Capitulo 40
Diálogo com os Espíritos -- Capítulo 40
Alicia entrou no apartamento e varreu seu olhar ao redor da sala.
-- Lar doce lar!
-- Eu quem diga -- resmungou Fernanda -- Meu último dia de afastamento do trabalho foi cansativo demais.
Cléo passou por elas e imediatamente se jogou no sofá.
-- Duas bananas, isso que vocês são. Cansadinhas com uma caminhadazinha de nada.
-- Caminhadazinha? -- Alicia sentia vontade de socá-lo -- Ficamos horas caminhando por aquelas trilhas com subidas e descidas sem fim.
-- Isso se chama entrar em contato com a natureza, docteur -- disse o rapaz, jogando os tênis pra longe. Ele pôs os pés em cima do sofá alongando o corpo.
Alicia parou próximo a ele, olhando fixamente o rapaz estirado no sofá.
-- Você está na minha esquerda. Não tem vergonha não? Usar o meu pai para conseguir as coisas?
-- Papai é um homem de coração nobre -- Cléo afirmou, virando-se para o outro lado -- Não sei por quem você puxou, pois, sua mãe também é um doce.
Alicia balançou a cabeça, pegou a mala no chão e foi para o quarto.
-- Abusado! -- ela resmungou -- Acho melhor irmos dormir -- disse Alicia.
Fernanda pegou a bolsa e ajeitou sobre o ombro.
-- Você não tem jeito, Cléo -- disse ela, dando uma risada.
Alicia levou a bagagem de ambas para o quarto. Fernanda se juntou a ela, desfez a mala e depois pegou a camisola.
-- Vou tomar banho, amor -- avisou enquanto atravessava o quarto e reunia tudo que precisava.
-- Claro -- Alicia se sentou para tirar os tênis -- Já decidiu o que vai fazer?
Fernanda voltou da porta do banheiro e sentou-se ao lado dela na beirada da cama.
-- Pensei bastante -- disse ela, apoiando o cotovelo na perna.
-- E? -- Alicia perguntou, se virando para ela.
-- Decidi procurar o meu pai -- ela sentia um frio na espinha só de dizer isso. Ao recordar as palavras ditas pela mãe, ainda se sentia humilhada.
Alicia sorriu.
-- Que bom que tomou essa decisão.
-- Eu sei que corro o risco de ser enxotada a ponta pé, mesmo assim vou conversar com ele -- Fernanda disse a si mesma que tomara a decisão acertada. Pelo pai, sem dúvida. Com a mãe ainda estava muito magoada.
Alicia inclinou-se, colocando as mãos em seus ombros e a beijou intensamente por longo tempo.
Fernanda se sentou em seu colo e colocou seus braços em volta do pescoço dela.
-- Vou ligar para ele e marcar um encontro longe da minha mãe.
Alicia acariciou o rosto dela enquanto encarava os olhos castanhos cheios de dúvidas.
-- É o melhor a fazer. Sua mãe parece ser uma pessoa bem difícil de se lidar.
Fernanda balançou a cabeça concordando.
-- Ela é intolerante, bruta e fria.
-- Seja cautelosa ao falar com o seu pai sobre a doença, talvez ele nem saiba da real gravidade.
-- Sim, terei muito cuidado para não o assustar.
-- Sabe que se precisar é só me chamar. Eu largo tudo e vou ao seu encontro.
-- Eu sei - Fernanda sorriu -- Muito obrigada, Alicia -- agradecida ela beijou-a no rosto e se levantou -- Vou tomar banho.
Alicia ficou observando-a pegar a camisola que estava sobre a cama e entrar no banheiro. Seja lá qual for o motivo, as brigas de família sempre geram angústia e tristeza.
Era tarde quando saiu do banho e parou diante da cama, indecisa sobre que lado deveria escolher.
-- Isso não importa -- riu do seu próprio pensamento, entrou rapidamente debaixo dos lençóis e se cobriu até o queixo.
Ouviu Alicia entrar no quarto e se deitar ao seu lado. A respiração quente dela roçava suavemente em seus cabelos, e Fernanda podia sentir as batidas fortes do coração dela contra suas costas.
-- Boa noite amor -- sussurrou, Alicia.
-- Boa noite, amor -- respondeu Fernanda com voz mole. A sensação era tão gostosa que suas pálpebras se fecharam e ela embarcou de imediato num sono profundo.
Quando acordou, a luz da manhã se infiltrava no quarto. Virando-se e vendo que a cama estava vazia, Alicia pegou seu celular para checar a hora.
-- Desse jeito vou ser demitida do hospital -- pulou da cama e foi até o banheiro.
Não havia sinal de Fernanda, então, rapidamente selecionou as roupas que vestiria para ir trabalhar e colocou sobre a cama.
Não é sobre tudo que o seu dinheiro é capaz de comprar
E sim sobre cada momento, sorriso a se compartilhar
Também não é sobre correr contra o tempo pra ter sempre mais
Porque quando menos se espera a vida já ficou pra trás...
Alicia levantou a cabeça, assustada, com o rosto muito pálido. Sentiu que havia uma espécie de 'déjà-vu' ocorrendo em sua vida naquele momento. Decidiu que repetiria a cena apenas por curiosidade.
Foi até a cozinha, mas não entrou. Se encostou no batente da porta e ficou admirando Fernanda cantar enquanto preparava a mesa para o café.
Segura teu filho no colo
Sorria e abrace teus pais enquanto estão aqui
Que a vida é trem-bala, parceiro
E a gente é só passageiro prestes a partir
Laiá, laiá, laiá, laiá, laiá
Laiá, laiá, laiá, laiá, laiá
Como fez com Thais, Alicia bateu palmas entusiasmadas quando ela terminou.
Fernanda se virou assustada.
-- Ah, amor! Que sustou -- Fernanda abriu os braços e recostou-se no balcão da cozinha -- O show não é grátis não. Em troca, quero o meu beijo -- ela sorriu.
De repente, Alicia ficou séria e intrigada.
-- Bom dia, meu amor -- aproximando-se, Alicia se inclinou, beijou sua boca e continuou a repetir o mesmo dialogo que teve com Thais no passado -- Adoro essa música, mas por que você nunca muda o repertório, amor? -- Alicia perguntou, muito curiosa pela resposta.
-- De jeito algum! -- respondeu sorrindo -- Essa música me faz lembrar de viver cada dia como se fosse o último.
Alicia não tinha mais dúvida. O Espirito de Thais estava exercendo uma forte influência sobre Fernanda.
-- É você Thais? -- havia hesitação em sua voz -- O que eu prometi a você, cumprirei. Não precisa usar suas artimanhas comigo para pressionar.
-- Por que está dizendo isso, meu amor? -- abrindo a geladeira, ela tirou uma jarra com suco de laranja, encheu um copo e entregou a Alicia -- Não esqueceu que amanhã vou até Niterói. Não é mesmo?
Alicia se aproximou dela, preocupada.
-- Você não vai, quem vai sou eu! -- disse com firmeza, o coração batendo aceleradamente no peito, enquanto encarava o rosto de Fernanda -- Eu vou à Niterói. Ouviu? -- Alicia a sacudiu pelo ombro sem nenhuma delicadeza -- Deixe Fernanda em paz, pelo amor de Deus! -- as palavras morreram nos lábios de Alicia e deixaram apenas a súplica muda dos olhos.
As palavras de Alicia ressoavam na cabeça de Fernanda. Ela esforçou-se para voltar à realidade. Piscou os olhos várias vezes, focalizando o rosto de Alicia.
-- Alicia?
-- Você está bem? -- ela quis saber, preocupada.
Fernanda se apoiou na médica, tirando o cabelo do rosto. Seus olhos castanhos dourados ainda pareciam confusos.
-- O que aconteceu? Por que estava me sacudindo?
-- Desculpa. Não quis ser grosseira -- Alicia deu um meio sorriso, inclinou a cabeça e beijou-a na curva do pescoço -- Vamos tomar café e ir trabalhar -- Alicia tocou os cabelos compridos de Fernanda e passou os dedos sobre o pescoço delicado -- Estamos muito preguiçosas.
Fernanda olhou desconfiada para a mulher de olhos verdes à sua frente. Alicia estava omitindo fatos para tranquilizá-la. Sabia disso.
No Hospital, Alicia passou a manhã inteira fugindo de Natália. Porém, quase no final do plantão elas se encontraram no corredor do setor de ortopedia.
-- Até que enfim! Pensei que não voltaria mais ao hospital -- Natália comentou com uma certa ironia.
-- Até que pensei nisso -- Alicia sorriu, de repente -- Posso te perguntar uma coisa? Ela inclinou a cabeça.
Natália a encarou curiosa. Fez um gesto com a mão e esperou a pergunta.
-- O que você sente por mim? Seja sincera, Natália.
A cardiologista ergueu o queixo. Deixou os braços caírem nos flancos do corpo, fechou as mãos e deu um passo à frente.
-- Você sabe muito bem o que eu sinto por você, Alicia. Não se faça de desentendida.
-- Não, não sei. Por favor, me diga.
Natália suspirou fundo.
-- Eu te amo, Alicia. Sempre te amei. Você é o grande amor da minha vida.
Alicia passou a mão pelo cabelo, impaciente e irritada com a insistência.
-- Nem sempre conseguimos ficar com o amor de nossa vida, Natália. Por inúmeros motivos. Às vezes você quer uma casinha no campo com três filhos e a sua parceira quer uma vida profissional agitada na cidade. Às vezes você tem um mundão inteiro para explorar e ela tem medo de sair de seu próprio quintal. Às vezes você tem sonhos maiores que os de seu amor. Às vezes a coisa mais generosa e amorosa que você pode fazer é deixar seu amor ir embora.
-- Deixar ir embora sem lutar? Jamais.
-- Você já lutou o suficiente.
-- Eu não vou desistir de você, Alicia. Não me peça isso.
-- Esse estado exagerado da paixão me parece mais como obsessão. O amor é um sentimento saudável, que nos leva a ser e fazer coisas melhores. No entanto, quando ele se torna obsessivo, vira uma doença. Você precisa se tratar, Natália.
-- Me tratar? Quem deveria se tratar é aquela louca que você acolheu em seu apartamento -- Irritada, não pôde conter a aspereza na voz.
-- Eu amo a Fernanda -- disse Alicia, com os olhos brilhando -- Depois de perder a Thais, eu já não tinha esperança de ser feliz. De repente, porém, tudo mudou na minha vida -- ela deu um passo pra trás ao ler com facilidade a ira nos olhos de Natália -- Eu quero ser feliz! Eu vou ser feliz!
Depois de desligar, Fernanda ficou olhando o celular durante longo momento. Não tinha a menor dúvida de que o pai a amava, porém, a mãe dirigia a sua vida e podia fazer com ela o que quisesse.
Franziu o cenho ao imaginar o que a mãe faria se soubesse que eles se encontrariam.
Suspirando, Fernanda olhou o relógio e comprovou que ainda faltavam alguns minutos para Alicia terminar o seu plantão.
Quando ouviu que se abria a porta, levantou a cabeça e ficou surpreso ao ver Cléo e Yuki.
-- Olá! -- ela o saudou, lhe dando um beijo na bochecha.
-- Olá! -- ele retribuiu o afeto -- Fui levar o Yuki para fazer as suas necessidades -- tirou a guia do animal e jogou no canto -- Tem gente que encontra dinheiro no chão. Já eu encontro cocô de cachorro, e quando encontro, eu encontro no meu tênis.
Fernanda sorriu, jogando a bolsa sobre o sofá e saindo em direção à cozinha.
-- Quer um café?
-- Não, obrigado. Acabei de tomar um sorvete.
Fernanda pegou a cafeteira e serviu-se de café. Com a faca, cortou um enorme pedaço de torta de chocolate que estava sobre a bancada.
-- Essa torta parece estar deliciosa!
-- Está divina. Comi umas cinco fatias.
Fernanda pegou a xícara, o pratinho e se sentou à mesa de frente para Cléo.
-- Vou me encontrar com o papai.
Cléo cruzou os braços sobre a mesa.
-- Sério? Mesmo depois de tudo o que eles fizeram para você?
-- Não vai ser um encontro para me reaproximar da família. Quero conversar com ele sobre o exame. Estou desconfiada de que a mamãe não falou a verdade para o papai.
-- A gente não deve desprezar os pais, mas, em muitos casos é melhor manter um relacionamento de amor e respeito, a distância.
-- Poxa, gostei do que você disse.
-- Eu sou tão inteligente que às vezes não entendo uma única palavra do que estou falando.
-- De agora em diante vai ser assim como você falou: só a distância!
-- Não estão falando de mim, não é mesmo?
Perguntou uma voz grave e o coração de Fernanda pulou em seu peito. Alicia, encostada no batente da porta da cozinha, exibia um sorriso maroto e, ao mesmo tempo lindamente sensual.
-- Amor! -- exclamou a psicóloga -- Que bom que chegou rápido -- então, viu-se nos braços dela, as mãos sobre os ombros, os lábios colados, pela primeira vez experimentava uma emoção tão boa de ter alguém para chamar de amor com tanta veracidade -- Distância de você? Jamais! Você, quanto mais perto melhor -- disse, puxando-a contra ela, sentindo a irresistível vibração da feminilidade.
-- Que susto! -- riu Alicia, forçando-se a se afastar, franzindo o cenho para parecer séria -- Sabe que não sei mais ficar sem você -- acrescentou, tomando-lhe as mãos.
Fernanda colocou uma mecha de cabelo atrás da orelha e sorriu maliciosamente. Cléo afastou a cadeira com força e se levantou.
-- Transformem o tesão acumulado em vontade de trabalhar. Aí vocês vão longe.
-- Quem fala! -- disse Alicia, cruzando os braços sobre seu peito e dirigindo a ele um olhar que soltava faíscas verdes -- Acho que nunca trabalhou na vida.
-- Um dia eu estava desanimado com meu emprego, clamei a Deus que me desse um emprego novo onde eu pudesse direcionar, ter o controle de tudo nas mãos, que abrisse muitas portas, que fosse grande, que entrasse muito dinheiro, que passassem muitos homens lindos.
-- Deus ouviu o seu pedido?
-- Ouviu. Virei motoristas de ônibus articulado.
Alicia e Fernanda trocaram olhares indignados, mas Cléo não disse mais nada, limitando-se a sentar-se novamente.
-- Vou até Niterói e quero que você vá comigo -- disse Alicia, sentando-se a cadeira de frente para o rapaz.
O convite pegou-o desprevenido e ele mordeu o lábio, indeciso.
-- Bem. Não sei.
-- Por que não sabe? -- ela indagou num tom divertido -- Está com medo?
Cléo teve ímpetos de aceitar o convite, mas a consciência o detinha. Por mais que tentasse, não conseguia afastar aquele pressentimento ruim que o acometia cada vez que Alicia mencionava Niterói.
Alicia e Fernanda estavam curiosas à sua espera.
-- Não é medo.
-- Mas, então, por que você não quer ir? -- Fernanda riu e o fitou, sentada na cadeira a seu lado -- Não precisa ter medo. Alicia é esperta, não vai permitir que algo de ruim aconteça.
Depois de comer um sanduíche, Fernanda decidiu ir para o quarto deixando Alicia e Cléo sozinhos.
Alicia pegou uma xicara e enquanto se servia de café, fitou-o curiosa.
-- Não vai me contar mais nada?
-- Sobre o quê?
-- Você sabe -- Alicia parecia confusa.
-- Bem, já que insiste -- Cléo riu muito da curiosidade da amiga -- Estou com um pressentimento de que algo ruim vai ocorrer, um mau agouro.
-- É mesmo?! -- Alicia levantou os olhos por um momento depois, continuou a preparar o seu café -- Você está brincando!
-- Pior que não -- admitiu Cléo, suspirando.
-- Bem, mas pensa -- disse Alicia, levantando-se -- Vou sair as seis horas da manhã -- ela caminhou até a porta e se virou -- E Cléo... vou precisar de você.
Depois que Alicia se foi, o rapaz ficou sentado durante um bom tempo com uma dúvida cruel a incomodá-lo: não queria ir à Niterói, mas, não podia deixar Alicia ir sozinha.
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Fim do capítulo
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rhina
Em: 23/10/2019
Olá
Boa noite.
Já que vocês vão está do lado de cá da poça......de uma esticadinha e venham até Itaboraí.......tenho uma curiosidade louca de conhecer o Cleo.....
E muitas perguntas para Alicia.
E como sou uma negação na cozinha traga as empadinhas para vocês claro e pir favor para mim traga bolo .......kkkkkkkkk
Beijos Autora linda.
Rhina
Brescia
Em: 17/10/2019
Boa noite mocinha.
Já que eles virão a Niterói, da da p deixar a Cléo aqui em casa?rs.
Estou curtindo muito esse trio, elas estão conectadas, se amam e se entendem, mas a Thaís ainda não terminou aqui na terra e a Alicia sabe disso e fará de tudo para libertá-la. Essa jararaca já aprontou com a Thai e pelo jeito tentará fazer algo contra a Fê.
Baci piccola.
Resposta do autor:
Bom dia!
Daqui a pouco eles passam por ai. Não esquece as empadinhas.
Até mais. Beijos.
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Mille
Em: 17/10/2019
Ola Vandinha
Kkkkkkk férias oh coisa boa.
Natália tem um amor doentio pela Alicia, não duvido que foi capaz de matar a Thais.
Cléo com pensamento ruim e sua lealdade com doctor torcer para nada de ruim aconteça com eles. E possam cumprir a missão de ajudar a pequena.
Bjus e até o próximo capítulo
Resposta do autor:
Bom dia, Mille.
Estamos bem perto da verdade.
Até mais. Beijos,
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NovaAqui
Em: 17/10/2019
O que será que vai acontecer? Cléo não é de fugir da raia! Vamos ver
Agora é ajudar Milena como pediu Thais
Férias é uma das melhores coisas do mundo e em um sítio com a vovó é melhor ainda
Abraços fraternos procês aí!
Resposta do autor:
Bom dia, NovaAqui.
Finalmente vamos saber o que está acontecendo com a pequena Milena.
Férias sua linda, volto a trabalhar sexta e já estou com saudades.
Até mais. Beijos.
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