Capítulo 34
Diálogo com os Espíritos -- Capítulo 34
Cristina olhou pensativa para Alicia. Depois, sorriu animada.
-- Já sei! -- ela exclamou, entusiasmada -- Lembra da Mônica?
-- Aquela que trabalhava na coleta? Lógico que lembro.
-- Pois é, a Mônica agora trabalha no Laboratório Municipal. Com certeza ela tem muitos contatos e vai conseguir localizar os exames pra você.
-- Valeu, Cris. Fico te devendo essa -- disse ela, sem disfarçar a empolgação.
Cristina balançou a cabeça de um lado para o outro.
-- Para mim você não deve nada, agora para a Mônica...
-- Ah, não!
Cristina caiu na gargalhada.
-- Por que esse desespero? Ela não cobra tão caro assim. No máximo uns beijinhos.
-- Ai, meu Deus!
-- Deixa de ser melodramática. Beijar não cai os dentes -- Cristina olhou o relógio -- Vou indo, tenho uma cirurgia para colocação de marcapasso.
-- Cris! -- chamou Alicia.
Ela se virou.
-- Hum?
-- Preciso desses exames no máximo até sexta.
Alicia e Cléo estavam cada qual em seu quarto. O que passava pela cabeça da médica? O rapaz podia ouviu os seus passos de um lado para o outro do quarto, abrindo e fechando portas e gavetas. Ela não dizia nada, não fazia um comentariozinho sequer sobre o casamento de Fernanda. Já estava a ponto de ter um ataque de nervos. Para ele, era inadmissível que Alicia não tomasse uma atitude que acabasse de vez com o circo montado pela matriarca da família Brandão.
-- Eu não aguento essa apatia! -- assim, de rompante ele bateu à porta do quarto de Alicia e ficou esperando, aflito. Por algum tempo, nada escutou. Depois, ouviu uma voz irritada.
-- Quem é?
-- O Yuki -- respondeu o rapaz, bufando -- Lógico que só pode ser o Cléo.
-- O que você quer? -- a porta foi escancarada violentamente e Alicia apareceu diante dele segurando algumas peças de roupas.
-- Está arrumando o quarto? -- deu uma olhada para dentro, viu uma mala de viagem aberta sobre a cama, mas não falou nada -- Quando eu era criança lá na cidade de Tomar do Geru, no Sergipe -- ele disse e foi entrando -- Minha mãe reclamava da bagunça do meu quarto, eu só dizia: o quarto é meu; a bagunça é minha; arrumo se eu quiser; larga esse chinelo que já estou arrumando.
-- Eu não estou arrumando o quarto. Estou arrumando a mala de viagem.
A surpresa foi tanta que Cléo só conseguiu abrir a boca e arregalar os olhos, incrédulo.
-- Viajar? -- ele sentou-se na beirada da cama e olhou-a a princípio com curiosidade, depois com espanto -- Para onde?
-- Para bem longe -- disse ela depois de um longo silêncio -- e não adianta insistir que eu não contarei o destino -- foi taxativa.
Os olhos azuis transpassavam-na como se quisesse ler o que ia por trás dos olhos verdes e misteriosos dela.
-- Vai ficar fora por quanto tempo?
-- Talvez um mês -- respondeu secamente.
-- Um mês? -- estava incrédulo -- Você não pode simplesmente fugir dessa forma, docteur. O casamento da Fernanda é sábado! -- o rosto dele se contraiu -- Mesmo não sendo a criatura mais sortuda desta terra, não gostaria de estar no lugar dela. Estar dividida entre o que ela entende ser um dever para com seu pai e um amor impossível não deve ser fácil.
Alicia corou, em dúvida quanto ao significado daquelas palavras. O que será que ele queria dizer?
-- Explique-se melhor, Cléo. Não fique falando nas entrelinhas -- os maxilares dela se contraíram.
-- Você não é nenhuma bobinha. Sabe muito bem que a Fernanda a ama -- ele sorriu com ironia -- Não entendo por que fica se fazendo de desentendida.
-- Você já ouviu falar dos camaleões sociais?
-- Não.
-- Segundo Frederico Mattos, "são pessoas incapazes de dizer não. Preferem sacrificar seu conforto, bem-estar e alegria para se sujeitar aos anseios dos outros". Fernanda precisa aprender a tomar suas próprias decisões sozinha. Nesta hora ninguém pode viver no seu lugar. Escolher ser feliz é atribuição própria de cada pessoa, não podemos decidir por ela.
-- E se ela, se decidiu pela docteur, mas pensa que não é correspondida?
Alicia olhou para ele, com uma expressão indecifrável.
-- É isso que veremos.
Fazia algum tempo que Fernanda estava deitada. Desejava conseguir dormir pelo menos algumas horas. Não queria entrar na igreja com a tristeza estampada em seus olhos. Muito menos gostaria de deixar evidentes seus próprios sentimentos. Para tanto, deveria esquecer Alicia, pelo menos por instantes e tentar dormir um pouco. O dia seguinte ia ser a maior provação de sua vida.
Colocar a aliança no dedo de Salomão e declarar seus votos de amor e fidelidade eternos exigiria todo autocontrole que possuía. Mas não era fácil dormir. Ela virava na cama de um lado para o outro, mas não conseguia repousar. A imagem da bela doutora ia e vinha teimosamente.
-- Alicia! -- ela sussurrou o nome da médica com a voz rouca -- Jamais esquecerei de você. Não será fácil aceitar a ideia, mas o tempo se encarregará de curar minhas feridas.
Algum tempo depois, ela dormiu.
Assim que Alicia entrou no Hospital, a recepcionista cumprimentou-a sorrindo.
-- Bom dia, doutora Alicia. A doutora Cristina está desesperada a sua procura -- disse com calma -- Pelo estado que ela está, deve ser caso de vida ou morte.
Alicia engoliu em seco.
-- Obrigada. Vou procurá-la agora mesmo -- Alicia saiu em dispara pelos corredores do hospital. Abriu várias portas até encontrar Cristina bebendo água em um dos bebedouros do setor de cardiologia -- Cris! -- ela chamou, de longe.
Cristina levantou a cabeça, secou a boca com as costas das mãos e sorriu.
-- Credo, por sua causa quase me afoguei.
-- Desculpa -- Alicia sorriu -- É que estou muito ansiosa. Conseguiu?
A cardiologista puxou por um envelope que estava no bolso do jaleco e levantou como um troféu.
-- Não falei que a Mônica conseguiria? A garota é fera! -- disse ela, entregando o envelope nas mãos da amiga.
Apesar do nervosismo, Alicia deu um sorriso largo.
-- Vamos, abra logo. Também estou curiosa -- Cristina falou, observando-a.
Alicia abriu e, logo ao ler o primeiro parágrafo, no entanto, suas mãos começaram a tremer, e um arrepio percorreu a sua espinha. Aturdida, segurou melhor o documento e continuou a lê-lo. Quanto mais lia, mais se espantava, mal acreditando no que estava escrito.
-- Então, o que diz?
Alicia, deixou-se cair em uma cadeira estofada. Fechando os olhos, sentiu o estômago contrair-se e um peso incrível comprimiu o seu peito.
-- Alicia, onde você está?
Fernanda corria por entre os bancos procurando pela médica. A igreja estava lotada, o grande coral gospel cantava um hino de casamento e o pastor proferia palavras de amor eterno. Ela corria, corria, no entanto, parecia não sair do lugar.
E então ela a avistou, de pé, na porta de entrada da igreja. Sua jaqueta jeans estava suja de sangue e rasgada. Os olhos verdes estavam opacos e tinham uma expressão de profundo pesar.
-- Alicia! -- ela segurou a mão da médica -- O que aconteceu?
-- Fernanda, não permita que destruam a sua vida -- ela disse.
-- O que?
-- Não permita que destruam a sua vida -- repetiu Alicia, para então desaparecer, deixando a mão de Fernanda ensanguentada.
-- Alicia! -- ela gritou.
O grito ecoou várias vezes dentro da igreja, cada vez mais alto. O coral começou a cantar a marcha fúnebre e o pastor a puxou pelo braço, iniciando o ritual de exorcismo diante do público.
-- Você está possuída pelo inimigo, Fernanda! -- o pastor berrava e o corpo dela chacoalhava involuntariamente.
E então ela acordou.
-- Nanda! Nanda! -- Suelen a sacudia pelos ombros -- Você está tendo um pesadelo.
-- Suelen? -- Fernanda se sentou na cama, com o coração disparado e a respiração entrecortada -- A Alicia... ela está morta! -- as lágrimas rolavam copiosamente.
-- Alicia está bem, Nanda. Acabei de falar com o Cléo -- disse Suelen, preocupada -- Vou buscar um copo com água. Você está muito nervosa.
Fernanda enterrou o rosto nas mãos e esfregou as palmas contra as faces na esperança de apagar o pesadelo da memória.
Suelen logo retornou trazendo o copo com água.
-- Beba a água, você vai se sentir melhor.
Com um soluço, ela bebeu devagar um pouco da água. Por fim, levantou a cabeça e se concentrou em acalmar a respiração.
-- Obrigada por ter vindo.
-- Eu disse que viria -- Suelen se sentou na beirada da cama, olhando com carinho para a amiga -- A casa está um alvoroço. Tem gente pra todo lado.
-- Não tenho vontade nem de me levantar da cama, imagina falar com essas pessoas -- à medida que a tensão diminuía, Fernanda se sentia melhor.
-- Sinto muito, Nanda, mas se quer manter a sua decisão de se casar, vai ter que deixar o desanimo de lado e começar a se mexer. A cabeleireira e o maquiador já estão te esperando. Como diria o filósofo Cléo: Podemos errar em tudo nessa vida, menos na sobrancelha.
As horas se passaram tão rápido, pareceram voar. Logo chegou a hora da cerimônia. Fernanda admirou-se no espelho.
-- Minha vida está uma bagunça total. Mas pelo menos meu cabelo está bonito.
-- Você tem certeza do que está fazendo? -- Suelen pousou a mão no ombro da amiga -- Nunca é tarde demais.
Fernanda encontrou o olhar preocupado de Suelen no espelho. Ela meneou a cabeça.
-- Eu tenho certeza, Sue. Quero dar essa última alegria para o meu pai.
Suelen suspirou.
-- Não gosto de vê-la jogar fora sua vida, mesmo por seu pai.
Fernanda Inclinou-se, beijou o rosto da amiga.
-- Não se preocupe. Estou bem. Pelo menos, hoje.
Suelen abraçou-a.
-- Vou tentar.
Fernanda percebeu que a amiga estava emocionada. Apoiou o rosto no ombro dela e fechou os olhos.
-- Obrigada. Por estar aqui, ao meu lado.
Suelen acariciou o ombro da psicóloga.
-- Pode contar comigo pra tudo -- ela deu um sorriso de leve -- menos para cuidar dos seus filhos. Não levo jeito com crianças.
Elas riram.
Uma batida discreta à porta anunciou ser chegada a hora. Suelen se virou para ela sorrindo.
-- Você está linda!
-- Obrigada, Sue.
Nunca os corredores do apartamento dos pais pareceram tão compridos e frios. O único barulho era o toc-toc dos saltos e o palpitar do próprio coração.
Quando chegaram a sala, seu pai a aguardava, ansioso.
-- Nanda! -- ele se aproximou e beijou-a na testa -- Obrigado, por me fazer o pai mais feliz do mundo.
Os olhos de Fernanda se encheram de lágrimas. E naquele momento, ela teve certeza de que estava fazendo a coisa certa.
A igreja estava repleta de parentes e amigos da comunidade. Fernanda sorriu com certa tristeza ao lembrar que havia cuidado pessoalmente de cada detalhe. Desde a decoração da igreja, a banda e até algumas coreografias. Era para ser um dia memorável, o dia mais feliz de sua vida.
De braços dados com a filha, Osvaldo olhava orgulhoso para todos os lados. Ele sorria e acenava com a mão.
Salomão estava esperando por ela próximo do altar. Ao chegar onde ele estava, Fernanda olhou demoradamente para o pai. Era por ele que estava ali, então, precisava ser forte. Ergueu o rosto e o olhar de Salomão encontrou o seu. Ele ofereceu seu braço esquerdo e subiram ao altar.
O Pastor deu as boas-vindas e iniciou a pregação:
-- Quem inventou o casamento foi Deus! Para Deus o casamento é tão importante que Ele próprio celebrou a primeira cerimônia de casamento, e quando Jesus começou seu ministério terreno escolheu justamente uma festa de casamento...
https://www.facebook.com/vandinhacontos
Créditos:
http://www.sobreavida.com.br/2015/01/27/pessoas-que-mudam-sempre-de-opiniao/
Fim do capítulo
Comentar este capítulo:
HelOliveira
Em: 12/09/2019
Filósofo Cléo .... demais...
Curiosa para ver o resultado dos exames e o que Alicia vai fazer...
Ansiosa pelo próximo capítulo
Bjos
Resposta do autor:
Boa noite!
Obrigada por comentar.
Até sexta. Bjs.
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NovaAqui
Em: 10/09/2019
Tenso!
Será que o pai de Nanda está mesmo doente? Curiosidade é meu nome para saber o resultado kkkkk como você é malvada, Vandinha kkkkk deixar-me curiosa rsrs
Espero que Fernanda saia correndo e deixe mamãe e Salomão abandonados no altar kkkkk
Ficarei aqui aguardando ansiosamente pelo próximo capítulo e torcendo para que Alicia e Cléo cheguem para levar Nanda
Abraços fraternos procês aí!
Resposta do autor:
Boa noite NovAqui!
Obrigada por comentar.
Até sexta. Bjs.
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