Diálogo com os Espíritos -- Capítulo 35  

-- Quem inventou o casamento foi Deus! Para Deus o casamento é tão importante que Ele próprio celebrou a primeira cerimônia de casamento, e quando Jesus começou seu ministério terreno escolheu justamente uma festa de casamento. Foi lá que Jesus transformou a água em vinho.  

O Pastor tossiu para limpar a garganta e continuou:  

-- O casamento é a união de duas vidas perante Deus, é a solidificação do amor em nossas vidas. Poder viver esse momento é uma das maiores bençãos que podemos receber dos céus. Para Deus nada é mais valioso do que a união de dois seres que se amam.   

Fernanda olhava atentamente para os convidados. A boca estava seca, as mãos, frias e úmidas. Entretanto, apesar do nervosismo e do desânimo, havia uma crescente sensação de expectativa e de esperança, que ela não sabia de onde vinha.  

O que estava fazendo ali? Perguntava-se o tempo todo. Não amava Salomão. Nem ela e nem ninguém mereciam aquele casamento fadado ao fracasso. Por que deixou as coisas chegarem naquele ponto? Era um grande erro. Sabia em seu íntimo. 

Seu coração começou a bater descompassado e ela ouviu uma voz sussurrar como melodia em seus ouvidos. Era tão suave como o sopro do vento.  

-- A felicidade não é desse mundo, Fernanda. Tudo aqui é passageiro. Mentir para fazer o seu pai feliz na terra é pura perda de tempo. Seja verdadeira, para quando ele desencarnar, seu Espirito não se entristeça diante de tão covarde mentira -- disse a voz, mansamente.  

Fernanda colocou a mão direita sobre o coração. Chegava a sentir as suas batidas aceleradas. E naquele momento percebeu a grande besteira que estava fazendo.   

-- Fernanda! -- perdida nesses pensamentos, assustou-se ao ouvir o Pastor chamando-a -- Fernanda! -- ele insistiu.  

-- Sim, Pastor? -- ela sobressaltou-se.  

-- Os votos!  

-- Hum? O que?  

-- Os votos de casamento.  

Fernanda olhou atentamente para o Pastor e para cada um ao seu redor. Nada fazia sentido. Nada naquela igreja, ou nas pessoas de aparência superior e orgulhosa que lotavam seus bancos, combinavam com ela. Podia contar nos dedos de uma das mãos seus amigos verdadeiros, aqueles que torciam com sinceridade por ela, por sua felicidade.  

-- Sinto muito, Salomão -- sentiu um embrulho no estômago e respirou profundamente algumas vezes. Suas mãos tremiam tanto que quase não conseguia segurar o buquê -- Desculpa, mas não posso me casar com você.  

Salomão arregalou os olhos e olhou ao seu redor.  

-- Não há mais tempo para desistir, Nanda -- o desespero estava estampado em seus olhos negros -- Os convidados estão aqui, o Pastor está esperando para nos casar.  

Matilde olhou para os convidados que esperavam atônitos sem saber o que estava acontecendo.   

-- Por favor minha filha, veja o vexame que estamos dando, vamos ser motivo de chacota por toda a comunidade.  

-- O que significa isso? -- perguntou Osvaldo, sem entender.  

Fernanda passou a mão pelo rosto do pai, com carinho.  

-- Me perdoa, papai, mas eu não posso.  

-- Mas, por que esperou tanto para tomar essa decisão? -- o rosto dele estava sem cor, tornando-se translúcido -- Poderíamos ter evitado esse circo se não tivesse confirmado o casamento.  

-- Eu sei que a minha falta de coragem e determinação nos colocou nesta situação constrangedora, mas não tem outro jeito. Lembra da ilustração bíblica do cordão, que o senhor me falou? Os cordões ou cordas usadas nos veleiros são feitos para durar, não para se gastar ou se romper, mesmo nas tempestades mais fortes. Da mesma forma, o casamento foi feito para durar.   

Osvaldo olhou sério para a filha e sacudiu a cabeça, sem dizer uma palavra.   

-- Não seja Idiota, Nanda! -- Matilde empurrou Osvaldo e se aproximou de Fernanda puxando-a pelo braço -- Conversaremos sobre isso depois. Agora precisamos continuar com o casamento. Que vergonha meu Deus!  

-- Ainda não entendeu, mamãe? -- as mãos dela tremiam enquanto buscava força para enfrentar a mãe -- Não haverá mais casamento.  

Dona Matilde levantou uma sobrancelha. Os olhos faiscavam.  

-- Ah! Mas, vai sim! -- ela puxou a filha com violência -- Mesmo que seja a força.  

Suelen desceu do altar e foi em defesa de Fernanda.  

-- Vamos, Nanda. Se está realmente decidida a não se casar, é melhor sairmos rapidinho daqui.  

Apertando os lábios, um contra o outro, Fernanda balançou a cabeça, concordando. Nas suas costas, ouviu o burburinho se tornar cada vez mais alto. A família de Salomão estava revoltada e começava a se agitar, perigosamente.  

Matilde ainda segurava o braço da filha quando esbravejou palavras de ódio.  

-- Se você sair por essa porta, esqueça que tem um pai e uma mãe. Nunca mais apareça na nossa frente. Para nós você morreu.  

Fernanda engoliu a dor quando os dedos de Matilde apertaram ainda mais seu braço.   

-- Faz tempo, mãe, que eu não me sinto viva nessa família -- Fernanda se virou. E então ela a avistou, de pé, na porta de entrada da igreja. Usava a mesma jaqueta jeans do pesadelo. O tempo parou quando ela fitou os olhos dela, verdes como a mata após a chuva. Viu o rosto de Alicia ser invadido por um momento de enorme tensão e expectativa.  

-- Espera, Fernanda! -- Salomão colocou uma mão sobre o seu ombro -- Eu não me importo se você não me ama e não quer casar comigo. Eu te amo da mesma forma.  

Fernanda olhou fixamente para o seu rosto e ameaçou bater em sua cabeça com o buquê de flores.  

-- Vai te ferrar, Salomão! -- quase berrou.  

Fernanda desvencilhou-se do rapaz, afastou Matilde da frente e correu de volta pelo corredor em direção à entrada da igreja. Sentiu o olhar dos convidados fixos nela, julgando-a, criticando-a, condenando-a. As pernas tremeram e ela vacilou. Ergueu o rosto e o olhar de Alicia prendeu o seu. Aquele olhar dizia muito mais do que qualquer palavra que saísse de sua boca. Dizia vem, vem que eu te protejo!  

No momento seguinte, ela estava nos braços de Alicia, o buquê caído descuidadamente sobre o tapete vermelho.  

-- O que faz aqui?  

Alicia passou o dedo indicador sobre o nariz bem feito e feminino de Fernanda. Olhou-a nos olhos e ergueu as sobrancelhas com aquele jeitinho de boa menina.  

-- Não sei. Apenas resolvi seguir o meu coração e ele me trouxe até aqui.

Fernanda suspirou, baixou a cabeça e sussurrou: 

-- Eu te amo doutora. Te amo mesmo antes de te conhecer -- quando voltou a levantar a cabeça, seus olhos brilharam por conta das lágrimas que rolaram por sua face -- Será que um dia... 

Alicia cobriu-lhe a boca com a sua num beijo tão explosivo que para Fernanda o mundo pareceu parar.  

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Fim do capítulo