Capitulo 50 - Monitoria
Pouco tempo depois do início ao atendimento estudantil no ambulatório, iniciaram-se também as monitorias. A de Helena ficou marcada para todas as sextas-feiras, no horário das 5 da tarde. Como o primeiro semestre era uma sala grande, dividiram-se os horários da monitoria e os monitores por ordem alfabética da classe. Helena ficou com a última turma de calouros.
No devido dia e horário, Helena colocou seu jaleco e esperou a chegada dos alunos na sala de treinamento em primeiros socorros. A estudante preparou alguns bonecos deitados no chão, puxou uma cadeira e ficou no celular trocando mensagens com Pérola até o grupo chegar.
‘E como anda a minha amiga, parceira de papos e melhor ex namorada de todos os tempos?’ Helena envia a mensagem.
‘Ocupadíssima hahahah, amanhã vou encontrar alguns chefões do marketing que são de Lisboa mas vieram para cá turistar e aproveitaram a viagem para fazer a reunião. Eles viram meu canal no Brasil e ficaram sabendo do projeto em andamento do documentário...’
‘Espera... você já tem outra proposta em mãos? Isso é demais, Pérola! Seu sonho está se tornando realidade, você não faz ideia do quão feliz estou por você!’ Helena responde, com toda sinceridade em seu coração.
‘Sério? Fico tão feliz de você me apoiar, Lena! Não achava que após nosso término nos daríamos tão bem. Se a reunião der tudo certo, saindo daqui vou direto para Portugal!’
‘Pérola, você foi feita para voar alto. E outra coisa, agora quando eu for para Portugal não vou precisar ficar em hotel, já me convido para ficar no seu novo lar hahahaha’
‘Calma, ainda nem fui chamada... hahaha mas tomara que dê tudo certo. E hey... aí devem ser umas 17:15, não? Você não tinha que estar na monitoria?’
‘Primeira monitoria os calouros acham que não é importante porque está longe da data da prova prática. Duvido aparecer alguém hoje. Nem imprimi a lista de chamada porque sei que ninguém vem mesmo.’
‘Helena... isso vai parecer meio chato de perguntar mas é que estou curiosa rs... Assim, sei que é estranho responder, mas como anda sua vida amorosa?’
‘Realmente é bem estranho de responder. Mas preferi dedicar esse semestre mais a mim mesma, sabe? O que eu tive com você foi especial, para aparecer outra pessoa assim vai demorar...’
‘Assim você me deixa sem graça, sua boba! Mas não quero que você se prive por causa do que tivemos.’
‘Pérola, isso é uma maneira delicada de dizer que você já se envolveu e que eu deveria fazer o mesmo para que você não se sinta culpada? Porque se for isso, pode ficar tranquila. Eu desejo o melhor para você! Realmente esse era um assunto que eu não queria entrar, mas fico feliz por você, de verdade.’
‘Lena, quero que saiba que nossa amizade está acima de tudo. Nada a ver essa história de culpa. Eu não sabia que você não queria entrar nesse assunto, perdão... ‘
‘Tudo bem, de verdade, Pérola. Mas assim, minha hospedagem em Lisboa daqui a algum tempo está garantida né? Hahahahaha’
‘Se eu for morar lá, com certeza!’
Apesar do papo ter se prorrogado por mais alguns minutos, Helena havia perdido um pouco da empolgação. E seu dia, ao invés de melhorar, estava prestes a ir para um caminho oposto quando retirou seus olhos da tela do celular e fitou seus olhos na única pessoa que compareceu à primeira monitoria.
“Helena?!”
“Thaísa?!”
“Você é a monitora?!”
“Você faz Medicina agora?!”
Um silêncio repentino pairou após a sessão de perguntas sem respostas.
“Sim eu faço.”
“Sim sou monitora.”
“Minha irmã não lhe contou que passei?”
“Não, sua irmã anda atolada no trabalho e também na nova faculdade.”
“Pois é, finalmente ela está fazendo o que gosta e resolveu tomar rumo na vida.”
“E você? Decidiu mudar por quê? Pelo que sua irmã falava, farmácia parecia estar no seu sangue, por causa do Instituto.”
“Sim. Estava. Mas eu queria algo diferente. Aproveitei que a sombra da minha irmã não assustava mais e resolvi tentar.”
“Como assim?”
“Mudar de curso, tomar nome de indecisa, era assim que minha irmã era vista pela minha família. Por isso a sombra dela me assustava.”
“Ah, entendi. Mas e seus pais?”
“Sinceramente, meu pai não gostou muito da ideia de mudar de curso, ficou com medo de eu ser como a Nicole. Só com meu pai posso dizer que nesse quesito a sombra da minha irmã ainda me perseguiu.”
“E sobre aquilo que conversamos na viagem para São Paulo?” Helena toca na ferida, deixando o clima tenso.
“Continuo com o mesmo pensamento. Não é um discurso superficial que vai me fazer mudar de ideia.”
“Entendi.” Helena se esforça para não revirar os olhos de nojo. “Bem, você veio aqui para a monitoria. Vamos começar então. O que vocês viram até agora?”
“O básico de ressuscitação cardiopulmonar em adulto, criança e lactente, por enquanto.”
“Certo. Vamos começar com o boneco adulto.” Helena fica próxima ao boneco para relembrar o roteiro.
“Hey, e a Pérola? Como vai? Vi uns vídeos dela nos Estados Unidos...”
“Nós demos um tempo. Mas ainda somos amigas. Estou me dedicando mais a mim, agora.” Helena responde como se fosse um texto decorado. “Bem, primeiro, vamos encenar aqui que o boneco esteja tendo uma parada cardiorrespiratória. Você checa a segurança do lugar, e então se aproxima da vítima. Primeiro, faz estímulo verbal, pergunta se a pessoa está lhe ouvindo. A pessoa provavelmente não vai responder. Você segue para o estímulo doloroso. Pode fazer uma fricção aqui na região esternal ou um beliscão no músculo trapézio. Também não respondeu. Você já sabe o que fazer a seguir?”
“Checar sinais vitais?” Thaísa questiona.
“Isso. Coloque dois dedos sobre a artéria carotídea por no máximo dez segundos e não esquece de olhar para o toráx para ver se está se mexendo.”
“Certo.” Thaísa então faz conforme Helena instruiu. “Sem sinais vitais. Já posso iniciar as compressões?”
“Pode. Cinco ciclos e depois intercala com duas ventilações do ambu. Não se esqueça: coloque uma de suas mãos sobre a outra, bem na linha entre os mamilos, e espere o retorno do tórax para iniciar a compressão seguinte.”
“Certo.” Thaísa então começa as compressões.
“Está muito fraco. Mais forte, Thaísa, desse jeito você não ressuscita ninguém. Se fosse um ser humano de verdade já teria perdido qualquer esperança.”
“Ok.” Thaísa tenta fazer a massagem cardíaca com toda força possível no boneco.
“Thaísa, está muito rápido. Tem que ser no ritmo daquela música dos Bee Gees, lembra?”
“Não sou muito fã daquela música.” Thaísa continua fazendo a manobra de modo errado.
“Assim você também não ajuda.” Helena resmunga. “Pare, pare. Está fazendo tudo errado, pelo amor.” A monitora suspira e coça a cabeça. “Espera. Acho que tive uma ideia. O hospital presbiteriano de Nova York fez uma playlist com músicas a 100 batidas por minuto para acompanhar quem estiver treinando a massagem cardíaca.” Helena então pega seu próprio celular e procura pela playlist. “Aqui, escolhe uma das músicas da lista. Impossível não ter pelo menos uma que você goste.” Ela entrega o celular para Thaísa, que percorre a lista.
“Essa aqui.” Thaísa aponta para a música escolhida e Helena tira o par de fones de ouvido do bolso.
“Melhor você colocar isso porque também está tendo monitoria de outra matéria na sala ao lado. Não queremos tomar bronca à toa.” Helena cuidadosamente coloca um dos fones na orelha de Thaísa. “É essa aqui do Coldplay, né? Não sabia que você gostava.”
“Gosto um pouco.” Thaísa dá de ombros. “Posso começar?”
“Pode.” Helena, agachada ao lado de Thaísa, dá o sinal positivo e a caloura inicia as compressões no boneco.
“Isso! Boa!!” Helena sorri ao ver o acerto da outra e coloca a mão nas costas de Thaísa para continuar a incentivá-la, mas ao invés disso a garota lança um olhar no mínimo intimidador, como se Helena estivesse atrapalhando, fazendo a monitora recuar quase que instantaneamente.
Ainda no meio do exercício, faltando pouco menos de quinze minutos para acabar o horário de Helena, outros três calouros apareceram, sendo um garoto e duas garotas.
“Isso é hora de aparecer na monitoria?” Helena dá bronca no trio.
“Desculpa, a gente estava estudando na biblioteca.” Uma das garotas justifica.
“Certo...” Helena parece não comprar a desculpa do trio. “Eu estava repassando para a colega de vocês sobre ressuscitação cardiopulmonar em adulto.
O trio então olhou para baixo, e quando viram que era Thaísa, tornou-se notória a reação de desgosto.
“Bem, a gente chegou meio tarde, se quiser a gente vem semana que vem, daí provavelmente vem mais gente também, a gente combina com o resto do pessoal de chegar mais cedo...” O garoto começa a falar.
“Sim, até porque agora não vai dar tempo de você repassar tudo para nós e tal...” A outra garota também justifica.
“Bom, vocês que sabem, mas não esqueçam de falar para o resto do pessoal chegar no mesmo horário para eu não precisar repetir a explicação, tudo bem?”
“Sim!” O trio responde e rapidamente se retiram.
“Uau, acho que não são muito fãs de suporte básico à vida.” Helena comenta.
“Você realmente não percebeu que o problema era eu?” Thaísa senta em cima das próprias pernas e suspira, desabafando.
“Por quê?” Helena pergunta, como se já não soubesse.
“Pelo mesmo motivo que você me odeia.” Thaísa revira os olhos.
“Eu nunca disse que lhe odeio.” Helena arqueia uma sobrancelha.
“Mas também sei que não sou bem quista.”
“Ai, Thaísa.” Helena solta um arzinho a mais pelas narinas.
“O que foi?”
“Sua teimosia lembra alguém do meu passado... deixa para lá.” Helena solta um pequeno riso e balança negativamente a cabeça.
“Isso não tem graça, eu estou sendo isolada pela minha própria classe! Sorte que eliminei algumas matérias, assim não preciso ver a cara deles o tempo todo.”
“Com essa atitude você não vai fazer muitos amigos mesmo.” Helena cruza os braços.
“Não vou precisar deles mesmo.” Thaísa rebate.
“Você sabe que no ciclo clínico você realiza atendimentos em grupo né? O resto da sua faculdade vai ser atividade em grupo. Você vai ter que aprender a lidar com as diferenças, Thaísa.”
“Às vezes eu queria que minha irmã estivesse morando aqui ainda. Seria bem mais fácil. Ela tentava me mostrar as diferentes visões de mundo e eu me negava a aprender. Ou pelo menos tolerar.” Thaísa suspira, revelando um lado mais humano.
“Por que não manda mensagem para ela?”
“Você mesma disse que ela está atolada entre o serviço e a nova faculdade.”
“Mas ela lhe ama, com certeza arranjaria um tempinho do dia para conversar com a irmã.”
“Bem, vou tentar.” Thaísa então olha para o relógio de parede da sala. “Acho que já vou indo. Obrigada pela monitoria de hoje.”
“Eu que agradeço por ter vindo. Semana que vem tenho que revisar o assunto com o pessoal, mas não deixe de vir para treinar.” Helena comenta.
“Virei sim. Mais uma vez, obrigada.” Thaísa sorri e se despede da monitora.
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O dia de visitar a ala oncopediátrica havia chegado novamente, e Dante, conforme prometido, passou na livraria do shopping e fez ‘a compra do mês’ no que diz respeito à quantidade de livros adquiridos. Dante os colocou em uma caixa e o casal foi no mesmo quarto da semana anterior. Quando Miguel os viu, abriu um sorriso de orelha a orelha.
“Agora tu vais ter livro para ler até depois da cirurgia!” Dante comenta com o garoto, ambos sorrindo de orelha à orelha.
“Muito obrigada! Nem sei como agradecer!” A mãe se segura para não chorar de felicidade.
“Eu também conversei com meu pai a respeito, sabemos que tu moras na cidade ao lado, e deve ter despesa para ficar se locomovendo. É por isso que ele enviou pelos correios um cheque para senhora, a fim de ajudar no que pudesse.” Dante então entrega o cheque com um valor suficiente para auxiliar a mulher.
“Não precisava... não acredito nisso... vocês realmente não precisavam... eu não tenho nem palavras para agradecer novamente...” A mãe desata a chorar e Lívia lhe dá um abraço.
“Dante, você quer jogar pebolim comigo na sala de jogos?” Empolgado, Miguel sugere.
“E tem sala de jogos aqui no hospital?” Dante questiona, surpreso.
“Eles abriram uma, aqui no final da ala, há pouco tempo.” A mãe de Miguel explica, e leva seu filho acompanhado do casal de jovens para a brinquedoteca.
Ao final do dia, Dante e Lívia foram se despedir da amável família.
“Semana que vem já é tua cirurgia, né, campeão?” Dante pergunta, com o garoto de oito anos no colo.
“É sim!” O menino responde.
“Então estaremos aqui com várias outras surpresas para o teu pós operatório, pode ser?”
“Pode!” O menino sorri.
“Dante, não inventa de trazer chocolate porque ele não vai poder comer qualquer coisa depois da cirurgia!” Lívia dá bronca, em tom jocoso.
“Depois dessa cirurgia, mesmo se algum médico o proibir eu vou fazer questão de dar chocolate escondido porque esse menino é um chocólatra!” A mãe responde, também rindo.
Dante então colocou o menino na cama e a enfermeira logo o arrumou para a sessão de quimioterapia. Dante e Lívia beijaram a testa do garoto, deram um abraço na mãe e saíram do quarto.
“Acho que estamos nos apegando a essa família, né?” Lívia comenta com o namorado.
“Realmente. Nunca achei que curtiria pediatria até conhecer o Miguel.” Dante também comenta.
“Às vezes eu acho que tem pessoas que aparecem e mudam nossas vidas. Esses dois já me ensinaram mais coisas do que muitos professores durante semestres inteiros.” Lívia segura a mão de Dante e abre seu coração.
“E pensar que esse é só o começo...” Dante fica reflexivo.
Tem um professor no ciclo clínico que nos fala que não importa quanto tempo passe, nossa reação diante de casos como esse é sempre a mesma, e se um dia mudarmos, é porque perdemos o essencial dentro de nós, aquilo que nos faz ser verdadeiramente médicos.”
“Ou aquilo que nos faz verdadeiramente humanos.” Dante complementa com um argumento importante enquanto o casal toma seu caminho rumo à saída do hospital.
Fim do capítulo
Feliz ano novo, pessoal!
Apenas uma observação, a playlist do NYPH realmente existe, e está aqui o link (https://open.spotify.com/playlist/7oJx24EcRU7fIVoTdqKscK) para quem se interessa por primeiros socorros.
Beijão e até o próximo capítulo!
Comentar este capítulo:
rhina
Em: 04/09/2020
Pérola foi franca e sincera sobre sua mudança. Helena ficou triste....normal. Mas o jeito límpido e claro como foi conduzido resultou em atitudes positivas.
Se fortalecendo em diversos aspectos, Helena continua
Thaisa na área outra vez.
Rhina
Resposta do autor:
Creio que o relacionamento de Pérola e Helena foi um dos mais fáceis de se desenvolver pela simplicidade como o plot foi desenvolvido.
Porém não foi em vão, um relacionamento simples e fácil ajudou no crescimento de Helena enquanto personagem!
Bjão!!
nany cristina
Em: 01/01/2020
boa noite
que o meu casal Favorito continue assim Dante Lívia eu amo esse casal
feliz 2020 autora
até o próximo Capítulo bjs
Resposta do autor:
boa noite!
Ahh fico tão feliz de vc gostar deles!!
Feliz 2020 pra ti tb, beijão, até o próx. capítulo s2 s2
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