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Ballad of a Dead Man
Estacionei o carro em frente à delegacia.Deixei ligeiramente encostado no de Dante apenas para irrità-lo na hora que fosse abrir a porta do motorista. O que poderia fazer? Estava de bom humor. Desci, me encaminhando para dentro.
Nosso andar, o de homicídios, era o sexto. Diziam que dava azar, não me perguntem porquê mas isso significava que era obrigada à usar o elevador.
Eu odiava elevadores.
Culpo os filmes de terror por isso.
Vislumbrei Sam, em sua sala com uma garota de cabelos ruivos. Tinha aparentemente 20 e tantos anos. Eles conversavam e ela gesticulava muito com as mãos. Dei de ombros. Alguma testemunha quem sabe.
Me encaminhei para o elevador distribuindo alguns "bom dias" animados. Respirei fundo antes de entrar.
Apertei o andar e encostei no espelho de olhos fechados. Relembrei a manhã maravilhosa que havia tido. Nada poderia estragar meu dia.
O barulho das portas se abrindo me despertou. Saí indo em direção à nossa sala.
Não era grande mas também não era pequena. Um pouco maior que meu escritório em casa. Em um quadro, fora coladoa foto do corpo da garota que havíamos encontrado na véspera, com um traço vermelho ligando ao local onde fora achada. Fechei a porta de vidro ao entrar. A sala estava absurdamente quente.
- Ainda não consertaram o ar? - Perguntei à Dante enquanto tirava a jaqueta.
Ele fez um muxoxo.
- Não, disseram que a verba foi para o carro que você bateu naquela perseguição no Queens.
Ainda isso? Que droga.
Dei de ombros.
- Pelo menos temos uma cafeteira.
Ainda sem me olhar, continuou mexendo em alguns arquivos em sua mesa.
Peguei seu café, e bebi um gole.
- O que temos aí? - Perguntei bebendo mais. Ele ergueu os olhos, e apontou seu café.
- Você me roubando.
- Furtando, não empreguei grave ameaça para se tornar roubo- Repliquei bebendo mais.
- Mas eu vou se você acabar com tudo.
Dei de ombros
- As anotações do Will- Respondeu minha pergunta tardia. Folheou arrumando algumas páginas e fechou a paste ocre - Achei bom levarmos para irmos acompanhando.
Respirou fundo.
- Eu quero tanto pegar esse filho da puta - Sussurrou.
Seus olhos azuis encararam os meus por um minuto. Podia me ver naquele olhar: a fúria silenciosa, o medo, a sede. Era pessoal.
- Eu também. - Fiz sinal para que ele se levantasse. - Vamos achar ele Dan, sei que vamos.
Acenou com a cabeça se levantando também. Em silêncio entramos no elevador, apertei o -3.
O necrotério ficava no subsolo, o que era bom porque o cheiro não subia e ruim por não ter sinal de celular. Claro que só precisaríamos do segundo, caso um apocalipse zumbi acontecesse e nós estivéssemos lá embaixo. O que pensando melhor não faz muito sentido já que são mortos vivos não mortos que retornam à vida , certo?
Sacudi a cabeça tentando impedir meu TDAH de me atrapalhar.
Dan riu.
- Tá pensando em quê?
Observei os andares. 5. 4. 3.
- Apocalipse zumbi - Respondi.
Ele riu.
- Certo, melhor não perguntar.
Fiz que sim com a cabeça.
Fechei os olhos ignorando a sensação de claustrofobia.
- Porque odeia tanto elevadores?- Perguntou sorrindo.
- Filmes de terror cara.
Ele bufou.
A porta abriu no 0 .
Ouvi vozes alteradas no balcão da recepção.
- É a sua última palavra!? - Perguntou uma voz feminina alterada.
Segurei a porta esperando ouvir mais.
- Receio que sim- Respondeu uma voz cansada, porém firme. A voz de Sam.
Franzi as sobrancelhas. Fiz menção de sair mas Dante segurou meu braço.
- Foco- falou me encarando.
Ele estava certo claro. Deixei as portas se fecharem.
- O que você acha que...?
Ele deu de ombros.
- Não faço idéia. Ao que parece uma jornalista do The maines quer cobrir nosso caso. Sam não quer. Isso acaba com uma investigação, e ainda não temos nenhum suspeito.
Bufei irritada.
Eles pareciam abutres em cima de carcaças. Apenas esperando à hora de dar o bote. Pouco importavam se uma criança havia morrido, se os pais não sabiam disso ainda, ou se toda a cidade corria perigo. Não. Era notícia. E notícia gera dinheiro.
Time is money.
O elevador tilintou e abriu as portas no -3. Saímos e entramos no corredor iluminado. As paredes brancas, com as luzes de néon geravam um clima mais fantasmagórico do que já era.
Will estava sentado em sua mesa fazendo anotações. Os cabelos louros bagunçados, e os óculos tortos. Quando nos viu, nos recepcionou com um sorriso caloroso.
- Estava me perguntando quando viriam- Nos abraçou sorrindo.- Como vão?
- Nada mal- Respondi sorrindo. Apontei para suas olheiras roxas e fundas- Mas achamos que melhor que você. Quando foi a última vez que dormiu Will?
Ele fez uma careta seguido de um jeito displicente com as mãos.
- Dormir é psicólogico Sophie, quem precisa disso?
- Seres humanos Will, a não ser que você seja um alienígena- Replicou Dante sorrindo.
- Sempre soube que você era especial- Completei.
Ele bufou.
- Vão ficar implicando é?- Tornou fingindo estar bravo mas estragando com seu sorriso luminoso.
Will era aquele tipo de cara que estar perto dele era como estar perto do sol. Era impossível se sentir triste ou irritado. Ele irradiava uma aura de segurança tão forte que, sabíamos que com ele ali tudo era possível.
Ele era a luz naquele caminho tão obscuro no qual estávamos.
- Viemos atrás de respostas Will, e só você pode nos dar uma direção agora- Dante falou solene.
Ele suspirou e fez sinal para que o seguíssemos até a sala de necrópsia.
A sala também era de um branco ofuscante, no centro da sala uma mesa de inox, onde os corpos eram colocados, acompanhado pela pia, e a mesa onde ficavam as ferramentas. Ele se dirigiu à parede onde estava a geladeira. Um agrupado de gavetas de inox, onde os corpos não identificados permaneciam por no máximo 30 dias, caso a família não viesse reconhecê-los.
Aquela garota não poderia ser enterrada sem uma lápide com o seu nome.
Ele abriu a do meio e puxou trazendo um pequeno corpo coberto por um lençol. Abaixou o lençol até a cintura da garotinha, e encarei o rosto já conhecido.
- Bom - Começou no tom mais profissional- A causa mortis vocês já adivinharam, constrição cervical direta, por estrangulamento.- Apontou para o pescoço onde as equimoses ainda eram visíveis. - Pela posição dos dedos do assassino, ela foi estrangulada durante o estupro. Não, sem fluídos corporais dele- Falou antes que eu fizesse a pergunta. Tornei a fechar a boca. - As palavras foram gravadas após a morte, pela coagulação do sangue. Foram feitas por um instrumento pérfuro cortante, e o corte é limpo. Exato. Como se soubesse o que fazer sem tripudiar.
- Esse objeto poderia ser...?- Perguntei enquanto Dan acrescentava anotações aos arquivos.
- Uma faca,um bisturi, um estilete- Will deu de ombros.- Não consigo precisar qual exatamente. Nem pela espessura do corte. Mesmo sendo fino, qualquer um desses poderia ter feito o mesmo resultado.
Assenti decepcionada. A arma seria uma boa por onde começar.
- Achou algo mais? Algo meio incomum?
- Encontrei areia nas meias, e entre os dedos dos pés. E resquícios de doce no estômago.
- Nada mais?
Ele balançou a cabeça também decepcionado. Odiava quando os corpos não mostravam o que ele queria.
- Sinto muito Sophie. A hora da morte é a mesma que vocês precisaram, e ela foi desovada durante a madrugada. Mas fora isso nada.
Assenti em silêncio enquanto ele cobria de novo o corpo e empurrava a gaveta com barulho.
Andamos até sua sala novamente.
- Acharam os pais? Sabem quem ela é? - Perguntou.
- Ainda não- Respondeu Dante fechando o arquivo.
- Uma pena, tão nova... Mas se tem alguém que pode resolver isso são vocês.
Sim talvez. Mas continuava com a sensação de frustração.
Para meu espanto Dante sorriu.
- Você nos ajudou muito Will, obrigado.
E com o peso de uma bola de boliche no estômago, demos as costas e entramos no elevador.
Fim do capítulo
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