Helena aproveitou o fim das férias com a família, mais especificamente com seus pequenos irmãos gêmeos. Ao retornar, deixou Nicole para visitar a família e se foi diretamente ao hospital, pois Anna havia dado à luz no dia anterior.

Chegando no hospital, Helena se deparou com Dante e Lívia no quarto da nova mamãe.

“Que menina linda!” Helena vê a menina aconchegada nos braços da mãe.

“Érin, essa é sua madrinha, tia Helena...” Anna mostra a bebê enrolada em um cobertor  azul-bebê, fazendo Helena se derreter tanto pela fofura quanto pelo novo título de madrinha.

“Gente, eu queria aproveitar que estamos aqui todos reunidos para darmos uma notícia...” Lívia inicia o discurso com entusiasmo. “Dante e eu encontramos um novo apartamento e vamos morar juntos!”

“Sério?” Helena soa surpresa. “Bem, parabéns então!”

“Parece que agora o aluguel vai ficar mais pesado para nós, Helena...” Anna Júlia comenta.

“Ai, obrigada por pensar antes no dinheiro e depois em mim!” Lívia cruza os braços.

“Lívia, ela é mãe agora, há certas prioridades... mas fique tranquila, Anna, aluguel não é uma preocupação. E onde os pombinhos aí vão morar?”

“Na verdade é um prédio próximo ao de vocês... quando estiver tudo mobiliado, espero que venham nos visitar!” Lívia convida.

“Com certeza.” Helena sorri, enquanto não consegue parar de prestar atenção na pequena bebê nos braços de Anna.

 

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Nicole colocou suas malas em seu antigo quarto para passar o final de semana com a família, e quando foi para a sala a fim de ver seu avô, deparou-se com uma surpresa.

“Oi vovô!” Nicole abraça o senhor robusto de cabelos grisalhos e pose de poderoso chefão.

“Nicole! Quero lhe apresentar um amigo de batalhão, o Tenente Vilas.” O coronel aponta para um homem que parecia ser um pouco mais velho do que as netas.

“Oi, Tenente, prazer.” Nicole cumprimenta o militar.

“Ah, Nicole, nem vi que você tinha chegado!” Thaísa aparece e abraça a irmã. “Vem comigo ali fora no jardim? Quero lhe mostrar o que a mamãe fez.” Thaísa pede licença e leva a irmã.

“O que houve com o jardim? Não tem nada de diferente...” Nicole pergunta, meio confusa.

“Não tem mesmo, eu só queria lhe tirar dali. O vovô está um saco. Mal tive tempo de conversar com ele. Ontem me mandou mostrar a cidade com ele para esse tal Tenente.” Thaísa revira os olhos.

“Por acaso isso é ciúme por não ter total atenção do Coronel?” Nicole segura o riso.

“Não é ciúme! Eu só queria um tempo com meu avô, mas agora esse tal Tenente não sai da cola dele.” Thaísa franze a testa.

“Agora você sabe como eu me sinto...” Nicole dá um amável tapinha no ombro da irmã.

“Hey! Você que se afastou do vovô.”

“Eu só não concordava com algumas coisas que ele dizia, foi ele que se afastou para poder moldar a outra netinha dele.”

“Mesma história de sempre, Nicole, você me culpando por ter um péssimo relacionamento com a família.”

“Meninas?” O avô interrompe a conversa ao aparecer no jardim. “Nós vamos até o estande de tiros para treinar um pouco. Querem ir conosco? Thaísa, se eu bem me lembro, era uma coisa que adorávamos fazer juntos desde os seus 14 anos.”

“Pois é, era uma coisa só nossa...” Thaísa torce o lábio.

“Já que o vovô me convidou também, vou adorar ir!” Nicole exclama, com um sorriso sagaz e irônico.

 

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Já de volta, no início da noite, o quarteto se reuniu para o tradicional jantar em família de todas as noites.

“Pelo visto vocês se divertiram no estande de tiros... vi várias fotos na rede social de Thaísa.” O pai das meninas comenta, enquanto o jantar é servido.

“Anda me stalkeando, pai?” Thaísa pergunta como se fosse brincadeira, mas sem sorrir ou dar risada.

“Filha, depois que seu pai aprendeu a ‘favoritar’ os amigos da rede social, só dá você na linha do tempo dele...” A mãe das meninas ri.

“Uau...” Nicole pigarreia.

“Bem...” O pai interrompe. “Tenente Vilas, certo? Vejo que é um jovem rapaz promissor... Não sei se o Tenente sabe, mas minha filha Thaísa está cursando Medicina, é uma garota prendada e tanto!”

“Pai!” Thaísa franze a testa e fuzila o próprio progenitor com o olhar.

“O Coronel comentou comigo, senhor Bragança... além de inteligente, sua filha também é muito agradável aos olhos.” Vilas responde.

“Isso ela puxou da avó! Um colírio para os olhos...” O Coronel completa enquanto Thaísa tenta se afundar na própria cadeira.

 

 

O jantar finalizou, e, próximo à hora de dormir, Nicole invadiu o quarto da caçula, que lia um conhecido romance do século XVIII.

“Hmm, por acaso esse livro é sobre um casamento arranjado pelo avô entre sua neta e  um brihante jovem Tenente?”

“Ai, Nicole, não enche.”

“Tenho que admitir que o plano do papai dessa vez foi longe demais, envolver até o vovô...” Nicole senta na beirada da cama.

“Trazer um desconhecido para cá e ainda tirar meu precioso tempo com meu avô foi demais. Acho que ele não se conforma de não ter dado certo o encontro com aquele garoto e resolveu apelar.” Thaísa fecha o livro e resolve desabafar.

 “Melhor falarmos de quem realmente importa, ou seja, da sua namorada Helena.”

“Oi? Namorada onde? A gente se beijou só uma vez! Espera, o que ela lhe falou?” Thaísa fica inquieta.

“Calma, mocinha. Eu sei que vocês não namoram, estou brincando. Só queria comentar que depois que  voltou da Europa, ela anda meio estranha.”

“Para mim, ela parecia normal. O que houve?”

“Normal porque você não ficou horas no carro com ela. Sei lá, ela parece assustada, anda meio dispersa, mas ao mesmo tempo parece não temer mais nada, é contraditório, eu sei. Deixa eu dar um exemplo: ela quis cortar caminho por uma estrada diferente, sem ser a BR principal, daí ela foi ultrapassar um caminhão, mas vinha outro na direção oposta, ela só acelerou, eu juro que achei que iríamos morrer, os dois caminhoneiros buzinaram assustados, e quando ela finalmente finalizou a ultrapassagem, ela parecia um gatinho amedrontado que não fazia ideia do que acabara de fazer.”

“Estranho, das poucas vezes que a vi dirigir, ela parecia bem cuidadosa.” Thaísa comenta. “Mas só isso?”

“Ela também parece se desconectar do mundo dentro de uma conversa. Tenho que ficar chamando-a de volta para o papo toda hora. Sei lá, algo aconteceu nessa viagem que a deixou estranha. Mas se for falar com ela, não diga que lhe contei isso.”

“Tudo bem, vou tentar saber melhor sobre isso, só que ela ainda nem mencionou nada a respeito de um terceiro encontro.”

“E quem disse que ela precisa mencionar? Chame você, oras!”

“Se você disse que ela está estranha, é possível que ela não me chame mesmo... Aliás, pensando bem, ela ficou mais calada comigo depois do meu encontro com aquele cara que o papai arranjou. Obviamente foi o encontro mais forçado da minha vida mas ela sabe muito bem disso.”

“Não creio que seja por isso, ela parecia de boa quando comentei. Imagino que seja algo com a ex namorada dela.”

“Você acha que elas tiveram uma recaída nas férias?”

“Por quê? Está preocupada com a concorrência?”

“Lógico que não, eu disse para a Helena que não tínhamos nada e ela era livre para fazer o que quisesse na Europa.”

“Entretanto...?”

“Entretanto ela me disse que não sentia mais vontade de contato físico algum com a ex. E eu acredito nela. Se você diz que ela está estranha, deve ser por alguma outra coisa.” Thaísa se dá por convencida em seu próprio argumento.

“Bem... podemos descobrir...” Nicole sorrateiramente pega o celular de Thaísa e o desbloqueia, enviando uma mensagem a Helena.

“Hey, espera, esse não é seu celular!” Quando Thaísa percebe, já é tarde. “Devolve! Como você sabe a senha?”

“Data de nascimento do vovô, óbvio demais até para mim...” Nicole ri.

“O que você mandou?” Thaísa toma o celular da irmã e lê a mensagem. “Quer sair esse fim de semana? Bora pro Pub? Sério?!?”

“É, ué.” Nicole dá de ombros e escuta o celular apitar na mão da irmã. “O que ela respondeu?”

“Você curte o Pub? Foi isso que ela respondeu. Vou falar que foi você quem escreveu.”

“Não! Vai estragar tudo! Continua a conversa!” Nicole tenta pegar o telefone da irmã novamente mas dessa vez ela impede, o que faz as duas entrarem em um conflito de braços que resulta em Thaísa fazendo - sem querer - uma videochamada com Helena.

“Ah, oi...” Thaísa tenta arrumar o cabelo da maneira que pode quando aparece na câmera do celular.

“Oi... tudo bem por aí?” Helena responde, com cara de cansada.

“Tudo sim... desculpa ter ligado, culpa da minha irmã...” Thaísa vira a câmera e mostra Nicole dando oi.

“Imaginei...” Helena ri. “Foi ideia da sua irmã também me chamar para sair?”

“Foi! Essa Nicole não tem jeito.” Thaísa revira os olhos.

“Ah, qual é gente, vamos sair hoje, está cedo ainda, vocês me deixam em algum bar e vão se pegar...”

“Nicole!!” Thaísa e Helena exclamam.

“Ou podemos nós três sair para algum lugar, sei lá, eu vi na rede social que abriu um bar e discoteca que só toca músicas dos anos 70, o que acham?” Nicole sugere.

“Não sei, acabei de voltar do Hospital, fiquei um pouco lá com a Anna e a Érin, estou moída...” Helena boceja.

“E eu também já estou indo dormir, sem chance, Nicole.” Thaísa também responde.

“Ah... que outra chance vamos ter de sairmos assim? Eu volto para São Paulo, logo voltam as minhas aulas e as aulas de vocês... vamos fazer uma despedida!”

“Nisso a Nicole tem razão...” Helena começa a repensar. “Encontro vocês na saída atrás da sua casa?”

“Bora! Já vou começar a me arrumar!” Nicole se empolga e arrasta a irmã.

 

Quando as garotas já estavam prestes a fugir pela saída dos fundos, o jovem Tenente as aguardava no corredor, de braços cruzados.

“Onde pensam que vão?”

“A gente... a gente...” Thaísa começa a gaguejar.

“A gente está indo para um bar e disco hippie.” Nicole fala.

“Ni!” Thaísa fuzila a irmã com o olhar.

“Qual é, eu não devo nada para ninguém, nem moro mais aqui e pago minhas próprias contas.” Nicole dá de ombros. “Agora, Tenente, se puder nos dar licença...”

“Espera, eu quero ir junto.” O Tenente responde.

“Não sei se é o local adequado para você, cara...” Nicole coça a cabeça.

“Caso vocês não tenham percebido, meu pai é um dos melhores amigos do avô de vocês e fui praticamente arrastado para cá. Eu pelo menos poderia me divertir enquanto aqui estou.”

“Está bem... cinco minutos para se arrumar.” Nicole ordena.

 

O jovem logo se arrumou, e quando voltou, as garotas o esperavam lá fora.

“Okay, agora eu entendi.” Nicole dá um sorriso de quem já captou no ar, quando vê o rapaz entrando no carro.

“Como assim?” Thaísa e Helena, sentadas na frente, perguntam de uma só vez.

“Camiseta em decote V, calça jeans apertada, como eu não percebi antes?” Nicole, sentada ao lado do Tenente, cruza os braços, inconformada.

“Eu não iria dar pinta ao lado do seu avô, né...” O militar ri.

“Ah...” Helena também compreende.

“Gente do que vocês estão falando?” Thaísa questiona, completamente confusa.

“Ele é gay.” Helena e Nicole comentam.

“Mas como perceberam isso? Pelas roupas? Gente nada a ver isso de julgar pelo jeito que a pessoa se veste.” Thaísa fecha a cara.

“Nisso você tem razão, Thaísa, roupas não definem sexualidade... mas as meninas estão certas nessa, eu sou gay.” Vilas dá risada.

“E por que você aceitou viajar para cá com o vovô?” Thaísa questiona.

“Pelo mesmo motivo que você obedece seus pais, Thaísa. Não é fácil ser militar e ter pais que são amigos próximos da família do Presidente.” Vilas responde. “Então, vocês duas aí na frente, vocês estão juntas há quanto tempo?”

“Nós não estamos juntas...” Helena ri, meio sem graça. “Foram só dois encontros.”

“Dois encontros e um beijo...” Thaísa completa.

 

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Já dentro do clube temático, o pequeno grupo pegou uma mesa em um dos cantos e ali ficaram conversando e bebendo drinks que misturavam desde groselha com cachaça até licor com leite condensado e frutas diversas.

“Thaísa, tem certeza que vai ficar só na água com gás mesmo?” Vilas pergunta.

“Tenho sim.” Thaísa responde após tomar um gole de sua água com duas rodelas de limão.

“Thaísa é a famosa lésbica cidadã-de-bem.” Nicole brinca. “Pelo menos teremos uma motorista designada para essa noite.”

“Verdade, Thaísa, você que vai ter que dirigir, porque eu não faço ideia de quantos rabos de galo eu já bebi desde que cheguei.” Helena comenta.

“Posso tentar, mas eu confesso que morro de medo de dirigir.” Thaísa abaixa o olhar.

“Verdade, essa daí pegou a CNH depois de quase seis meses de tentativa.” Nicole joga na roda.

“Sério? Seis meses?” Helena não se conforma, enquanto novos drinks vão chegando a mesa.

“Eu fico nervosa quando pego no volante, gente!” Thaísa se irrita.

“Bem, ou é você ou é a Helena, o problema é que ela está virando drinks feito um cowboy forasteiro e mais ninguém aqui está sóbrio.” Nicole retruca.

“Essas bebidas são muito boas! São adocicadas.” Mal dá tempo de Helena terminar a frase, e já vira outro copo.

“Eu não posso nem arriscar. Se sou pego dirigindo mesmo que com o valor mínimo de álcool no corpo, estou ferrado.” Vilas alerta.

“Ficou decidido. A Thaísa dirige hoje.” Helena afirma e já chama o garçom para uma nova rodada.

 

 

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Ao final do rolê, Nicole deu um jeito  de deixar Helena e Thaísa a sós, na saída dos fundos do bar hippie, em algum canto escondido, enquanto a irmã mais velha e o Tenente aguardavam no carro.

“Nicole comentou comigo que você anda meio distraída, com o olhar perdido...” Thaísa comenta, enquanto as duas conversam, uma de frente para a outra.

“Como assim?” Helena estranha o comentário.

“Sei lá, é como se você tivesse voltado diferente da viagem...”

“Ah...” Helena engole a seco.

“Aconteceu alguma coisa? Pois se aconteceu, saiba que não tem problema, não precisa nem me falar, só queria saber se estava tudo bem...” Thaísa aproxima sua mão para tocar no rosto de Helena.

“Está sim.” Helena pigarreia e desvia do toque e Thaísa, meio sem graça, resolve ir para o carro. “Desculpa, espera!” Helena exclama.

“Helena, tudo bem se você teve recaída com a sua ex, ou se você gosta dela, a gente só saiu duas vezes, não tínhamos nada mesmo.”

“Não é isso, é que...”

“É que....?”

“Eu preciso resolver algumas questões internas e...”

“Entendi.” Thaísa torce o lábio. “Tudo bem, eu sei como é.”

“Não, você não sabe...” Alguns quadros de memória repassam na cabeça de Helena. “Você definitivamente não sabe.”

“Nossa, desculpa aí.” Thaísa ergue uma sobrancelha. “Tudo bem, então, eu não sei, então você que resolva seus problemas, mas agora eu preciso voltar para casa, então vamos?”

“Vamos...” Helena suspira, sentindo-se frustrada por não poder contar a verdade.

 

 

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No dia seguinte, apesar de não querer sair da cama, Helena se levantou para poder buscar Anna e a bebê naquele domingo de manhã, e ao retornarem para casa, foram surpreendidas com uma faixa de “Seja bem-vinda Érin” feita por Lívia.

“Esse é o meu presente de despedida para vocês!” Lívia comenta enquanto Dante coloca as intermináveis caixas no porta-malas de seu carro.

“Lívia, você sabe que a bebê não sabe ler né?” Helena enche o saco da amiga, enquanto carrega a afilhada no colo.

“Helena, vou ignorar você.” Lívia ri. “Anna, eu sei que tivemos alguns obstáculos no caminho mas quero que saiba que qualquer coisa, é só me ligar.” Ela abraça Anna, que sente sinceridade nas palavras da ex-colega de apartamento.

 

Fim do capítulo