Diálogo com os Espíritos -- Capítulo 41  

Cléo ficou assistindo um filme até às três da manhã, a história ficava cada vez melhor. Mas, cansado, acabou dormindo com a TV ligada. Quando acordou, levou um susto. Alicia encontrava-se sentada na beirada de sua cama.   

-- Desde quando você está aí? -- perguntou, bocejando.  

-- Alguns minutos -- respondeu, ajeitando a gola da blusa -- Ainda tá com sono?   

-- Não! Estou só economizando energia -- Cléo a observava atentamente enquanto Alicia calçava os sapatos. Ela usava uma calça jeans bem justa, uma blusa branca e um blazer caqui -- Você podia ter me acordado.  

-- Não quis interromper seu sono.  

Ele a olhou de esguelha, desconfiado.  

-- O que está fazendo aqui?  

-- Vim convencê-lo a mudar de ideia -- em seus olhos verdes havia um brilho desafiador -- Estava curiosa para saber porque recusou ir comigo a Niterói.  

Nervoso, Cléo se sentou na cama.  

-- Não sei, estou meio desconfiado. Sinto um pressentimento muito ruim.  

Alicia se aprumou e seus olhos perderam o brilho.  

-- Eu acredito em você -- Alicia o fitou por alguns instantes. Depois, levantou-se e encolheu os ombros -- Deve estar acontecendo algo muito grave com a menina.   

Cléo também se ergueu e olhou-a.   

-- Você também está tendo maus pressentimentos?  

-- Thais, enquanto encarnada, foi maravilhosa. Não era à toa que todos gostavam dela, pois além de bondosa ela era uma guerreira -- Alicia franziu a testa ao olhar para o amigo -- Tenho que descobrir o verdadeiro motivo de seu Espírito estar tão aflito.   

-- Se o espírito não faz a passagem, se torna maligno.   

-- Eu sei -- Alicia suspirou, erguendo o queixo e olhando séria para ele -- E para que isso não aconteça, preciso me encontrar com o Jean e pedir para ver a Milena. Depois de ter certeza que a menina está bem, vamos ao Centro Espirita pedir ajuda para o médium Juarez. Ele saberá como guia-la para a luz.   

Cléo se levantou de súbito.  

-- Tá certo, eu vou com você -- ele suspirou, ávido -- Que se dane os meus pressentimentos.  

Alicia sorriu, revelando covinhas encantadoras.  

-- Obrigada Cléo, mas mudei de ideia.   

O rapaz a olhou surpreso.  

-- Como assim? -- perguntou franzindo o cenho -- Até a pouco você estava tentando me convencer à ir.  

-- Eu sei, mas tenho uma outra missão para você.  

-- Hum?! Uma missão?  

-- É -- Alicia saiu andando até a porta -- Você vai até a delegacia conversar com o delegado responsável pela investigação do acidente com a Thais. Quero saber de tudo, principalmente do celular que está desaparecido. Aquele aparelho pode ser a chave de tudo -- explicou ela - Nele deve ter alguma conversa entre ela e o Jean ou, com outra pessoa.Talvez.  

-- Se prefere assim.  

-- Prefiro -- dito isso, ela deu a volta e saiu do quarto com Cléo ao seu encalço.  

-- E a Fernanda?  

-- O que tem a Fernanda?  

-- Não devemos nos preocupar?  

Alicia piscou algumas vezes, mas finalmente sorriu.  

-- Já está mais do que na hora da Fernanda saber lidar com a família. Mostramos a verdadeira face deles agora cabe a ela não se deixar enganar novamente.   

Cléo concordou, acenando com a cabeça, os olhos observando Alicia abrir a porta e sair.  

Fernanda parou à porta do Bar e Restaurante Urca, incerta se devia seguir em frente ou virar-se e voltar para casa. Não que estivesse com medo. Mas, não conseguia esquecer as barbaridades ditas pelos pais no dia do casamento.  

Localizado na frente da mureta da Urca, o Bar e Restaurante Urca é um lugar bem interessante do Rio. São dois andares: no de baixo, funciona o bar, onde as pessoas fazem seus pedidos e se sentam num muro à beira da praia para conversar e beber. E o renomado restaurante funciona em cima, que é pequeno, mas a vista é maravilhosa!  

Com vários títulos, o lugar serve principalmente pratos com peixes e frutos do mar. O local é bem turístico e se tornou um point na cidade. Pegar uma cerveja e sentar-se na mureta da Urca virou uma atração do Rio de Janeiro. 

Olhando para o relógio, Fernanda meneou a cabeça num gesto de preocupação, o pai estava atrasado. 

O garçom aproximou-se dela, as sobrancelhas arqueadas.  

-- Bom dia, senhora! Deseja ficar no bar ou no restaurante?  

-- Bom dia! -- disse sorrindo para o rapaz -- Vou ficar no bar -- Fernanda endireitou os ombros e entrou com cabeça erguida, seguindo o garçom até o bar.   

Fernanda escolheu uma mesa próxima a janela e se acomodou. Colocou a bolsa na cadeira vazia ao seu lado e olhou ao redor. Nunca estivera lá antes, mas conhecia a reputação do local. Alicia não se cansava de elogiar.  

-- Deseja fazer o pedido?  

Estava tão perdida em seus pensamentos que se assustou com a pergunta.   

-- Ah! Por enquanto apenas uma água mineral. Obrigada.  

O garçom assentiu e afastou-se.   

Fernanda esfregava as mãos ansiosamente. Será que o pai mudou de ideia? A mãe descobriu? Ou...  

-- Bom dia, Nanda! -- a voz grave do pai a fez estremecer.  

-- Bom dia, papai!  

Alicia estacionou o carro no pátio diante do sobrado, perto de um banco de madeira e puxou o freio de mão. Suas mãos suavam quando as tirou do volante. Estava apreensiva, Jean a odiava e desprezava de tal forma que sempre arranjava meios de agredi-la.  

Puxando o ar com vigor, abriu a porta do carro e saiu para o calor das dez horas da manhã.   

Caminhando lentamente pelo comprido corredor de lajotas, Alicia observava o jardim com flores mortas. Aquele lugar era prova de que tudo que é lindo um dia pode morrer.  

Subiu os degraus que dava para a varanda, parou, respirou fundo, levantou a mão e bateu à porta. Esperou. Ninguém veio abrir. Quem sabe tivesse sido delicada demais. Fechou a mão e deu um soco tão forte que a sua mão chegou a doer.  

-- Ai, droga! Que dor! -- nada ainda --Talvez, não estejam em casa. Não tem jeito, melhor ir embora -- murmurou para si enquanto descia os degraus -- Vamos, Alicia. Deixe de ser covarde e acabe logo com isso -- resmungou.  

Deu a volta na casa e escolheu outra porta. E, mais uma vez, seu chamado foi inútil. Então, procurou uma janela. Esperou um pouco e bateu novamente, com força. Não houve resposta. Confusa, parou para analisar a situação. Havia chegado até ali agora não havia como escapar. Tinha que entrar naquela casa de qualquer maneira.   

Mais uma vez, preparou-se para o ritual. Porém dessa vez seria mais ousada. Escolheu uma pedra no chão, suspirou fundo, ergueu o braço e bateu com força no vidro. Porém, seus dedos bateram na moldura de ferro da janela e uma dor aguda percorreu sua mão, o braço, os músculos todos. Numa tentativa tola de se livrar do sofrimento sem gritar, sapateou na brita, espremendo o dedo entre as pernas.  

-- Ai, meu Deus! Que dor! Ai, ai...  

Barulho de passos na brita a fez se virar, assustada. 

-- O que faz aqui? 

A voz forte e ameaçadora fez Alicia estremecer. 

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Fim do capítulo