no banco.
- Vá com cuidado.
- O que?
- A Griffin, Charlie… - Ele começou. - Ela é uma menina de família, a mãe dela é muito rígida e religiosa, então, tome cuidado com você mesma. Você já viveu isso...
- Eu não sei do que você está falando Joe, mas tenho certeza que está muito enganado.
Charlie se levantou, estava realmente incomodada com o rumo da conversa.
- Eu vi a forma como você olha pra ela… - Joe deu uma risada alta e mulher bufou irritada.
- Você está ficando velho e louco, Joe. - Ela disse enquanto enrolava o encharpe no pescoço. - Eu te recomendo um bom oculista!
- Eu estou enxergando muito bem, pirralha. Você não me engana!
Ela negou com a cabeça enquanto também ria.
- Vai dar tudo certo, Charlie.
- Obrigada por tentar me embebedar, seu velho louco. - Ela olhou com carinho para ele.
- Eu costumava ser chamado de tio Joe.
- Você tá muito velho pra ser chamado de tio.
Ela foi até o homem e o abraçou apertado, sentia tanta falta dele em Nova Iorque.
- Eu senti sua falta. - Relevou por fim.
- Você precisa de outra dose, suas emoções estão a flor da pele. - Ele brincou.
Charlie deu um murro fraco em seu ombro.
- Eu preciso ir… - Ela disse por fim.
Charlie virou as costas e caminhou até a porta, mas ainda pode ouvir o Joe.
- Amanhã tem campeonato de baseball ao vivo aqui! - Ele gritou.
Ela acenou com a mão enquanto abria a porta da cafeteria.
- Vai ter cerveja gela e a Claire estará aqui também!
Charlotte bateu a porta com força e sentiu o vento gelado no seu rosto. Sorriu ao lembrar da Claire, se sentia como uma adolescente novamente. Suas mãos suavam e seu estômago vibrava ao ouvir o nome da menina. Era impossível que depois de anos ela estava sentido tudo aquilo novamente, de uma forma nova e mais forte.
Claire Griffin.
O nome piscava como um holofote na sua mente.
A mulher entrou na BMW e deu partida cantando os pneus. A essa hora Claire deveria estar com aquele engomadinho que estava ao seu lado. O pensamento a irritou mais do que deveria. Ela tinha que apagar Claire dos seus pensamentos e se concentrar em juntar todas as informações possíveis para encontrar o assassino da Taylor.
Só em pensar que ela havia sido assassinada, seu estômago revirava e a raiva subia pelas suas veias. Seus pensamentos lhe renderam alguns socos no volante.
Como que eles deixaram a morte de Taylor passar por nada por tantos anos?
Eles falaram que havia sido uma merd* de um acidente de trânsito!
E eu me culpei todos esses anos pensando que ela tinha batido a porcaria do carro por causa da nossa briga!
- Não! Não! Não! - Charlie socou o volante algumas vezes enquanto gritava. - Não pode ser!!
As lágrimas já escorriam pelo seu rosto, a dor da perda nunca chorada. O funeral que ela não pode comparecer, os olhares julgadores e a culpa. De certa forma, Charlie se sentia culpada pela morte da Taylor, talvez se não tivessem brigado naquele dia… Se ela estivesse do seu lado, tudo isso ainda teria acontecido?
- Porr*! - Charlie gritou com todo o ódio que sentia no peito.
E o que se seguiu foi muito rápido, o carro aquaplanou e rodou pela pista até que foi jogado para o acostamento e trombou de lado em um dos postes.
O barulho que fora estridente, a BMW se chocou com o ponto fixo e os vidros estouraram, Charlie não teve tempo de assimilar o que estava acontecendo porque em poucos segundos, sua cabeça bateu no volante do carro e ela desmaiou. Sua última lembrança ou alucinação fora Claire Griffin chamando pelo seu nome.
*****
*Irrupção: Entrada violenta, pancada forte.
Fim do capítulo
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