Capitulo 2 - Inócuo
Era a décima terceira vez que Claire Griffin tentava ensinar a sua melhor amiga, e agora colega de trabalho, Maggie Woods, a usar a máquina de fazer café expresso e capuccino.
Estavam no Joe's Coffee Bar, era o primeiro dia da Woods. Claire já trabalhava há dois anos nesse bar-café do Joe, o proprietário era um senhor de 50 anos que sempre dava oportunidade aos jovens da cidade, mas não admitia atrasos ou faltas nos horários de serviço porque o Joe's Coffee Bar era um dos lugares mais movimentados de Hilton, as pessoas sempre apareciam para tomar café com ovos, bacon ou apenas comer panquecas, e durante a noite, era o happy hour perfeito: Muita cerveja a um preço camarada, música ou transmissões dos campeonatos de baseball ao vivo.
Durante esses dois anos de trabalho com o Joe, a Griffin não tinha do que reclamar. Com o dinheiro que ganhava, ela havia conseguido sair de casa e dividir um apartamento com a Maggie. E esse era um dos seus maiores objetivos.
Já completavam dois anos desde que ela tinha finalizado o ensino médio e, de início, pensou em cursar economia, o curso dos sonhos do seu pai que já havia até mesmo lhe prometido um emprego no Hilton's Bank. Mas este não era o seu sonho, tudo o que ela mais queria era dançar e quem sabe, se apresentar na Broadway.
Os planos de Claire Griffin não haviam morrido só porque, depois de trabalhar 20 anos para um banco privado na Georgia, seu pai tinha sido demitido e, milagrosamente, havia surgido uma proposta de trabalho no Hilton's Bank, o banco popular de Hilton. Do dia pra noite, a família Griffin se viu obrigada a se mudar as pressas para uma cidade que Claire não conseguia achar no mapa.
Seu objetivo havia sido retardado por uns anos, pois Hilton conseguia ser menor que a Georgia, era ainda mais distante de Nova York e pra completar, não existia nenhuma academia de dança. Então ela teve que se adaptar.
Isso significava abrir sua própria escola de dança para crianças no período da tarde, duas vezes por semana, e treinar nas noites livres, tudo isso na velha oficina do Joe que lhe cobrava 100 dólares mensais, ele descontava do seu trabalho na cafeteria: meio período de segunda à sábado.
Nesse ritmo, com mais dois anos, ela conseguiria ir para Nova York.
Foi uma decisão difícil, sair de casa e não cursar economia, mas como dizia o seu pai, Quinn Griffin:
"A sua beleza e teimosia vieram da sua mãe, e ela nunca perdeu uma guerra."
Sua mãe, Carmen Griffin, uma mulher com seus quase 50 anos, mexicana que morou metade da vida em El Paso, nutria uma beleza latina inigualável, mesmo que agora os fios negros se misturassem com os brancos.
Ela era uma morena de sangue quente, muito credora à Deus e que não concordava com quase todas as escolhas de Claire, inclusive a de sair de casa ou ir para Nova York. A matriarca sempre alegava que teimosia da filha era herança do pai. O que resultava em discursões extensas que os faziam relembrar de fatos que aconteceram 20 anos atrás para comprovar a teoria de quem era o mais obstinado. No fim, Claire sabia que o gene da teimosia era um legado dos dois.
Sorriu ao lembrar desses pequenos momentos com meus pais, eram uma família feliz, na maior parte do tempo. O senhor Griffin tinha se tornado um bancário respeitado em Hilton, e a senhora Carmen Griffin não trabalhava há anos, e sempre lhe dizia que uma mulher deveria cuidar da casa, do marido e da sua relação com Deus. Porém seu pai nunca concordou com essa ideia. Ele era um homem cético e muito calmo.
A única vez que Claire o viu nervoso foi quando ela se mudou da casa. O senhor Griffin não entendia como a filha poderia ir embora sendo que ali tinha todo o conforto e segurança que qualquer pessoa poderia querer.
E era verdade, a família Griffin vivia em um dos melhores bairros da cidade, e a primogênita sempre teve mais do que qualquer pessoa de 21 anos poderia querer. Contudo, não era mais o bastante ter tudo, se lhe faltava aprender a voar com suas próprias asas. Era cansativo ser a Claire Griffin: A sem liberdade de provar o mundo pelos seus próprios gostos e escolhas.
Então, ela conseguiu o emprego de garçonete no Joe's. Todos os dias de manhã, lá estava Claire, servindo ovos com bacon e café.
O dinheiro que ganhava, dava pra dividir o apartamento com dois quartos com a Maggie Woods. Ela era sua melhor amiga desde que havia chegado em Hilton. Elas se conheceram em uma das festas de trabalho do senhor Griffin, a Mag também era filha de banqueiro, e as duas se deram bem de primeira. Com o tempo, Maggie introduziu a novata no grupinho dos jovens da cidade. Claire não era a pessoa mais descolada do mundo como Maggie, entretanto, as duas se davam muito bem e nutriam um sentimento sincero de amizade.
No início da mudança, os pais da Mag pagavam todas as suas despesas. Porém, surgiram cortes financeiros na casa dos Woods, e então ela decidiu que já era hora de começar a se virar sozinha.
O Joe só a aceitou por causa da insistência da Claire, de acordo com ele, a Maggie era cabeça na lua demais, mas sua fiel funcionária havia prometido que sua melhor amiga iria pegar o jeito rápido.
- Você está desperdiçando todo o café, garota!
A voz do Joe tirou Claire do transe, e ela logo pode ver que Mag estava derramando o capuccino por todo o balcão. A melhor amiga de Claire tinha um olhar desesperado que pedia socorro e, ali ela soube que precisava manter Mag longe daquela máquina.
- Você precisa apertar no botão vermelho, Mag – Disse carinhosamente enquanto parava a máquina e lhe dava uma piscadela.
- Você tem algum problema de aprendizado, senhorita Woods?
Joe perguntou depois de conferir que estava tudo sobre controle e dar as costas para as duas garotas, indo para o outro lado do balcão, bufando ranzinza. Ele odiava desperdícios e erros.
Maggie fez uma careta e o imitou de forma dramática. Claire revirou os olhos e começou a limpar todo o capuccino que estava espalhado pelo balcão.
- Eu acho que o Joe tem algo contra mim, Claire. - Ela disse enquanto se sentava em um banquinho ao lado do balcão.
- Não é nada contra você, ele só é ranzinza e não gosta de desperdiçar dinheiro.
- Clair...- "Clair" era assim que Maggie amava lhe chamar, e virou seu apelido - Você acha que foi uma boa ideia eu vir trabalhar aqui?
- Claro Mag! - Sorriu e Mag soltou os ombros. – Quando eu comecei aqui pela primeira vez, derramei o café da manhã todinho em cima do oficial Daves! - Ela falava como uma criança que acabara de confessar sua travessura pela primeira vez. - Uma panqueca voou na careca dele!
- Você e sua terrível coordenação motora, Claire Griffin! - Ela gargalhou e depois ficou séria pensando nas consequências daquilo - O Joe não te demitiu?
- Quase! Eu fui salva pelo próprio oficial Daves, acho que ele ficou com pena de mim... Ou gostou de ter algo cobrindo aquela careca depois de anos!
- Você fez aquela sua carinha de cachorro abandonado na chuva? - Ela perguntou tentando se recuperar dos risos.
- Obvio! Era o único jeito de sair daquela situação!
- Você não vale nada, Griffin! - Mag a repreendeu de forma divertida e lhe jogou o pano, que estava anteriormente em seu ombro.
- Ei, isso foi agressivo! - Dramatizou.
Joe pigarreou alto, e as duas pararam de rir na mesma hora.
- As garotas gostariam de uma cerveja para completar a festa? - Perguntou ao caminhar até onde as funcionárias estavam.
Maggie voltou a fazer caretas e Claire conteve o riso.
- Desculpe, Joe. - Respondeu a Griffin já se apressando para ir limpar algumas mesas.
Ainda não tinha nenhum cliente, e era normal. O habitual era que as pessoas começassem a chegar depois das 8 horas, e ainda eram 7 e meia da manhã de sábado. Contudo, Joe não era o tipo que gostava de ver os funcionários conversando em horário de trabalho.
- E você senhorita Woods? - Ele se direcionou até Mag - Alguma dificuldade em ir limpar algumas mesas?
- Não, senhor. - Seu sorriso amarelo era mais falso que a sua vontade de trabalhar, ela passou por ele pisando duro e começou a ajudar limpando uma das mesas ao lado da Claire.
O proprietário respirou fundo, sussurrou algo como "já não se fazem mais funcionários como antigamente", e saiu porta a fora para fumar um cigarro.
Maggie aproveitou para lhe mostrar o dedo do meio pelas costas e Claire gargalhou com tamanha infantilidade.
- O Joe é um saco! - Ela reclamou jogando o pano na mesa e se sentando em uma das cadeiras.
- Mas ele paga nosso salário! - Griffin deu de ombros.
- Clair, leia meus lábios.
Claire olhou para Mag e viu seus lábios se movimentarem formando um belo... Foda-se.
Ela atirou o pano em sua direção, Maggie o agarrou e as duas voltaram a limpar as mesas.
Não era o trabalho dos sonhos e o Joe não era o melhor chefe do mundo, mas ao menos aquele serviço as ajudava a pagar as despesas. Apesar de que, em dias frios como este, a cabeça da Griffin insistia em lembrar que ela não era obrigada a passar por aquilo.
Olhou para as grandes janelas do Joe's Coffee Bar e se imaginou em algum lugar quente no hemisfério Sul. Brasil, talvez? A garota já havia feito uma breve pesquisa a respeito do país, e lhe parecia perfeito para tirar umas férias dos seus casacos, luvas e echarpes. Clair nunca tinha ido muito além da Georgia e New Hampshire, mas com certeza, ela não iria morrer em Hilton.
O som da campainha do estabelecimento a fez voltar para a realidade. O Joe tinha instalado esse sininho que tocava toda vez que alguém abria a porta, de acordo com ele, era pra evitar distrações indevidas no trabalho.
O chefe entrou batendo as botas no tapete e falando algo que Claire não entendeu direito, mas em seguida ela percebeu que Joe não estava sozinho. Logo atrás dele, surgiu uma figura de uma mulher branca, mais alta que seu chefe, deveria ter 1 metro e 70. Seus cabelos pretos lhe caiam até os ombros, e a garota usava uma calça jeans preta com um sobretudo da mesma cor.
"Essa mulher não é daqui."
Foi o primeiro pensamento que teve. Antes mesmo de perceber os olhos que mais pareciam duas esmeraldas. Eram olhos verde-mar.
- Quanto tempo que eu não vejo você, Charlie! - Joe falava emocionado e a Griffin podia ver seus olhos brilharem como nunca havia visto antes.
A mulher estranha apenas sorria de uma forma discreta enquanto passava seus olhos pelo local de forma curiosa.
- Quanto tempo? - Claire poderia apostar ter visto algumas lagrimas prontas para saírem nos olhos do Joe ao perguntar. A forasteira apenas abriu a boca e foi interrompida pelo abraço de Joe. - Dez anos Charlie! Dez anos sem te ver, sua pestinha!
Maggie a olhou intrigada e Claire pode ver no seu rosto a mesma duvida que lhe surgia:
Quem era aquela mulher?
O que se seguiu depois foi muito rápido. Pode-se ouvir o sino da porta informando que alguém estava entrando. Joe soltou Charlie dos abraços e Claire conseguiu ver o Mike Collins entrando de punhos fechados com uma expressão petrificada no rosto.
- Eu te avisei Sanders, se você voltasse algum dia para essa cidade, eu ia te matar!
Foi a única coisa que seus ouvidos conseguiram captar porque o que se seguiu foi tão rápido que quase ninguém viu a hora que o punho fechado do Mike acertou a boca da forasteira, e quando ela recuou com o impacto, ele deu outro soco certeiro no outro lado do rosto.
As pernas de Claire fraquejaram ao ver o sangue escorrer pela boca daquela estranha. Joe avançou sobre Mike, o segurando, impedindo qualquer tentativa de novo ataque. Maggie, tão paralisada quanto sua melhor amiga, a olhava e só conseguiam pensar em uma única:
"Que diabos estava acontecendo?!"
*
Inócuo - Respectivo a inofensivo.
Fim do capítulo
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