Capitulo 36 - Um ano novo complicado
Capítulo 36 – Um ano novo complicado
Pov Lia
Assim que entraram na casa, Pedro, que vinha descendo as escadas, apressou-se na direção das duas assim que as viu e correu até Liz, lhe dando um abraço afetuoso. Lia viu o quanto a mãe parecia surpresa ao ver o tratamento leve e carinhoso entre os dois.
— Hey, cunhadinha. Feliz ano novo! — Cumprimentou-a alegremente e parecendo, também, surpreso. — Não sabia que já estavam de volta.
— Feliz ano novo, Pedro! Sim, voltamos logo, Lia já estava com saudades de vocês.
A irritadinha teve vontade de virar os olhos com a mentira, mas agradeceu mentalmente, principalmente quando viu a mãe sorrir de leve ao ouvir aquilo.
— Maninha — Ele abriu um largo sorriso e abraçou-a com força. — Feliz ano novo!
— Feliz ano novo, mano!
Os dois mataram a saudades no abraço e logo Dona Nádia os chamou até a cozinha.
— Vamos, Pedro! Deixa as meninas passarem, elas devem estar com fome.
A mãe foi com passos decididos até a cozinha e a namorada foi logo atrás, sem cerimônias. Pedro apenas ficou observando-as, mas antes que ele pudesse andar, Lia o segurou pelo braço, aproximando-o de si mesma.
— Será que você pode me explicar o que está acontecendo aqui? Por que a mamãe está tão receptiva com a Liz?
No fundo, a irritadinha tinha medo de que fosse alguma espécie de armadilha para fazer Liz se sentir mal ou algo do tipo. Estava aflita com a situação. Pedro apenas riu de sua afobação e sussurrou de volta.
— Tio Olavo veio aqui esses dias — Assim que o irmão disse isso, sua mente deu um rápido estalo. — Ele conversou bastante com o papai e a mamãe.
Só poderia mesmo ter um dedo de seu tio por trás de tudo isso. Não era à toa que de todos, ele era o seu favorito sempre. Estava extremamente curiosa, querendo saber mais sobre essa tal conversa, mas resolveu juntar-se à mãe e Liz na cozinha, mesmo querendo aceitar aquela redenção toda por parte da mãe, ainda assim, era bom ficar em alerta.
— Prefere um suco ou café, Lisandra? — Aquela foi a primeira frase que Lia ouviu ao chegar no cômodo ao lado do irmão.
Liz estava sentada no banco alto do balcão de mármore da cozinha e parecia estar muito à vontade com toda a situação.
— Suco, por favor! — Disse educadamente, a namorada sabia como agradar alguém.
Os irmãos sentaram-se ao lado da rockeira e ficaram ali contemplando a mãe separar alguns sanduíches para eles. Lia olhou ao redor à procura do pai, mas não o viu e estava preocupadíssima quando ele aparecesse e visse a namorada ali.
— Então, como passaram a virada do ano? Aliás, eu nem sei para onde vocês foram — Nádia perguntou, acomodando-se do outro lado do balcão e servindo-se de um sanduíche.
— Nós fomos passar com a minha tia na cidade dela. Já fazia um bom tempo que ela insistia para que eu fosse e levasse Lia comigo.
— Quer dizer que Lia já conhecia a sua tia?
— Sim, fomos lá alguns meses atrás — Lia antecipou-se, tentando desviar o foco da mãe. Por algum motivo não queria dizer ainda de quem a namorada realmente era. — A cidade não é tão longe, então fomos de carro mesmo. Ela apenas queria me conhecer.
— Ah sim, entendi! — A mãe balançou a cabeça de forma afirmativa.
Liz, por sorte, apenas ficou calada e lhe deu um olhar discreto, na certa, sem entender o porquê de estar mentindo. Pedro, também havia ficado confuso, mas permaneceu calado, comendo o seu lanche.
— Bem, você falou da sua tia, mas e quanto aos seus pais?
Lia suspirou fundo e segurou a mão da namorada sobre a mesa, viu que ela havia ficado desconfortável com a pergunta.
— Infelizmente meus pais morreram quando era mais nova e desde então a pessoa que sempre cuidou de mim foi a minha tia, irmã da minha mãe.
— Oh, querida! Sinto muito mesmo por isso — Nádia falou com sinceridade.
— Ah, já faz bastante tempo — Liz sempre se esforçava em parecer bem e depois ela lhe deu um sorrisinho. — Está tudo bem, minha linda
Lia sentiu sua face corar com o apelido carinhoso sendo dito em frente à sua mãe e, de fato, quando olhou na direção de dona Nádia, ela parecia sem jeito com a demonstração.
— Eu também perdi meus pais muito cedo — Nádia confessou. — Sei que não é nada fácil.
— Obrigada, senhora Alcântara, eu não fazia ideia disso.
— Sim, nossos avós morreram cedo, a vida dos dois não foi fácil — O irmão disse. — Mamãe já nos contou toda a história de vida deles, é muito linda, apesar de sofrida.
— Eu imagino que eles devem ter sido pessoas maravilhosas — Liz concluiu por fim.
— Oh sim, eu amava os meus pais, eram pessoas excelentes — A mãe parecia emocionada ao falar dos dois.
Lia apenas ouvia tudo calada. Queria muito ter conhecido os avós, mas a única lembrança que tinha deles era das fotos que sua mãe tinha e das histórias que ela contava.
— Falando em pais. Onde está o papai? — perguntou para mudar de assunto. Não queria falar em assuntos tristes.
— Ah sim! Ele está lá no quintal limpando a churrasqueira. Ontem nós a usamos muito. Olavo, sua avó e seus primos vieram todos para cá.
— Nossa! Deve ter sido ótimo por aqui.
— Foi sim — Pedro respondeu animado. — Comi tanta carne que fiquei empachado e depois jogamos uno até tarde da noite.
A mãe riu do que ele falou e depois pareceu pensativa.
— Eu vou chamar Horácio para lanchar também, já volto!
Lia ficou tensa por um momento quando a mãe disse aquilo. Seria péssimo se ele surtasse ao ver Liz. Claro que ele havia pedido perdão a ela pelo telefone, mas não sabia se havia sido uma boa ideia forçar aquele contato, mas resolveu confiar na mãe, ela devia saber o que estava fazendo.
Logo eles estavam de volta e Horácio parou por um momento assim que atravessou as portas de vidro e viu os três ali, mas olhou principalmente para Lia e Liz. A princípio ele não demonstrou nenhuma reação, mas logo deu um leve sorriso. Foi impossível para a irritadinha não se levantar e ir correndo até ele para abraça-lo.
— Ah, minha menina! — Ele exclamou baixinho e abraçou-a de volta. — Que saudades! Eu não sabia que você já havia voltado.
— Resolvi fazer uma surpresa — Nádia disse alegremente ao lado dos dois.
— Feliz ano novo, pai! — Lia saudou-o. — Tive saudades de vocês.
— Nós também sentimos sua falta.
Lia estava um pouco aliviada quando constatou que não havia raiva ou ira em sua face assim que ele viu as duas ali. Não fazia ideia do que o seu tio havia feito, mas precisaria agradecer de coração depois.
— Pai — Lia pegou na mão dele e falou baixinho. — Quero que conheça a Liz, tudo bem?
Horácio pareceu incerto e suspirou, mas logo ele lhe deu um leve sorriso e assentiu, o que deixou a irritadinha mais tranquila e feliz. Os dois foram se aproximando do balcão e, rapidamente, Liz se pôs de pé.
— Pai, essa é a Lisandra — Lia apresentou-os formalmente. — Liz, esse é meu pai, o senhor Horácio.
— Olá, senhor Alcântara — A namorada logo estendeu a mão para ele e sorriu simpática. — É um prazer conhecê-lo.
— Olá — Ele devolveu o aperto de mão dela e tentou sorrir, mas parecia sem jeito. — Também é muito bom finalmente conhecê-la.
— Obrigada, senhor — Liz levava tudo de forma espontânea enquanto Lia estava com o coração na mão. Tinha que aprender a ser mais cara de pau daquele jeito, ou mais corajosa.
— Venha, amor! — Nádia puxou-o para sentar-se na cadeira ao lado dela no balcão. — Se não a comida vai esfriar.
Todos voltaram a se sentar e logo um silêncio um pouco mais constrangedor reinou. Ela, Liz e o irmão trocavam olhares nervosos entre si, porém, como sempre, Liz sempre as resgatava de situações constrangedoras.
— Senhor e senhora Alcântara — O mais engraçado era como ela conseguia soar formal com eles. — A casa de vocês é linda. Agora entendo porque Lia estava com saudades do lar.
— Ela estava? — O pai perguntou surpreso.
— Claro que eu estava, pai — Lia respondeu. — Saudades de todos. Não é porque eu estava com a Liz que esqueci de todos.
— Acho muito bom ouvir isso — Ele admitiu, sorrindo. — Mas me contem, como foi a comemoração de vocês?
— No dia 31 passamos a virada do ano com a tia de Liz, a família e alguns amigos reunidos. No outro dia fomos uma casa de praia que eles têm. Aproveitamos bastante o passeio.
— Oras! Sei bem como você adora praia, minha menina. Deve ter sido um passeio e tanto.
— Foi sim!
Todos terminaram seus lanches e os pais as deixaram à vontade para que pudesse levar a namorada para um tour pela casa. Levou-a até o deck da piscina, o interior da casa em mais detalhes e por fim um quarto de hóspedes no andar de cima e por último, o seu próprio quarto. Assim que chegaram, a primeira coisa que Liz olhou, foi para as suas prateleiras lotadas de livros.
— Qual é, Lia! Vai me dizer que já leu tudo isso?
— Li sim. Já falei para você o quanto eu amo ler e escrever.
— Hum, já disse sim — Liz a abraçou com carinho e depositou um beijo em seu pescoço. — Até que correu tudo bem com seus pais, não é?
— Muito melhor do que eu esperava — Lia afastou-se dela e foi até o corredor, olhando para um lado e para o outro, mas como não viu vestígio dos pais, fechou a porta de mansinho para ficarem mais à vontade. — Ainda não estou acreditando.
Lia as puxou para deitarem na cama e deitou-se sobre o peito de Liz, aconchegando-se nela.
— Acha prudente estarmos deitada em sua cama e ainda mais com a porta trancada? Eles vão achar que estou roubando toda a sua pureza — A rockeira parecia mesmo preocupada.
Lia riu para valer ao ouvir aquilo.
— Como se já não tivesse roubado, não é?
Liz apenas riu arteira e abraçou-a.
— Mas não precisam ter a verdade esfregada na cara deles, não acha?
— É só por alguns minutos. Não quero abusar da boa vontade dos dois. Agora falando sério! — A irritadinha aprumou-se na cama e ficou olhando-a seriamente. — Eu não sei que porr* aconteceu para que os dois ficassem assim... tão... tão...
— Tão receptivos?
— Sim. Pedro comentou por alto que o meu tio andou conversando mesmo com eles.
— Seu tio Olavo, não é? — Liz lembrou-se.
— Sim, esse mesmo — confirmou e sorriu ao lembrar do tio. — Tenho que agradecer muito por seja lá o que ele tenha feito.
— Eu sei que você ficou muito mal e tudo mais com a reação deles e as coisas que falaram, mas... — A namorada ponderou receosa. — Pelo que eu acabei de ver, eles estão mesmo tentando aceitar. Isso já vale muita coisa.
— É isso que me dá medo — confessou pensativa. — Você não viu a reação da minha mãe quando eu contei tudo! Ele ficou possessa, dizendo que eu não era a filha dela e não me reconhecia mais. Puta que pariu! Eu não vou esquecer aquilo tão cedo na minha vida.
— Hey! — Liz pegou em seu rosto e a fez encará-la. — Isso deveria ser uma coisa boa, eles mudarem de opinião. Quer dizer que estão ao menos fazendo o esforço de aceitarem isso. Nem em hipótese eu achava que a sua mãe me convidaria para um lanche essa tarde ou que o seu pai seria agradável. Eu estava preparada para todo o tipo de situação.
— Exatamente o meu ponto. Foi muito rápida essa mudança. Quer dizer, para o tanto que eles piraram no começo... — Lia suspirou profundamente e esfregou as mãos na face. Se sentia nervosa. — Eu nem sei mais o que pensar.
— Escuta... — A rockeira segurou em suas mãos firmemente e fez carinho. — Por enquanto vamos apenas agradecer e aproveitar o que está acontecendo. O primeiro passo eles deram, que foi dar uma chance para me conhecerem. Vamos ver como será daqui para frente.
— Você não ficou com medo de conhecer os dois?
— Você ‘tá brincando?! — Liz perguntou, arregalando os olhos levemente. — Eu estava apavorada.
— Pois nem parecia — Lia não estava convencida com a resposta dela. — Aliás, parecia mesmo era que você estava ansiosa para conhecer os dois.
— Mas eu estava — falou, confirmando as suas suspeitas. — Apenas queria que eles vissem quem eu sou e que não quero me tornar um problema entre vocês. Em nada!
— Você sabe que ninguém resiste a esse seu jeitinho, fala a verdade! Sempre consegue o que quer.
Liz ficou pensativa por um tempo e apenas sorriu de leve, parecendo sem graça.
— Quem me dera as coisas fossem fáceis assim. É isso que você acha?
— Eu não acho! As coisas são assim com você.
Liz sentou-se na cama e calou-se. Ela estava séria.
— O que foi? — perguntou preocupada.
— Estou com tantas dúvidas agora.
Lia não entendeu o que ela quis dizer, simplesmente porque agora as duas estavam em uma fase ótima em que os seus pais pareciam estar aceitando o relacionamento e ela não havia tido mais nenhuma “recaída” a respeito dos traumas do passado, muito pelo contrário, Lia sentia que as coisas estavam tomando um rumo certo e que ela estava até mesmo se reaproximando mais da família.
— O que foi que aconteceu?
— Não sei bem como dizer isso...
— Tenta, por favor! — Lia sempre tentava retirar as coisas dela sem pressão. Liz ainda tinha o péssimo hábito de não querer contar as coisas de forma espontânea.
— É que eu perdi tanto tempo. Por que eu nunca me dei conta disso antes? Sei lá... eu descuidei tanto dos meus estudos, passei muito tempo sem perspectiva. Me dá medo pensar nisso. Eu não quero viver o resto da minha vida toda apenas usufruindo de uma herança.
— Eu entendo você totalmente, Liz. Precisamos cuidar do futuro sim, mas por que está falando essas coisas agora? Você sempre me disse que queria distância dos negócios da família e parece tocar o bar muito bem, ou estou errada?
— O bar é um ótimo negócio sim, mas eu andei meio afastada ultimamente. Tenho que dar mais atenção a ele. Melhor eu começar por isso, aos poucos. Tom disse que precisava ter uma reunião comigo para discutir uns problemas e tal... não quero precisar pegar da minha herança para isso, entende? Preciso ter ideias.
— Eu acho incrível você pensar dessa forma — Lia estava contente de verdade em ver Liz daquela forma. Preocupada e pensando no futuro, levando as coisas mais à sério. Sentia que aquela era a primeira conversa séria que realmente já haviam tido. — O que você tem em mente mesmo?
— Pode ser prematuro esse pensamento, mas... — Ela suspirou e divagou por um tempo. — Tia Luísa precisa de ajuda. Ela parecia tão cansada agora na última vez que a gente se falou. Me preocupo com ela. Daí voltar agora, eu não sei nem por onde começar, para falar a verdade.
— Você disse a ela que está mudando de ideia?
— Não, eu não falei nada. Não queria criar expectativa e também eu poderia mudar de ideia, não é?
— E quando você vai se decidir sobre isso?
— Vamos esperar seu teste do intercâmbio sair primeiro. A partir daí eu vou me planejar.
Lia se sentiu egoísta ao ouvir aquilo. Seria péssimo afastá-la do curso logo agora que ela parecia estar se empolgando com a própria empresa. Por outro lado, seria doloroso ficar afastada dela por seis longos meses. Não se sentia mesmo preparada para isso.
— Olha, Liz. Vou te apoiar em qualquer decisão que você tome, isso é certo, mas eu tenho certeza que você tem a capacidade de fazer o que quiser. Você é espirituosa, corajosa, inteligente e sabe lidar muito bem com as pessoas. Tem tudo para ser uma grande líder um dia. Só precisa ter um pouco mais de disciplina.
Liz sorriu para ela docemente e lhe deu um selinho.
— Você acha que eu sou tudo isso mesmo?
— Eu tenho certeza que você é — falou convicta. Havia falado o que pensava de verdade.
— Ter o seu apoio é a coisa mais importante para mim.
— Você sempre terá isso.
Elas ficaram de carinho por mais alguns minutos até que, Gru, o gato da casa apareceu magicamente, pulando sobre a cama de Lia e assustando-as. Lia apresentou o gato formalmente à namorada. Não tardou para que o gato logo cedesse aos carinhos de Liz e olha que ele não era muito amigável com desconhecidos, mas era óbvio que nem os animais eram imunes ao charme dela.
— Então esse é o famoso, senhor Gru! — Liz exclamou, sorrindo enquanto fazia carinho nas orelhas do bichano.
— Ele gostou mesmo de você.
— Gostou porque sabe que a dona também gosta.
Algum tempo depois, decidiram que já era a hora de Liz ir embora, não queriam abusar da paciência de seus pais. Quando desceram as escadas, encontraram-se com eles e Pedro, que assistiam TV na sala.
— Dona Nádia e senhor Horácio — Liz falou de forma educada e pegou na mão dos dois. — Muito obrigada pelo lanche e por terem dado uma chance de me conhecer. Agradeço de coração. Eu estou indo agora e vou finalmente deixar a Lia ser só de vocês.
Nádia lhe deu um sorriso simpático e seu pai forçou um, percebiam o quanto ele se esforçava para aquilo, mas já era um começo. Lia ainda tinha dificuldades em ver os três conversando de forma educada. Era surreal.
— Quando vier se encontrar com a Lia, sinta-se sempre convidada a entrar, tudo bem? — Nádia reforçou o pensamento e cutucou Horácio discretamente, mas Lia percebeu.
— Ah sim, Lisandra. Pode sempre vir quando quiser. O importante é que a nossa filha não se afaste de nós.
— Com toda a certeza, senhor Horácio. É a minha maior preocupação também. No que depender de mim, tudo vai dar certo.
— Agradecemos por sua educação e respeito.
— Eu agradeço o mesmo.
Lia apenas assistia aquela cena como uma espectadora tensa. Não sabia bem o que pensar sobre tudo aquilo. Precisava ter uma conversa urgente com os dois.
— Até mais, Liz — Pedro levantou-se para abraça-la. — Espero que volte logo por aqui.
— Obrigada, cunhado — agradeceu carinhosamente. — Quem sabe eu trago uma surpresa para você na próxima.
Liz deu uma piscadinha ao dizer aquilo, fazendo Pedro e Lia gargalharem. Ela estava falando sobre Vivi, com certeza.
Como sempre ela acompanhou a namorada até o carro e se despediram com um abraço apertado e um beijo.
— A gente se vê de novo no próximo final de semana, só? — perguntou desanimada com a ideia de passar tanto tempo sem vê-la.
— Eu acho melhor você passar um tempo com sua família agora. Não quero que eles pensem bobagem. Estou tentando criar uma boa imagem aqui.
Lia sorriu do discurso pomposo dela e a beijou.
— Vai logo antes que eu morra de saudades já.
— Logo logo estarei de volta, linda.
— Ok!
Era sempre difícil dizer tchau para Liz. Ficou lá fora até ver o carro sumir ao longe e voltou para a casa com o coração apertado. Despedida era sempre difícil. Fechou a porta e viu quando os pais a encararam. Era hora de finalmente ter uma boa conversa com os dois.
Foi até o sofá e sentou-se entre eles.
— Mano, será que posso falar um pouco à sós com o pai e a mãe?
— Claro, mana! — O irmão era sempre compreensivo. Logo levantou-se e subiu as escadas, deixando-os à vontade.
Lia tomou um longo suspiro, olhou bem para os dois e começou:
— Olha, eu não sei bem ainda o que pensar com o que vocês fizeram aqui hoje, mas desde já, obrigada mesmo por terem dado uma chance de conhecer a Liz.
Os pais ficaram calados por alguns segundos e pareciam sérios. Horácio foi o primeiro a se pronunciar.
— Lia, eu continuo não concordando com isso. Eu e sua mãe estamos nos acostumando com essa ideia, nós nunca esperamos que algo assim fosse acontecer um dia, porém, nos demos conta de que se continuássemos a agir daquela forma você iria se afastar de nós como já estava fazendo.
O coração de Lia deu um pulo ao escutar o pai falando aquelas palavras. Não esperava mesmo que os dois já tivessem aceito Liz e o relacionamento das duas, mas já estavam ao menos começando a respeitar as suas decisões o que, comparando com a atitude inicial dos dois, já estava sendo um avanço super incrível.
— Exato, filha — Dona Nádia concordou de forma branda e segurou em sua mão. — Nós não queremos perder nossa filha, nunca! Agora eu espero que você nos entenda de volta. Vamos fazer de tudo para ter uma boa relação com Lisandra, mas quero que saiba que mesmo aceitando isso, teremos regras na casa.
A irritadinha concordou com um aceno de cabeça e apenas escutou o sermão que viria a seguir com a maior paciência que possuía em seu ser.
— Nada de fugir novamente ou sair de casa sem nos comunicar primeiro. Esse é o mais importante — pontuou o pai de forma bem firme e séria.
— Liz pode sempre vir aqui para ver você e estão autorizadas a saírem juntas, mas sempre vai voltar para dormir em casa.
Lia teve vontade de revirar os olhos, mas apenas concordou. Não poderia negociar nada naquele momento, apenas aceitar a bandeira branca que eles haviam erguido. Iria andar na linha que eles haviam traçado e ganhar confiança, o mais importante é que não teria mais que enfrentar uma batalha sempre que quisesse ver a namorada.
— Tudo bem, estou disposta a cumprir com isso se continuarem a fazer o que fizeram hoje. Fazia tempo que ela pedia para conversar com vocês, mas eu não permiti porque tinha medo.
— Eu entendo, minha princesa — O pai abraçou-a emocionado. — Nós não facilitamos nada no começo, mas espero que entenda que foi um choque.
— Foi um choque até para mim. Só quero que saibam que eu nunca pedi por isso. Eu jamais teria escolhido passar por situações complicadas e preconceito. Eu também não esperava nada disso — Lia sentiu que poderia se abrir com os dois naquele momento. Queria tanto que a primeira conversa tivesse sido daquela forma com os dois, mas antes tarde do que nunca. — O meu coração escolheu se apaixonar por ela, não tinha como eu resistir. Tentei fugir, mas não consegui. Eu a amo demais.
Lia pode ver como a declaração deixou os dois desconfortáveis, mas não se importou. Já tinha falado antes com a mãe, mas aquele momento era diferente porque estavam os dois juntos.
— Amor é uma palavra muito forte, Lia — Horácio parecia temeroso com suas palavras.
— O senhor ainda duvida do que eu sinto? — Lia encarou-o. — Acha que é só uma fase ainda?
Ele apenas ficou parado sem reação e não falou mais nada.
— Eu não duvido que seja real o que você sente, filha — A mãe tentou apaziguar a situação. — Simplesmente porque nunca te vi assim antes.
— Obrigada, mãe. Aliás, obrigada aos dois por tudo que já fizeram por mim!
Os três deram um abraço apertado e único. Foi impossível Lia não se emocionar e acabou derrubando algumas lágrimas de felicidade, até mesmo sua mãe chorou um pouco.
Mais uma coisa havia ficado resolvida em sua vida e não poderia estar mais feliz com aquilo, parecia até sonho.
Lia foi para o seu quarto e logo Pedro bateu em sua porta, curioso para saber o que havia rolado com os pais. Os dois conversaram boa parte da tarde e assim que anoiteceu, a família resolveu sair para um restaurante para jantar e comemorar a união. A irritadinha não poderia ter ficado mais feliz com esse desfecho.
***
Como combinado, Lia e Liz não se viram naquela semana, mas foi com grande alegria que recebeu uma mensagem de Cris, finalmente. A amiga perguntava se poderia passar uns dias com ela, pois estava com saudades. Estava chovendo nos últimos dias, então seria ótimo ter a companhia da amiga. Após pedir permissão aos pais, ela deu uma resposta afirmativa e ficou esperando por ela naquele fim de semana.
Curiosamente, Cris veio para a cidade de ônibus. Lia achava que Alberto iria trazê-la e no dia ela foi buscar a amiga no carro. Ao se verem pela primeira vez depois de mais de um mês, correram emocionadas e se abraçaram.
— Amiga, senti tanto sua falta! — Cris exclamou emocionada. Lia logo percebeu que havia algo errado.
— Também senti demais a sua falta — Lia separou-se dela e viu que Cris tinha lágrimas nos olhos e parecia abatida. — Você está bem?
— Mais ou menos, amiga. Vou te contar tudo.
— Ok, vamos sair daqui e a gente conversa.
As duas colocaram as bagagens dela no porta-malas e saíram pela cidade. Decidiram passar em uma lanchonete primeiro. E como já estava desconfiando, Cris lhe contou tudo, apenas confirmando que ela e Alberto tiveram uma séria discussão depois do ano novo.
Lia ficou besta ao ouvir a história da amiga. Elas não tinham mais se falado e estava surpresa com o que ouviu. Aparentemente, Cris passou por uma situação parecida com a sua de quando Cíntia apareceu na festa de ano novo.
Uma ex-namorada de Alberto, que ainda era muito íntima da família, havia passado o fim de ano com eles e os pais de Alberto não esconderam o favoritismo por ela. A amiga estava se sentindo muito mal e com baixa autoestima depois do ocorrido e infelizmente ela e Alberto acabaram discutindo por causa dos pais dele.
— Que situação ridícula, Cris — Lia bufou de ódio, tomando as dores da amiga. — Quem eles pensam que são para terem feito algo do tipo? Eu não sabia que eles tinham problemas assim com você.
— Mas eles não tinham. As poucas vezes que eu passei tempo com a família do Alberto eles nunca fizeram nada contra mim, muito pelo contrário, sempre foram gentis e educados, mas eu já entendi muito bem porque eles estão fazendo isso.
— E o que é? Se é que existe explicação para terem sido tão escrotos.
— Eles achavam que nosso relacionamento não ia ser sério, que talvez eu fosse só um passatempo para o Alberto, mas agora eles estão vendo que não é bem assim. Estou com nojo dessas pessoas ricas e mesquinhas, que acham que podem ferir os outros e se esconderem por trás da fortuna que têm.
A família de Alberto era dona da maior construtora da cidade e era bastante rica também, não como a família de Liz, claro, mas eram considerados da “alta sociedade” e todas essas besteiras mais, ao menos disso Lia sabia.
— Essa garota que apareceu com a família, eles são todos de família de advogados da cidade, um pessoal muito influente e com condições. Eu descobri que eles namoraram há um bom tempo atrás e que as famílias fazem de tudo para reatar os dois de volta.
— Mas que porr* é essa? — Lia já estava revoltada àquela altura. Ela sabia que ricos podiam ser pessoas horríveis, mas escutar um caso real como aquele lhe deixou puta. — Não consigo mesmo acreditar que eles fizeram isso na cara dura com você.
— Foi horrível, Lia! — Cris derrubou algumas lágrimas. — Não gosto nem de lembrar. Me senti tão humilhada.
Lia entendia muito bem pelo que a amiga estava passando, não que tivesse sofrido aquele preconceito, mas porque quando soube quem realmente era a família de Liz, teve medo de onde estaria se met*ndo, tinha medo de se machucar com pessoas de outro nível social.
Sabia que muita gente se protegia atrás do patrimônio que tinham. Ao que parecia, a família paterna da namorada era assim, começando por Flávio, mas por sorte, Luísa era uma grande e excelente mulher.
Elas passaram um bom tempo na lanchonete enquanto a amiga se recuperava mais e a chuva passava. Depois seguiram para a sua casa. Os pais gostavam muito de Cris e a esperaram de braços abertos. Logo Lia a levou para o quarto a fim de acomodar a amiga ali.
Cris passou a semana toda com eles e recebia ligações frequentes de Alberto, Lia percebia como ele queria tentar resolver as coisas com a amiga, mas sabia que ela apenas precisava de tempo para melhorar.
Durante essa mesma semana, Lia sempre trocava mensagens com Liz e não podia mentir que estava morrendo de saudades. Perto do fim de semana, sua rockeira confirmou que estava vindo, finalmente, e que estaria trazendo Vivi consigo, Pedro ficou feliz da vida com a notícia. Lia não sabia bem o que rolava entre os dois, mas era uma relação bonita de se ver.
Por um momento, Lia ficou preocupada se Cris iria se sentir mal ao estar perto de dois casais, já que ela estava sempre com Alberto, mas tentaria bolar algo que não a deixasse desconfortável.
Na sexta-feira à noite, Liz chegou de surpresa, achava que ela viria apenas no sábado e correu para fora de casa, ansiosa em vê-la. Ela já a esperava recostada no portão. As duas se abraçaram com força e se beijaram de forma ardente. O coração de Lia sempre disparava assim quando se reencontravam depois de muito tempo sem se verem. Era tão bom sentir aquele cheiro que só ela tinha e aquele calor.
— Minha linda! — Liz a prensou contra o portão e elas começaram a dar um amasso ali mesmo, nem se importavam com nada de tantas saudades que sentiam.
— Calma! — Lia tentava se conter. Não queria que os pais as vissem daquele jeito.
— Desculpe — Liz afastou-se um pouco. — Estava com tantas saudades.
— Eu também, meu amor.
Liz tocou sua face e sorriu delicadamente. Levou a testa até a sua e a abraçou. Lia sabia que era a forma de ela dizer “eu te amo” de volta, não duvidava do que ela sentia.
— Vamos sair para jantar?! — Liz convidou-a alegre.
— Pode ser. Vivi veio com você?
— Veio sim, ela está dentro do carro.
— Ai meu Deus, e a gente se agarrando aqui.
Liz sorriu da sua vergonha como sempre.
— Vivi não liga para isso.
— Vamos falar com ela.
Elas foram até o carro e Vivi saiu. Ela e Lia se abraçaram e a irritadinha as convidou para entrarem na casa.
Pedro e Vivi se abraçaram carinhosamente o que deixou Nádia e Horácio de orelhas em pé. Mais uma vez, Liz cumprimentou seus pais educadamente e fez questão de apresentar Vivi aos dois.
Lia anunciou que iriam sair para jantar e subiu as escadas para chamar Cris, a amiga precisava se distrair. Em poucos minutos elas estavam prontas e saíram todos juntos no carro de Liz. Primeiro foram até a pousada da cidade para pegarem os quartos e guardarem as mochilas.
Lia, mesmo sentindo saudades de Liz, tentou não ficar muito de carinho à namorada para a amiga não se sentir mal, mas a loira parecia estar tendo um bom momento ali com eles. Por sorte Pedro e Vivi também não deram tanta bandeira. A noite foi ótima e agradável. Exatamente às 22:00 Liz os levou de volta para casa.
Pedro e Cris entraram e Vivi ficou no carro, deixando as duas a sós lá fora para ficarem mais à vontade.
— Se eu pudesse te levava para a pousada comigo agora. Já estou me sentindo virgem — Liz declarou risonha. Não pôde deixar de rir das palavras dela, pois se sentia da mesma forma.
— E eu queria ir com você, mas além dos meus queridos pais terem me proibido de dormir fora de casa, não posso deixar a Cris aqui sozinha.
— Eu sei — A rockeira lhe deu um selinho e lentamente levou a mão até seu bumbum.
— Por favor, não me tortura assim! — implorou, fazendo manha.
— Eu estava com saudades disso.
Lia não deixou barato e também desceu com a mão boba pelo corpo dela, só que na frente. Ela estava de costas para o carro ao longe, talvez Vivi não visse nada.
— Quem está torturando agora?
Elas sorriram e deram um último selinho com a promessa de se verem cedo no dia seguinte.
No dia seguinte eles foram até o lago, nem mesmo o tempo de chuva os desanimou. Alberto acabou aparecendo, pegando Cris totalmente de surpresa. Todos conseguiam sentir a tensão entre os dois, mas logo eles resolveram se afastar para terem uma conversa. Aparentemente tudo se acertou entre os dois e os seis se divertiram juntos como sempre.
Depois do almoço, eles foram para a pousada, como de costume. Alberto já havia alugado um quarto para si também, então cada casal se encaminhou para o seu.
Lia agradeceu aos céus por Alberto ter aparecido, pois precisava daquele momento com a namorada depois de quase duas semanas sem se verem. No quarto, elas se despiram com paixão e fizeram amor intensamente, matando as saudades. Era ainda mais gostoso ficar com ela naquele clima de inverno.
— Essas férias estão sendo uma das melhores! — Lia declarou após um tempo descansando no peito de Liz após o sex*.
— Eu tenho que concordar.
— Só não está sendo melhor porque infelizmente a gente não pode ficar todos os dias.
— Só precisamos ter mais paciência — Liz sempre tentava acalmá-la. — Logo as aulas começam e tudo volta ao nosso normal.
— Normal...
Lia pensou por algum tempo. A normalidade delas era uma das coisas que mais sentia falta, aquela rotina da cidade grande e tudo mais. Passar o dia todo estudando e se entregar nos braços dela à noite e de vê-la tocar no fim de semana com os meninos da banda.
— Ei... agora lembrei de uma coisa.
— O que foi?
— Você nunca mais tocou com os meninos da banda.
— Ah! A gente decidiu fazer um recesso já que a banda não é uma carreira profissional séria para nenhum. A gente faz porque gosta. Creio que vamos voltar quando as aulas começarem de novo. Até porque eu não vou perder a oportunidade de vir ficar com você.
O coração de Lia disparou de felicidade ao ouvir aquilo e lhe deu um selinho. Ela e Liz haviam se tornado o que sempre havia temido e rido a vida toda: um casal chiclete! Começou a rir com os próprios pensamentos.
— O que foi?
— Eu me tornei aquilo que eu sempre temi.
— O quê? — Liz perguntou confusa. Não estava entendendo nada.
— Uma namorada chiclete.
A rockeira riu para valer com a expressão.
— Olha... e eu então?! Achei que nunca ia me envolver e olha só o que vou fazer!
— Fazer o quê?
— Trancar o curso e te seguir para Londres. Eu sempre fui a mais ferrada nesse relacionamento mesmo.
De repente algumas dúvidas voltaram a tomar conta de sua mente e ficou séria. Já estavam no meio de janeiro e daqui a duas semanas o resultado do intercâmbio sairia. Estava se sentindo mais nervosa do que pensara. Também havia o “fardo” de fazer Liz trancar o curso por causa de seu egoísmo, não seria certo aceitar que ela fizesse isso, mas não conseguia se ver sem ela por seis meses. Claro, se ela passasse, o que não era certeza, não sabia se havia se dado tão bem assim nas provas.
— Vamos esperar os resultados saírem, não é? Tem certeza de que vai mesmo fazer isso?
— O quê? Ir com você?
— Sim.
— Mas é claro, Lia — A namorada aprumou-se na cama e a encarou. — Nossa Lua-de-mel em Londres, lembra?
Lia se emocionava sempre que a ouvia falar tão seriamente sobre o envolvimento das duas. Tinha certeza que os pais iriam fazer uma zoada enorme ao saberem daquilo e também ainda precisava contar para eles, eventualmente, sobre quem Liz, de fato, era. Enfim, aquelas eram coisas que realmente só queria ter de lidar quando fosse mesmo preciso.
No domingo, Nádia e Horácio convidaram os jovens para almoçarem com eles, fazerem um churrasco no deck e aproveitarem a piscina. Lia estava achando tudo isso rápido demais, mas como estava cumprindo a sua parte do acordo direitinho, então apenas resolveu relaxar e curtir junto daqueles que mais amava, sua família, Liz e os amigos, era o seu final de semana dos sonhos, sem dúvidas.
Para evitar algum desconforto, elas evitaram trocar beijos e muitos carinhos na frente deles, apenas por respeito. Não queriam abusar da hospitalidade dos dois. Se bem que Lia não conseguia disfarçar bem o olhar de cobiça ao ver Liz de biquíni e vice-versa. Contudo, no fim da tarde, tudo deu certo. Os pais até que estavam mesmo sendo educados e respeitosos com Liz.
***
E assim as semanas foram se passando. Ela e Liz só se viam no final de semana e sempre sob a supervisão dos pais. Em um determinado final de semana, Lia pegou uma forte gripe e ficou, literalmente, caída. Era tarde e esperava Liz chegar na tarde do sábado, porém acabou cochilando. O tempinho de chuva junto dos remédios não poderia ter tido outro resultado.
Acordou depois de algum tempo e sentindo um braço a lhe enlaçar a cintura. Se sentia um pouco febril, mas virou-se rapidamente para ver Liz lhe lançar um lindo sorriso. Abraçou-a toda dengosa devido à gripe. Será que tinha uma melhor forma de acordar do que aquela? Não poderia estar mais feliz, vê-la e sentir todo o seu carinho era a única coisa que estava faltando para a sua recuperação definitiva.
— Desculpe por ter cochilado.
— Tudo bem! Você não estava atendendo o telefone, daí eu apertei na campainha e a sua mãe disse que estava dormindo. Eu disse que voltaria mais tarde, mas ela me convidou para entrar. Então preparou um lanche para mim e ficamos conversamos um pouco.
— Conversando sobre o quê? — perguntou temerosa. Temia que Liz falasse coisas que não havia contado para eles ainda.
— Basicamente ela me fez contar como a gente se conheceu e, disfarçadamente, perguntou quais eram as minhas verdadeiras intenções com você.
— Mentira! — Lia levou as mãos até a boca sem acreditar. — O que você respondeu?
— Eu disse que eu tinha todas as melhores e mais sérias intenções com você e que jamais faria algo para te machucar. Acho que me virei bem até.
Naquele dia foram só as duas. Como Lia estava doente, eles não saíram para lugar algum, ao invés disso, ficaram agarradinhas no sofá da sala, enquanto caía chuva lá fora. A irritadinha a obrigou a assistir ao filme Romeu e Julieta, a versão de 1968, que era a sua preferida. Claro que não deixou de chorar no final, até mesmo Liz se emocionou um pouco.
— É a melhor história de amor de todos os tempos, não é? E essa versão é a melhor. Escuta só essa trilha sonora. É perfeita. A coisa mais linda que já vi na vida.
— É muito incrível, sim. Só que eu ainda prefiro outra história.
Lia, que estava escorada sobre o seu peito, virou-se para ela rapidamente a fim de lhe indagar indignada sobre aquele disparate que ela estava falando.
— Qual? Porque nenhum pode se comparar a esse — retrucou incrédula.
— Prefiro a nossa história — respondeu sapeca e lhe roubou um selinho. — Você não prefere?
Não poderia negar aquilo, de fato. Nesse caso é claro que preferia a própria história de amor e mesmo com os dramas, não mudaria nada mesmo se pudesse. Tudo que haviam passado as havia transformado e era isso o que mais gostava.
— É claro que prefiro — Lia beijou-a carinhosamente. — Na vida real, mas na ficção Romeu e Julieta ainda é a minha preferida.
— Olha, eu só acho que dava para escrever um livro emocionante sobre a nossa história também, só acho.
Lia sorriu da bobeira dela até que a mãe entrou na sala, quebrando parcialmente o clima de romance entre as duas. Por sorte ninguém havia chegado na sala durante o filme para atrapalhar o clima das duas, que trocaram alguns beijos e carinhos durante a sessão.
— Estavam assistindo o quê? — A mãe perguntou ao ver seus olhos avermelhados.
— Romeu E Julieta — A irritadinha respondeu meio sem graça.
— Nossa! — A mãe fez-se de espantada. — Um filme perfeito para uma tarde como essa, não é? — Nádia falou risonha e piscou um olho para Liz.
— Sim, senhora. Uma tarde bem clichê, de fato.
— Todos os clichês são ótimos quando estamos apaixonados — Ela aproximou-se da filha e pôs a mão em sua testa. — Parece que não tem mais febre.
— Acho que já estou melhorando.
— Espero que sim. Liz, você vai jantar hoje conosco?
— Eu adoraria, se não for nenhum incômodo.
— Incômodo, algum. Como Lia não está boa para sair assim, prefiro que fiquem por aqui.
— Então está combinado, senhora.
— Pode me chamar apenas de Nádia, querida.
O coração de Lia sempre aquecia um pouco mais ao ver a mãe se dando tão bem com a namorada, cada vez mais. Como combinado, Liz ficou para o jantar e os cinco jantaram em harmonia entre uma conversa e outra.
Daquela vez foi Horácio que começou a puxar conversa com Liz, querendo saber o que ela estudava e seus planos para o futuro. Com esperteza, a namorada apenas disse que sua família era do ramo de construção e que logo se juntaria à empresa para trabalhar. Ah se eles soubessem quem ela realmente era. Lia tinha o pressentimento de que eles poderiam pensar mal da rockeira e vissem apenas a fortuna por trás da pessoa. Queria que eles a vissem por quem ela realmente era e não apenas por uma herança.
Depois do jantar, ela e a namorada foram até o seu quarto, desde que a porta permanecesse aberta, e lá ficaram conversando e escutando música até umas dez da noite.
— Queria tanto dormir com você hoje à noite — Lia falou manhosa com a voz ainda fanhosa, devido à gripe.
— E eu queria dormir com você também — Liz lhe deu um selinho. — Amanhã cedo eu chego por aqui, ok?
— Ok.
O domingo também foi passado com tranquilidade e junto da família de Lia. Naquele dia, Olavo e seus primos iriam para o almoço do domingo e Lia estava ansiosa para apresentar a namorada a ele.
— Liz, esse é o meu tio Olavo — A irritadinha os apresentou formalmente. — Tio Olavo, essa é a Lisandra, minha namorada.
— Então essa é a Lisandra — O tio a cumprimentou com um abraço espontâneo. — É um prazer conhecer a pessoa que conquistou o coração da minha sobrinha.
— Obrigada, senhor Olavo, é um prazer conhecer os familiares da Lia.
— Pode me chamar apenas de Olavo — O tio aproximou-se mais e falou para que somente as duas escutassem. — Que bom ver que estão se dando bem. Fico mesmo muito feliz e aliviado.
Lia percebeu o olhar desconfortável do pai quando ela apresentou Liz como namorada para a família, mas tentou relevar já que ele ficou quieto e tentou disfarçar. Era um passo enorme o que ele estava fazendo.
Antes do almoço, Lia chamou o tio para um canto a fim de falar a sós com ele.
— O que foi, querida?
— Eu só queria agradecer por ter me apoiado no final do ano e ter conversado com eles. Não sei o que o senhor fez, mas surtiu efeito.
— Não precisa agradecer, Lia — Olavo abraçou-a carinhosamente. — Eu não poderia ver meu irmão e minha cunhada perdendo a filha assim. Confesso que fiquei chocado quando vi a forma que os dois te trataram. Pedro também me contou como estava o clima aqui desde que você tinha se assumido. Apenas coloquei um pouco de razão na mente fechada deles. O bom é que decidiram mudar de atitude.
— Obrigada mesmo, tio. Por tudo.
— Você merece tudo de bom, minha querida. Só quero que seja feliz.
— Foi muito importante o apoio que o senhor me deu.
— Eu não poderia ter feito diferente.
Lia estava mesmo muito grata e feliz por ele ser tão legal daquele jeito. Por isso ele era o seu tio favorito.
— Então... o que o senhor achou dela? — perguntou tímida.
— Ah, ela é linda e muito encantadora. Uma menina que cativa e muito — Lia apenas concordava fortemente com ele. Era exatamente assim o jeito de Liz. — Não me admira que ela já tenha conquistado os dois, mas o mais importante é a forma que ela te trata, dá para ver o quanto se amam de verdade.
Lia ficou mais do que feliz ao ouvir aquilo e sorriu toda boba, mas tentou disfarçar.
— Bem, mamãe parece mesmo gostar dela. O Pedro nem se fala, mas o papai... eu sinto que ele está apenas aturando essa situação toda o melhor que ele pode, mas só dele ter, finalmente, respeitado nossa relação para mim já está de bom tamanho.
— Vamos dar tempo a ele. Tenho certeza que um dia se acostuma com a ideia.
— Eu espero que sim. Não quero me afastar deles por isso.
— Você não vai se afastar da sua família, eu não vou deixar.
Os primos amaram o jeito de Liz e só para não perder o costume, quando todos descansavam no deck depois da sobremesa, ela foi até o seu carro e trouxe o violão para tocar alguma coisa e animar a tarde. Todos ficaram bastante admirados com a voz tão linda e com todo o talento que ela tinha ao tocar o instrumento.
E assim se passou mais um final de semana...
Finalmente o dia 30 chegou e com ele, o resultado do intercâmbio. Foi o primeiro pensamento de Lia ao acordar. Ela procrastinou o quanto pôde entrar na internet para ver os resultados.
Era uma quarta-feira nublada e ela estava sozinha em casa com o irmão. Primeiro Lia tomou um café-da-manhã, nadou um pouco na piscina, trocou-se, desceu com um livro embaixo do braço e sentou-se no sofá do deck.
Por volta das onze da manhã, finalmente entrou no site da universidade e procurou pelos resultados que já estavam disponíveis. O coração de Lia batia forte no peito, estava ansiosa e nervosa. Esperava mesmo que tivesse conseguido essa vaga. Logo uma agitação tomou conta do seu corpo inteiro e sem mais esperar, ela clicou na lista de aprovados.
Começou a ler os nomes de cima para baixo e viu que o nome da Vanessa estava em quarto lugar na lista. Foi descendo os olhos lentamente até o número dez, mas não viu o seu nome ali. Seu peito apertou e mais uma vez ela deu uma boa olhada, apenas para constatar que não havia conseguido a vaga.
Sentiu a face aquecer e uma vontade de chorar tomou conta de si. Apesar de ter ficado indecisa e ter dito várias vezes que não queria o intercâmbio nesse período, ficou desapontada consigo mesma por não ter conseguido.
Talvez ela não fosse tão inteligente quanto pensava ou então não havia conseguido se entregar aos estudos da forma que deveria já que tudo havia acontecido naquele período crítico entre ela e Liz, e não podia mentir que havia ficado muito mal naquele tempo.
Apesar de tudo, achava que iria conseguir mesmo assim. Precisava do resultado para provar a si mesma que era capaz, mas não saiu como o imaginado. Todos estavam tão certos de que ela conseguiria. Talvez as pessoas a superestimassem demais.
Subiu rápido as escadas, trancou-se no quarto, jogou-se na cama e chorou em silêncio por algum tempo, já imaginando como seria olhar na cara dos pais ao dizer a eles que havia falhado logo em algo tão importante.
Não podia mentir, estava decepcionada consigo mesma...
Fim do capítulo
N/A: Olá lindas😘
Espero que estejam todas bem e se prevenindo contra esse vírus desgraçado... mas enfim!
Eu espero que gostem desse capítulo e que ajudem vocês a se distraírem nessa quarentena.
Comentem bastante, por favor e votem aí, estarão fazendo uma autora muito feliz.
Beijinhos e até o próximo!
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Anny Grazielly
Em: 23/03/2020
Aiaiaiaai... como nao amar Lis e Liz?!)!) as duas sao lindas e perfeitas.... com certeza a Liz vai ajudar nesse período difícil que Lis vai passar que eh achar que nao eh inteligente o suficiente para passar no intercâmbio... só espero que elas estejam sempre juntinhas e apaixonadas...
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