Capitulo 62 - 17520
Como se resumem dois anos? Não parece tanto tempo assim dentro de um espectro maior, principalmente quando se está no início da vida profissional.
Em dois anos, Helena terminou o internato, e enfim chegou a formatura. Muita festa, muitas fotos, família reunida, amigos reunidos, bebedeira, primeira ressaca após o recebimento do diploma, retorno a sua terra natal, infindáveis estudos para a prova de residência e finalmente a colheita dos louros em Medicina de Emergência na Universidade de São Paulo. Como presente, ganhou um apartamento lá mesmo em Higienópolis, concedido por seu pai.
A capital paulista também havia recebido Lívia alguns meses antes, que já começara a residência em dermatologia, fazendo de sua sogra a pessoa mais realizada do mundo. Dante, em seu último ano na faculdade de Medicina, viajava o quanto podia para ver a amada na selva de pedra.
Nesses mesmos dois anos, Thaísa continuou mantendo seu relacionamento de fachada com Élvis, incluindo almoços e jantares com a família da mesma, até chegar ao ponto que se tornou inevitável perder a paciência com tal mentira e simplesmente encerrar o fajuto namoro. Juntou certo dinheiro do tempo que trabalhou com seu pai no Instituto, fez a prova de transferência para alunos de Internato na faculdade de Medicina mais concorrida de São Paulo e iria começar uma nova vida ao lado de sua amada. Mesmo seus pais não sabendo de toda a verdade e imaginando que Thaísa fosse morar com a irmã para curar as dores do término com Élvis, ainda não depositavam completa confiança na filha, a ponto de tentar convencê-la de todas as formas a ficar em casa, debaixo das asas materna e paterna, longe de quaisquer influências que pudessem moldar o coraçãozinho destruído da recém-solteira. Entretanto, a garota estava obstinada em obter sua tão sonhada liberdade.
Helena não se aguentava de empolgação, e passou a viagem inteira fazendo planos para a nova vida a duas em seu novo apartamento.
“E aí, chegaram bem?” Anna Júlia pergunta, em videochamada com sua ex colega de casa.
“Chegamos sim, Anna, obrigada por ter guardado algumas coisas da Thaísa no seu apartamento, prometo que da próxima vez que formos aí a gente pega o que não coube no carro.”
“Sem problemas! Ah, a Érin quer dar oi para você, ela está puxando minha perna insistentemente..” Anna ri.
“Oi Érin!!” Helena sorri para a câmera ao ver a pequena agora no colo de sua mãe.
“Oi, dinda! Você sabia que a tia Núbia vai virar minha nova mamãe?”
“Ah, sua mamãe Anna Júlia me contou! Você está feliz?”
“Sim!!!” Érin se empolga. “A mamãe Núbia sempre me traz doces, traz chocolate, traz balinha, bolo de morango...”
“Ela só fala da mamãe Núbia agora...” Anna ri. “Bem, agora temos que ir, tem um monte de coisas para resolver no casamento. Você vem, né?”
“Vamos ver como vai ser minha escala na residência, se eu não pegar plantão no dia vou fazer de tudo para ir sim, Anna, fica tranquila!” Helena também sorri e logo se despede.
“Olha quem chegamos!!” O pai de Helena invade o apartamento com os dois filhos pequenos.
“Esqueci de lhe falar...” Helena se vira para a namorada. “Esse prédio é do lado da minha antiga casa. Assim, por qualquer coisa meu pai aparece...” Ela explica, enquanto guarda o celular no bolso.
“Filha, estava conversando com sua mãe, parece que o Marco Antônio vai se mudar lá para a cidade que você morava, você sabia?”
“Vai sim, pai, ele passou em Medicina também. Ainda não acredito que ele conseguiu acabando de sair do Ensino Médio. Sabia que aquele garoto tinha potencial.”
“Bem, um dos seus irmãos você já conseguiu convencer, agora falta esses dois daqui a alguns anos!” Heveraldo brinca, apontando para os gêmeos.
“Ah, pai, do jeito que eles adoram falar e lhe persuadir a comprar as coisas, tenho certeza que um deles pelo menos vira advogado!” Helena ri.
“Não duvido nada. Mas tomara mesmo, ando precisando de um advogado corporativo nas empresas, cansado de gastar com escritórios grandes. Que pena sua amiga não ter aceitado vir trabalhar para mim, aliás.”
“Ah, pai, a Anna encontrou a felicidade dela naquela cidade, resolveu se firmar por lá. Vai se casar, inclusive.”
“Pelo visto ela não foi a única que encontrou a felicidade por lá...” Thaísa entra na conversa.
“Eu agradeço pelo tempo que passei lá, não teria conhecido a mulher da minha vida se não fosse por isso...” Helena se aproxima para dar um selinho em Thaísa mas é interrompida por Flávio.
“Mana, mana, o pai falou que a gente vai comer hambúrguer, vamos, vamos?” Ele chacoalha a irmã.
“Os meninos estão morrendo de fome, vamos jantar lá naquele novo restaurante e hamburgueria no fim da rua, querem vir conosco?” Heveraldo explica.
“Nós temos bastante coisa para arrumar, pai, acho que vamos pedir comida mesmo, mas muito obrigada!” Helena os dispensa cordialmente.
Enquanto Helena e Thaísa abriam as caixas, Helena parecia meio inquieta, distraída, e Thaísa logo percebeu.
“Está tendo pensamentos secundários?” Thaísa questiona, preocupada.
“O quê? Não, lógico que não!” Helena ri. “Só estava pensando na festa de casamento da Anna Júlia. Ou em festas de casamento no geral.”
“Está chateada porque não vamos ter uma? Bem, nós já vamos morar juntas, acho que isso já conta mais do que uma festa de casamento, não acha?”
“Sim, mas... ah, sei lá. De qualquer jeito não poderíamos por causa dos seus pais.” Helena suspira.
“Hey...” Thaísa se aproxima da amada e segura suas mãos. “O que importa é que estamos juntas, não é? Olha só por tudo que a gente passou, agora você vai começar a residência, nós vamos nos ver todos os dias, e dormir na mesma cama juntinhas, isso já não é uma conquista?”
“Bem...” Helena suspira novamente. “Verdade, já é uma conquista.” Ela sorri e dá um breve beijo na namorada.
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Os planos do casal a respeito de descansar foram por água abaixo quando Lívia, que não estava de plantão e não queria ficar sozinha, chamou as duas para sair, e Nicole, ao ficar sabendo do rolê, resolveu se juntar ao grupo.
“Que saudade que eu estava dos velhos tempos!” Lívia exclama, com a cerveja na mão. “Agora só falta o Dante para completar...”
“Falando em Dante, ele vem para cá no semestre que vem?” Helena pergunta.
“Se passar na residência de Clínica Geral, vem sim. O pai dele não conseguiu convencê-lo a ser cirurgião, mas pelo menos ele vai para a gastroenterologia depois e pode clinicar com o Dr. Ricardo, lá em Porto Alegre.”
“Mas pelo visto não é só ele quem está feito, né? Saindo daqui você também vai ter lugar lá na clínica da mãe dele.”
“Ai, Helena, nada a ver...” Lívia ri. “ A mãe dele me ofereceu um emprego lá sim, mas vou explorar todas as minhas possibilidades primeiro. Até ficaria aqui em São Paulo se o Dante mudasse de ideia em relação à clínica do pai, e também se a prefeitura daqui fizesse alguma coisa para a área da saúde.”
“Não está fácil mesmo.” Helena suspira e tenta cortar o assunto. “Onde será que está o garçom?”
“Sei lá onde está o garçom. Enfim, eles cortaram verba agora, uma verba que vinha exclusivamente do fundo municipal, cara, quem teve a brilhante ideia de colocar um idiota do mesmo partido do presidente?” A residente em dermatologia desabafa e depois se lembra de quem está à mesa. “Ai gente, desculpe, eu-”
“Não tem problema.” Nicole ri. “Todo mundo sabe que eu sou completamente contra qualquer pessoa do partido do meu tio-avô. Eles tiraram verba da educação também. A cidade está um caos e só reflete o estado do país como um todo.”
“Não acho que está tão ruim assim...” Thaísa comenta e todas olham para ela com a cara fechada. “Está bem, está bem, também não está uma maravilha... Mas estava pior com o presidente antes dele.”
“Thá, o nosso tio se reelegeu por causa desse tipo de pensamento. Se fosse para ele mostrar que era bom, ele já teria feito isso no mandato passado, mas o medo de vocês é tanto que fecharam os olhos para a corrupção sistêmica que vocês tanto lutavam contra, tudo para ter um falso moralista no poder!” Nicole se exalta.
“Calma, irmãzinha!” Thaísa arregala os olhos.
“É que eu vejo colegas já formados sucumbindo no mercado, ou sofrendo com alunos adeptos a suas ideias, e ainda tendo que escutar calados. Isso me tira do sério.” Nicole continua desabafando.
“E é por causa desse falso moralismo que eu queria ter uma festa de casamento com a pessoa que eu amo e não posso.” Helena aproveita o comentário.
“Por que não pode? O casamento homoafetivo é legalizado, Helena.” Lívia responde, sem entender.
“Ela quis dizer que é por causa da nossa família que ela não pode expor a Thaísa.” Nicole explica.
“Poxa, amor, não sabia que você guardava esse ressentimento todo.” Thaísa se entristece.
“Não é ressentimento, Thaísa... eu só... poxa, é o sonho de muitas garotas uma festa de casamento. E pode parecer ridículo, mas era o meu sonho também, ainda mais depois que encontrei a mulher ideal...”
“Soube se safar por pouco, hein, Helena!” Lívia brinca.
“Bobas...” Thaísa ri. “Eu um dia ainda terei coragem de contar tudo. Um dia...” Thaísa desvia o olhar e suspira profundamente.
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Ao chegar em casa, Helena ainda estava na fase excitatória do álcool, e a fase sonolenta parecia estar longe de aparecer. Em um impulso, colocou-se por trás de Thaísa e aproximou-se do ouvido da amada.
“Está a fim de um debate político na cama?” Helena propõe, de modo provocativo.
“Debate político? É um eufemismo ou um roleplay?” Thaísa coloca as mãos de Helena ao redor de si enquanto se movem em direção à cama.
“Pode ser o que você quiser... quem vencer o debate faz o que quiser com a outra, o que acha?” Helena vira a outra para si e a empurra para o colchão.
“Beleza, gatinha, manda o tema aí.” Thaísa pisca para a amada e se ajeita na cama.
“O que você acha, por exemplo, de estar desobedecendo as ordens da sua ministra da família, mulher e direitos humanos, hein?” Helena se coloca por cima da garota e começa a beijar seu pescoço.
“Que ordens?” Thaísa estranha.
“A respeito da abstinência sexu*l*...” Helena continua provocando, percorrendo sua mão sobre o corpo da garota.
“Helena, você sabe que isso é para prevenir doenças e gravidez indesejada, e não é o nosso caso.”
“Bem, se dependesse dela, nem existiria o nosso caso, não é?” Helena abre o zíper de Thaísa e percorre sua mão sobre a calcinha.
“E quem disse que eu ligo para o que ela pensa?” Thaísa segura o queixo de Helena e olha fixamente nos olhos da outra, provocando-a da mesma forma.
“Uia... seria essa sua versão rebelde?”
“Helena, eu respeito muito meu tio, minha família, meu partido...” Thaísa dá um jeito de virar o jogo e se colocar por cima da garota. “Porém se estamos entre quatro paredes, só você e eu, estou pouco me fodendo para o que os outros pensam, a única que eu quero foder aqui é você...” Thaísa se joga em um beijo voraz, para aos poucos ir tirando as roupas da amada e literalmente cair de boca onde mais queria...
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Após um final de semana maravilhoso no novo lar com a mulher de seus sonhos, finalmente Helena começaria o primeiro ano de residência em Medicina de Emergência. A primeira lista de aprovados havia sido divulgada e Helena a checou mais de quinze vezes para ter certeza que seu nome estaria lá. Em seu primeiro dia, ganhou um café da manhã maravilhoso de seu amor, e de brinde, uma cesta de chocolate enviada por sua mãe e madrasta. Ainda assim, acelerou para chegar um pouco mais cedo e colocar sua roupa privativa de cor verde abacate, quando seu corpo foi tomado por um estremecer generalizado, sentindo sua espinha arrepiar desde a última vértebra sacral até o início cervical.
“V-você aqui?!” A voz trêmula de Helena revela seu susto e surpresa.
“Pois é, sou R1 da Emergência, você também passou, né?” O motivo do pavor de Helena começa a se trocar na sua frente.
“Mas... a lista, digo, os nomes que estavam lá...”
“Eu passei em segunda chamada. Não estava em um bom dia para fazer a prova e isso afetou meu desempenho.”
“Você nunca se rebaixa mesmo...” Helena sussurra para si.
“O que disse?”
“Nada, não.” Helena desvia o olhar.
“Bom dia.” Uma mulher poucos anos mais velha que as duas principiantes também aparece para se trocar. “Vocês duas são R1, certo?” Após colocar o uniforme, ela tira uma prancheta da bolsa. “Helena e Jade?”
“Isabel.” A residente corrige. “Helena e Isabel.”
“Isabel? Não vejo seu nome aqui, só sei que tenho que supervisionar vocês. Eu sou R2, aliás, Camila. Bem, converse lá com a preceptora, se de repente você foi aprovada depois, pode demorar para o seu nome aparecer.” A mulher explica. “Bem, já que a Jade não chegou, vamos lá, Helena.” A supervisora pega o celular rapidamente. “Já temos um chamado para atender. Vamos!”
“Vamos!” Helena dá um sorriso de superioridade para Isabel e vai logo atrás de Camila.
Fim do capítulo
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rhina
Em: 09/09/2020
Eu ....isso é pra mim, eu teria escolhido que vc não trouxesse a Isabel de volta. Pois apesar de tudo , sua transformação caso tenha tido não foi visualizada ..... Não sabemos de nada dela. E sua volta será apenas para que Helena a exclua e isso não me cai vem.....mas enfim.
Rhina
nany cristina
Em: 02/03/2020
Autora por favor a Isabel não ela nunca amou Helena de verdade
Resposta do autor:
Oi querida!
Então, realmente! Mas agora, mais madura, Helena terá a chance de encerrar esse passado que a assombrava!
Beijão s2
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HelOliveira
Em: 01/03/2020
Eita Isabel voltou.....vai ser bem interessante essa residência
Resposta do autor:
hehehehehe os fantasmas voltando para assombrar...
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Rose_anne
Em: 01/03/2020
Eu sabia que essas duas ainda iam se topar no decorrer da história....
A Helena amadureceu muito durante o relacionamento com a Isabel e no meu ponto de vista quem vacilou foi a própria Isabel, mas o que passou passou, bora ver o que dá agora
Resposta do autor:
hahahahahahaha poxa, eu estava em dúvida a respeito de trazê-la de volta, mas realmente, como vc disse, a personagem amadureceu bastante e trazer um fantasma antigo pode ajudá-la a ter um "closure".
Beijão! <3
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