Segundas Impressões
Depois do pequeno incidente, resolvi ir para casa antes que pegasse um resfriado ou coisa pior e não vou negar que até tentei fingir que nada havia acontecido, mas chegar molhada e com uma toalha a tiracolo não foi exatamente a melhor tática de disfarce. Conhecia os meus amigos muito bem para saber que iriam me sugar cada mínimo detalhe dos acontecimentos. Sim, eles são esse tipo de pessoa, então procurei dar o máximo de detalhes que conseguia e, ainda assim, era bombardeada com perguntas do tipo: “Que roupa ela estava usando?”, “Você não reparou no cachorro correndo?” e “Sério que ela te beijou? mas foi de língua?”. Só faltava perguntar qual era a direção do vento quando cai no lago. Aff, sinceramente, às vezes acho que eles são as bichas mais fofoqueiras que existem.
- Olha, tu me respeite, é Sra. Bicha fofoqueira pra você. - Pedro declarou enquanto fingia jogar o cabelo nada comprido pra trás. - Me passa a salada.
- Aqui Sra. Bicha fofoqueira - Alfinetei enquanto lhe entregava a vasilha. - Mas sério gente, não foi nada demais.
- Como que não foi? Desde que você pisou nessa cidade é só o que tem acontecido: coisas demais. As lésbicas tem fama de rápidas: namoram, moram junto e casam num piscar de olhos. Do jeito que você tá, em uma semana já estará se divorciando do segundo casamento. - Gargalhou.
- Amor, pega leve, você já está forçando. - disse Leo tentando cortar a carne - Esse bife tá muito duro, você deveria ter batido mais.
- Que culpa eu tenho se a única aqui que sabe bater bife é a Alisson? - Escondi meu rosto com a mão e dei uma risada. - Eu gosto duro mesmo - Piscou para ele.
Nos encaramos e rimos, deixando o clima bem mais leve e, por sorte, o assunto mudou até que iniciamos uma conversa sobre o meu primeiro dia de trabalho amanhã. Assim como eu, Pedro estava muito animado pela oportunidade de estarmos juntos. A veterinária era uma das inúmeras paixões que nos uniam e fortaleciam ainda mais a nossa amizade. Dizem que somos o resultado das 5 pessoas mais próximas a nós e eu definitivamente encontrava muito dele em mim. Passamos o resto do dia dentro de casa jogando vídeo-games antigos e colocando alguns episódios das nossas séries favoritas em dia até não aguentarmos mais e eles decidirem se recolher para o quarto. Eu ainda não estava com sono, então peguei uma taça do vinho que havíamos aberto mais cedo e fui para o quarto. Assim que entrei, me deparei com a toalha de Samantha pendurada na cadeira. Peguei-a e aspirei. O cheiro era muito agradável, mas não era nada que eu conseguisse descrever. Era um perfume suave, mas ao mesmo tempo marcante. Tinha cheiro de aconchego, se é que era possível associar um cheiro a essa palavra.
- Só posso estar ficando louca.
A toalha já estava seca, então a dobrei e deixei em cima da mesa para não esquecer de levar na sexta. Pois é, eu já havia me decidido, até porque eu adoro baile finlandês? Você não? É...foi o que pensei.
Acordar no dia seguinte não foi nada pesaroso, eu estava levemente ansiosa e sempre que me sentia assim, o sono era sempre leve e ao menor barulho eu já despertava. Consegui me arrumar devagar e resolvi preparar um café da manhã caprichado: torrada feita na hora e não aqueles biscoitos industrializados que ousam chamar de torrada, café, frutas e suco verde para o Leo.
- Alguém acordou com as galinhas hoje - Pedro saia do quarto vestido em um robe dourado bem escandaloso. Ele pareceu notar a minha surpresa. - O que? Eu acordei para brilhar.
- Literalmente - Passei a garrafa de café para ele.
- Hoje é um dia feliz, é o nosso primeiro dia clinicando juntos - Falou segurando a minha mão e pegando uma torrada com a outra.
- Eu também me sinto feliz, mas estou um pouco nervosa.
- Relaxa amiga, tudo vai dar certo. Tenho certeza que até quem nunca levou o bicho num veterinário vai levar só para dar uma olhada em você.
Gostaria de dizer que ele estava enganado, já que eu não queria que as pessoas fossem levar os seus animais pelos motivos errados e também porque já havia tido emoções o suficiente em menos de 48 horas. Não queria ter mais surpresas. O fato é que eu estava tendo um dia bem intenso, a maior parte das pessoas que aguardavam no consultório, queriam que eu atendesse os seus bichinhos e me esforcei para ser o mais profissional possível. Atendi cachorros, gatos, coelhos, tartarugas e até um hamster bem fofinho chamado Antônio, que goz*va da mais plena saúde e não havia razões para estar ali.
- Doutora, tem certeza que ele está bem? Se acontecesse algo com ele a minha irmãzinha não me perdoaria. - O rapaz tentava a todo custo agourar o podre do bicho.
- Fique tranquilo. Ele está ótimo. Não é recomendável ficar dando outro tipo de comida que não seja a ração, mas um pedaço de queijo não vai matá-lo. É só não fazer isso de novo que tudo ficará bem com ele.
- Puxa, menos mal então, muito obrigado, mas será que o tipo de queijo não interfere? Queijo cheddar faz mal para algumas pessoas, imagina pra um animalzinho como esse.
Se a vida desse hamster dependesse desse rapaz, ele já teria ido dessa pra melhor.
- Não se preocupe, ele está ótimo e vai viver muito ainda - Falei já abrindo a porta e não dando margem para insistências.
- Mais uma vez obrigado doutora - Me estendeu a mão e eu aceitei por educação. Ele a levou até os lábios e foi quase como se eu tivesse lhe oferecido a minha boca. Levou mais tempo do que o normal para beijar.
Acabei fazendo mais força ao tentar virar nossas mãos de lado em busca de um aperto mais formal. Quando ele foi embora observei que ainda havia um considerável número de pessoas esperando que eu as atendesse. Respirei fundo e me dei um pequeno intervalo já que ainda não havia parado para comer nada e precisava urgentemente de um café forte. Peguei uma xícara e me escondi no almoxarifado.
- Dia difícil? - Meu amigo estava apoiado no batente da porta tomando seu café.
- Nem me fala, o que você falou que aconteceria realmente aconteceu - Esbocei um sorriso me inclinando no armário. - Tenho que acreditar mais em você.
- E quando foi que eu te falei algo que não fosse verdade? - Ele entrou e sentou em um banco - Com o tempo eles vão cansar, aí sim você vai sentir falta de ser uma celebridade.
- Aconteceu com você? Quando você veio pra cá?
- É claro que sim e você deve imaginar que uma bicha escandalosa como eu foi amada e odiada na mesma intensidade. - Brincou e olhei séria pra ele.
- É só que toda essa atenção me incomoda, não é como se eu não gostasse, é que eu não gosto de ser o centro das atenções.
Pelo canto do olho pensei ter visto algo e me virei para confirmar: Vi Hannah falando ao telefone e olhando a pequena Ana Laura andando toda serelepe, algumas vezes correndo, outras parando e se agachando para admirar alguma coisa no chão. Determinado momento ela pegou uma florzinha e entregou para a mãe que abaixou-se e a encheu de beijos. Por onde passava, cumprimentava a todos e quando não, as próprias pessoas falavam com ela. Era uma graça, não tinha como passar despercebida. Nem ela e nem a mãe…
- Por que eu sinto que você vai se meter em um rolo? - Ele viu pra onde eu olhava.
- Porque você acha isso? - Falei sem desviar a minha atenção delas.
- Fala sério amiga, seus olhos estão brilhando e não é de choro.
Não falei nada e me apressei em sair da sala quando elas saíram do meu campo de visão. Sai pelos fundos e vi que elas já estavam um pouco a frente.
- Ana Laura! - Gritei para que pudessem me ouvir.
Elas viraram em minha direção e a pequena esboçou um sorriso tão verdadeiro que me aqueceu o coração. Ela veio correndo em minha direção e eu apressei o passo. A peguei no colo e dei um abraço.
- Ali, olha - Ela me mostrou a florzinha que estava em suas mãos, era um pequeno girassol.
- É linda princesa, foi você quem pegou? - Falei olhando pra ela. Hannah nos observava de longe.
- Peguei. Toma, é pra você. Tem a cor do seu cabelo
- Puxa, tem mesmo, você é muito esperta. Obrigada, eu amei - Cheirei seus cabelinhos lisos. Tinha cheiro de shampoo de neném.
- Posso colocar no seu cabelo?
- É claro meu amor, coloca aqui do lado que fica melhor - Apontei a orelha e ela encaixou a florzinha direitinho.
- Está tentando roubar a minha filha? - Hannah havia nos alcançado.
- Bem que eu gostaria, mas essa cidade é muito pequena.
- Se isso acontecesse, pode ter certeza que você me devolveria ela em dois tempos - sorriu divertida.
- Você é bagunceira, princesa? - Falei fingindo surpresa pra ela.
- Não, ela apenas tem o peido mais fedorento do mundo
Nos olhamos e caímos na gargalhada.
- Mamãe, eu não tenho peido fedido - Ela cruzou os bracinhos e fez o biquinho mais lindinho.
- Mamãe está brincando filha - ela deu um beijo em sua cabeça e sussurrou pra mim - Eu falo sério. - Sorrimos cúmplices.
- Princesa, agora eu preciso ir, tenho muitos animaizinhos para atender ainda.
Ela fez uma carinha surpresa.
- Você cuida de animais? Posso ver?
- Claro! Vamos marcar um dia de você ir ver, tudo bem? Sua mãe deve estar ocupada agora e eu tenho muitos pacientes hoje.
Olhei para Hannah e ela pareceu entender sem que nada precisasse ser dito.
- Outro dia nós vamos filhinha. Precisamos ir pro restaurante agora que a vovó já está nos esperando.
- Tá bom mamãe - Falou estendendo os bracinhos para que a pegasse.
- Se despediu da Alisson?
Ela se virou e estendeu os bracinhos novamente em minha direção. O que eu não imaginava é que esse abracinho iria me deixar com o rosto bem próximo de Hannah e, por algum momento, nossos olhos se encontraram. Eu poderia dizer que o tempo parou, mas o que estava parando mesmo era o meu coração de tanto que batia forte. Senti as bochechas corarem pelo meu esforço cardíaco, mas nem por isso fui capaz de desviar daqueles olhos castanhos que pareciam impenetráveis, o que era uma contradição dado ao fato de que eu me sentia profundamente presa a eles. Tentei verificar se ela estava igualmente confusa, mas a sua expressão era indecifrável, levemente séria, eu diria. Os braços de Aninha se afrouxaram do meu pescoço e quebraram o nosso contato.
- Tchau princesa, foi muito bom te ver - Sorri para a garotinha e para Hannah, em seguida.
A sua expressão parecia ter suavizado mais e ela esboçou um sorriso daqueles que não se mostra os dentes. Me pareceu que ela calculava cada mínima expressão, diferente de Samantha que parecia ser espontânea até demais. Ambas eram iguais fisicamente, mas diferentes em todo o resto.
- Preciso ir - Ela me tirou dos meus devaneios.- Nos vemos na sexta - Completou virando as costas.
- Como…- Não precisei terminar a pergunta.
- Samantha comentou - Me senti gelar - Gostei do girassol.
E assim ela se foi, sem falar mais nada e me deixando cheia de dúvidas. Até onde Samantha comentou? Será que ela sabia do beijo? Por que eu tô preocupada com isso? Eu não devo nada a Hannah, então por que parecia tão errado o que aconteceu no parque?
- Pedro tem razão, isso vai dar uma merd*...
Me conformei que pepê me conhecia mais do que eu gostaria, mas não fiquei pensando nisso, aceitei o pensamento e deixei fluir. Ainda tinha muitos pacientes para atender.
- Muito bem, quem é o próximo?
Fim do capítulo
Oi você, como vai? Espero que estejam gostando da história. O intervalo entre as postagens pode demorar porque eu escrevo por lazer e nem sempre estou inspirada. O que acharam das irmãs serem gêmeas? Muita confusão vai rolar, mas estou com várias idéias para a história. Obrigada pela leitura. Ficarei muito feliz se deixar um comentário.
Obs: Lavem as mãos e fiquem em casa!
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Anny Grazielly
Em: 22/03/2020
Aiaiiaia... adoro ela com Hanna... espero que essas três formem uma linda família e se possível com mais um bb das duas... rsrsrs
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