Passado
- Obrigada por terem ficado, mas não precisava se incomodar - Dona Laura dizia mais uma vez.
- Não é incômodo algum, sabe que pode contar conosco para o que precisar - Leo respondia do outro lado do salão.
Já era mais de meia noite quando a festa deu-se por encerrada e as poucas pessoas que ainda permaneciam se prontificaram a ajudar na arrumação. A parte da rua que foi fechada teria o apoio da prefeitura para a limpeza, mas o bistrô e as suas dependências eram de responsabilidade da proprietária.
- Onde posso colocar esse lixo? - Levantei um enorme saco preto.
- Pode colocar na caçamba nos fundos, por favor - Ela secou um pouco do suor na testa - Céus, no próximo evento tenho que diminuir todo esse lixo. Ainda que tenhamos solicitado que trouxessem os copos, ainda tem muito que ser feito.
- Vamos dar um jeito nisso, mamãe. É aos poucos se muda o mundo - Samantha passou pelo salão e parou para lhe dar um abraço demorado.
- Espero que não esteja tentando conseguir dias de folga - Hannah apareceu com uma Aninha em seu colo dormindo profundamente.
- Shii, assim vocês irão acordá-la - Dona Laura se aproximou e analisou o pingo de gente- Ela se divertiu tanto hoje.
- Mais do que a mãe estressada dela - Samantha brincou.
Hannah lançou um olhar duro em resposta.
- Porque você não vai ajudar a terminar de arrumar as coisas e para de me provocar?
- Eu não seria a sua irmã se não fizesse isso - Respondeu abraçando-a pelas costas e apoiando o queixo em seus ombros.
- Crianças, vocês não tem jeito - Dona Laura disse - Sam, vai ajudar a Alisson com o lixo, por favor.
Eu que até então estava procurando as tais "crianças" da fala de Dona Laura me perdi completamente dentro dos meus pensamentos.
- Precisa de ajuda, senhorita? - Ela veio galanteadora fazendo uma reverência.
- Para carregar esse saco gigante que não deve pesar nem 1 kg? Sim, acho que preciso. - Fiz uma cara de quem estava fazendo muito esforço.
- Ihh Ferrou! Maluco reconhecendo maluco! - Hannah provocou.
- Não deixe que o grande dragão de pedra a ofenda Lady Alisson. Vamos que a ajudarei nesta árdua tarefa - Falou me oferecendo o braço que aceitei e juntas fomos vencendo o caminho até a porta dos fundos.
- Que eu saiba alguém está me devendo comida.
- Realmente estou e reconheço, mas nunca é tarde. Vamos na cozinha que te preparo algo rápido.
- Se descobrirem que vamos sujar a cozinha depois de toda essa arrumação vão nos matar.
- Falou bem: Se...descobrirem - Samantha fez uma cara malandra e me puxou pelo braço.
Voltamos discretamente para a porta e fomos na ponta dos pés para a cozinha. Eu me sentia prestes a cometer um crime muito grave e não era para menos, poderia enfrentar a ira de Dona Laura, ou pior, a ira de Hannah ao ver sua brilhante cozinha inox desengordurada ser totalmente violada.
- Acho melhor não acendermos a luz para não levantar suspeitas. - Sam estava tão tensa quanto eu. Parecíamos duas crianças tentando esconder a merd*.
- Não acha que estamos exagerando um pouco?
Nos encaramos por alguns momentos, cada uma refletindo em silêncio.
- NÃO! - Respondemos ao mesmo tempo e começamos a rir com essa constatação.
- Shii, tudo bem, vamos lá. Vou fazer algo simples, mas que não deixa de ser bom: Mingau de aveia, você gosta?
- É sério que esse vai ser o seu lance? Tá botando toda a sua reputação em um Mingau?
- Eu confio no meu taco - Piscou pra mim - Não é de todo ruim, vou fazer um do jeitinho que fazem na Finlândia. O que acha?
- Acho uma completa loucura. É diferente de como fazem aqui?
- Não muito. Lá eles têm o costume de fazer o mingau com água e ao invés do açúcar, coloca uma pitada de sal e uma colher de chá de manteiga. Você pode adicionar leite, frutas ou o que quiser na hora de comer. - Ela ia explicando enquanto pegava os ingredientes.
- Você parece conhecer várias coisas sobre o lugar.
- E conheço, fiquei três meses por lá viajando e aprendendo o idioma.
- Sério? Então o festival foi idéia sua.
- Foi sim, eu quis trazer um pouco do lugar para quem ainda não teve a oportunidade de ir.
- E como é lá? - Realmente estava impressionada.
- Muito bom, mas diferente. Foi estranho constatar que o box do banheiro não costuma ter separação do chão.
- É tudo plano então? - Perguntei já imaginando o trabalho de secar toda vez que tomasse banho.
- Sim, completamente! Não faz o menor sentido, mas é bom ver que existem milhões de verdades por ai e que cada pessoa vive a sua. - Ela falava e ia misturando os ingredientes na água.
- Você costuma ir sozinha?
- Hoje em dia sim, mas antes ia com a minha irmã. - Falou antes de verificar a quantidade de sal. - Sempre fazíamos tudo juntas e nos divertíamos muito pregando peças. Numa dessas viagens ficamos sem dinheiro e ela nos arrumou um trabalho onde íamos nos revezando na semana.
- É difícil imaginar a Hannah fazendo isso. - Me divertia imaginando a cena delas fingindo ser uma pessoa. Quem visse iria dizer que a pessoa era, no mínimo, bipolar.
- Sei o que deve estar pensando, mas nem sempre foi assim. Ela passou por algumas coisas..- Samantha falou misteriosamente e não completou, aguçando a minha curiosidade.
- Ruins?
- Algumas sim, mas não vamos falar disso porque o seu super mingau está pronto mademoiselle. Se quiser pode colocar algumas dessas coisas. - Apontou para a bandeja que continha alguns morangos, mel, leite.
- Que tal se você escolher? Você é a que conhece melhor.
- Tudo bem, que tal um jogo? Eu escolho e você tenta adivinhar.
Arqueei uma sobrancelha. Essa mulher estava inventando alguma coisa.
- Tudo bem, mas sem gracinhas, certo?
- Sem gracinhas - Falou mostrando as mãos como quem diz “Estou desarmada”. - Mas vamos precisar cobrir seus olhos.
- Tudo bem, mas…
- Sim, já entendi, fica tranquila.
Sam pegou um pano de prato e me vendou. Seus dedos roçaram pelo meu rosto em uma leve carícia e eu poderia estar enganada, mas ela parecia fazer de propósito. Em dado momento percebi a sua respiração na minha nuca e sentir a sua presença sem poder vê-la aumentava a tensão no ambiente e meus pulmões exigiam mais ar. “Quando tudo ficou tão quente?”. Ela me seduzia sem nem fazer esforço, parecia ser muito natural, muito dela, um jeito muito Sam de ser, ainda que eu pouco soubesse dela.
- Sem espiar - Ela sussurrou próximo do meu ouvido.
- Nem que eu quisesse, está impossível de ver - Procurei parecer natural, mas minha garganta estava seca.
- Vou colocar o primeiro ingrediente - Poucos segundos depois ela anunciou atrás de mim - Abre a boca.
Eu obedeci e recebi uma colherada do líquido.
- E ai? Sabe o que é?
- Você vai pensar que sou louca, mas acho que meu paladar é totalmente visual, porque só pelo gosto é difícil de reconhecer. Parece não ter nada.
- E não tem nada mesmo, era só brincadeira - Soltou uma risadinha.
- Ah sua idiota, você prometeu sem gracinhas - Tateava o ar na esperança de lhe dar um tapa.
- Pronto, agora é sério, prometo.
- É sua última chance - Ajeitei a venda que já estava frouxa.
Repetimos mais uma vez e o gosto estava diferente, o que comprovou que ela havia adicionado alguma coisa.
- É mais doce que o anterior. É mel?
- Vamos ver se você acertou.
Sam passou o que supus ser mel no contorno dos meus lábios e ele imediatamente começou a escorrer lentamente. Fiz menção de tirar a venda, mas fui pega de surpresa com sua língua no meu queixo impedindo que pingasse. Meu ventre deu uma fisgada e percebi que havia caído na teia da aranha. Sua língua foi subindo, limpando todo o rastro e ao chegar no meu lábio inferior, eu jurava não ter mais idéia do meu nome. Percebi que tudo era realizado lentamente, talvez para que eu soubesse o seu próximo passo e a impedisse, caso quisesse. “Eu queria?” Eu não soube dizer, mas estava difícil de resistir, de pensar e de reagir. Houve uma pausa quando sua língua alcançou minha boca. Sam tinha a respiração pesada, denunciando que estava tão excitada quanto eu.
- Eles são rosados - Falou passando o dedo pelos meus lábios e ch*pando-o em seguida.
As ações daquela mulher eram extremamente sexy, com movimentos pensados para que eu tomasse a iniciativa de romper a linha de sedução em que ela me amarrava. Eu estava enfraquecida e acho que ela percebia isso.
- Nunca parei pra pensar nisso - Minha voz saiu rouca.
- Pois deveria - Começou a passar a ponta da língua pelo contorno dos meus lábios. O hálito quente se misturava ao cheiro do mel. Como continuei sem reagir, ela começou a ch*par meu lábio inferior. A essa altura já sentia minha cabeça girar e meu corpo passou a me dar comandos que passei a obedecer. Segurei a sua cintura e a puxei mais pra mim. Abri um pouco os olhos e tive a impressão de ver uma figura atrás de Samantha. Percebendo que sua presença foi notada, vi Hannah sair rapidamente do cômodo, deixando um rastro do seu perfume. Delicadamente empurrei Sam e ela parou.
- É melhor pararmos, tá ficando tarde e eu preciso ir - Levantei me ajeitando.
- O que houve? - Me perguntou confusa. - Não gostou?
- Claro que gostei, mas preciso realmente ir.
- Ali, essa é a desculpa inventada. Qual é a desculpa verdadeira?
- Hannah nos viu e pode ser que não seja legal termos tido algo assim aqui no espaço de vocês.
- Hannah? Ela nunca se importou com essas coisas.
- Pode ser, mas não estou confortável pra continuar, desculpe.
- Ei, tudo bem, sério! - Sam colocou as mãos no meu ombro e me encarou - Tem certeza que essa é a única razão?
- Tenho, tenho sim. Obrigada por tudo, eu adorei. - Sorri
- Quando quiser - Piscou cheia de segundas intenções.
- Onde você se meteu criatura? Saiu pra levar o lixo e sumiu. Achei que o lixeiro tinha te levado junto. Estávamos esperando por você para irmos embora. - Pedro me interrogou quando cheguei na recepção.
- Eu estava na cozinha com a Sam, era só ter ido me procurar. - Fingi que aquilo não havia sido grande coisa, mas dei graças que eles não tivessem ido e me encontrado.
- Antes eu tivesse ido porque agora você estaria me agradecendo por eu tê-la encontrado ao invés da Hannah.
Gelei. “Então ela realmente presenciou o que aconteceu. Até onde será que ela tinha visto?”.
- Droga! - Saiu mais alto do que eu havia imaginado.
- Você tá muito ferrada, minha amiga - Ele me olhava de braços cruzados.
- Por que tá se preocupando tanto? você é solteira e não deve satisfações. - Leo ponderou enquanto beliscava a comida na marmita que carregava.
- Mas acontece que nossa amiga aqui tá cortando para os dois lados.
- O que? como assim? Ela virou Bi? - Falou de boca cheia.
- Antes fosse, amor...antes fosse..
- Não vamos conversar isso aqui, vamos embora.
- Você sabe que eu te amo, não é? Até te coloquei acima da Queen Bee no meu top five, mas não tá dando amiga, não tá dando pra te defender.- Pedro começou a falar sem parar e ia acendendo as luzes de casa.
- Não exagera - Nem eu tava acreditando nas minhas palavras.
- Claro que exagero, só cego não nota o que tá rolando aqui.
- Devo estar cego então. Podem me explicar o que está acontecendo?
- Hannah me encontrou com a Sam na cozinha e a gente tava..ã..num momento esquisito. - Tentei explicar.
- Vocês estavam trans*ndo? - Ele colocou a mão no peito em choque.
- Não, mas a gente quase se beijou.
- Quase beijo não é beijar, vocês não acham que estão exagerando nesse lance?
- Não neste caso. A Alisson claramente tá se envolvendo com as duas, agora a minha dúvida é se isso é voluntário ou involuntário.
Eles me encaravam esperando uma resposta e eu falei a verdade.
- Eu não sei - Cobri o rosto com as mãos – E me sinto horrível com isso.
- Tudo bem não saber - Pedro segurou a minha mão - Mas não é legal investir em duas mulheres que são irmãs e gêmeas, ainda por cima. A Hannah já percebeu e é só uma questão de tempo para que a Sam também perceba. Tem que ser sincera com elas e com você mesma.
Eu fiz que sim com a cabeça. Nos encarávamos silenciosamente.
- Ai gente, porque essas caras de velório, ninguém morreu, só a fase de pegadora sem noção da bicha que mal começou e já estamos finalizando - Fez graça.
- Eu amo muito vocês, minhas pocs lindas - Fui para o sofá onde eles estavam e os abracei.
- Também te amamos - Leo correspondeu.
- É, também amamos, mas agora sai de cima de mim com essa perereca.
Eles tinham razão. O que eu estava fazendo era errado. Por mais que precisasse admitir para mim mesma que estava interessada nas duas, cada uma de modo particular, não podia colocar ambas nessa minha confusão mental. Tinha que agir como uma mulher e não como uma tarada assustada. “Quando foi que eu me transformei nesta pessoa tão indecisa?” Olhei para o porta retrato em cima do criado mudo com a foto daquela que por tanto tempo havia sido a luz no fim do túnel dos meus problemas e indecisões. “Com certeza você saberia dizer a coisa certa.” Fechei os olhos mentalizando o passado e uma lembrança surgiu. Uma lágrima quente escorreu, denunciando o saudosismo do momento. Era possível ouvir as risadas ecoando no silêncio, as conversas bobas, o jantar admirando as estrelas. Era a memória de um momento comum, rotineiro, mas nem por isso menos belo. Deitei abraçando o retrato e, em algum momento que não soube precisar, o sono me tomou.
Fim do capítulo
oi gente! tudo bem? Aproveitando hoje pra lançar mais um capítulo! Espero que estejam curtindo.
Quem puder manda um feedback que é sempre bem vindo!
bjoss
Comentar este capítulo:
SPINDOLA
Em: 05/04/2020
Estou com uma pulguinha curiosa desde o começo desta história, por um acaso Ali ficará com as duas irmãs, e quando digo as duas é no sentido de trisal. Não sei por quê, mais o passado de Ali que ainda não foi revelado me levou a pensar isso.
Se for trisal não tenho nada contra, mas se não for, apesar de achar Sam um delícia, minha torcida é pra Hannah, pois os momentos dela com Ali é daqueles que falha os batimentos, o ar vai dar uma passeada fora do corpo, kkk, as duas tem uma química sensacional.
#teamhannali
Bjs
[Faça o login para poder comentar]
Anny Grazielly
Em: 05/04/2020
Poxa... volto a ficar triste... gosto da Sam... ela eh intensa, mas pensei que a Ali estava gostando mesmo da Hannah... depois do que Hannah viu, ela vai se fechar e nao querer mais ficar perto da Ali pq vai pensar que a mesma gosta da Sam... pqp total...
[Faça o login para poder comentar]
Deixe seu comentário sobre a capitulo usando seu Facebook:
[Faça o login para poder comentar]