Capitulo 32 - Planos
Capítulo 32 – Planos
No carro, Lia agarrou-se ao braço de Liz durante todo o caminho. O único som proferido no veículo foi apenas o rádio ligado em uma música baixa. Chegaram logo até a única pousada que existia na cidade e foram direto para o quarto. Ainda não estava acreditando que a namorada havia ficado uma semana inteira ali à sua espera e essa atitude só havia abalado ainda mais o seu emocional.
Assim que a rockeira fechou a porta do quarto, Lia atirou-se em seus braços mais uma vez, sentindo a quentura do corpo dela lhe acalentar e acalmar. Escondeu o rosto em seu pescoço e inspirou o cheiro delicioso que ela sempre exalava.
Com uma doçura ainda mais aflorada, Liz retirou a mochila de suas costas, acomodando a mesma no chão e depois puxou a irritadinha até a cama. Ela fez com que Lia deitasse sobre o seu peito e ficou ali, apenas lhe fazendo cafuné por um longo tempo. Aquele era o melhor lugar do mundo para se estar depois de uma noite estressante. Lágrimas vieram aos seus olhos sem convite quando lembrou das palavras da mãe.
Liz apenas embalou-a em um abraço firme. Tinha muito que agradecer por tê-la em sua vida. A namorada era muito paciente e tranquila. Estava dando o seu espaço assim como pedira. Ali nos braços de sua amada, sentia-se ainda mais sensível. O celular que estava esquecido em seu bolso começou a vibrar insistentemente, mas não queria sair dali e quebrar o clima.
— Lia... — Liz a chamou com a voz carinhosa. — Olha para mim!
Respirando fundo ela retirou o rosto de seu pescoço e encarou-a.
— Quer me contar tudo o que aconteceu? Sou prova viva de que tudo melhora quando a gente desabafa.
Não tinha vontade de falar e reviver as cenas passadas, doía muito. Agora entendia ainda mais o porquê de Liz um dia ter trancado tantos sentimentos dentro de si, mas ao contrário dela, iria desabafar sim.
— Foi horrível, Liz. As coisas que a mãe falou... puta que pariu! Foda demais isso. — Uma lágrima escapou quente e a namorada tratou de secá-la.
— Me conta... como foi a conversa — pediu mansamente e tentando acalmá-la.
As duas sentaram na cama e Lia contou tudo. Como foi a semana sufocante com tudo aquilo. Relatou da reação exagerada da mãe e do pai com a tattoo, sobre a aliança, a bebida e sobre ter chegado dirigindo o carro na frente deles, até o momento em que recebera a mensagem dela que lhe encheu de certeza e coragem.
Foi impossível não chorar quando se lembrou da mãe lhe acusando e dizendo que tudo aquilo era pecado, no fundo a entendia, sempre foi ensinada de que aquilo era errado, mas se era, por que então Deus permitiu que se apaixonasse de forma tão avassaladora por Liz? Não tinha explicação, o seu coração se apaixonou por ela, nunca tivera chances de resistir àquilo e nem queria.
Liz a sustentou em um abraço carinhoso e a acalentou por longos minutos enquanto se acalmava.
— Por que você não nasceu homem? — Lia perguntou de súbito e a viu fazer uma careta enorme, teve até vontade de rir.
— Se por acaso eu fosse homem, você teria se apaixonado por mim? — Devolveu a pergunta seriamente. — Talvez eu não prestaria para porr* nenhuma. Bem, eu já não prestava, na verdade, mas seria bem pior.
Lia sorriu com a resposta rápida e cortante dela. No entanto, aquele não era o momento de pôr em dúvida o que sentia, muito pelo contrário, o fato de estar se relacionando com uma mulher, era o ponto mais especial de tudo.
Seus corpos se conectavam de uma forma muito natural e intensa, como nunca acontecera com ninguém antes. No entanto, não era apenas uma coisa carnal ou sexual, mas suas almas e energias se misturavam, era algo muito além do que poderia explicar.
— Me escuta com atenção, Lia. — A rockeira passou a mão pelos seus cabelos e a fez lhe encarar. — Quero que você pense muito bem em tudo o que sente.
— Como assim? — Não entendia onde ela queria chegar.
— Uma coisa é o seus pais não concordarem e não aceitarem isso. — Viu o quanto a namorada estava séria ao falar tudo aquilo. — Outra coisa muito diferente é você mesma não se aceitar.
— O quê...? — Quis argumentar, mas Liz a interrompeu.
— Eu sei que nós duas nos envolvemos muito rápido e que toda a nossa história foi muito intensa. Na cidade as coisas são diferentes, não damos satisfação a ninguém e talvez isso fez com que a gente se entregasse mais. — Ela uniu as mãos às suas. — E agora vamos enfrentar isso com os seus pais. Eu não quero causar atrito nenhum entre vocês. Se eu soubesse que seria tão difícil você sair agora de casa, não teria chamado...
— Não diz isso! Fiquei tão aliviada quando finalmente te vi. O clima estava horrível. — Lia estava desolada. — Não sei como vou olhar para a cara deles depois de hoje. Estou me sentindo tão mal, tão...
— Culpada? — Lia olhou para ela rapidamente. Se sentia exatamente assim, mas não respondeu. — Vê? — Liz voltou a falar e deu um sorrisinho triste. — É disso que estou falando! Você foi sincera com eles, mostrou quem é de verdade, não deve se culpar por isso.
— O que você está querendo me dizer?
— Você não tem que se envergonhar de nada. Sei que a aceitação dos seus pais é importante, mas o principal de tudo é você se aceitar.
As palavras dela foram como um tapa de realidade em sua face. Abriu a boca, mas não conseguiu dizer nada.
— Tudo bem! Nunca é fácil, eu sei bem como é. — Liz beijou a palma de sua mão.
— É claro que eu me aceito! — declarou com teimosia. — Por qual outro motivo acha que eu me expus tanto, contando tudo para eles?
Liz quis rebater e falar algo, mas apenas calou-se e abraçou-a apertado.
— Eu tive medo! — A rockeira sussurrou em seu ouvido e Lia pode sentir a sinceridade em suas palavras. — Muito mesmo. Você disse que ia contar tudo o mais rápido possível, daí quando os dias foram passando e nada, pensei que iria desistir e...
— Eu jamais faria isso! — Lia afastou-se dela e olhou em seus olhos. — Desculpe ter feito você me esperar uma semana toda aqui nesse fim de mundo.
Liz sorriu com a declaração e fez carinho em sua bochecha, encostando a testa na dela.
— Você nunca me decepciona, irritadinha.
— E nem você, minha rockeira.
— Eu sei que não é o momento para isso, mas... estou com saudades de você. — Liz tocou seu nariz no de Lia com carinho o que a fez fechar os olhos automaticamente. — Me dá só um beijinho!
Lia sorriu do jeito manhoso que ela falou. Só mesmo Liz tinha o dom de acalmá-la daquela forma, mais ninguém. Também estava com saudades, por isso não foi esforço algum beijá-la.
Sentir o toque macio e quente dos lábios dela nos seus depois de uma semana intensa e delicada foi como respirar ar puro novamente. Rapidamente sentou-se no colo dela e abraçou a sua cintura com as pernas. Necessitava desse contato para renovar a certeza de que valia a pena enfrentar tudo por ela, pelas duas, sempre. Lia não se sentia mais capaz de ficar longe dela, nem mesmo com a culpa lhe corroendo por dentro.
Dormiram cedo e agarradas uma na outra depois de trocarem carinho, o que foi muito reconfortante, pois, seus corpos sentiam falta um do outro. Não tiveram um momento mais íntimo naquela noite, não havia clima o suficiente mesmo com toda a paixão e saudades...
Como sempre, Lia acordou primeiro no outro dia e passou um tempão observando Liz dormir, que tinha uma expressão serena durante o sono. Sua mente disparou rapidamente no minuto em que abriu os olhos.
Levantou-se quando não aguentava mais refletir sobre os eventos da noite passada e saiu à procura de seu celular que estava ainda perdido no bolso de sua calça sobre a cadeira. Ainda nua, enrolou-se em um roupão que havia ali. Depois que começou a se relacionar com Liz, raramente dormia vestida e, assim como a namorada, já estava se acostumando a isso.
Sentou-se em frente à janela que tinha vista para toda a cidade. Havia recebido várias mensagens e com o coração batendo de medo, viu que tinham algumas de Pedro, Cris, fora as ligações perdidas do irmão. Seu peito doeu de apreensão e resolveu ler a de Cris primeiro:
Cris: “Novidades, amiga? Estou aflita com a falta de notícias. Está tudo bem?”
Não, é claro que não estava. Rapidamente digitou um breve resumo de toda a conversa com os pais. Teve vontade de ligar, mas ainda era tão cedo, não queria incomodá-la com seus dramas. Esperaria que ela lhe respondesse para se falarem melhor.
Depois foi a vez de abrir as mensagens do irmão.
Pedro: “Para onde você foi? O que aconteceu? ”
“O pai e a mãe estão loucos aqui, discutindo por ele ter deixado você sair. ”
“ Você está bem? Fala comigo! ”
Sabia que eles teriam aquela reação horrível, ou pelo menos a mãe teve. Se sentia mal por estar causando transtorno discussões e o pior de tudo, decepção para os dois. Logo ela que sempre fora a filha exemplar.
Por fim, digitou sobre Liz ter ficado na cidade a semana toda e depois sobre a confusão na sala para se encontrar com a namorada. Lia estava, no mínimo, confusa com a reação do pai. Ele também parecia não concordar, era óbvio, mas ao mesmo tempo estava sendo o mais calmo em relação a tudo. Só não sabia se aquilo era bom ou ruim.
Sua cabeça começava a doer de tanto remoer o assunto, suas atitudes, as palavras e ações da mãe e por último, sua culpa sobre tudo que estava vivendo ao lado de Liz. Mas como aquilo poderia ser errado? Se perguntava se era realmente errado poder se sentir tão bem e livre ao lado de Liz, era a coisa mais sincera e intensa que já havia sentido em toda a sua vida. Resolveu voltar para a cama e aninhou-se a namorada que dormia tranquilamente.
Já era quase meio dia quando acordou se sentindo um tanto quando agitada e estranhamente enérgica. Liz estava vestida em seus jeans rasgados e tocava violão. Ela parecia distante dali e absorta em pensamentos. Era sempre relaxante ouvi-la tocar e ficou um bom tempo assim, apenas ouvindo-a e pensando. Sentia-se estranhamente relaxada. Tudo parecia ficar melhor depois de um bom cochilo.
— Oi. — Pronunciou-se, anunciando ter acordado.
— Oi. — Liz olhou-a surpresa e sorriu. — Você dormiu pesado novamente.
— Verdade. — Deu um leve bocejo. Lia estava entediada, queria algo diferente. Precisava sair dali e fazer alguma coisa. — Vou tomar um banho rápido.
Assim que voltou para o quarto secando os cabelos, perguntou:
— Me diz, o que você tanto fez por aqui a semana toda?
Liz pôs o violão de lado e ficou observando o seu corpo nu. Conhecia aquele olhar por mais que ela tentasse disfarçar. Decidiu provoca-la um pouco. Pegou uma roupa da sua mochila e sentou-se na cama, olhando-a.
— Ah! — Ela pareceu voltar a si. — Saí para conhecer a cidade.
Lia não evitou dar uma gargalhada, pois não havia nada para conhecer ali.
— Conhecer o quê? — Quis saber curiosa.
— A moça da pousada me disse alguns restaurantes legais para ir. Chegou um parque de diversões na cidade e eu também fui algumas noites. E fui também ao lago que tem aqui.
— Não acredito que foi até esse lago.
— Ué! Achei bem legal. Fui várias vezes durante a semana nadar um pouco. — Liz levantou-se, pôs o violão na cadeira e foi sentar-se ao seu lado. Ela estava cheirosa como sempre. — Eu quis dizer que estava por aqui, mas fiquei com medo de se sentir pressionada. Aí resolvi tentar me distrair sozinha.
— Hum! — Murmurou desconfiada por ela ter saído sozinha e se distraído. — O que mais aconteceu?
— Como assim? — Liz perguntou confusa.
— Como se distraiu aqui?
Finalmente ela entendeu seus ciúmes e começou a sorrir sapeca.
— Olha, as garotas do interior têm lá o seu charme...
Lia deu um tapa no braço dela e a olhou feio, de repente se sentia enraivecida.
— Mas eu tô falando sério, Lia...
— Deixa de brincadeirinhas. Isso não tem graça. — A irritadinha debruçou-se sobre ela, que apenas sorria, adorando a pirraça. — O que você aprontou por aqui?
Liz rolou na cama, ficando por cima e lhe fazendo cócegas. Estava com saudades daqueles momentos descontraídos. Deixaria o drama com os pais de lado, ao menos por enquanto, e iria aproveitar um pouco com ela.
— Eu juro que me comportei direitinho. — Liz a prendeu entre as pernas e segurou seus braços. — Só conseguia pensar e sentir falta de uma certa irritadinha.
— Hummmm... — Lia se livrou das mãos delas e a puxou para um beijo faminto. Estava com mais saudades dela do que imaginava. Sentiu um latejar entre as pernas com a conexão dos corpos. — Acho bom.
— Não precisa se preocupar com isso. Sou completamente louca por você.
— Espero mesmo. — Entranhou o dedo em seus cabelos e puxou-a para si. — Me beija!
Liz a beijou com fome e saudades, tudo o que estavam sentindo uma pela outra naquele momento. Adorava a forma como ela ch*pava a sua língua e a apertava nos lugares certos lhe deixando sem ar. Beijá-la era sempre muito gostoso, mas a saudade fez aquele momento ainda melhor, era sempre assim. Finalmente seu peito estava ficando mais leve depois daquela semana de cão na casa dos pais.
Já era mais de uma da tarde quando elas finalmente deixaram o quarto e decidiram ir almoçar em um restaurante ali perto. Durante a refeição, Liz disse:
— Por que não vamos até o lago agora?
— Não gosto muito do local. — Fez careta.
— Mas por quê? — Liz admirou-se. — Achei bem legal.
— Não sei. — Desdenhou. — Lá é sempre lotado e cheio de babacas colocando som alto com aquelas músicas horríveis de funk. Aff. Odeio.
Liz riu do jeito azedo dela, mas continuou mesmo assim.
— Foi até calmo esses dias que fui. — Ela entrelaçou os dedos aos seus. — Vamos! Queria nadar lá com você.
Liz lhe pedindo algo com aquela manha toda era praticamente impossível de não atender. No fundo, não queria ir com medo das pessoas vê-las juntas. Cidade pequena era foda, onde todo mundo conhece todo mundo, mas resolveu ligar o foda-se, o pior já havia feito, que fora contar tudo aos pais. Nada mas importava.
— Ok! Vamos! — concordou por fim e viu a namorada abrir um lindo sorriso.
— Vamos nadar juntas.
Assim que terminaram o almoço, passaram em uma loja de trajes de banho para que Lia comprasse um biquíni e depois foram comprar bebidas e gelo no supermercado. Por sorte, Liz nunca saía sem o seu cooler.
Animadamente voltaram para a pousada e se trocaram para irem rumo ao destino.
— Olha, se estiver muito lotado e barulhento, vamos voltar, hein?! — Alertou-a antes de irem, o que não seria difícil de acontecer, pois aquele era o único lugar possível de divertimento na cidade para um domingo à tarde.
— Tudo bem, senhorita. — Liz concordou.
Logo as duas estavam saindo da pousada, com a namorada levando seu violão consigo como sempre. Não demorou muito para que as duas chegassem até lá. Já fazia muito tempo que Lia não ia até ali e se surpreendeu em como o lugar parecia mais bonito ainda do que guardava em sua memória. O verde das árvores estava ainda mais vivo do que antes e, ao contrário do que pensava, mesmo tendo uma quantidade razoável de pessoas, não estava lotado ao ponto de ser desagradável.
Desceram do carro e tiraram a roupa, ficando apenas de biquíni. De mãos dadas, elas foram andando pela pequena ponte que havia ali, levando as bebidas consigo. Se sentia estranha em estar ali com Liz. Olhou nervosa ao redor, mas não viu nenhum conhecido seu por ali, não que tivesse muitos e isso a relaxou um pouco. Estar em contato com a natureza sempre a acalmava.
— Como você pode não gostar desse lugar? — A rockeira falou empolgada, lhe trazendo de volta à realidade. — Aqui é lindo.
Lia sorriu. Tinha que admitir que a namorada tinha razão. Era lindo mesmo ali, bem diferente do que se lembrava. Não sabia explicar o porquê da sua memória pessimista, sempre preferiu ficar em casa com seus livros e seus filmes. Talvez o problema de tudo fosse ela mesma, sempre olhando para o lado negativo da vida.
— Está lindo sim. — Animou-se com a felicidade da outra. — Vamos tirar algumas fotos idiotas de casal?
Liz abriu um lindo sorriso e concordou. Animadamente, elas tiraram “selfies” abraçadas, fazendo careta e trocando beijinhos. Depois se sentaram abraçadas na ponte apenas com os pés na água, mais distante de onde as pessoas estavam.
— Estava pensando em uma coisa. — Liz declarou pensativa.
— O quê?
— Sobre o seu intercâmbio. — A menção daquele nome fez o estômago de Lia revirar. — Quando sai mesmo os resultados?
— No finalzinho de janeiro, por quê?
— Está animada com isso? — A rockeira a olhou bem nos olhos, analisando sua reação.
Aquele não era exatamente um assunto que queria tratar no momento, não no período tenso me que se encontrava. Não se sentia capaz de lidar com aquilo também.
— Eu não quero falar disso agora. Vamos deixar esses resultados saírem primeiro.
Liz sorriu sem humor e calou-se subitamente. Ela quebrou o abraço para pegar uma bebida. Entregou uma a Lia e começou a beber.
“Ótimo! Agora consegui deixá-la aborrecida novamente. ” Pensou frustrada.
— Vou nada um pouco — disse depois de um tempinho. — Você vem?
Liz nem esperou que respondesse e mergulhou. Lia suspirou frustrada, mas logo mergulhou também. Depois de alguns mergulhos, foi se aconchegando perto dela. Não queria brigar e também não queria aborrecê-la. Abraçou-a e sentiu quando os braços dela lhe enlaçaram pela cintura firmemente.
— Desculpe! — sussurrou sobre seus lábios e lhe deu um selinho. — O que você quer falar sobre o intercâmbio?
A namorada ficou calada por alguns instantes, mas Lia viu que a expressão aborrecida dela foi se suavizando aos poucos. Lhe deu mais selinhos até que ela sorriu com os carinhos.
— Me diz, vai! — pediu novamente.
— Eu estava pensando. Quando você passar...
— Se eu passar! — Interrompeu-a. As pessoas sempre falavam daquilo como se fosse uma coisa garantida.
— Se você passar, como vai ser?
O peito dela doeu com a pergunta. Não tinha ideia do que fazer caso conseguisse. Antigamente era o seu principal objetivo, um sonho, a coisa que mais queria fazer na vida. No entanto, agora, não conseguia se ver longe dela por tanto tempo.
— Eu juro que não pensei sobre isso ainda. Só sei de uma coisa. — Olhou-a nos olhos lindos e castanhos dela e se sentiu aquecer com o sentimento que viu ali. — Não estou disposta a ficar longe de você.
— Você não pode perder essa oportunidade.
— Eu sei que não, mas...
— O quê?
— Eu não pensava em fazer esse intercâmbio agora, como já te disse.
— Eu sei disso, mas a oportunidade é muito boa.
— Eu sei que é o mais certo. Eu sei que devo ir, mas...
As duas se abraçaram e trocaram um beijo sôfrego. Não sabia o que acontecia consigo, mas quando deu por si, uma lágrima rolou por sua face novamente. Estava extremamente sensível por aqueles dias.
— E se eu disser que também não estou disposta a ficar longe de você? — Liz falou sobre seus lábios.
Lia alegrou-se profundamente ao ouvir aquilo. Liz estava racional demais sobre o assunto e estava incomodada com isso.
— Eu diria que te entendo perfeitamente. — Claro que compreendia bem aquele sentimento. — Por isso eu não quero ir.
— Eu pensei bastante e... — Liz fez uma pausa e suspirou.
— O quê? — Estava curiosa, queria saber o que ela estava tramando.
— Estou mais do que decidida de ir a Londres com você.
Lia arregalou os olhos e seu coração desvencilhou por um momento. Nem em um milhão de anos iria imaginar isso. Uma felicidade sem limites explodiu dentro do seu peito. Sorriu e abraçou a namorada com força, a beijando ardentemente e foi correspondida na mesma intensidade. Liz sempre, sempre, sempre a surpreendia. Não duvidava do que ela sentia nem por um segundo com tudo que ela vinha fazendo.
— Eu não acredito que está disposta a fazer isso! — Declarou ainda emotiva e alegre, mas ao mesmo tempo lembrou-se de algo importante. — Mas os seus estudos! Você vai perder um semestre.
— Eu posso perder um semestre ou dois, mas você não pode perder essa oportunidade, Lia. Eu não me perdoaria se isso acontecesse.
Ainda contentes, trocaram vários beijinhos e carinhos ainda dentro d’água. A irritadinha não poderia se sentir mais feliz. Com certeza o clima e o humor de Lia mudaram com aquela notícia, até mesmo o drama com os pais foi esquecido. Conseguia sentir a sua felicidade completa. De repente o intercâmbio voltou a ser o seu sonho e só em imaginar de passar seis meses com Liz em Londres... Não estava preparada para aquilo, seria incrível.
— Eu ainda não acredito que está disposta a fazer isso, Liz. — De fato não estava acreditando. Sabia que ela tinha condições e que os ventos eram favoráveis para isso, mas era bom demais para ser verdade. Será que estaria sendo egoísta de aceitar aquilo?
A rockeira sorriu com a felicidade dela e lhe deu um selinho antes de responder:
— Eu já disse que você mudou tudo para mim, Lia. Não deveria nem ter ficado surpresa por eu ter dito isso.
— Mas eu realmente não esperava por isso, Liz.
— Agora imagina nós duas em Londres, longe de tudo isso. — Liz disse, e Lia conseguia imaginar isso sem a menor dificuldade. — Será quase uma lua-de-mel.
As duas sorriram bestas e felizes. Resolveram sair um pouco e sentaram-se na ponte mais uma vez para tomarem suas bebidas. Enquanto bebiam e conversavam animadamente, trocavam selinhos e mais carinhos.
Lia não percebeu quando uma conhecida sua, Maria Laura, do tempo da escola, aproximou-se. Ela vinha agarrada na mão de um rapaz e a olhava como se não estivesse acreditando no que via. Fez um esforço para não revirar os olhos, nunca havia gostado muito do jeito raso e superficial dela, além e de ela ser uma fofoqueira de marca maior.
O seu primeiro reflexo, foi afastar-se de Liz, mas conseguiu conter o impulso. Tinha que parar de pensar que estava fazendo algo errado. Apenas aproveitava o momento ao lado de sua namorada, nada demais.
— Lia! — Ela exclamou, revelando a surpresa ao vê-la naquela situação e olhava descaradamente dela para Liz ao seu lado. — Nossa! Você aqui no lago, eu estou vendo coisas?
— Oi, Maria. — Lia forçou uma falsidade para soar simpática. — Quanto tempo não nos vemos.
— Sim. Desde o terceiro ano. — Ela concordou ple puxou uma mesa de seu cabelo loiro, colocando-o atrás da orelha e olhando descaradamente para Liz mais uma vez. — Bem, deixa eu apresentar meu noivo, Rafael.
O rapaz moreno e alto se inclinou e apertou nas mãos das duas de forma educada, totalmente alheio à noiva megera. Depois disso, Lia viu-se obrigada a apresentar Liz.
— Essa é a Lisandra — apresentou com um sorriso de contentamento na face. — Minha namorada.
— Muito prazer! — Maria sorriu de forma exagerada e pegou na mão da namorada.
— Igualmente. — Liz, como sempre, esbanjava sua educação e carisma.
No entanto, a irritadinha não gostou nada da forma como ela olhava para a namorada e por instinto, abraçou-a novamente.
— Foi um prazer te rever, Maria. – Lia dispensou sem mais e viu quando a rockeira riu ao seu lado.
— Ah! Igualmente, Lia. — Ela parecia sem graça. — Até mais.
— Até mais.
Ela e o noivo se afastaram dela ao longo da ponte.
— Quem era a sua amiga? – Liz zombou
Lia ignorou totalmente a pergunta da namorada.
— Queria entender esse efeito que você tem nas mulheres — disparou emburrada e Liz apenas riu de sua carranca.
— Ainda está encanando com essas coisas? — A rockeira arrancou um selinho dela. — Já disse que não tenho olhos para as outras.
— Hum!
Para tentar aplacar sua irritação, Liz pegou o violão e começou a tocar músicas para ela. Obviamente que logo elas duas começaram a chamar atenção e foram convidadas a se juntarem com uma turma que estava por ali, fazendo um churrasco. E assim passou-se a tarde animadamente, entre música, churrasco e diversão.
Elas voltaram para a pousada com a energia renovada. Aquele clima tenso de toda a briga com os pais de Lia foi definitivamente esquecido. Aquele era o efeito que Liz causava em sua vida, ela lhe trazia uma leveza que nunca fora capaz de experimentar antes, como se tudo fosse melhor e mais interessante somente com a sua linda e alegre presença.
Elas tomaram um banho juntas e começaram a se amar ainda no chuveiro. Na cama, fizeram amor, matando a saudade do corpo uma da outra, precisava de um orgasmo intenso para relaxar totalmente e esquecer-se de tudo, um orgasmo que somente Liz poderia lhe proporcionar, disso não tinha dúvidas...
***
Na segunda, Lia acordou-se primeiro. Não sabia se deveria voltar para a casa dos pais ou não. O clima estaria pesadíssimo e não queria sair do sonho que se encontrava no momento. Não sabia como eles não haviam ligado e mandado mensagens exigindo sua volta, principalmente a mãe, porém, deixou esses pensamentos de lado quando Liz acordou.
Depois do café-da-manhã, elas resolveram voltar ao lago mais uma vez de tanto que haviam gostado do dia anterior. Naquela manhã estava quase sem ninguém por lá já que era uma segunda feira, apenas alguns poucos jovens estavam a tomar banho e, para variar, de vez em quando eles lançavam olhares curiosos para as duas que nadavam sempre juntas e a trocar carinhos.
Meio dia elas foram almoçar no mesmo restaurante do dia anterior e depois voltaram para o quarto e aproveitaram a tarde para descansarem e assistiram filme até cochilar. Acordaram por volta das três da tarde. Lia checou o seu celular para ver as horas e viu que tinha recebido uma mensagem da mãe.
Por bastante tempo olhou a foto de dona Nádia, sem ter coragem de ler o que ela havia escrito. Depois de respirar profundamente algumas vezes, começou a ler tudo.
Mãe: “Eu jamais iria esperar por algo desse tipo vindo de você. O que é pior foi essa afronta que teve contra nós, saindo de casa e dormindo fora, nos deixando aflitos e preocupados. Imagino o estilo de vida que deve estar levando na cidade com essa menina pela qual você pensa estar apaixonada. Será que não vê o quanto isso é errado, Liana? Você anda fazendo coisas indevidas com outra mulher, quem sabe o que mais deve estar vivendo por aí que a gente não sabe. Agora anda se exibindo pela cidade com ela, todos estão comentando isso por aí. Seu pai e eu estamos totalmente decepcionados com você. Faça o favor de voltar para casa o mais rápido possível, não iremos tolerar essa rebeldia, você nos deve alguma obediência ainda, não esqueça disso.”
O coração de Lia disparou de nervosismo e suas mãos começaram a suar. “Mas como assim todos na cidade estavam sabendo?” sua consciência voltou a pesar em questão de segundos. Com Liz ainda dormindo, resolveu arrumar sua mochila. Era hora de voltar antes que pudesse piorar sua situação com eles, se é que algo poderia ser salvo.
Não foi fácil ler aquelas coisas todas vindo da mãe. O coração de Lia estava, literalmente, em pedaços. Conseguia sentir uma dor incomum comprimir o seu peito e mais uma vez, teve vontade de chorar com o peso que a consumia.
O orgulho que eles tinham foi se quebrando aos poucos dentro de Lia, agora não passava de uma ovelha desgarrada, pelo menos era assim que se sentia. Apesar de ter contado tudo e de tê-los enfrentado na noite passada, no fundo, sabia que eles tinham razão. Era errado, mas o que poderia fazer? Nunca pedira e nem quisera aquilo, apenas lhe aconteceu e nunca tivera forças para lutar contra aqueles sentimentos.
Estava tão absorta em seus pensamentos que não ouviu quando Liz se acordou e caminhou até ela. Foi com alívio que sentiu o abraço quente e acolhedor dela a lhe envolver. Ficou apurando o seu toque carinhoso e os beijinhos que ela distribuiu em seu pescoço. Liz a deixava ainda mais sensível e algumas lágrimas escaparam de seus olhos mais uma vez.
— Calma, linda. Tudo isso vai passar.
— Será? — perguntou duvidosa. — Você não viu a cara deles. E agora isso...
— Isso o quê? — Viu que Liz se preocupou. — O que aconteceu?
— Uma mensagem que minha mãe mandou. — Lia lhe entregou o celular para que ela lesse o conteúdo.
Liz a puxou para a cama e a irritadinha pôs a cabeça sobre o colo da namorada enquanto a mesma lia a mensagem.
— Leu tudo? — Perguntou assim que ela lhe devolveu o celular.
— Sim, eu li. — Liz deitou-se ao seu lado e a abraçou. — Eles ainda estão em choque com a notícia, não vamos nos desesperar tanto.
— Ah, Liz... — Irritou-se. Como ela poderia falar aquilo? As coisas sempre foram mais liberais para ela e com certeza não havia passado por toda essa tensão nunca. — É fácil dizer isso sendo que nunca precisou dar satisfações a ninguém. Tudo sempre foi mais fácil para você.
A rockeira franziu o cenho e calou-se imediatamente. Lia viu o quanto ela ficou séria e calada depois disso. Liz quebrou o abraço e afastou-se.
— O que foi? — Lia estava triste e estressada ao mesmo tempo por tudo o que estava acontecendo.
— Você pode ser bem insensível quando quer. — A namorada respondeu e cruzou os braços, sem olhá-la. — Eu nunca tive escolha na minha condição de órfã, Lia.
“Putz” pensou. Sua impulsividade era sempre um problema. Nunca raciocinava antes de falar quando estava com raiva ou triste. Lia sentia uma vontade de ferir outras pessoas, mesmo que de forma inconsciente e isso era péssimo. Principalmente com Liz, que não merecia ser tratada daquela forma.
Com a consciência pesada, aproximou-se dela e a abraçou. Liz não correspondeu, mas pelo menos não a afastou.
— Desculpe! Eu sou uma pessoa horrível! — declarou entristecida.
— Você não é horrível. É impulsiva. — Liz a olhou ainda magoada. — Só cuidado com as coisas que você fala sem pensar, podem mesmo machucar.
— Eu sei, eu sei. Perdão.
As duas ficaram abraçadas por um longo tempo sem falarem mais nada, apenas com Liz lhe fazendo cafuné. Ali, sentindo as carícias em seu cabelo conseguiu relaxar aos poucos.
— Melhor eu te levar de volta para casa, não acha?
Em silêncio, Lia concordou. Não estava nada segura com aquilo e viu que Liz percebeu.
— Se você quiser eu vou com você e fico lá para conversar com eles. Isso vai ter que acontecer uma hora ou outra. — Ela ofereceu-se prestativa.
Lia arregalou os olhos com medo só de imaginar. Ainda não era o momento deles se conhecerem, não quando seus pais eram tão preconceituosos e intolerantes daquela forma. faria tudo o que estivesse ao seu alcance para poupar Liz das ofensas dos dois, não a queria tão machucada com aquilo.
— Ainda não é uma boa hora para isso acontecer. Deixa eu conversar com eles novamente.
— Eu vou precisar voltar para a cidade. Preciso ver como anda o bar e tudo mais. Me ausentei bastante já.
O coração de Lia pesou com a notícia, mas disfarçou. Não poderia ser uma egoísta fazendo-a ficar à sua espera. No entanto, não poderia negar que era um alivia saber que ela estava por perto caso precisasse.
— Claro, amor. Eu entendo. — Falou de forma espontânea e viu quando os olhos de Liz se suavizaram com o nome carinhoso que a chamara. Ficou sem jeito por alguns instantes.
— Adoro quando você é carinhosa assim comigo. — Liz a abraçou e distribuiu beijinhos por sua face.
— Eu sempre sou carinhosa com você.
Liz fez uma cara duvidosa e pensante.
— Hum, não sei disso não. — A rockeira adorava implicar com ela e acabou caindo no jogo.
— Está negando que sou carinhosa?
— Você é uma irritadinha.
A namorada jogou-se por cima de seu corpo e começou a fazer cócegas em sua barriga. Era extremamente sensível a cócegas e ela sabia disso. Precisou implorar diversas vezes para que ela parasse. Ainda recuperando o fôlego, Lia disse:
— Uma irritadinha apaixonada — declarou-se com um sorriso lindo e bobo na face. — E carinhosa também.
Liz apenas sorriu e a olhou bem nos olhos.
— Não duvida do que eu sinto por você, ok?! — Ela uniu suas testas e beijou-a com carinho. — Aquela era a forma dela dizer “eu te amo”. Sabia disso e entendia que ela não gostava de dizer a frase, pelo menos não ainda.
— Eu não duvido, Liz. Você está sendo incrível.
— Você merece tudo de mim, Liana.
Seu coração acelerava sempre que Liz lhe dizia aquelas coisas. As duas namoraram até a hora de voltar para casa às seis da noite. No carro se despediram com um beijo faminto e um abraço apertado.
— Eu volto para cidade amanhã cedo, ok? Até lá me manda mensagem se precisar de qualquer coisa.
— Obrigada. — Lia agradeceu. Estava sendo sincera. Liz havia sido seu suporte de forma incrível naqueles dias tensos. — Eu vou tentar fazer com que as coisas se acalmem o mais breve possível, ok?
— Não se apresse. Eu só não quero que você brigue e se afaste deles.
— Eu também não quero nada disso, mas não depende só de mim.
— Eu volto no fim de semana. — Liz fez carinho em seus cabelos curtos e lhe deu mais um selinho.
— Vou morrer de saudades até lá.
A dor de dizer tchau para ela era sempre grande e intensa, mesmo sabendo que seria por pouco tempo. Respirando fundo, finalmente tomou coragem de sair do carro e voltar para o seu “lar doce lar”. Assim que chegou, a casa estava um breu, sinal de que eles não haviam chegado ainda. Nem mesmo Pedro estava por ali.
Foi até o quarto deixar a mochila e tomar um banho, depois deitou-se na cama e ficou conversando por mensagem com Cris. Algum tempo depois, ouviu um barulho vindo do térreo e seu coração acelerou. Era melhor anunciar-se de vez em casa.
Desceu pé ante pé na escada, e tentou vislumbrar quem havia chegado. Era a sua mãe. Parou por alguns instantes a fim de conseguir juntar um pouco mais de coragem para enfrentar a fera. Assim que chegou na cozinha dona Nádia estava escorada na geladeira e bebia água. Os olhos perspicazes dela lhe fitaram com rapidez.
— Achou o caminho de casa, senhorita Liana? — A mãe foi caminhando em sua direção. Elas ficaram frente a frente, apenas separadas pelo balcão de mármore que havia no cômodo. O coração de Lia estava disparado. — Muito linda essa sua atitude.
— Por favor, eu não quero discutir. — Tentou aparentar calma, mas só conseguia pensar na mensagem que ela havia lhe mandado. — O que aconteceu?
— Rá! — Ela respondeu irônica e depois continuou de forma cruel e desdenhosa. — Na hora do almoço, Graça veio me perguntar se era verdade que você estava namorando com uma outra menina. Nem preciso dizer que fiquei arrasada com aquilo.
O estômago de Lia revirou. Graça era uma colega de trabalho dela do banco e coincidentemente, era mãe de Maria, a moça que ela havia encontrado com Liz no domingo no lago. “Aquela fofoqueira miserável” pensou irritada. Quis revirar os olhos, mas não iria se importar com isso. Tanto fazia quem havia falado ou não, o fato era que estava com sua namorada e não havia feito nada de errado. Dizia isso a si mesma como um mantra.
— Eu não sei o que andam dizendo por aí — declarou de forma firme. — Mas eu apenas fui nadar no lago ontem com Liz...
— Ah... Liz! — A mãe debochou de sua fala e depois levou a mão à teste em um claro sinal de preocupação. — Você está ficando maluca, Liana? Isso não é coisa que se faça! Desde quando isso está acontecendo?
— Eu não estou louca...
As palavras entalaram em sua garganta junto com um choro. Tinha certeza que era perda de tempo tentar explicar tudo o que sentia. Era óbvio que a mãe estava relutante em aceitar aquilo, mas tentou mesmo assim.
— A gente se conheceu semestre passado, viramos boas amigas, apenas aconteceu. Eu nunca pedi por isso, nunca quis que isso acontecesse. Acha mesmo que eu gostaria de estar em uma situação dessas, sendo julgada pelos meus próprios pais? Eu estou confusa também, acredite! — Desabafou tudo de uma vez, não queria ser interrompida ou desistiria de dizer tudo. — Sei que pode até ser errado, mas então por que eu não sinto que é. Quando eu estou com ela tudo é perfeito...
— Olhe bem o que você está dizendo, Lia. — Dona Nádia disse em tom triste. Elas eram iguais, primeiro explodiam para depois demonstrarem realmente o que estavam sentindo. — Isso é pecado! É errado!
— Se é pecado, então por que Deus me deixou sentir isso? — disparou em desespero e uma lágrima correu. Era horrível sequer pensar em alguém julgando ou duvidando do que ela sentia. — Por que, mãe? E se for mesmo, que seja! Mas eu terei de lidar com isso.
— Nós demos muita liberdade a você. Esse foi o nosso erro... — Ela balançava negativamente a cabeça às palavras da filha. — Eu nunca pude imaginar isso acontecendo um dia. Agora todos na cidade vão ficar comentando que minha filha é...
A irritadinha sentiu-se desfalecer por um momento, mas a mãe parou a frase com uma cara de nojo, aquilo foi o fim para Lia.
— Sou o quê, mãe? — Reivindicou irritada. — Diz.
— Não. Eu me recuso! Você não pode continuar com isso, Lia.
— Eu não fiz nada de errado! — Exasperou-se. — Deixe que falem! Não posso fazer nada. Não me importo com o que as pessoas falam lá fora. O que me importa são vocês aqui em casa.
— Ok, Lia. Você tem razão. Não importa o que falem, isso é verdade. Então se a minha opinião realmente vale, termine com ela. Isso não é vida.
Quanto mais aquilo tudo poderia doer? Já estava doendo o suficiente. Estranhamente não explodiu. As palavras de Liz ecoaram em sua mente. Precisava ser mais paciente que nem ela, precisava fazer isso pelas duas.
— Mãe, por favor! — Implorou baixinho. — Eu não quero me afastar de vocês e nem dela, será que não podem simplesmente aceitar isso? Ela quer conhecer vocês...
— Já chega dessa conversa. — A mãe lhe virou as costas e saiu bufando descrente. — Parou na porta de vidro que levava ao deck e lá parou. Estava uma noite de vento fria e via como os cabelos curtos dela se mexiam. Reparou em como ela os colocou atrás da orelha de forma brusca. Ela estava outa da vida. — Eu não posso mandar na sua vida, mas não sou obrigada a aceitar isso. É a minha palavra final.
— Como assim não vai aceitar? — Lia foi até ela. Não entendia o que a mãe queria dizer com aquilo.
— Eu não tenho mais nada para falar sobre esse assunto — declarou friamente e saiu para o deck, deixando-a sozinha ali.
Sua consciência insistia em pesar. Nunca antes em toda a sua vida, tivera qualquer problema com os pais e aquilo a estava deixando pior do que imaginava. Ouviu o portão de casa abrir ao longe e logo alguém entrar pela porta. Era Pedro. Ele estava suado e usando uma farda de futebol. Os olhos dele se iluminaram assim que viu a irmã.
— O que foi agora? — Ele aproximou-se dela de forma protetora.
— A mãe está impossível — disse sem mais e subiu as escadas apressadamente com Pedro em seu encalço.
— Mana, espera! — Pedro puxou-a delicadamente. — Tem calma. Está tudo muito recente ainda.
— Eu sabia que seria exatamente assim. Isso é uma droga.
— Calma! Vou tomar um banho rápido e venho aqui para gente conversar melhor, ok?
— Ok. — Lia concordou.
Enquanto esperava pelo irmão, trocou mensagens com Liz sobre a conversa com a mãe. Por sorte a namorada sempre tinha o dom de acalmá-la de uma forma inexplicável. Ouviu quando o pai chegou em casa. Conversou por um longo tempo com Pedro e não desceu para jantar, não teria estômago forte o suficiente para encarar o clima instaurado na casa. Quando a casa estava silenciosa, foi comer um sanduíche para matar a fome que sentia.
Os dias se passaram daquela forma. Como se não bastasse o silêncio mortal e esmagador do pai, sua mãe também a ignorava. Falou a semana toda com Liz e Cris por mensagens e telefonemas. Contava os dias para vê-la novamente no sábado, era estranho como sentia tanta falta dela em tão pouco tempo.
A rotina de Lia foi bastante incômoda e tediosa. Já era quase meados de dezembro. Nadava pela manhã na piscina, depois fazia sua refeição com Pedro, leu e assistiu durante toda a tarde, e à noite era ignorada durante a janta. No entanto, manteve-se forte, precisava fazer aquilo pelas duas, no fim valeria à pena e era disso que tentava se convencer a qualquer custo.
No sábado Liz a surpreendeu com uma mensagem às nove da manhã, dizendo que já estava parada em frente à sua casa. Trocou-se rapidamente e desceu para encontrar-se com ela. Ainda grogue viu um outro carro parado atrás do dela e o reconheceu, era o carro de Alberto. Logo Cris pulou fora do veículo para lhe abraçar. Não acreditou quando viu os amigos. Abraçou ela e Alberto.
— Que saudades amiga! — A loira falou animada. — Resolvi fazer uma surpresa.
— Obrigada por vir, Cris. Preciso tanto falar com você.
— Eu imagino como esses dias foram tensos, mas estamos aqui para trazer um pouco de felicidade.
— Deus sabe que estou precisando disso mesmo.
Lia sentiu-se ser puxada por trás de forma carinhosa e logo em seguida, sentiu a boca de Liz beijando-a na nuca. Virou-se para abraça-la com saudades. Era sempre revigorante sentir o cheiro dela e a quentura de seu corpo.
— Sentiu saudades? — Perguntou sapeca e lhe roubou um selinho.
— Sempre sinto. Vocês me fizeram uma bela surpresa.
Liz abriu aquele largo sorriso sapeca. Vivi apareceu por trás dela. Na surpresa, nem havia visto a morena.
— Vivi! — Exclamou feliz e correu para abraça-la. Precisava ir avisar a Pedro já que ela também havia vindo. — Que bom que você também veio.
— Vamos agitar as coisas por aqui. Você pode sair agora? Estava pensando de a gente ir até o lago agora. Que tal?
Lia estava mais do que feliz em sair de casa e fazer alguma coisa de diferente. Só esperava que os pais não colocassem empecilhos naquele momento. Voltou para casa enquanto os amigos lhe esperavam lá fora. Sua mãe lia algo em um tablet, no sofá da sala, escorada no peito do pai que mexia no celular. Apesar de tudo que estava acontecendo, tinha que admitir que a relação dos dois era incrível mesmo depois de tantos anos.
Limpou a garganta para anunciar a sua presença e os dois a olharam.
— Liz está aí e trouxe alguns amigos. Vamos até o lago agora, ok?
— Que amigos? — O pai perguntou desconfiado e sério.
— A Cris que divide o apartamento comigo e o namorado dela e uma outra amiga da Liz, Vivi. Pedro conheceu todos no dia do meu aniversário.
— Vai se exibir novamente para que todos vejam vocês duas por aqui?
— Mãe, por favor! Eu não estou fazendo nada escondido de vocês. Não é nada demais, só vamos nos divertir um pouco. Pedro também vai.
— O mais engraçado é que você nunca gostou desse lago. — Horácio falou reflexivo. — Sempre que íamos com a família você queria ficar em casa com seus livros, mas com essa garota você vai para qualquer lugar.
Aquilo foi como um tapa na cara de Lia. Não acreditava que ele estava passando aquilo na sua cara e o pior é que tinha razão, ela mesma havia reparado nisso, mas não sabia explicar o que havia mudado dentro de si.
— Eu mudei, pai. — Não sabia exatamente o que dizer.
— Até demais! — Nádia falou e olhou-a azeda. — Pode ir, mas vai voltar cedo e dormir em casa.
Ok! Não foi tão ruim quanto imaginava. Pensava que eles iriam querer impedi-la de sair de casa. Poderia seguir aquelas regras de boas, não iria testar a paciência dos dois.
Saiu à procura de Pedro e encontrou-o no quarto. Comunicou que Vivi estava lá fora à sua espera para irem ao lago e os olhos dele se iluminaram de uma forma linda e fofa. Felizes os dois irmãos logo arrumaram suas coisas e saíram alegremente, mas antes os pais os chamaram.
— Voltem para casa cedo. — O pai comunicou mais uma vez. — E cuidado com o que fazem por aí.
— Não se preocupem. — Pedro falou e abraçou a irmã. — A gente se cuida.
Apressados eles saíram porta à fora. Foi engraçado ver a reação dos dois quando se viram ao primeiro instante. Vivi estava escorada no carro e sorria à espera de uma atitude, enquanto o irmão parecia tímido até que ela foi até ele e os dois se abraçaram carinhosamente.
Liz bateu palmas e foi acompanhada por todos. Ela gostava mesmo de brincar com todo mundo. Felizes, seguiram até o lago que ainda não tinha quase ninguém devido o horário. Assim que eles se instalaram lá, foram até a ponte e pularam todos juntos na água. Logo o sentimento de peso foi saindo de Lia, estar com a namorada e os amigos daquela forma era muito bom.
Alberto colocou música, não muito alta, para tocar em seu carro e ficaram se divertindo por muito tempo ali, como sempre faziam na cidade. Em pouco tempo, Pedro e Vivi se afastaram de todos e começaram a se beijar, eles combinavam muito juntos, Lia aprovava aquele casal.
Cris e Alberto também se afastaram, tirando fotos de casalzinho na ponte, isso deu privacidade para que as duas conversassem um pouco à sós.
— Queria falar algo com você. — Liz declarou enquanto elas estavam abraçadas dentro d’água.
— O que foi? — Preocupou-se. Sempre estava à espera de alguma má notícia.
— Geralmente você passa o ano novo onde?
— Com meus pais na casa dos meus avós, a família quase toda se junta lá, por quê?
— Tenho um convite para te fazer. — Liz falou incerta, viu como ela estava insegura.
— Que convite? — Estava curiosa.
— Tia Luísa está insistindo para que a gente passe a virada do ano no condomínio com ela. Disse que precisa ter uma conversa séria comigo e com o meu tio, que quer aproveitar o momento.
— Aconteceu alguma coisa depois daquele dia? — Lia percebeu o tom preocupado na voz dela ao falar.
— As coisas estão mais puxadas para o lado dela. É muita responsabilidade. Eu não sei bem ao certo, ela não quis falar por telefone, quer me explicar pessoalmente.
— Entendo! — Respondeu pensativa.
A cabeça de Lia já estava funcionando aceleradamente. Seus pais iriam pirar quando ela dissesse que passaria o ano novo com Liz. Conseguia ver uma barra vindo por aí. No entanto, como negar aquele convite?
— Ela disse que fazia questão que eu te levasse — insistiu um pouco mais ao vê-la incerta. — Você terá problemas com os seus pais se vier comigo?
— Eu ainda não sei. Nunca passei uma virada de ano longe dos dois. Não sei mesmo como vou conseguir isso.
— Eu vou entender se eles não deixarem, mas vou precisar ir, ela disse que o assunto é urgente e como seus pais não vão me querer por perto de você talvez eu vá.
— Não quero passar esse momento sem você. — Lia colou a testa à dela. — Será o nosso primeiro réveillon, juntas.
— Eu sei, mas não quero causar mais problemas ainda entre vocês.
— Isso é entre eu e eles, mas farei de tudo para ir. Nem pensar que vou deixar você passar uma virada de ano sozinha — declarou com firmeza e a beijou com vontade.
Por mais difícil que fosse, teria que fazer o sacrifício. Havia acostumado os pais muito mal com aquela sua rotina tão quieta e parada. Claro que o principal motiva da implicância deles era o fato de Liz ser uma mulher, mas acima de qualquer coisa, o pior de tudo fora o costume que havia colocado nos dois.
Mas não iria se deixar intimidar. Sentia que poderia fazer tudo, contanto que Liz estivesse ao seu lado e nisso conseguia sentir o quanto estavam conectadas e mais unidas do que nunca...
Fim do capítulo
N/A: Olá povo, para quem estiver acordado por aí. Demorei, mas cheguei. Rsrsrs
Olha, quanto a essa foto que eu fiz aí deles, sim, eu mudei a foto da Cris, sim. Algumas leitoras tinham dificuldade em conectar a outra à Cris e acabei concordando com elas. Rsrsrs. Sorry!
Espero mesmo que gostem de mais esse. Podem achar um tanto quanto arrastado, mas tudo que escrevo é pensando no bom desenvolvimento de tudo.
Beijinhos!
Comentar este capítulo:
Anny Grazielly
Em: 18/12/2019
Adoreiiiii.... lindo o capítulo... que mesmo com as dificuldades, elas possam ficar sempre juntas... Mas ja vejo um problema para Liz seguir com Lis nesse intercâmbio... acho que a tia dela ta doente e ela vai pedir para Liz voltar as empresas da família... eitaaaaaa que ja estou sofrendo... Autora, so nao separa elas... pleaseeeeeee
Resposta do autor:
Olá Anny
Fico muito feliz que tenha gostado do capítulo, esses últimos estão sendo um tanto quanto difíceis de desenvolver.
Olha, esse intercâmbio ainda vai dar muito o que falar, por isso estou escrevendo esses próximos de forma cuidadosa, para não deixar passar nada.
Olha, o próximo capítulo será o ano novo e a partir daí as coisas vão começar a acontecer para valer. Será tudo muito tenso, mas não tema, essas duas se amam demais.
Desculpe mesmo pela demora em te responder, sei que tenho andado bem ausente daqui, mas prometo que estou voltando logo logo com o capítulo 33.
Beijinhos.
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