Boa noite,
Consegui manter o nosso dia. Então, segue mais um capítulo para que vocês possam aproveitar e me dizer o que estão achando.
Muitíssimo obrigada pelos comentários. Eles são muito importantes para que eu possa saber se estou acertando a mão ou não.
Um ótima leitura.
Capitulo 2 - A Vigilante
Uma inconformada Manu passou praticamente o domingo inteiro enfurnada em seu quarto, saindo apenas para comer, e mesmo assim após as insistências de Coraline, porém sempre evitou sua outra mãe.
- Posso entrar? – A suave voz de Cora foi ouvida do outro lado da porta de seu quarto. – Trouxe seu lanche pós-jantar.
- Claro mamãe. – Manu retirou os pés de cima de sua escrivaninha e afastou a pilha de livros que estavam em perfeita desorganização e foram a companhia da garota ao longo do dia. – Hum... Sanduíche de atum! – Suspirou e sorriu amavelmente ao constatar que as cascas das fatias de pão haviam sido tiradas com perfeição. Indicando que havia sido ela mesma a preparar aquela refeição.
- Como você está? – A mulher acariciou a cabeça da menina. – Mais tranquila? – Manu apenas deu de ombros enquanto devorava seu sanduíche. – Você sabe porque sua mãe age dessa maneira não é?
- Por que ela se preocupa com a minha segurança. – Disse em tom de desdém e ainda com comida em sua boca, recebendo um olhar de repreensão em troca.
- Sim Manu! – Passou o polegar no canto da boca da menina limpando uma pequena porção de maionese que havia ali. – Todo o cuidado que ela tem como você se deve a sua segurança sim, porém mais que tudo, ela lhe ama. – Disse buscando os olhos da menina com firmeza.
- Mas mãe... – Não concluiu, pois realmente não possuía argumentos contra aquela afirmação e geralmente falhava nas discussões que tinha com sua mãe.
- Ela pega pesado as vezes? Claro e eu concordo que ela exagera e podes apostar que ela sabe disso. Mas é o jeito dela de lhe proteger.
- Mas eu já sei me proteger muito bem! – Cruzou os braços e fez sua tradicional cara de birra, evidenciando que apesar do tamanho, ainda trazia muito dos traços infantis.
“Pior que podes mesmo.” Coraline pensou, certa de que Manu não ouviria seus pensamentos. A menina sempre respeitava aquele pacto, e isso a deixava sentindo-se culpada por ter quebrado a promessa.
- Manu... Até mesmo a sua mãe, toda soberana e segura de si sempre precisou de uma Protetora.
- É eu sei... – E maneou a cabeça, fugindo dos olhos de Coraline. A vergonha começou a consumi-la. – E eu não queria ter dito aquilo. Eu amo fazer parte da Ordem mamãe! – Os olhos da menina estavam marejados. – Mas é que... – O nó em sua garganta tornou-se quase insuportável.
- É uma tremenda responsabilidade! Eu sei! – Acariciou o rosto dela e em seguida precisou fazer o mesmo com Andrômeda, que exigiu a mesma atenção. – Mas é justamente por todas nós sabermos que você pode se cuidar sozinha... – Piscou um dos olhos para ela e sorriu docemente. – Que ficamos ainda mais seguras em sabermos que será você a sucedê-la. - Os olhos da menina brilharam. Ha muito que Coraline já havia descoberto aquela estratégia. Aquela criatura, apesar de todo o altruísmo e humildade, carregava um traço muito singular, em sua personalidade O orgulho! Traço marcante em todas as Chermonts! Então, ela lançava mão de pequenas massagens no ego de Manu, para domar aquela poderosa fera.
- Sei do que preciso fazer... Acho que sempre soube. – Usou todo o seu tom mais dengoso.
- Não se preocupe meu amor... Eu e sua mãe estamos aqui para ajuda-la no que for preciso. – Ambas se abraçaram. – Sabes que podes contar conosco para tudo, não é mesmo? E a confiança é fundamental entre nós. – Coraline não viu a reação desconfortável de Manu, que já estava em seu banheiro trocando de roupa para dormir. – Então minha querida, evite... Digamos... Desobedecer... – Encarou a cara surpresa da menina. -... Muito a Dominique! – Piscou novamente o olho para ela e ambas riram.
- Farei o meu melhor! Prometo! – Ergueu a mão direita numa posição solene, reforçando sua promessa.
- Muito bem! Agora trate de descansar! Preciso ir até uma certa pessoa para convencê-la a deixar uma outra certa pessoa a sair de seu castigo! – Acenou da porta do quarto.
- Por favor mama! – Manu juntou ambas as mãos em evidente excitação.
- Não posso garantir... Mas tentarei ao máximo! Sugiro que faça o mesmo! – Sorriu e soltou um beijo da porta.
Manu esperou mais alguns instantes até ter a certeza que sua mãe havia se afastado o suficiente e correu até seu closet. Afastou vários cabides e logo encontrou o que procurava. Assim que segurou em suas mãos a mochila que desejava, hesitou.
Acabara de prometer a sua mãe que não as desobedeceria. E o que estava prestes a fazer era exatamente o contrário disso. Foi inevitável ser açoitada pela culpa. Pensou em desistir e chegou a colocar a mochila de volta em meio as suas roupas, mas algo nela lhe chamou atenção. O detalhe que a lembrou exatamente do motivo pelo qual ela precisava desobedecer suas mães. Suspirou e abriu um dos zíperes e retirou de lá um panfleto dobrado. O abriu e releu aquela mensagem mais uma vez.
Resoluta, calçou seus tênis e vestindo o seu moletom favorito, foi até a sacada de sua janela e com a maestria de quem fazia aquilo diariamente, desceu os dois andares até o chão. Optou em não mais usar nenhum de seus dons para ludibriar as seguranças, pois sabia que sua mãe estava atenta a algo assim. Então precisaria sair às escondidas. Correu, esgueirando-se até uma construção mais afastada, mas que ainda ficava dentro da propriedade. A noite sem lua a ajudou a manter-se incógnita, mesmo dos olhares atentos das seguranças que perambulavam por ali. Assim que chegou a seu destino, alcançou sobre a soleira da porta a chave que repousava nem tão bem escondida assim e abriu as largas portas de metal.
Na segurança das sombras, retirou o confortável agasalho que usava para dormir e o substituiu pelo conteúdo da mochila. Calça e jaqueta de couro negras, com pouquíssimos detalhes. Calçou as botas que combinavam com as roupas e para completar o seu visual, colocou um capacete feito especialmente para ela. Preto fosco, com a viseira também escura, o que lhe garantia esconder seu rosto.
- Me desculpe Tia Helena! – Disse assim que acariciou o banco de couro de uma moderníssima Kawasaki Ninja também na cor preta, com alguns detalhes em cobre, que foram feitos sob medida para a sua dona original.
Montou na moto que deveria apenas responder ao comando de sua dona com a digital correta sendo pressionada na ignição, porém a mesma obedeceu ao comando de Manu logo após ela inserir um pequeno dispositivo num compartimento quase imperceptível abaixo do guidão. Num movimento firme de mão, um ronco vigoroso quebrou o silêncio da noite e com um sorrisinho nos lábios, Manu arrancou com aquele impressionante veiculo.
Contornou o muro mais distante do castelo e localizou sua saída escondida sob trepadeiras que cobriam a parede de tijolos que garantia certo isolamento de toda aquela imensa propriedade. Uma abertura estreita, mas que cabia com exatidão a passagem da moto. Assim que alcançou a autoestrada que ligava a propriedade ao centro de Paris, testou todo o vigor daquele motor de ultima geração e voltou a agradecer a Helena por tê-la ensinado a pilotar, mesmo contrariando as ordens de Dominique.
Havia poucos carros na estrada, por ser uma noite de domingo e isso só a instigava a ir cada vez mais rápido, testando todos os limites que aquele impressionante veículo possuía. Em seu intimo sabia que o que estava fazendo era errado e lhe trazia inúmeros riscos. Ainda mais em se tratando do seu objetivo naquela e nas ultimas noites.
Cruzou todo o centro de Paris dando-se ao luxo de apreciar as belezas que aquela antiga cidade oferecia. Lembrou-se de todos os passeios que fez com suas mães, e de como se encantava com as histórias contadas por Dominique de tudo que ela viveu ali e de como pode acompanhar as transformações que misturavam o antigo e o novo na sublime capital das luzes.
Dada a intensa velocidade desprendida pela Kawasaki Ninja de Helena, pode se demorar um pouco mais, chegando a parar sobre a Pont Mirabeau e saltar da moto para apreciar as luzes da cidade que incidiam nas águas do Sena. De imediato quase chegou a ouvir a voz de Coraline recitando o poema de Guillaume Apollinaire, que exaltava aquela belíssima estrutura no fim de tarde de outono, quando passeavam por ela.
Foi inevitável para Manu não se sentir uma privilegiada pela vida que tinha. A despeito dos anos miseráveis que viveu nos porões dos bordeis do Martelo. Ela não costumava se deixar levar por qualquer tipo de autocomiseração, isso não fazia parte de sua exuberante personalidade e ela costumava encarar essa parte de sua história como sendo necessária para que ela chegasse onde estava e que aqueles duros anos, levaram-na a sua família. Riu de canto de boca, foi quando percebeu a aproximação de uma viatura da polícia de trânsito que certamente vinha repreendê-la por ter estacionado sua moto em local proibido.
- Boa noite senhor! – Manu estendeu a mão por um corpulento soldado que vinha já com o dispositivo onde registrava as multas em mãos. O homem surpreendeu-se e foi impactado pela imagem daquela figura e não conseguiu evitar que seu queixo fosse ao chão logo após Manu retirar o capacete. Apesar de vários fios rebeldes em sua longa cabeleira castanha avermelhada, uma trança caiu em seu ombro e emoldurou o extraordinário rosto daquela jovem mulher que sorria alegremente para o policia, que mal se deu conta que estava perdendo todo o controle de suas ações devido a invasão de sua mente.
- Bo... Boa... Noite! – O homem conseguiu responder após certo esforço.
- Sr... Renauld... – Manu fingiu ter lido o nome do policial em um broche no bolso de seu uniforme, mas na verdade o havia descoberto assim que invadiu a mente dele sem dificuldade alguma. – Poderia me informar como chego à Montmartre? – Forçou um sotaque que trazia alguns traços de alemão. O homem sorriu largamente e logo estava usando o seu tablete para mostrar a mulher o caminho até o destino solicitado ao invés de usá-lo para sua finalidade original.
Manu apertou a mão do policial que piscou vigorosamente e em seguida debruçou-se sobre o parapeito da ponte para apreciar a vista, seguindo uma dica que ela lhe havia sugerido sem precisar usar palavras. A menina contornou a viatura que estava ilegalmente estacionada e, ainda mais segura de si, montou em sua moto e acelerou, vangloriando-se da facilidade como conseguia tudo o que queria.
Tinha a certeza que havia cometido uma pequena infração, mas julgou não ter causado mal algum e ainda mais confiante, seguiu para o seu destino.
Poucos minutos depois, estava cruzando o famoso bairro boêmio de Montmartre que trazia seus pitorescos pontos turísticos, que dividiam espaço com o chamado “mercado do sex*.” Passou por uma rua estreita, onde vários sex shops incidiam luzes vermelhas sobre o asfalto molhado e nas calçadas, grupos de prostitutas já disputavam seu território e os possíveis clientes.
Uma delas chegou a abordar Manu assim que ela parou, pouco antes da esquina. Manu surpreendeu-se com a beleza daquela mulher negra que possuía um carregado sotaque que ela não conseguia identificar e temeu invadir a mente dela, pois sabia que poderia encontrar coisas não muito boas.
- Minha nossa! – Foi o que a mulher conseguiu dizer assim que Manu novamente retirou seu capacete. Por vezes a menina se incomodava com aquilo. Não se considerava uma mulher tão bonita assim, discordando de todos que ficavam embasbacados diante dela.
- Vá para casa. – Manu disse assim que tocou no braço da mulher. – Essa noite já deu para você. – Finalizou entregando algumas notas de euro que trazia em sua mochila para ela.
A mulher recebeu o dinheiro, que não era muito, mas sem conseguir explicar o porque, sorriu para a menina e anuiu positivamente com a cabeça. Em seguida dirigiu-se até um dos becos de onde retirou um casaco de pelos falsos e sua bolsa. Só então Manu percebeu que a mulher mancava e andava com certa dificuldade. Quase instintivamente teve um vislumbre da mente dela e viu que, a algumas noites, ela foi vitima de um grupo de homens que pegaram pesado com ela em um programa.
Sentiu o nó em sua garganta e uma conhecida ira querer ganhar força dentro de si. Sacudiu a cabeça para interromper aquela visão e tentar conter sua raiva. Apertou os punhos do guidão da moto com demasiada força, cerrando os lábios e reforçou, silenciosamente a promessa que fizera a si mesma de que ajudaria aquelas mulheres sempre que fosse possível e especialmente quando se tornasse mestra da Ordem.
Seguiu seu caminho e logo entrou no 13º Arrondissement, e a incidências de orientais lhe dizia que estava no bairro chinês. Era inevitável para as pessoas que transitavam pelas calçadas não terem sua atenção chamada pela figura dela. Cochichos podiam ser visto, mas ela os ignorou. Dobrou logo após um grande mercado e o cheiro de mar imperou no lugar. Os frutos do mar manuseados e vendidos naquele lugar impregnavam o ar com aquele odor que beirava ao desagradável.
Parou sua moto logo atrás de grandes lixeiras de metal e saltou em silêncio, seguindo em direção a um conjunto de galpões escuros de onde parecia que saia sons de uma pequena multidão.
- Alguém já lhe disse que você é uma maluca Emanuelle Carpentier-Nichols? – Manu se sobressaltou e virou-se para ver quem a conhecia naquele lugar.
- Siggy! Já lhe disse que se você se aproximar de mim assim novamente serás um homem morto. – Advertiu o jovem de rosto sardento que vinha em sua direção.
- Ei, foi mal! Eu precisava suavizar o clima, pois estou me cagando de medo em estar aqui. – Respondeu o rapaz que estava vestindo um jeans surrado, tênis all star branco-encardido, uma jaqueta que homenageava algum super-herói do qual ele fã, mas que Manu desconhecia e uma touca que lhe fora costurada pela avó. – Aliás, a srta está atrasada sabia?
- Eu nunca me atraso...
- Chega na hora que quer... – Ele falou antecipando qual seria sua próxima frase. Uma nova onda de vibração pode ser ouvida de um dos galpões e atraiu a atenção de ambos. – Tem certeza que você quer fazer isso? – Ele tentou alertar sua amiga.
- Claro que sim. – Sorriu para o rapaz que anuiu negativamente com a cabeça. – Então, se não concorda, por que veio?
- Porque sou seu amigo e jamais lhe deixaria vir a um lugar como esse sozinha! – Estufou o peito, fingindo algum tipo de segurança que estava longe de possuir. Manu riu da tentativa do colega, pois ambos sabiam quem era capaz de proteger quem naquela dupla que se tornava cada vez mais inseparável, desde o dia em que a menina o salvou de um ataque de valentões que queriam agredi-lo após uma tentativa de assalto, quando ambos tinham apenas 15 anos.
- Então “meu chapa”, vamos? – Brincou com ele, que a seguiu por um estreito e comprido beco.
Assim que saíram dele, chegaram a um improvisado estacionamento, onde havia vários carros de luxo estacionados e alguns brutamontes carrancundos garantiam a segurança do lugar.
- Deixe comigo! – Siggy pigarreou e freou Manu com uma mão pressionada contra o ombro dela, colocando-se a sua frente. A menina cruzou os braços e recostou num novíssimo Audi prata que havia ali.
- Boa noite... Senhores. – Siggy ficou em duvida de qual tratamento usar com aqueles homens. Os dois que guardavam a entrada se entreolharam e depois voltaram sua atenção para o jovem. – Eu e minha amiga ali... – Indicou Manu e essa deu um tchauzinho para eles. – Gostaríamos de... Participar da... Festinha que está rolando ai dentro.
Duas estrondosas gargalhadas ecoaram do estacionamento, fazendo os dois brutamontes sacudirem de tanto que riram da tentativa daquele moleque.
- Garoto... Essa “festinha” aqui não é lugar para crianças. – Um deles respondeu e logo deu as costas para ele. Siggy olhou para Manu que tentava conter o riso, e com um novo aceno de mão, gesticulou que o amigo tentasse novamente.
– Acho que vocês não entenderam... – Os dois viraram para ele e não mais riam. – Nós não somos crianças! – Siggy tentou engrossar a voz e ficou na ponta dos pés para tentar se aproximar da altura dos seguranças.
- Claro meu senhor! – Mudaram drasticamente de postura, podem passar! – Abriram passagem para ele que olhou para Manu vangloriando-se de sua pequena vitória. A menina riu discretamente da atitude do amigo e seguiu, passando pelos dois seguranças, piscando um dos olhos para ambos que logo sacudiram suas cabeças, aparentando alguma confusão.
Percorreram um longo e mal iluminado corredor que tinha as paredes repletas de múltiplas camadas de pichações e grafites que indicavam alguns dos frequentadores que já passaram por ali. Ao final dele, dois outros seguranças abriram passagem para eles, pois se haviam chegado até ali, deveriam ter recebido o convite. Os ignoraram totalmente.
O interior daquele galpão não lembrava em nada a sujeira do lado de fora. Muito pelo contrário, parecia uma sofisticada boate de luxo, com iluminação indireta, mesas privadas e vários recantos obscuros, permitindo que muitos dos frequentadores daquele lugar, tanto homens como mulheres que aparentavam ser da alta sociedade francesa, se divertissem como bem entendessem, tendo seus fetiches e fantasias realizados.
- Não acredito que vamos fazer isso novamente! – Siggy bufou e atraiu a atenção de uma mulher bem mais velha do que ele e que lhe sorriu erguendo sua taça de Martini. Certamente o jovem estava sendo confundido com alguma das “diversões” fornecidas por aquele lugar. O rapaz arregalou os olhos e em seguida segurou firme na mão de Manu, querendo passar alguma mensagem para aquela mulher de que ele não estava disponível. A garota olhou para sua mão envolvida pelo suor de seu amigo e esboçou uma careta.
Um estrondo fez o salão estremecer e algo que lembrava um gongo, anunciava que o evento mais esperado da noite estava prestes a começar.
- Essa é a nossa deixa! – Manu empolgou-se, e moveu sua cabeça de um lado para o outro, desejando esticar os músculos daquele local.
- Fique aqui! – Siggy disse, com ambas as mãos nos ombros de Manu. Demorou-se num desconfortável e incisivo olhar que a garota detestava receber do amigo. Desviou seus olhos e o rapaz suspirou derrotado. – Se é isso que você quer mesmo... É a sua cara que será quebrada! – Ironizou! -Vamos!
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Aplausos e gritos ensandecidos que mais lembrava uma horda de bárbaros em estágio pré-civilizatório, explodiam a cada golpe desferido naquela surreal arena. Ela ficava no porão daquele prédio que foi adaptado com arquibancadas que circulavam uma espécie de ringue que era circundado por grades e redes, que impediam o contato de quem estava fora com quem estava dentro e vice e versa.
Um corpulento e anabolizado homem foi ao chão pela terceira vez em poucos minutos, o que causava o estarrecimento de seus treinadores e de toda a plateia que não conseguia acreditar no que viam. Olhavam para o tamanho daquele homem, que mais lembrava um gladiador romano e não conseguiam crer que ele estava sendo tão facilmente derrotado por uma improvável adversária.
Na outra extremidade do ringue, uma mulher de corpo esguio e músculos torneados e tensionados, indicando que estava completamente atenta, observava levemente ofegante a cena de seu adversário tentando recompor-se para continuar aquele embate.
Do lado de fora das grades, olhos gulosos e que transbordavam luxuria varriam a figura daquela mulher impressionante, que parecia invencível. Dentre eles seu jovem amigo, que não se continha ao registrar cada detalhe da figura de Manu. Ela vestia calças e camiseta pretas extremamente coladas em seu corpo, denotando a perfeição e rigidez contida em cada centímetro daquela obra de arte.
Alguns comentários chamaram a atenção do jovem rapaz que o preocuparam.
- Manu! – Tentou chama-la sem atrair tanta atenção para seu nome. – Ei Manu! – Insistiu e ela finalmente o ouviu. Sem dar as costas para o ringue, recuou até que encostasse nas grades.
- O que foi? – Ela estava com toda a sua atenção focada no seu oponente e nem se quer olhou para seu amigo.
- Eu acho melhor você... Pegar mais leve! – Ele cochichou e só então ela o olhou por sobre o ombro.
- O quê?
- Você tá chamando muita atenção... – Indicou com um movimento de cabeça o que queria mostrar. Ela olhou para além dele e percebeu várias pessoas com os olhos arregalados cochichando e apontando em sua direção.
- Droga! – Ergueu e soltou os ombros. – Isso vai doer um pouco. – Disse para o amigo no exato instante em que o soar do gongo anunciava que seu adversário estava pronto para continuar aquela luta.
Manu caminhou até o centro do ringue e colocou-se em posição de luta, exatamente como Helena a havia ensinado. Com o aceno de um homem que fazia as vezes de um juiz, mas que só estava ali para garantir que ninguém se matasse, a luta reiniciou. O gigante russo, e que tinha o corpo coberto por tatuagens, foi em sua direção desferindo socos e chutes que foram habilmente defendidos por ela, causando nova onda de assombro na plateia, pois a força desferida por ele era tal que deveria quebrar os ossos daquela mulher. Mas ao contrário disso, ela permanecia de pé e firme.
Aquela atmosfera de estarrecimento lembrou-lhe o alerta de seu amigo. E por mais que ela quisesse, não deveria chamar muito mais atenção para si. Mordeu firmemente o protetor bucal lilás que usava e baixou discretamente sua guarda, o suficiente para que os olhos hábeis de seu oponente percebessem.
Foi então que o poderoso soco lhe atingiu em cheio, o lado esquerdo de seu rosto. O absurdo poder contido nele era suficiente para nocautear muitos lutadores homens, como o fizera tantas vezes, mas que naquela mulher, teve apenas o efeito suficiente para fazê-la dar dois passos para trás.
Percebendo a incredulidade do russo, soltou tardiamente, um gemido rouco e levou sua mão até o local. Na verdade havia sentindo uma lancinante dor em seu rosto, mas o efeito que tal golpe teve sobre ela, foi apenas de uma leve tontura.
Ela era mesmo invencível!
Irado com a ineficiência de seu golpe, o homem partiu sedento em direção a ela que deixou ser atingida por uma sequência de três vigorosos socos e uma potente joelhada em sua barriga.
Foi a chão tão somente pelo desequilíbrio que sentiu e não pelo poder dos golpes e ficou de quatro no chão. Ergueu levemente a cabeça e encarou o estarrecimento das pessoas que berravam palavras que ela fazia questão de não compreender. Mas forçou um pouco mais sua concentração. E em seguida, a multidão foi contemplada com uma vigorosa cusparada de sangue, desferida por ela.
Delírio e êxtase explodiram na plateia! Especialmente dos homens que adoravam assistir uma mulher sendo agredida daquela maneira. Manu revirou os olhos e quando virou-se para Siggy esse estava visivelmente preocupado, mas suspirou aliviado ao receber uma piscada de olho.
Com exceção dele, todos os demais presentes naquele recinto viram o que gostariam de ver e o que ela desejava lhes mostrar. Ela nem se quer havia sentido nada mais intenso com o chute do homem, mas projetou em todas as frágeis mentes dos presentes a imagem de que estava profundamente machucada e mais uma vez cuspiu uma porção de saliva, que para eles parecia sangue.
O russo ergueu os braços e berrou, imitando um urso, como era conhecido no meio do submundo das lutas ilegais. Ele virou-se para o canto onde estava sua equipe e bateu violentamente na grande e apontou um dos dedos para uma mulher loira que estava próxima a eles e era a única que não vibrava como os demais.
Manu acompanhou toda aquela cena, enquanto continuava fingindo que estava sofrendo com as dores dos golpes que recebera. Focou sua atenção no rosto da mulher e viu que, sob a pesada maquiagem havia algo. Uma marca. Sem pensar duas vezes, mergulhou na mente dela e viu cenas de sucessivas sessões de espancamento que ela sofria nas mãos daquele troglodita.
Tomada pelo temido e conhecido ódio que lhe consumia, e contra o qual vinha tentando lutar. Ignorou o juiz que verificava se estava bem e se pôs de pé. O arregalar de olhos da plateia chamou a atenção do russo.
- Ei... Seu filho da puta! – Com passos largos e firmes ela o alcançou e o sorriso perverso que ele ostentava, se desfez no segundo antes de receber o primeiro soco violento contra seu rosto. O homem cambaleou.
“Então você gosta de bater em mulher?” Ela berrava dentro da mente dele e afastou-se o suficiente para pegar impulso e dar um salto para desferir o novo golpe com ainda mais força, saltando em pé e aterrissando com o outro.
Ele tropegou mais uma vez!
Manu girou no próprio eixo e desferiu um poderoso chute contra o peito dele, que chochou-se contra as grades e buscava o ar com dificuldade.
“Pois então eu vou lhe mostrar como ela se sente!” Apontou para a mulher que mal acreditava no que estava vendo. O homem tentou questionar algo diante de sua total confusão, mas foi vitima de uma sequência impressionante de socos que derrubou completamente a guarda dele.
“Nunca mais...” Manu aproximou-se dele e segurou seu rosto bem próximo ao dela. – Nunca mais ouse levantar um dedo contra ela, ou contra qualquer outra mulher! – Fez questão de verbalizar aquela advertência. – Caso contrário... – Fincou seus dedos nos curtos cabelos dele e com toda a sua impressionante força o acertou no queixo ou uma joelhada, que o fez cair ao chão, com o maxilar deslocado. – Eu mato você! – Cochichou debruçada sobre ele e antes de se afastar, fez questão de cuspir no rosto deformado do homem.
O silêncio se fez presente diante de tamanho estarrecimento que assolava a plateia que assistia incrédula aquela jovem mulher caminhar para fora do ringue. Até mesmo o juiz e os organizadores daquele bizarro torneio a olhavam tomados pela desconfiança.
Manu estava pouco se importando com a reação que causava, pois estava apreciando a saborosa sensação de derrubar mais um homem que machucava mulheres. Saiu do ringue e desviou de um boquiaberto Siggy e foi em direção a mulher do seu oponente. A medida que ela passava as pessoas abriam passagem para ela, muito mais devido ao medo do que qualquer outra coisa. Ela os ignorou e parou bem próxima a mulher que, assim como os demais mortais presentes naquele recinto, estava tomada pela surpresa e recuou quando a menina se aproximou e então sua incredulidade foi potencializada ao extremo, pois percebeu os joviais traços da menina que lhe olhava tão intensamente.
Foi então que sentiu um profundo alivio, como se alguém lhe retirasse de sob os presados escombros que lhe sufocavam. Olhou para a mão de Manu, que repousava em seu ombro e que ainda trazia o sangue de seu companheiro. Voltou a encará-la e sem ter a certeza do motivo, sorriu como a muito não sorria.
- Ele não vai mais machuca-la. – Foi o que a menina lhe disse.
- Obrigada! – A mulher sussurrou com a voz embargada e trocaram olhares cumplices.
- Manu... – O momento foi quebrado pela aflita voz de Siggy. A jovem menina o olhou um tanto aborrecida. – Acho melhor você fazer o seu “lance”. – Ele gesticulou com as mãos no ar e então ela se deu conta do que precisava fazer. Por mais que adorasse aquela sensação, aquela satisfação com o estarrecimento nos olhos dos homens que não acreditavam que uma mulher pudesse fazer aquilo, não poderia nem tão pouco deveria chamar tanta atenção para si.
- Você está certo. – Suspirou elevando e soltando os ombros e, ao final desse suspiro as conversas que haviam sido interrompidas continuaram e como se nada de extraordinário tivesse acabado de acontecer as pessoas voltaram a ignorá-los. Sem aparente esforço algum, ela mexeu na mente de todos ao ponto de que era sabida a derrota do russo, mas a impressionante maneira com que fora derrotado foi apagada de cada uma delas. – Vamos dar o fora daqui. – Ela tocou a mão do amigo e se despediu em silencio da mulher que ainda a encarava.
Os dois jovens seguiram para o escritório da administração daquele estabelecimento e ainda tiveram tempo de ver quatro homens tentando erguer o desfalecido russo.
- Realmente não sei como você consegue fazer tudo isso. – O rapaz repetia a frase que se tornava quase que rotineira entre eles. Na cabeça dele, sua amiga se aproximava das personagens que lia em seus quadrinhos. Uma verdadeira heroína. Manu apenas deu de ombros e aceitou que o jovem abrisse a porta para ela. Não fazia nada daquilo com o intuito de se exibir, muito pelo contrário, apenas fazia pelo simples fato de que podia fazê-lo. – Me lembre de nunca discutir com você. – Ele brincou com ela e conseguiu arrancar um sorriso da menina.
- O que querem aqui? – Um impertinente e corpulento homem chamado Totti os inqueriu por trás de uma mesa de madeira tendo dois brutamontes como seguranças.
- Viemos buscar o prêmio da luta Sr. Totti. – Manu interrompeu a fala de seu amigo e com a outra mão colocou na mesa o panfleto amassado que retirou de sua mochila surrada. O homem pegou o papel e analisou as duas figuras diante de si. Apesar do que parecia impossível, ele havia assistido a luta pelo seu sistema de câmeras e era inegável que aquela jovem havia ganho e merecia o pagamento.
- Muito bem! – Com um aceno de cabeça, e indicou que um dos seus homens afastasse uma pilha de caixas de whisky que servia como porta e por trás um cofre se mostrou. De lá o homem retirou a quantia solicitada e entregou para seu chefe. Manu e Siggy arregalaram os olhos ao verem a quantidade de dinheiro contida no cofre. – Vejamos... – Com o maço de notas em mãos, Totti fez questão de conta-las uma a uma e para o descontentamento de Manu, ele pagou bem menos do que o anuncio dizia e o entregou com um perverso sorriso dançando em seus lábios.
- Desculpe senhor, mas... Acho que o valor não está correto. – Manu protestou.
- Garotinha... – Disse o homem ao ponto que Siggy arrepiou-se. Ele sabia o quanto Manu detestava ser tratada daquela maneira. – Essa é a sua parte. É claro que existe a parte da casa. Isso não está nas letras miudas? – Ele sorriu, zombando deles e ao recostar-se em sua poltrona. Manu fez menção a um novo protesto, mas os dois brutamontes fizeram questão de abrirem seus ternos deixando a mostra as armas que traziam na cintura.
- Tudo bem senhor. Já estamos de saída. – Siggy tentou puxar Manu que inicialmente recuou e deu as costas para o homem.
- E garotinha... – Totti reiterou e Manu paralisou. O jovem ao seu lado engoliu em seco.
- O senhor tinha que insistir nisso? – Siggy disse para o homem pouco antes de ser empurrado para fora do escritório por sua amiga. Colou o ouvido a pesada e grossa porta de madeira e ouviu falas exaltadas seguidas de alguns estrondos e depois o silêncio imperou. Poucos minutos depois a porta do escritório se abriu e Manu saiu de lá tranquilamente com a devida quantia em mãos. Nem mais nem menos e Siggy olhou para o interior e viu os três homens sem suas roupas e em posições um tanto quanto constrangedoras. – Eh... Passar bem! – Ele acenou e foi puxado por Manu.
Já do lado de fora do armazém e gargalhando da situação, os dois jovens seguiram até a moto de Manu.
- Acho que eles tiveram o que mereciam. – A menina sorriu orgulhosa de si.
- Definitivamente. Mas o que faremos com essa grana? – Siggy adiantou-se enquanto montava na moto logo atrás de Manu.
- Ela já tem um destino certo! – Manu lhe olhou por sobre o ombro com expressão séria, o que preocupou o amigo. Ele apenas limitou-se a ficar em silêncio e colocar o curioso capacete ciclístico que trazia em sua mochila. Desajeitadamente apertou a cintura de Manu assim que ela acelerou sua moto.
Não fez o caminho contrário ao que veio, percorrendo a zona portuária da cidade. Siggy achou aquilo estranho, mas em se tratando de Manu, ele já estava aprendendo que não deveria esperar por previsibilidade. Mergulharam em ruas escuras dos subúrbios de Paris e o rapaz começou a temer pela segurança deles, pois chamavam muita atenção num veículo como aquele.
Foi então que percebeu que Manu estava incomodada com algo, pois insistia em olhar pelo retrovisor e para trás. Tentou fazer o mesmo, o que quase os desiquilíbrou, mas a menina retomou o controle com facilidade e acelerou a potente moto. Definitivamente estava acontecendo algo. Mas não teve tempo de ver do que se tratava, pois num movimento brusco sentiu todo o seu corpo ser jogado por sobre a cabeça de Manu que lutava para se desvencilhar da moto que derrapava sobre o asfalto molhado.
A velocidade em que vinham fez com que a capotagem fosse extremamente violenta e Siggy teve o vislumbre de sua morte, pois estava certo que se chocaria contra uma imensa lata de lixo. Cruzou ambas as mãos contra o rosto esperando o impacto e teria seu corpo esmagado, quebrando todos os seus ossos se não tivesse parado a poucos centímetros do metal. Quando conseguiu processar a informação, levitava parado no ar. Olhou para trás e viu Manu, ainda escorregando e com uma das mãos erguidas em sua direção.
Mais uma vez ela o havia salvado. E a incredulidade foi partilhada pelos chocados olhos dos moradores de rua que se escondiam e assistiam toda a ação desde o começo.
O som oco do corpo de Manu se chocando contra a carcaça de um carro abandonado foi ouvido pouco antes do cantar de pneus. Dois carros negros pararam próximos a eles e dois homens, muito bem vestidos, saíram de seus esconderijos e enrolavam o fio metálico que fora usado para causar a capotagem.
Siggy caiu ao chão sem maiores machucados e olhou em direção a Manu, que aparentemente não se movia. Parecia que ela havia desmaiado com o choque que certamente mataria qualquer pessoa, visto o estado em que o carro contra o qual ela se chocou ficou.
- Manu! – Ele berrou e se levantou cambaleante indo em direção a ela, mas fora bruscamente puxado por um dos homens. Outros quatro desceram dos carros e caminharam em direção a menina que permanecia imóvel no chão.
Um deles cutucou o corpo da garota com o pé, denotando o receio que os dominava e como não obteve resposta alguma sorriu para os demais, que criaram coragem e se debruçaram para erguê-la. Dois deles a arrastavam em direção aos carros enquanto Siggy se debatia e berrava seu nome.
- Cale-se seu moleque! – O homem que continha o rapaz desferiu um potente soco no estômago dele causando um alto gemido. Esse som finalmente chegou aos ouvidos e a consciência de Manu que despertou. Com um rápido olhar, varreu aquele cenário, contando seis oponentes, além de mendigos e drogados que estavam pelos cantos. Sorriu intimamente, já sentindo uma pitada de pena dos pobres coitados que seriam suas vitimas.
- Ela acordou... – Foi tudo o que um dos homens conseguiu dizer, pois logo em seguida Manu se pôs de pé já dando cotoveladas e chutes nos dois que a seguravam. De um deles quebrou a perna e o outro foi lançado a vários metros em direção a uma cerca que chacoalhou com o impacto. Os demais partiram para cima dela, até mesmo o que segurava Siggy tão somente para serem facilmente derrotados pela menina que não precisou usar nenhum de seus dons para sobrepuja-los, valendo-se apenas do árduo treinamento que Helena e Estela lhe davam.
Teve tempo ainda de vangloriar-se daquilo, pois só conseguia ouvir em sua mente a voz de suas mães repetindo que ela jamais deveria usar seus dons em público. E assim que se certificou que todos estavam abatidos, foi até seu amigo e o ajudou a se levantar.
- Siggy, você está bem?
- Sim... Só não consigo respirar. – Ele brincou falando com dificuldade. – Parece que o Sr. Titto não poderia nos deixar sair impunes não é mesmo?
- Venha! Vamos sair daqui. – O ajudou e juntos caminharam até a moto. – Droga! Tia Helena vai me matar! – Sussurrou assim que levantou o veículo e percebeu um dos retrovisores quebrado e a pintura lateral bastante arranhada. Saíram com a moto e ainda deram uma volta, verificando se os homens estavam desacordados e olhou em direção aos carros. Como não havia mais ninguém, foi embora.
Aproximando-se silenciosamente, um terceiro carro parou logo atrás dos outros e dois homens extremamente bem vestidos desceram dele. Caminharam despreocupadamente em meio aos corpos desacordados e sob o olhar curioso dos mendigos.
- Diga a ele que nós a encontramos! – Disse com um sádico sorriso nos lábios em direção ao outro homem que sacou um celular de seu bolso e discava uma mensagem. Em seu dedo anelar brilhava um imponente anel dourado que trazia incrustrado nele e em auto relevo, um característico Martelo.
Fim do capítulo
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