Capitulo 5 - Trabalho de Parto
Heloísa e Duda caminhavam pelo supermercado. O parto, que seria uma cesariana, seria realizado no dia seguinte em uma pequena clínica da cidade.
Eu não entendia aquele casal.
Michel ganhava muito bem, Helô não ficava para trás, mas eles pareciam afoitos a passarem despercebidos, seja usando carros populares, seja consultando com médicos nada famosos.
Estávamos há meia-hora na fileira de mercadorias para bebês, eu e ela discutindo sobre fraudas e eu estava perdendo, pois Helô já lera todos os livros sobre o assunto.
Eu nem sabia que havia tantos livros sobre o assunto até ver a nova ala da biblioteca do casal semanas depois da notícia da gravidez.
Apoiada no carrinho, enquanto Helô me explicava algo sobre o perigo das fraudas desproporcionais ao tamanho do bebê, surge outro carrinho que para de frente a nós.
Era Giselle.
_ Vejo que está muito animada ouvindo o depoimento engajado de Heloísa.
Ela está linda. A lembrança que possuía dela era sempre cheia de fumaça e sombras. E nunca confessaria nem para o espelho que só pensava em quando a veria novamente.
_ Puxe seu carrinho para perto e junte-se a mim, Helô está determinada a me convencer sobre algo muito importante a respeito das fraudas infantis.
Giselle sorri para mim enquanto pega algo na prateleira, uma caixa de cotonetes.
_ O que vão fazer após saírem daqui?
Nesse momento sinto o olhar de Helô voar em minha direção. Ela está possessa, mas quando olhou de volta para a loira, foi com mansidão (ou resignação) que disse que iríamos comer algo por ali.
_ Conheço uma lanchonete próxima daqui muito boa. _ eu disse, provocando a já irada Helô.
Empurrei o carrinho com pressa em direção ao caixa e as deixei para trás, com medo de que algo fosse arremessado em minha direção a qualquer momento.
Fui dirigindo o carro de Helô e ela parecia prestes a me bater.
_ Você tinha que ter dado alguma desculpa.
_ Que tipo de desculpa?
_ Que sua mãe estava te esperando em casa, que você tinha que trabalhar em um novo projeto, que você estava com dor de barriga, sei lá, inventasse algo, você é sempre tão boa com essas coisas.
_ Primeiro, minha mãe morreu e se você quer que eu chame um cemitério de lar, está ficando louca e concordo com o Michel sobre te mandar para um SPA. Segundo, jornalistas não têm projetos, têm matérias e por último, não tenho dor de barriga há tempos, graças a sua chatice em alimentar a todos ao seu redor com aquelas comidas orientais estranhas.
Helô não sorri para mim, pelo contrário, olha para o retrovisor e avista o carro de Giselle muito próximo do nosso.
_ Ela parece um cão de guarda. Parece prestes a nos morder a qualquer momento.
_ Você dizia o mesmo de Michel e você parece ter gostado das mordidas dele. _ digo olhando para a barriga dela.
Heloísa fica séria, como se algo de repente se fizesse entender dentro de sua cabeça.
Encosto o carro e desço. Abro a porta para Helô, que agradece um pouco mais calma, mas com uma ruguinha de preocupação na testa.
Esperamos Giselle descer do carro dela e entramos juntas na lanchonete.
_ Oh minha doce, Duda. Pensei em você quase agora. Adivinhe o que Selma fez hoje?
Um homem gordo e grande parecia muito feliz em me ver. Era Alberto. Ele me abraça me apertando forte.
_ Alberto, que bom vê-lo e não me diga que ela fez...
_ Sim, ela fez.
Olhamos um para o outro e percebo que nem Helô nem Giselle entenderam nada. Olho para elas e digo sussurrando:
_ Ela fez!
Arregalo os olhos e me sento na primeira mesa que vejo. Elas me acompanham curiosas e se sentam também.
Fico em silêncio. Elas me olham esperando que eu diga algo. Minutos depois, Helo perde a paciência e me pergunta:
_ Que diabos essa dona fez, afinal?
Giselle, que parecia se distrair olhando o cardápio, me olha também apreensiva:
_ Torta de limão com flocos, uma receita minha e de dona Selma, criamos há quase dois meses e deu muito, muito certo.
Elas olham uma para a cara da outra e riem de mim.
_ Você, Eduarda Santos, a pessoa mais desastrosa na cozinha que conheço, criou algo, e algo bom?
Helô ria sem parar da minha cara, Giselle olhava de mim para Helô e de Helô para Dona Selma que trazia um enorme tabuleiro sobre as mãos enrugadas.
_ Pois criei sim, e ficou muito bom se quer saber.
_ Para falar a verdade, veio dela a idéia, como um desafio, após eu dizer que poderia fazer qualquer prato na cozinha. Como resposta, nasceu isso daqui. _ Dona Selma, coloca o tabuleiro sobre a mesa e Helô para de rir para procurar um prato para se servir.
_ Parece estar muito bom isso aqui!
Eu e Giselle observávamos atônitas, enquanto Heloísa se servia pela quarta vez. Eu pedia arrego no segundo prato e sentia que Helô iria mesmo explodir se continuasse a comer daquele jeito.
Giselle olhava para mim e algumas vezes eu notava que ela parecia perdida em seus pensamentos. Me levantei para ir ao banheiro e quando voltei, o olhar de Helô sobre mim denunciava o que estava prestes a acontecer.
A última vez que ela me olhou daquele jeito eu tinha cerca de doze anos e ela havia acabado de quebrar os dois braços ao cair de uma árvore, que fingíamos sermos donas.
Corri até ela e Giselle parecia saber exatamente o que fazer.
_ Conte o intervalo das contrações. Eu vou encostar o carro e você vai levá-la devagar até a porta. Eu já volto.
Eu não sabia o que fazer, mas segui as ordens da loira linda. Alberto a levou até a porta, Dona Selma sorriu enquanto contava sobre como quase tivera um filho dentro do carro do seu cunhado.
Helô me olhava com pânico, tinha pavor de sentir dor e eu imaginava que ela estava sofrendo muito agora. Em menos de um minuto, Giselle encostou o carro e nós entramos. Usou meu telefone para ligar para Michel enquanto eu contava os intervalos das contrações e era unhada por uma Heloísa transtornada, que xingava a mim e a todos os seres vivos da Terra.
Giselle dirigia muito bem e corria pela perigosa avenida do centro da cidade. Chegamos ao hospital dez minutos depois, e Heloísa estava descabelada e vermelha.
Uma maca não demorou a se aproximar e a tirá-la do carro. Corri para acompanhar a equipe de enfermeiros que a levava para o bloco cirúrgico segurando a mão dela. Giselle vinha logo atrás.
_ Não me deixe, amiga, não me deixe! _ Helô gritava e todos olhavam para nós.
_ Eu vou te esperar, não vou sair daqui, fique tranqüila.
_ O Michel, eu quero o Michel! _ ela gritou o nome dele.
_ Ele já está a caminho. Lembre-se, sua vida vai ficar mais bela daqui a poucos minutos, tudo vai ficar bem.
Helô parecia sorrir para mim apesar da careta de dor que fazia desde a lanchonete.
Eles me impediram de seguir, entraram numa sala logo no final do corredor e eu fiquei parada, estática, sem saber o que fazer.
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Giselle chegou segundos depois e me abraçou.
_ Tudo vai ficar bem, acalme-se agora. Você foi brilhante!
Ali, de tão perto, eu pude sentir o cheiro dela, um cheiro delicioso que parecia fazer parte dela. Suas roupas de marca cara contrastavam com as minhas simples e baratas. Há tempos não me sentia tão protegida quanto agora com aquele abraço. Ela também parecia sentir algo e logo me soltou.
Ainda enxugando as lágrimas que teimavam em descer sobre meu rosto, sorri dizendo:
_ Aonde você aprendeu a dirigir daquela forma?
Ela parecia satisfeita que eu estivesse mais forte agora e respondeu:
_ Meu pai era mecânico e eu era seu piloto de teste apesar de ele não saber disso.
Rimos enquanto nos sentamos próximos a sala em que Helo estava. Minutos depois surge um Michel suado, correndo pelo corredor com os cabelos vermelhos esvoaçados.
_ Onde está Helo? Onde está?
Giselle se levanta e o abraça.
_ Ela está bem, já entrou para a sala de cirurgia. Vai dar tudo certo, fique tranqüilo.
Michel a soltou e depois me abraçou e ainda ofegante se sentou entre nós duas. Contávamos os minutos para conhecer Gabriel.
O parto transcorrera normalmente. Helô dali a um dia teria alta e todos que estavam na sala de visitas do hospital aguardavam sua vez de entrar no quarto. A essa hora o local já estava cheio de parentes de Helô e Michel avisara que sua mãe e sua irmã chegariam no dia seguinte vindas de seu país natal.
Na hora de entrar, tanto Duda quanto Giselle entraram juntas.
_ Ora, ora, se não é o menino mais lindo que eu já vi?_ eu disse sorrindo olhando o pequeno menino no berço ao lado da cama de Helô.
Giselle parecia assustada e olhava o tempo todo para os lados. Cumprimentou Helô com um aperto de mão enquanto Duda quase a sufocou num abraço.
Helô olhava de Giselle para Duda e de Duda para Giselle meio que pensativa. Tentando lhe adivinhar os pensamentos, Giselle lhe disse baixo enquanto Duda conversava na língua dos bebês com Gabriel no outro lado do quarto.
_ Eu sei o que se passa na sua cabeça e você sabe que isso é improvável e muito perigoso para mim e para ela. _ Giselle disse parecendo traduzir os pensamentos de Helô.
Apesar de se assustar em ter seus pensamentos revelados, Helô não se deixou abater:
_ Realmente, ela é muito para você. Você pode ser muito bonita, ser muito boa no que faz, mas Duda é para alguém que realmente lhe daria tudo o que precisasse e que visse nela algo além de um passatempo.
Giselle sorriu, mas sorriu mais para si do que para Helô. O clima entre ela e a jornalista era evidente e Giselle sabia que dificilmente conseguiria escapar do que estava sentindo, apesar de muitas vezes ter desprezado esse pedaço inútil chamado coração.
Com dificuldades e só porque era a hora do banho, conseguiram arrancar Gabriel dos braços da madrinha chata.
Com um sorriso bobo no rosto, ela acompanhou a mais calada do que nunca, Giselle, pelo corredor do hospital.
_ Você não gosta muito de gente, certo?
Duda perguntou olhando dentro dos olhos fugidios da mulher.
_ Prefiro os animais. São mais dóceis, carinhosos e leais.
Duda concordou com a cabeça. Chegaram à portaria do hospital e Duda caminhou para pegar um taxi.
Apesar de seu lado racional estar trabalhando a horas para que ela não fizesse essa pergunta, Giselle viu o lado emocional vencer facilmente tal batalha:
_ Venha comigo, eu te deixo em casa. Já é de praxe mesmo!
Apesar da ironia, Duda aceitou a carona. Sua cabeça dizia não, mas seu corpo ficava estranho quando estava perto daquela mulher. Logo ela, que havia prometido não se apaixonar mais nunca por ninguém, se via ali, ao lado daquela mulher linda com o corpo arrepiado.
“Deve ser a beleza dela, todo esse jeito de sorrir e esses olhos azuis, sei lá”.
Duda tentava se convencer de que tudo não passava de uma simples atração, nada além.
Fim do capítulo
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