Capitulo 7 - Inerente
Claire reparava silenciosamente na mulher ao lado. Já fazia meia hora que Charlie dirigia e a essa altura, a Griffin supôs que estavam indo para o lago Bluehills.
A família Griffin costumava visitar a baía, mas somente durante o verão. Claire sempre ia nos finais de semana alimentar os esbeltos gansos e patos que habitavam as margem do lado.
Ela também aproveitava para pegar um bronze já que eram raros os dias de sol em Hilton, bem diferente da Georgia, cidade onde nasceu, onde os dias de sol eram quentes e abafados e os invernos eram curtos e frescos.
Em Hilton era um eterno inverno.
Parece que pensar no frio, fez o seu corpo se arrepiar, mas não era isso. Perto do lago Bluehills as temperaturas eram ainda mais baixas, e como já estavam chegando, Claire foi obrigada a se abraçar para tentar se aquecer.
Charlotte que olhava várias vezes de canto para a menina, prontamente começou a tirar o seu casaco, ficando apenas com uma blusa de manga longa e gola alta.
A morena não deixou de reparar em Charlotte, seus olhos verdes estavam ainda mais expressivos naquela manhã. Apesar da pele pálida da mulher, as bochechas rosadas por causa do frio causavam uma leve impressão de que ela estava corada.
- Aqui. - Charlie estendeu o casaco para Claire.
- Não, obrigada. - Claire recusou delicadamente.
Estava frio, e não era justo ela ficar com dois sobretudos e a mulher sem nenhum.
- Você está precisando mais que eu.
Charlie colocou o casaco sobre Claire.
- Não precisa, Charlie, sério, você vai ficar gripada e...
- Shhh... - Interrompeu a garota - Chegamos, Claire!
Charlie disse animadamente enquanto estacionava o chevette barulhento.
Claire demorou um tempo para admirar a paisagem gélica do lago, pois estava absolvida pelo cheiro amadeirado que vinha do sobretudo da forasteira. Ela praticamente se enrolou no casaco e agradeceu aos céus por isso, agora estava mais aquecida.
- Obrigada. - Disse timidamente.
Claire notou um brilho diferente nos olhos verdes. Mas logo desviou o contato para o bluehills.
O lago estava congelado, e estranhamente bonito. Era uma beleza diferente da que a morena estava acostumada.
Nunca tinha estado ali no inverno, entretanto, a visão do bluehills congelado com as cordilheiras white mountains logo ao fundo, fazia aquela paisagem ser digna de algum quadro de Monet.
Claire notou depois de um tempo que Charlie estava a observando esse tempo todo, as orbes verde esmeralda brilhavam.
- É lindo! - Foi o que pode dizer.
- Vamos até lá? - Charlie sugeriu.
- Vamos!
As duas seguiram em direção às margens do rio. Charlie mantinha a gravata vermelha do avô em torno do pescoço.
A Griffin apenas a observava, a garota fechou os olhos quando chegou na margem e respirou fundo. Era como se ela estivesse sufocada todo esse tempo e agora, finalmente, conseguia respirar.
- Meu avô costumava me trazer aqui no final da tarde. - Charlie disse enquanto encarava o bluehills.
Claire avançou para ficar ao seu lado. Sentiu o vento gelado beijar seu rosto, e gostou daquela sensação.
- No verão, nós pescávamos juntos aqui. - Charlie contava sem tirar os olhos do lago. - No inverno, vínhamos apreciar essa paisagem e vovô Will sempre tinha alguma história sobre esse lago para me contar.
- Você lembra de alguma dessas histórias? - Claire perguntou curiosa e pela primeira vez Charlie tirou os olhos do rio e observou a moça.
Ela ficou pensativa por uns instantes, talvez hesitante.
- Certa vez, ele me contou a história de uma sereia que vivia no fundo do lago. - Charlie voltou a observar o bluehills com um olhar distante. - Will dizia que muitos pescadores eram envolvidos pelo canto daquela sereia. Ela os atraia com sua voz e os capturava até o fundo do lago.
Claire ouvia atentamente com os olhos fixos no rio. A essa altura ela soube que aquele lugar era especial para Charlie e Will, e que a mulher estava lhe dando uma porta de entrada para o seu próprio mundo.
- E o que acontecia com esses homens?
- Eles passavam tanto tempo hipnotizados pelo canto da sereia que morriam congelados e petrificados. E seus corpos de gelo formavam um grande museu no fundo do bluehills!
- Essa história não era meio macabra para se contar pra uma criança? - Claire perguntou sorrindo.
- Eu era uma criança corajosa! - Charlie disse rindo orgulhosa. - E aquela história me intrigava tanto que eu passava horas arremessando pedrinhas aqui no lago para tentar acertar em alguma estátua submersa.
- Esse era o seu passatempo? - Claire perguntou fingindo indignação.
- Sim! - Charlie se virou para a garota. - E o seu qual era?
- Dançar. - Ela respondeu prontamente.
Charlie suspendeu uma das sobrancelhas demonstrando real interesse pelo assunto.
- Então você é uma dançarina?
- Isso mesmo! - Respondeu orgulhosa. - Eu tenho uma pequena escola de danças para crianças no galpão do Joe.
- E qual é o seu estilo de dança?
- A dança clássica é o meu estilo favorito, mas eu danço de tudo. Eu fazia aulas lá na Georgia e... - Claire hesitou em continuar.
- E? - Charlie a encorajou.
- E eu tenho esse sonho de me apresentar na Broadway!
- Na Broadway?
- Sim! Talvez seja ridículo para muitas pessoas, mas pra mim é...
- Eu vou estar na primeira fileira para lhe assistir, senhorita Griffin. - Charlie a cortou.
Fez-se um silêncio. As duas ficaram por alguns instantes se olhando. Claire admirava as esmeraldas verdes brilhantes, e se sentia estranhamente bem ao lado da desconhecida. Se é que ela ainda era uma desconhecida!
Em tão pouca conversa elas já haviam compartilhado tanto que a morena não custou a admitir que uma bela amizade estaria surgindo daquele encontro. E o bluehills era testemunha.
Claire sentiu o olhar de Charlie revezar entre seus olhos e sua boca. E já não podia dizer se o arrepio que fizera os pêlos da sua nuca levantarem era por causa do frio mesmo. A morena quebrou aquele contato, ainda sem jeito e suspirou voltando a admirar a bela paisagem.
- Vovô Will deveria gostar de você. - Charlie constatou.
- A cafeteria do Joe ficava mais animada quando ele estava por perto.
- Vocês conversavam muito?
- Sempre que dava, o Joe não é muito de deixar os funcionários ficarem de papo com os clientes... Mas o seu avô encantava até o meu chefe!
- Ele era um bom homem... - Constatou retirando pela primeira vez a gravata do pescoço. - Você já teve que dizer adeus alguma vez?
Claire ficou pensativa. Seus avós ainda estavam todos vivos, e seus pais também. Ela se sentiu abençoada por isso.
- Só para a Lesley...
- Lesley?
- Minha pequena Shih Tzu! - Claire escondeu o rosto tentando não rir da situação. - Já faz muito tempo, eu tinha 15 anos quando ela morreu, mas foi horrível dizer adeus!
Charlotte sorria ao ouvir a garota, por mais que perder o bichinho de estimação tenha sido trágico, naquele momento, fora algo inusitado falado por Claire.
Como se fosse uma hábito corriqueiro, Charlie segurou a mão da morena que se surpreendeu no primeiro momento.
- Então, hoje iremos dizer adeus ao Will e a Lesley!
Claire sorriu pensando no quanto Charlie estava demonstrando ser alguém altruísta: No meio da sua perda, ela ainda estava querendo homenagear a Lesley.
Seus pensamentos fizeram ela apertar com mais força a mão da jovem Sanders, e dividirem um sorriso cúmplice.
E como em um gesto que foi logo entendido por Claire, as duas seguraram a gravata do Will e a apontaram para a única ponta do lago que não estava congelado.
- Obrigada Will... - Charlie começou e a morena pode sentir a emoção na sua voz. - Eu não sei o que teria sido de mim sem você. Você foi meu pai, meu avô e meu melhor amigo.... E eu sinto muito por ter chegado tarde demais.
Claire não conseguiu conter suas lágrimas que escorriam lentamente pela sua face. E o silêncio se fez. Ela suspirou e então falou:
- Will... Eu sempre vou lembrar da sua vontade incontrolável de comer torta de framboesa. - Ela sorriu e pode ver que Charlie também. - Eu vou sentir sua falta.
- E eu vou sentir sua falta eternamente Lesley! - Completou - Obrigada por você ter me aguentado na minha adolescência quando nem eu mesmo me suportava!
- Obrigada, Lesley! - Ambas riram.
O que se seguiu foi um momento que Claire jurou numa mais esquecer. As duas seguiram para mais perto do rio e depositaram delicadamente a gravata vermelha de bolinhas que boiou tranquilamente nas águas do bluehills.
As mãos voltaram a se entrelaçar e o silêncio voltou a reinar. Só se ouvia o barulho dos pássaros cantando e migrando anunciando a chegada da neve.
Claire estremeceu quando Charlie alisou delicadamente a palma da sua mão e como numa reação de temor, afastou as duas mãos.
Ela não sabia o que estava acontecendo ou porque agia daquela forma diante de Charlie, mas não gostava de perder o controle das reações do seu corpo.
Então ela fez o que costumava sempre fazer quando saía da zona de conforto: fugir.
*******
* Inerente: Que existe como um constitutivo ou uma característica essencial de alguém ou de algo
Fim do capítulo
Comentar este capítulo:
Marta Andrade dos Santos
Em: 10/04/2020
Legal.
Resposta do autor:
Obrigada! ;)
[Faça o login para poder comentar]
Deixe seu comentário sobre a capitulo usando seu Facebook:
[Faça o login para poder comentar]