Inconstante por LaiM
Capitulo 7 Calçadão
Uma janta não seria nada demais. Sabia que logo iria vê-la no trabalho, mas por que não jantarem juntas já que fazia duas semanas que não se viam.
Cacau estava lá em vinte minutos com o nariz um pouco vermelho. Antes de sair do hotel uma criança brincava com um urso de pelúcia e o jogando para cima teve o azar de cair sobre seu rosto, sua rinite começou a atacar e não tinha outra coisa a não ser espirrar, pensou até em desmarcar, mas não queria ser a pessoa que ligava marcando e depois ligava desmarcando. Ao chegar pediu um copo com água e logo tomou um antialérgico que antes de ir à casa de Emme parou em uma farmácia e o comprou.
_Eu tenho uma bolsa cheia de remédios, com o tempo você vai pegando esse hábito de andar sempre com alguns comprimidos. Tenho remédio pra dor de cabeça, dor nas costas, gripe, febre, mas o que eu necessito sempre me esqueço em algum lugar. – Disse ela depois de engoli-lo.
Cacau deu uma olhada no ambiente, casa bem organizada, sala espaçosa, á mesa já estava posta para três, Emme que havia organizado tudo as pressas. Faca de carne ao lado direito, garfo de carne ao lado esquerdo e dois pratos entre o garfo e a faca, um para o prato principal e outro para sobremesa. Um pouco acima do prato um garfo de sobremesa.
_Essa é minha mise in place – E saiu abrindo um armário pegando algumas taças, uma para o vinho e outra para água e as colocou ao lado esquerdo perto de cada garfo de carne. _Mas me conta, desde quando tem essa rinite? Fez uma boa viagem? – Emme estava nervosa, admirando a mulher que estava ali em pé observando sua casa. Gostava que os convidados tivessem boa impressão do seu lar. Menos de seu quarto, vivia sempre bagunçado.
_Graças a Deus uma viagem. Deixa eu te ajudar. – Tirou da mão dela uma taça e pôs sobre a mesa. _Tenho pais que sofrem de rinite e infelizmente tenho e Laura também, minha filha.
Fernanda ouvia a conversa toda ali na cozinha.
_E com os nossos filhos o cuidado é bem maior. – Disse ela. Já colocava a janta nas tigelas.
_É verdade Fernanda. – Quando Emme as apresentou, a primeira coisa que Fernanda pediu foi que a chamasse de Fernanda e esquecesse o dona. _Na bolsa de Laura tem remédio em todo canto. Ligo sempre pra ela a lembrando de sempre ter e ela é uma menina que não desgruda nunca do celular, mas quando eu ligo dificilmente me atende. – E sorriu, fazendo as duas sorrirem.
_Ela tem quantos anos?
_Ela tem quinze.
Emme então olhou para ela.
_Você tem uma filha que já tem quinze anos?
E Cacau explicou. Engravidou nova, naquela época era melhor casar-se logo para não falarem tanto e seus pais que eram bem conservadores fizeram seu casamento as pressas, antes mesmo que a barriga aparecesse.
_Só tem ela? - Fernanda perguntou. Não viera de uma época tão distante de Cacau.
_Sim. Queria poder ter mais uns dois, eu amo criança, mas tive complicações na gravidez de Laura...
_Eu sinto muito...
_Mas a minha pequena me dá trabalho por dois ou três se duvidar.
_Eu adoraria conhecer ela. – Disse Emme. Nunca pensou em ter filhos, na verdade sempre evitou até de segurar um em seu colo. A ultima vez que segurou um bebê era de uma prima distante e isso já fazia tempo.
_Estou esperando esse semestre acabar para ela mudar-se de vez para cá e é o tempo que eu compro um imóvel bom e vim aqui também para isso, gostaria de saber se a Emme pode gastar um pouquinho do tempo dela para vermos alguns imóveis...
_Claro. – Apesar de não entender muita coisa de imóvel, poderia lhe fazer companhia _Procura casa?
_Sim. Morei em apartamento por muito tempo com meu ex-marido, ele gostava da segurança, depois que me separei fui para a casa dos meus pais e pude sentir novamente a sensação de respirar em um ambiente que não tivesse câmera pelos cantos.
Fernanda colocou sobre a mesa uma porção de arroz integral, filés de frango acebolado, uma salada Caesar e de sobremesa uma tigela quente de frutas que levava banana, geleia de framboesa, castanha-do-pará, semente de linhaça e iogurte natural desnatado. Emme olhou aquele jantar e o que desejava mesmo era uma carne malpassada, mas tinha que seguir o que sua nutricionista lhe passara e sua mãe acabava entrando na dieta e Cacau queria mesmo algo leve.
Cacau elogiou a casa, agradeceu pela receptividade e se ofereceu para ajudar a lavar os pratos quando terminaram de jantar.
_Não precisa se preocupar, é pouca coisa, faço isso em dez minutos. – Disse Fernanda recolhendo os pratos. Emme então lhe serviu mais um pouco de vinho. Cacau lhe transmitiu uma sensação de paz. Boa companhia, falava de tudo, educada, um clima totalmente diferente de quando saiu com ela para a padaria ou quando foram no evento dos irmãos J.
_Obrigada por ter vindo, se a gente tivesse começado com uma conversa franca teria sido bem melhor.
_Obrigada por vocês me receberem. Eu te liguei assim, arriscando se você aceitaria ou não. E eu sou sim um amor de pessoa.
_Te falei no carro que você é convencida, e volto a repetir. – E as duas sorriram. Emme olhou as horas, ainda estava cedo no seu ver. Não passava de meia noite, então era cedo sim e teve uma ideia _Mãe, eu vou ali no calçadão. Vem comigo Cacau.
_O que é o calçadão?
Calçadão era o nome de uma praça que ficava a três quarteirões da casa de Emme. Nessa praça tinha brinquedos, quadra de esporte, vários food truck cada um com sua especialidade, tinha também o senhor da pipoca e o preferido de Emme a senhora do churrasco. Lá também tinha uma igrejinha que ficava de frente para a praça e sempre em época de festejo vinha um parque de diversão que ficava por quatro semanas seguida.
_Desde sempre mora aqui?
_Sempre. Minha infância, adolescência e agora fase adulta sempre nesse bairro e essa praça aqui é um dos meus lugares favoritos porque tem um espertinho maravilhoso e barato.
_Faz tanto tempo que não como espertinho.
Ao chegarem à praça os olhos de Emme brilharam. Fazia um tempo que não andava ali apesar de ser perto de sua casa, lugar muito movimentado, amigos se reuniam e casais se encontravam para namorar, sem contar que algumas pessoas colocavam cadeiras para fora e lá ficavam sentadas observando também a movimentação.
_Aqui que eu trazia meus namoradinhos – Disse _E aqui mesmo que eu brincava de patins e minha mãe gritando com medo de eu cair, se eu caísse seria pelo grito dela e não pelos patins. Já provou espetinho de carneiro com queijo?
_Pelo que eu lembro não.
_Ah pois você vai amar.
Cacau olhou a praça que estava movimentada. Muitas árvores, alguns carros de comidas e Emme ali preferindo um espetinho que uma senhora preparava com seu marido numa churrasqueira que tinha bastante fumaça pelo ar. Ao redor da churrasqueira tinha algumas pessoas sentadas esperando seu espetinho.
_Boa noite Dona Antonia, quero dois espetinhos de carneiro com queijo, no capricho viu.
_Pra agora menina. Como vai sua mãe?
_Bem, obrigada. Essa daqui é minha amiga, Cacau, ela vai experimentar meu espetinho favorito.
_Pois devo dizer que é uma honra você provar esse espetinho, Emme nunca trouxe ninguém para comer com ela.
As duas estavam em pé. Emme apreciava aquele cheirinho de carne, era o que estava desejando a noite toda apesar da janta de sua mãe está no capricho.
_Primeira vez mesmo que trago alguém aqui, então me agradeça viu. – Emme brincou com a situação a fazendo rir.
_Mas você acabou de dizer que trazia todos seus namorados para essa praça.
_Mais tudo há uma explicação. Trazia meus namorados na adolescência, Dona Antonia não tinha esse ponto ainda aqui não. Só tá aqui há uns três anos não é?
_Quatro anos.
_Pois estou isso tudo sem namorar ninguém mesmo. – E lembrou-se de Bernadete que havia se feito presente em todos esses tempos controlando seus namoros e nunca aceitou seu convite de ir a praça, sempre teve medo de ser reconhecida por alguém.
Dona Antonia entregou o espetinho.
_Espero que goste.
_Pelo cheiro vou gostar sim. Obrigada e foi um prazer dona Antonia. – Cacau colocou a mão no bolso para pegar o dinheiro, Emme não permitiu.
_Deixa na conta dona Antonia.
_Eu tenho aqui por que pagar depois?
_Hoje é por minha conta, não se preocupa. Vamos se sentar ali.
As duas foram para o banco e passaram a comer o espetinho.
_Que carne macia. – Disse Cacau gostando _Realmente está de parabéns, tem um bom gosto pra lugar simples.
_Eu amo sentar em um banco desses e comer essa carne, às vezes um cachorro quente, um hambúrguer, às vezes caio na tentação de comer até um arrumadinho... ai meu Deus engordei cinco quilos só pensando. Essa simplicidade me encanta sabe? Olhar as pessoas, quando acaba a missa saem varias pessoas diferentes cada um com seu modo de viver e fico comendo e observando eles, às vezes até minha mãe vai pra missa e eu fico esperando ela aqui quando não estou trabalhando.
_Eu gostei dessa praça, se você quiser eu posso vim mais vezes com você olhar as pessoas.
_Ah eu não vou gostar de saber que você tá perdendo tempo aqui, eu que às vezes não faço nada mesmo. – E sorriu terminando seu espetinho.
_Não vai ser tempo perdido, vou tá com você, para mim é um tempo ganho.
_Uau, você sabe mesmo flertar.
_Só sou sincera, somente. Mas me conta, trouxe muitos namorados para cá?
_Muitos paquerinhas, meninos da escola no ensino médio. Estudava a tarde e da saída da escola a gente já descia para cá com um monte de amigos. Ah me bateu uma saudade dos tempos de escola agora.
_É nostalgia não é?
_Demais. Aproveitei cada momento e você?
_Conheci o pai de Laura na escola.
_Ah que romântico. – As duas sorriram.
_Sempre pensei que eu fosse me casar com um homem, viver aquela coisa tradicional sabe que meus pais viveram, ter um relacionamento a moda antiga talvez, mas eu hoje tenho minhas duvidas, eu gosto muito de beijar meninas também.
_Já ficou com alguma aqui na praça?
_Não, jamais. Nunca. Aqui há muitos olhares preconceituosos. Alguns sabem, mas eu deixo a imaginação deles tomarem de conta, já basta eu colocar na rede social que sou bissexual.
_O que tua mãe fala sobre isso?
E Emme estava sentindo-se muito a vontade de falar de sua vida abertamente para Cacau, talvez porque Cacau estava de fato lhe ouvindo, atenta em cada palavra, querendo lhe conhecer mais e então ela contou quando começou a sentir desejos por meninas. Se sentiu atraída por uma amiga de colégio.
_A gente fazia somente educação física juntas, eu sempre fui péssima em esportes, não sei nem pra onde vai a bola, mas por causa dela eu tava lá duas vezes na semana. Nunca tinha ficado tão apaixonada por alguém antes, me entreguei para ela de uma forma intensa, se me permite essa palavra, foi muito avassalador, mas acabou, de repente ela apareceu namorando um rapaz.
_Ah que pena... deve ter sido muito difícil.
_Foi difícil superar, passei um tempo sofrendo, até que não aguentei e contei para minha mãe, ela conversou comigo, me deu conselhos e me mandou para um psicólogo, disse que seria melhor alguém que soubesse mais do assunto para eu poder conversar e desde então eu descobrir que de fato preciso de um psicólogo na minha vida, não por questão de minha sexualidade, nisso eu já sou bem mais resolvida, é por outras questões internas mesmo.
As duas se levantaram, agora estava ficando tarde.
_E quando você diz viver algo a moda antiga, como é isso? – Cacau perguntou.
_Assim, de hoje em dia é raridade você se sentar em um banco de praça e conversar olhando no olho como eu e você estava fazendo. Por ser observadora deve ter visto que a cada três pessoas que se sentavam duas olhavam para os celulares, rindo sozinha, ali era ela e o aparelho, as pessoas que estavam ao redor não importava porque o celular tomou mais a atenção dela do que a pessoa ao lado.
_Sim, de hoje em dia está assim, eu mesma antes de embarcar olhei para a Laura e iria mandar um beijo, mas ela já estava mexendo no celular.
_É claro que tem a facilidade de você ler a mensagem e ver o que a pessoa tá querendo, mas pelo menos uma vez eu queria receber uma carta, um bilhete com um pedido de jantar ou um poema, sentar na varanda da minha casa e conversar até tarde, beijar um pouco para matar a saudade, eu entrar para dormir para ficar com aquela saudade e ele ir embora implorando para que eu deixe ele dormir comigo. – E sorriu, achava que aquilo era impossível de acontecer _O romantismo está em crise. Eu gosto de receber flores sabe, ler no bilhete “Que o seu dia seja maravilhoso” Isso me cativa mais do que receber um cartão de credito. Ganhar um chocolate é tão simples e muito significante. De hoje em dia você recebe convite de jantar pela rede social, você só cola um poema bonito e envia para a pessoa, não tem aquela criatividade de escrever algo autêntico. É tudo vago.
A única que tinha chegado com algo sincero tinha sido Bernadete que no inicio lhe escrevia coisas bonitas, por isso o apego de Emme pela pessoa mais velha, ela sabia como cortejar uma mulher. Mas depois de algum tempo Bernadete passou a mandar rosas só em datas comemorativas.
_Uau... – Cacau que estava atenta a toda conversa não imaginou que a outra tinha aqueles pensamentos e desejos.
_Eu devo tá é te assustando, mas sabe de uma coisa, eu gostei muito de conversar com você, obrigada por me ouvir. Mas me fala um pouco de você também.
_Bem, tenho uma filha, isso você já sabe, meus pais são casados até hoje e minha mãe não aceita bem minha separação e nem o modo que eu escolhi viver minha vida, mas eu já sou independente e vivo como eu quero, eu encaro o que vier, quando eu e o pai de Laura nos separamos a gente tentou uma reconciliação, mas não deu certo, o sex* era uma vez no mês e olhe lá, talvez nem isso e então por Laura a gente se tornou bons amigos. Ele já está quase casado com outra, Laura ainda fica naquela de não aceitar a atual, mas ela respeita.
_E você já teve algum rolo sério com alguma mulher?
_Sim, nós passamos quatro anos juntas depois que eu me separei, mas também não deu certo, sofri claro, mais o tempo que eu passei com ela eu a amei em cada momento.
_Que bonito essa frase, eu a amei em cada momento.
_A relação não deu certo, mas o respeito que eu tenho por ela e pelo meu ex-marido sempre ficou, é algo que eu não quero nunca perder em meus relacionamentos.
_Quatro anos é muito tempo, tua filha aceita?
_Tenta também, mas sempre evito ficar de carinho com outra mulher na frente dela. As coisas que eu faço ficam entre quatro paredes, é melhor e é mais gostoso. – Disse e sorriu safado para Emme. As duas chegavam já perto da casa. _Mas então, amanhã você pode ir comigo ver alguns imóveis?
_Claro, pode contar comigo.
_Tive uma noite agradável com você Emme, mais eu já sabia que não iria ser diferente. Obrigada pela janta e pelo espetinho, é um maravilha. – Cacau então lhe deu um beijo no rosto carinhosamente e entrou no carro.
_Obrigada você. – E lhe olhou, se pudesse ficaria mais um pouquinho com ela. Cacau então ligou o carro.
_Entra logo vai. Eu espero aqui.
Emme fez menção de abrir a porta da casa, mas se virou para ela e inclinou o corpo para se apoiar na porta do carro.
_Me responde uma coisa Cacau?
_Claro.
_Por que naquela semana quando estávamos no teu carro não me beijou?
Cacau então pensou e logo respondeu.
_Por que você é comprometida.
_Mas você sabe que eu e o Léo não namoramos de verdade.
_Mas não é com ele que você é comprometida. E quando eu quero uma pessoa eu quero ela só pra mim.
A cara de surpresa de Emme era nítido.
_Como soube da gente?
_Eu vi vocês no desfile dos irmãos J, se lembra daquele barulho que ouviram? Era eu...
_Uau. Vai me julgar?
_Eu não sou Deus, só digo que nossas escolhas nos levam para caminhos que nem sempre é bom. Ela é casada e já é bem mais velha que eu e você e existem vários questionamentos além da idade. Será se ela vai deixar o marido dela para ficar com uma mulher? E os filhos dela será se vai aceitar essa mulher? O que a sociedade irá dizer ao ver que ela trocou a família por uma mulher? Além do fato de que quando você tiver trinta ela vai ter uns sessenta já?
_Quando eu gosto de uma pessoa eu quero tá com ela até o fim, não me interessa a idade, a cor, o sex*, só me interessa uma coisa, se aquele relacionamento está me fazendo sofrer ou me dando alegria. E eu há duas semanas, pesei na balança o que eu sentia por Bernadete e então eu me permitir ser livre a partir dali, aquilo estava se tornando doentio.
Cacau brilhou os olhos, estava Emme dizendo que não era mais amante de ninguém?
_Terminou?
_Terminei, mas eu não acredito mais no amor. Para mim ele só existe agora em contos de fadas. Quero aproveitar essa minha liberdade e curtir um pouco sabe?
_Eu sei. Tenha uma boa noite Emme. Entra. – Bocejou, já estava bem cansada.
_Boa noite Cacau.
Fim do capítulo
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