Ana Clara
Duas horas. Era o tempo que eu estava esperando a Nanda na praça de alimentação do shopping. Minha língua já devia estar congelando de tanto sorvete que tomei, sem falar que engordei uns 3 kg. Liguei várias vezes para o celular dela e só dava na caixa postal. "Eu não acredito que ela vai me dar o bolo! Ai, que ÓDIO!".
A Nanda ultimamente andava tão estranha. Muito estranha! Antigamente nós duas éramos como unha e carne, fazíamos tudo juntas... literalmente, tudo mesmo! Melhores amigas FOREVER! Só que agora alguma coisa havia mudado... eu sentia que estava perdendo a minha melhor amiga. Poxa, ela não conversava mais comigo como antes, não ficávamos mais tão juntas, nem as noites do pijama, com muita pipoca e filme de terror, aconteciam mais!
Comprei o terceiro sorvete do dia e me sentei novamente na cadeira dura. "Meu bumbum vai ficar quadrado!". Pensei em minha melhor amiga e tentei lembrar quando nossa amizade começou. Acho que desde sempre, vai saber... Eu era muito pequena quando ela foi morar lá em casa. A nossa conexão sempre foi tão grande, que ela sabia tudo de mim e eu tudo dela, ou pelo menos era o que eu pensava. Antigamente, ela contava tudo para mim. Tudo mesmo! Lembrei do dia em que ela me disse que tinha certeza que preferia meninas à meninos e estava com muito medo da reação da Mazé com isso. Ela me contou quando beijou pela primeira vez e com quem tinha sido (a insuportável da Luiza, urgh, mau gosto).
Eu sabia de todas as ficantes dela. Todas! E todos os rolos. Minha amiga me contou quando perdeu a virgindade, com a professora Cláudia. Tudo o que ela sentiu e como foi. Depois quando a mulher se mudou para Londres, ela chorou várias vezes no meu colo até dormir. Aquilo me partia o coração e eu chorava junto. Se eu pudesse, passava uma esponja e tirava a Cláudia da cabeça dela. Na verdade, se eu tivesse a oportunidade colocaria aquela velha pedófila na cadeia, porque uma mulher de quase 40 anos, com uma menina de 13, chegava a ser nojento!
A minha relação com a Nanda sempre foi de cumplicidade e carinho. Eu sempre cuidei dela e ela de mim. Ela conhecia os meus segredos mais íntimos. Sabia que eu nunca fiquei com nenhum menino. Não por falta de vontade, mas porque eu não queria ficar por ficar. Desejava que meu primeiro beijo fosse um momento especial. E... aí... eu também morria de medo de não saber como fazer na hora. Tipo, onde colocar a mão? O que fazer com a língua? "Ai, sou muito, muito insegura! OMG!". Quem me observava por fora poderia achar que sou perfeita, tenho tudo... dinheiro, uma família que me ama, amigos... mas lá no fundo, bem lá no fundo, eu sou só uma garota de 15 anos que quer ser amada como ela é e não pelo que tem. Mas se eu falasse alguma coisa sobre isso, sairia gente do bueiro me criticando e dizendo que não tenho direito a ter problemas. Por isso que eu me abria só com a Nanda, porque ela nunca me recriminou, ou achou que eu era princesinha e não podia ser insegura, ou até mesmo ficar triste. Com ela eu podia ser simplesmente "eu".
Sentia que a Nanda estava apaixonada e que deveria ser pela Luiza. Como ela sabia que eu detestava essa garota, não me contava. Esses dias eu vi uma tatuagem linda que ela fez nas costelas: "You're My Sunshine. Você é o meu raio de sol." Super romântico e fofo. Claro que só podia ser para alguém. Mas fiquei chateada porque ela não me contou para quem ela fez. Poxa, eu era a melhor amiga FOREVER dela... Eu também tava boladíssima porque a gente cantava essa música quando pequenas, era meio que a nossa música. Mazé nos ensinou e cantarolava para a gente dormir, ou quando a Nanda estava triste com a morte do pai dela.
A senhora que limpa a praça de alimentação já me olhava com a cara feia pelo tanto de lixo que eu tinha na minha mesa. Me levantei, joguei todas as embalagens fora e fui novamente dar uma volta pelo shopping... E nada da Nanda chegar. Combinamos de comprar as nossas roupas para o Baile de Primavera e ela sabia que agora era mais importante do que nunca. O Vitor me convidou e perguntou se eu ficaria com ele. SURTEI! Ele é meu crush eterno! Nossos pais eram muito amigos, geralmente a gente passava as férias e festas de fim de ano juntos. Eu só não entendia porque a Nanda nunca curtiu muito ele. Os dois realmente não se bicavam. Quando ele ia lá em casa, ela arrumava uma desculpa e fugia para o quarto dela. Ai... Como eu queria que eles se dessem bem. Seria um sonho!
"Ai... e essa Nanda que não chega!". Parei de tomar sorvete e já estava estourando de tanto Milk-shake que eu havia bebido! Minha barriga estava tão gigante que eu deveria estar parecendo uma anaconda que comeu um elefante! OMG! Que agonia! Precisava conversar com ela e contar como foi ontem no jantar que aconteceu na casa do Vitor.
Nós fomos para sala de cinema ver um filme, enquanto nossos pais estavam conversando. Eu, ele e Fernando, o irmão dele. Nós três sentamos no sofá e ele ficou com a mão em cima da minha coxa, me acariciando. Queria contar para Nanda o que eu senti. A sensação foi boa. Na verdade, foi como se um formigamento gostoso passasse pela minha pele, por onde a mão dele tocava, me dando arrepios. Mas foi só isso. Depois de um tempo, ele segurou a minha mão e começou a fazer círculos com os dedos no meu antebraço. Foi legal. Uma sensação gostosa. Não poderia me esquecer de perguntar a ela, se era isso que sentia quando ficava com uma menina. "Será que é só isso?"
Eu e o Vítor ainda não nos beijamos. A gente combinou que nosso primeiro beijo seria no baile. "OMG! Super romântico!". O garoto foi super fofo e romântico, dizendo que comigo seria diferente das outras meninas que ele ficava, porque ele queria algo sério. Eu estava morrendo de medo de fazer tudo errado! "Tô pirando aqui! Eu tenho que falar com a Nanda, urgente! Vou ligar para ela de novo."
— Nanda, onde você tá? Vai me dar o bolo? Tô te esperando desde às duas da tarde aqui no shopping, como combinamos. - Falei para ela já brava.
— Ai, caramba, Clarinha esqueci. Me dá 10 minutos que chego aí.
— Tá, vou pra praça de alimentação, preciso falar com você urgente. Vou te esperar.
Uns 20 minutos se passaram, eu estava jogando Candy Crush no celular, quando uma menina de cabelo curto estiloso passou e fiquei olhando. Que cabelo fofo! Era curtinho, deixando o pescoço à mostra e parecia que tinha uma franja na frente. Não dava para ver direito, mas parecia com aquela Stella Carlin da série que a Nanda amava e eu assistia junto, Orange Is The New Black. Inconscientemente, passei a olhar melhor a garota e percebi que o corpo dela era bem bonito, principalmente a bunda. Comecei a rir e lembrei que a Nanda é tarada por bundas, ela sempre me dizia isso. "O que é isso, Ana Clara? Secando o corpo de uma menina numa praça de alimentação? A Nanda vai zoar muito da minha cara quando souber disso". Continuei a jogar, quando notei alguém sentando na cadeira ao meu lado e reconheci a roupa da menina que eu estava secando. Quando levantei a cabeça percebi que, na verdade, a menina da bunda gostosa era ninguém menos que a minha melhor amiga!
— Que cara é essa, maluca? Até parece que viu um fantasma! Tá vermelha por quê? - Nanda me perguntou já puxando meu Milk-shake e bebendo o resto do copo.
— Ah... nada. Minha cara normal. E não desconversa que tô putaça com você por ter me feito esperar. Poxa, Nanda, onde você tava? O campeonato terminava às 11 horas, meio-dia você já estaria aqui. A gente combinou de comprar os vestidos pro baile. Você falou que ia me ajudar! - Disse irritada.
— Eu tava tirando o atraso na casa da Lu. – Ela falou com um sorrisinho cafajeste e eu dei um tapão na sua cabeça.
— Na Luiza, dona Fernanda? Aquela garota insuportável metida a patricinha? Mas peraí... e o campeonato?
— Ah, deu uns problemas e o técnico me cortou, mas não quero falar disso agora. Bora, procurar esses vestidos de uma vez.
Minha amiga se levantou da cadeira, sem deixar eu continuar a perguntar. Isso estava muito estranho, mas tudo bem, depois eu conversaria com ela. Além do que, isso de ela ter ido à casa da Luiza me deixou com a pulga atrás da orelha. Comecei a achar que as minhas suspeitas eram bem reais. A minha amiga estava apaixonada justamente pela biscate da Luiza. Que ódio! Pressentia que ela se machucaria muito. A Luiza é daquele tipo de menina que só usava os outros. Ninguém sabia do rolo dela com a Nanda. A garota pagava de hétero e sempre estava com algum namorado ou ficante. Mas chamava a minha melhor amiga para a sua casa, cada vez que os pais dela viajavam. Biscate! "Awn... A Nanda entrou na minha loja preferida. Impressionante como ela conhece os meus gostos."
Depois das compras, encontramos o Alfredo no estacionamento e fomos direto para a minha casa. Nanda foi para o seu quarto trocar de roupa e consegui convencê-la a ficar lá em casa essa noite. Meus pais foram para o Haras e eu estava sozinha. Falei que se ela não viesse, eu iria para a casa dela. Odeio ficar sozinha. Mazé deixou um prato com panquecas recheadas com carne para a gente e muito sorvete de chocolate belga com morango, que é o nosso preferido. Quando eu não precisei mais de babá, a Mazé virou a governanta lá de casa. Agora, mamãe deixava tudo nas mãos dela, isso fez com que ela tivesse mais tempo para acompanhar meu pai nas viagens e dirigir a ONG que ajuda as famílias de crianças com câncer, além de custear os tratamentos.
No banho, pensei no meu vestido, na festa, no beijo, em como eu estava apavorada e insegura. Aos poucos uma ideia começou a florescer em minha cabeça. Era uma ideia muito louca e absurda, mas que ao mesmo tempo fazia o maior sentido. Qual a pessoa em todo o universo em quem eu mais confiava? Quem me conhecia melhor que eu mesma? Quem sempre me apoiou em tudo? Quem nunca me machucaria, ou me magoaria? Agora, eu só precisava pensar em como convencê-la.
Eu estava de banho tomado, vestindo a minha camisolinha do Piu-Piu que é curtinha e tem uma calcinha combinando. Sim, eu sou dessas! Amava personagens de cartoons. Fui para a sala de TV e fiquei vendo desenhos antigos até que ouvi os passos da Nanda na escada de acesso. Como sempre ela estava vestindo uma camiseta velha de banda, hoje era The Cure, e uma calcinha boxer. Podíamos ficar assim porque estávamos sozinhas em casa e os empregados já haviam ido.
— Tá, viada, já arrumou nosso rango? Me fez vir até aqui e ainda tá com essa bunda gorda no sofá? Pelo jeito nem foi na cozinha ainda esquentar as panquecas.
— Ah, Nandinha! Eu tava com preguiça. Até porque se eu fizesse alguma coisa a minha bunda ia deixar de ser gorda. - Rimos muito juntas.
O bom de se ter uma melhor amiga era que a gente podia falar um monte de merd* e se xingar muito porque tudo era zoação.
Fomos para a cozinha, comemos como duas suínas antes de ir para o abatedouro, frase típica da Mazé. Depois pegamos dois potes com sorvete, refrigerante e subimos para o meu quarto. Chegando lá guardei tudo no frigobar para mais tarde.
— O que você quer assistir hoje, Nanda? - Perguntei vendo o que tinha na TV a cabo.
— Ah, qualquer coisa. Romance, terror ou comédia. Escolhe aí, que hoje tô muito cansada porque fiz muito exercício aeróbico. - Ela me olhou rindo com aquela cara de safada. Bufei porque ela sabia muito bem o quanto eu me incomodava com a Luiza. Irritada, atirei uma almofada nela.
— Nossa, pra que tanta violência? - Riu.
— Tá... tá! Vou escolher então, 50 Tons Mais Escuros. - Tinha certeza que ela reclamaria.
Nanda falava que nesse filme, o abuso era romantizado e, as mulheres mais humildes podiam ter uma noção errada, ficando em uma relação abusiva por anos. Concordava em partes, mas o que eu queria era só ver o tanquinho do Grey.
— Ah, não, Clarinha! Não quero ver a bunda do Christian Grey de novo! Aparece mais a bunda desse cara do que os peitos da Anastasia Steele. E nunca vi um cara que gosta de trans*r de calça jeans. Será que não dá micose? Assadura? Ele deve gastar metade da fortuna dele só em pomada pra assadura. - Gargalhou.
— Vai ser esse filme sim, porque hoje eu escolho, lembra? - Falei rindo da cara amarrada que ela fazia.
Nos deitamos e eu fiquei na minha posição preferida que era: usar os peitos da Nanda de travesseiro, enquanto ela fazia carinho nos meus cabelos e costas.
— Nanda?
— Uhm?
— Por que você cortou seu cabelo? Ele era tão lindo!
— Ah, tava me incomodando na hora da luta, ficava caindo nos meus olhos. Mainha que cortou, você não gostou? - Sua cara era de aflição.
— Você fica linda de qualquer jeito. Tá parecendo a Stella do Orange is The New Black. - Falei sorrindo, comparando-a com a atriz Ruby Rose. Ela começou a rir e disse me fazendo cócegas:
— Vem cá, minha Piper!
Dei uns tapas nela para que parasse. Ficamos assistindo por mais alguns minutos o filme, até que me lembrei de outra pergunta que queria fazer.
— Nanda?
— Uhm?
— E a tatuagem? Pra quem é?
— Falei pra você, maluquinha! Não é pra ninguém não. Eu fiz porque gostei. Só isso. - Falou olhando o filme.
Ela continuava a olhar a tela da TV e eu estava inquieta. Não sabia como tocar no assunto que queria.
— Nanda?
— Fala, demônio! - Diz ela rindo.
— Eu queria falar com você sobre o Vitor. - No mesmo momento ela mudou, se retraiu, pegou o controle e pausou o filme.
— Ok, pode falar. – Sua expressão era séria.
Então, eu abri meu coração à minha melhor amiga. Contei a ela tudo o que rolou no jantar na casa dos pais dele. Em como eu me senti quando ele me tocou. Falei sobre o baile e no beijo que viria.
— Nanda, eu tô morrendo de medo dele não gostar. - Eu falava rápido, estava agoniada. - E se eu fizer algo errado? Ele é super experiente. Você sabe que pra todo mundo na escola ele é o pegador. - Ela me olhou levantando a sobrancelha - Tá, eu sei que na verdade quem já ficou com metade das meninas da escola foi você. E também sei que ele fica falando das meninas e você não. Mas ele jurou que comigo vai ser diferente, Nanda. E eu senti sinceridade nele, sabe? Eu vi aquele olho azul brilhar enquanto falava isso pra mim. Ai... eu queria que tudo fosse perfeito.
— Ai, Clarinha, sei lá, mano. - Ela disse olhando para baixo. - Não sei o que te dizer...
— Deixa eu terminar... Nas vezes que ele me tocou foi bom e eu acho que o beijo vai ser muito melhor! Mas eu não quero fazer nada errado! Você sabe que ele sempre foi meu crush master, né? - Ela balançou a cabeça afirmativamente e eu segurei as suas mãos entre as minhas. - Nanda, você é a pessoa em quem eu mais confio em todo o mundo. Eu sei que você faria qualquer coisa por mim. Então eu tive uma ideia maluca, mas que, quanto mais eu penso, mais faz sentido.
Ela me olhava cada vez mais confusa e sem entender o que eu estava falando. Eu já havia me levantado e estava andando pelo quarto repetindo sem parar as coisas que eu já tinha dito. Suspirei fundo parando na frente da cama e me ajoelhei em sua frente.
— Nanda, eu tenho um pedido pra te fazer: Você tira o meu BV e me ensina a beijar?
— É O QUÊ?
Fim do capítulo
Clarinha sendo Clarinha
Comentar este capítulo:
Sem comentários

Deixe seu comentário sobre a capitulo usando seu Facebook: