Capitulo 47
Diálogo com os Espíritos -- Capítulo 47
Fernanda e Alicia entraram abraçadas na cozinha. Feliz por ter preparado um prato especial para o seu amor, a psicóloga era só sorrisos. Sempre foi péssima na cozinha, não sabe cozinhar um ovo, ele sempre estoura, não sabe fazer arroz, ou queima ou vira papa, resumindo, era um fiasco. Porém, naquela noite se aventurou a preparar uma receita de espaguete alho e óleo que viu no Facebook e, para a sua felicidade, ficou divino.
-- Senta amor. Vou pegar a sua janta -- estava ansiosa, com certeza receberia milhões de elogios -- Fui eu quem fiz.
-- Já estou salivando -- Alicia esfregou as mãos -- Estou o dia inteiro sem comer.
Fernanda mordeu o lábio e balançou a cabeça levemente, seus olhos castanhos desviaram-se da médica para o micro-ondas. O sorriso foi morrendo aos poucos em seu rosto e ela se voltou para Alicia com a boca aberta, os olhos arregalados olhando surpresa sem piscar.
-- O prato sumiu!
-- O que? -- Alicia empurrou sua cadeira para trás, levantou-se e se dirigiu até Fernanda -- Como assim sumiu? Um prato com comida não desaparece assim, do nada.
-- Eu sei amor, mas sumiu -- Fernanda não sabia o que pensar. Não compreendia o que podia ter ocorrido, tinha certeza que tinha colocado o prato no micro-ondas.
-- Será que você não deixou no forninho? -- Alicia abriu o forninho e nada -- Não foi.
-- Que droga, amor. Será que alguém comeu a sua comida?
Elas se olharam e falaram ao mesmo tempo:
-- Foi o Cléo!
Alicia bufou e saiu pisando firme da cozinha com Fernanda atrás dela.
-- O que você vai fazer amor?
Alicia parou e se virou para Fernanda.
-- O que você acha? Vou chamar o Cléo, ele vai ter que se explicar.
-- Não! -- Fernanda a segurou firme pelo braço e, embora ela insistisse, conseguiu detê-la -- Deixa para amanhã. Não vale a pena chamar ele agora, você vai acabar acordando o papai e reiniciar a confusão.
Alicia pensou durante alguns segundos, olhou para a porta do quarto, suspirou e voltou a olhar para Fernanda.
-- Certo. Vamos deixar essa conversa para amanhã.
Fernanda passou a mão pelos cabelos loiros de Alicia, num gesto de carinho.
-- É uma atitude muito sensata. Não sei se teria paciência para aturar aqueles dois discutindo -- disse ela, com uma risadinha -- Vamos até a cozinha, enquanto eu preparo um sanduíche, você me conta o que está acontecendo com a Milena.
-- É uma longa história, amor.
-- Não tem importância, querida -- Fernanda aproximou-se dela e disse com carinho: -- Quero saber de tudo, quem sabe não posso ajudar!
Alicia virou-se e sorriu amável, inclinou-se e beijou-a levemente na face.
-- Você é uma namorada muito compreensiva.
-- E apaixonada -- Fernanda completou sorrindo.
Entraram na cozinha ainda rindo, Alicia ajeitou-se na cadeira e, enquanto Fernanda preparava o sanduíche, contou detalhadamente tudo o que havia acontecido desde o momento de sua chegada a propriedade do Jean até o momento de sua saída. Fernanda ouvia atentamente a sua narrativa com expressões faciais ora de surpresa, ora de pavor.
-- Mas, isso é muito grave Alicia. O Jean pode estar maltratando a Milena.
-- Eu sei -- Alicia limpou os lábios com o guardanapo. Quando ergueu os olhos, Fernanda a encarava ansiosa -- Por isso, gostaria que me orientasse. Você trabalha no conselho tutelar, poderá me dizer por onde devo começar -- ela afastou o prato e pegou a garrafa de café, bebendo uma xícara em seguida.
Fernanda foi sentar-se vagarosamente na cadeira em frente, esticou as pernas e deu um suspiro. Após um momento, voltou-se para Alicia com os olhos entreabertos e fitou-a com uma intensidade penetrante.
-- Para começar precisamos de algo que torne a sua acusação fundamentada.
-- Ah, sim! Uma prova? -- exclamou Alicia com um sorriso, enfiando a mão no bolso. Retirou o celular e estendeu-o para Fernanda -- Eu tirei fotos...isso serve como prova, não é mesmo?
Fernanda retomou o fôlego.
-- Sim, digamos que será algo que você poderá usar no momento em que enviar a notificação ao Conselho Tutelar.
-- Notificação? -- perguntou Alicia, encarando-a com os olhos verdes água -- Como assim, notificação? Eu pensei que fosse diferente.
-- O Conselho Tutelar vai receber a sua notificação, analisar a procedência do caso e chamar o agressor para esclarecer, ou ir verificar o ocorrido com a vítima.
A médica empurrou a cadeira e se levantou, um sorriso cético nos lábios.
-- Ah, então vão esperar a criança ser espancada até a morte para depois agirem? -- perguntou, com o rosto vermelho.
-- Calma, amor -- Fernanda também se levantou -- Em casos mais graves que configurem crimes ou iminência de danos maiores à vítima, o Conselho Tutelar deverá levar a situação ao conhecimento da autoridade judiciária e ao Ministério Público ou, quando couber, solicitar a abertura de processo policial. O trabalho do Conselho é especificamente garantir os direitos da criança e do adolescente, realizando os procedimentos necessários para isso.
Como Fernanda previa, a reação de Alicia não foi das melhores, depois de um tempo a médica respirou fundo e tocou as têmporas com a ponta dos dedos.
-- É sempre assim. Por isso tantas pessoas morrem antes de receberem a devida ajuda.
Fernanda tocou-lhe levemente a mão, fina e macia, com carinho.
-- Confie em mim. Logo cedo você vai comigo até o Conselho Tutelar e, juntas, faremos a notificação de maus-tratos contra a Milena. Tudo bem?
Alicia balançou a cabeça sem esconder a decepção. "Infelizmente no Brasil, a Justiça tarda, e às vezes, falta também". Pensou, preocupada.
A porta se abriu. Cléo virou-se. Osvaldo permaneceu no batente. Pela respiração pesada do pai de Fernanda, o rapaz percebeu que ele não esperava encontrá-lo na cozinha.
Osvaldo engoliu em seco e desviou o olhar para a mesa repleta de coisas gostosas.
-- Bom dia! -- disse, sério.
-- Bom dia, senhor.
-- Senhor?
-- Sim. Senhor ÓVNI -- Cléo respondeu, e afastou-se para pegar uma xícara -- Entre e sente-se para tomar café.
-- Você sempre acorda assim tão cedo para fazer o café?
-- Não é bem para fazer o café! É pra catar merd*, mesmo. O Yuki tem um cu nômade.
-- Como assim, cu nômade?
-- Um dia caga aqui, outro dia caga lá. Uma festa.
Osvaldo fez uma careta de nojo e jurou que não comeria nada. Porém, quando Cléo puxou uma cadeira e começou a empilhar coisas no prato, o estômago do homem roncou alto.
-- Senta aí, irmão. Vamos comer.
Osvaldo ficou corado. Sabendo que Cléo podia ouvir o ronco de sua barriga, mas nada disse, apenas olhou de esguelha para o prato do rapaz. Será que ele comeria tudo aquilo? O homem puxou uma cadeira e sentou-se do outro lado.
-- Você vai comer tudo isso?
-- Não, só coloquei no prato pra fazer uma Self. É lógico que vou comer! -- Cléo virou o rosto para o lado e resmungou: -- Pinto murcho!
-- O que você falou? -- Osvaldo perguntou, desconfiado.
-- Falei que estou fazendo a dieta da fé.
Osvaldo interessou-se.
-- Como funciona?
-- Como de tudo e fico à espera de um milagre.
-- Idiota! -- o pai de Fernanda perdeu a paciência, depois arrependeu-se -- Você me tira do sério, mas mesmo assim te perdoo.
-- Perdoar é bom papai, mas você já se vingou de alguém?
-- Não e, nem quero -- Osvaldo não queria dar o braço a torcer, mas aquela montanha de delícias que estava no prato de Cléo o fez salivar. Certamente, um bocado não faria mal. Uma mordidinha. Depois outra, e outra. Antes que percebesse, havia comido tanto que mal podia respirar.
-- Você já agradeceu a Deus hoje por ter me conhecido?
Osvaldo revirou os olhos.
-- Você é solteiro? -- Osvaldo pegou a omelete de queijo e colocou no prato.
-- Solteiro é uma palavra muito forte, irmão. Prefiro dizer que estou em carreira solo.
-- Vestindo-se desse jeito você nunca vai casar.
-- Meu ex adorava me ver pelado.
-- Seu corpo é sagrado. Deveria respeitá-lo e não profaná-lo de modo algum. Você pode, por meio de seu vestuário e sua aparência, demonstrar que sabe o quanto seu corpo é precioso. Os profetas sempre aconselharam os filhos de Deus a vestirem-se com recato. A maneira como nos arrumamos e nos vestimos influencia o modo pelo qual nós somos vistos por outras pessoas.
-- Você é hipócrita.
Osvaldo se pôs de pé.
-- Agora você me ofendeu!
-- Se te ofendi, foi para o seu desenvolvimento pessoal. Procure evoluir, e evitar que isso se repita -- Cléo pegou o bule de café, bebendo uma xícara em seguida -- Você é como a maioria. Passa a revista da Avon no sovaco, e acha que está cheiroso.
-- Não entendi. Seja mais claro.
-- Quer uma conversa profunda? Conversa com o oceano. Comigo é só resumo -- Cléo comeu tudo o que havia colocado no prato e mais duas torradas com manteiga e uma fatia de queijo -- Na verdade, irmão, só estou solteiro porque busco um relacionamento que dure igual o tênis do meu pai. E não está nada fácil. Depois de certa idade, viramos picles. Só escutamos "Nossa, como você está conservado".
Quando ergueu os olhos, viu que Alicia o observava da porta. O rapaz sentiu o rosto ficar vermelho e quente.
-- Bom dia, my queen -- disse, de boca cheia.
-- Bom dia. Espero que tenha comido bem.
-- Uma alimentação adequada é importante, docteur.
Alicia parou ao lado da cadeira do rapaz e o encarou de cara feia.
-- Você não tem jeito mesmo! Pensei que houvesse mudado, mas que nada. Pau que nasce torto...
-- Vira estilingue -- ele completou, de imediato.
-- Vem cá -- Alicia o arrastou pela orelha até o micro-ondas -- Onde está o meu prato de comida?
-- Aiii... aiii... aiii... Não sei onde está o seu prato de espaguete alho e óleo..., mas se quiser eu preparo outro agorinha mesmo.
-- Eu quero aquele que a Fernanda preparou para mim.
-- Aiiii... Eu não ví -- Cléo esperneava sem parar -- Será que não foi o OVNI que abduziu a sua comida? Ele é um esfomeado, comeu toda a omelete.
Osvaldo arregalou os olhos, afastou o prato e se levantou.
-- Não fui eu quem comeu o espaguete alho e óleo.
-- Viu. Ele até sabe que era espaguete alho e óleo.
Alicia largou a orelha de Cléo e olhou para o pai de Fernanda por algum tempo, as bochechas dele se avermelharam com um rubor forte, muitíssimo suspeito.
-- Não sei de nada. Foi o Cléo quem disse que era espaguete -- ele esclareceu.
-- Eu não falei nada -- se defendeu.
-- Falou, sim! -- Osvaldo insistiu.
-- Prove! -- Cléo deu de dedo.
-- Provar como?
-- Com foto, gravação, vídeo. Qualquer coisa.
-- Você é um ridículo! -- em seguida, Osvaldo ergueu os braços para o alto, pedindo paciência.
-- Estão discutindo novamente? -- Fernanda bufou da porta bem antes de cair na gargalhada -- Nem na hora do café dão uma trégua? -- a morena puxou uma cadeira e sentou-se à mesa.
Alicia pegou uma xícara e um pires da mesa e os entregou a ela.
-- Estava tentando desvendar o roubo do prato de espaguete alho e óleo, mas o caso é mais complexo do que imaginava.
-- Roubo não, my Goddess: Abdução -- corrigiu Cléo.
-- Não gosto que me acusem -- Osvaldo se manifestou, levantando o queixo, numa atitude de desafio.
Fernanda o fitou, tentando compreender o sentido daquela frase.
-- Acusar de que papai?
-- Não se preocupe com isso, amor -- Alicia interviu, servindo-a de um pedaço de torta de bolacha -- Temos problemas bem maiores para resolver.
-- Falando nisso -- então, Fernanda se virou para Osvaldo -- Sinto muito, papai, mas não podemos acompanhar o senhor na consulta com o oncologista.
-- Então, não irei hoje?
Alicia notou a carranca de seu Osvaldo.
-- Vai sim. Deixei tudo agendado, é só chegar na recepção e se identificar.
Osvaldo ficou pensativo por um momento.
-- Mas, se o doutor falar que a minha doença é grave e que tenho pouco tempo de vida? -- indagou-a, aterrorizado com o pensamento -- Acho que morro alí mesmo.
-- Então, bobinho! Você só vai estar adiantando um pouquinho a sua morte.
-- CLÉO! -- Alicia e Fernanda berraram juntas.
-- Tá bom, tá bom, entendi -- ele se levantou e foi até a pia -- Eu posso acompanhar o irmão, não tenho nada melhor pra fazer mesmo.
-- Viu papai. Agora o senhor já tem companhia.
-- Não sei. Honestamente não sei.
Fernanda inclinou-se sobre a mesa e pegou a mão de Osvaldo.
-- Eu e Alicia temos que ir até o Conselho Tutelar. Qualquer coisa que precisar é só me ligar.
Osvaldo fitou a filha e seu olhar se suavizou.
-- Acho que sobreviverei a consulta, mas não sei se sobreviverei ao Cléo.
Fernanda riu suavemente.
-- Cléo! -- Alicia se aproximou do rapaz -- Encontrei o celular da Thais.
-- Que maravilha! E onde estava?
-- Na casa do Jean.
-- Que estranho, docteur. E conseguiu encontrar algo de suspeito nele?
-- Ele deve estar com algum problema, está há horas na tomada e ainda não ganhou carga.
-- Isso acontece. Meu iPhone passa tanto tempo na tomada carregando, que chego a pensar que me venderam um aparelho fixo.
-- Bem, em todo caso não mexa nele. Ouviu? Aquele aparelho pode ser uma prova importante contra o Jean.
-- Ouvi, não sou surdo -- Cléo se virou novamente para a pia.
Fernanda deu uma olhadela para o relógio de parede.
-- Sinto muito, mas precisamos ir.
Alicia pegou a bolsa e as chaves do carro.
-- Não se esqueçam que a consulta é às nove.
Osvaldo ficou em pé e as acompanhou até a porta.
-- Vista roupas quentes. Está frio e ainda chove -- disse Fernanda.
-- Sim, minha filha -- respondeu Osvaldo, suspirando.
Dando um beijo no rosto do pai, Fernanda saiu apressada atrás de Alicia.
Mais tarde...
Osvaldo andava de um lado para outro como um animal enjaulado. Olhou mais uma vez para o relógio de pulso. Onde diabos estaria o médico?
-- Ele está tão nervoso, coitadinho -- comentou, a recepcionista.
-- Eu sou muito bom em acalmar as pessoas -- disse Cléo, tamborilando os dedos sobre o mármore do balcão -- Palavras sábias ditas na hora e no momento certo sempre foram a minha marca registrada.
-- Que dom maravilhoso você tem.
-- Verdade. Agora, vou lá conversar com ele.
Cléo caminhou até Osvaldo e colocou a mão sobre o seu ombro.
-- Calma, irmão.
-- Como posso ter acalmar? E se o doutor disser que estou morrendo?
-- Todos nós estamos morrendo a diferentes velocidades, irmão -- respondeu o rapaz, calmamente.
Osvaldo ficou pensativo por um momento.
-- Verdade, mas e no meu caso?
-- Bem, no seu caso, você é o Usain Bolt.
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Fim do capítulo
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HelOliveira
Em: 26/01/2020
Feliz com sua volta, senti saudades, adoro esse história.
Espero que Cleo não destrua o celular.
Quanto burocracia para salvar uma criança né, espero que dê tudo Célia e Alicia e Fernanda consigam ajudar a Milena.
Bjos até o proximo
Resposta do autor:
Olá HelOliveira.
Desculpa por ter ficado tanto tempo sem atualizar. Prometo me redimir.
Beijão meu anjo.
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Mille
Em: 25/01/2020
Oi Vandinha
Tava com saudades e preocupada com seu tempo off
Rapaz esse Cléo é muito engraçado.
To achando que ele vai mexer no celular.
E espero que a ida delas no Conselho Tutelar de alguma ação contra o Jean, e possam tirar a Mirela da prisão.
Bjus e até o próximo capítulo
Um otimo final de semana
Resposta do autor:
Olá minha querida.
Desculpa por ficar tanto tempo sem atualizar. Infelizmente problemas de doença na familia me tirou um pouco a tranquilidade para escrever. Enfim, agora está tudo bem, graças a Deus.
Vida que segue.
Beijão meu anjo!
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NovaAqui
Em: 25/01/2020
Que saudades estava de sua história! Gosto muito
Acho que Osvaldo e Cleo vão se tornar amigos mais para frente, claro se papai não for Ulsain Bolt kkkkkk só Cléo mesmo
Agora elas começam a resolver o problema de Milena e logo a pequena estará salva e Thais irá descansar
Bem-vinda ! Feliz 2020
Beijos e abraços fraternos procês aí
Resposta do autor:
Olá minha querida.
Desculpa a demora. Prometo me redimir.
Beijão. Até mais!
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